Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00162/21.3BEMDL |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 05/09/2024 |
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Tribunal: | TAF de Mirandela |
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Relator: | IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES |
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Descritores: | CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL; LAY-OFF; COMPENSAÇÃO RETRIBUTIVA; INTERPRETAÇÃO ARTIGO 303º DO CÓDIGO DE TRABALHO; |
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Sumário: | I. Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica. II. Nos termos do artigo 303º, n.º 1 al. b) do Código de Trabalho, não é devido pagamento de contribuições a cargo da entidade empregadora sobre os montantes pagos, a título de compensação retributiva aos trabalhadores em situação de redução temporária do período normal de trabalho ou suspensão do contrato de trabalho, vulgo lay-off, ao abrigo do regime previsto no Código do Trabalho.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. Instituto da Segurança Social, I.P. (Recorrente), notificado da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 28.09.2023, que julgou a ação procedente, que a [SCom01...], S.A. deduzira contra a liquidação de contribuições para a segurança social, no valor de € 7.290,45 e respetivos juros de mora e da liquidação de contribuições para a segurança social no valor de € 10.430,92 (referentes ao período de abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2020 e respetivos juros de mora constantes da listagem de valores a pagamento), datada de 21.01.2021, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «(…) 1. Segundo os artigos 42.º e 43.º do Código dos Regimes Contributivos, as entidades empregadoras são responsáveis pelo pagamento mensal das contribuições e das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, do dia 10 até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que as contribuições e as quotizações dizem respeito. 2. O cumprimento desta obrigação está também previsto no artigo 303.º n.º 1 alínea b) do Código de Trabalho, que estabelece que durante o período de redução ou suspensão do contrato de trabalho, o empregador deve pagar pontualmente as contribuições para a segurança social sobre a retribuição auferida pelos trabalhadores. 3. Durante um período de oito meses (de abril a novembro de 2020), a Impugnante não procedeu ao pagamento das contribuições a cargo da entidade empregadora, relativas aos montantes pagos, a título de compensação retributiva, aos trabalhadores em situação de suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao empregador e que são legalmente devidas à segurança social. 4. O não pagamento de tais contribuições viola a alínea b) do n.º 1 do artigo 303.º do Código de Trabalho e o n.º 1 do artigo 42.º do Código dos Regimes Contributivos e fez nascer a dívida que Impugnante nega existir. 5. O n.º 3 do artigo 258.º do Código do Trabalho consagra que se presume constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador. 6. Mais do que o serviço efetivo, ou a força do trabalho, o conceito de retribuição tem como elemento essencial, a disponibilidade do trabalhador para prestar trabalho. 7. Se assim não fosse, o enquadramento de cada prestação do empregador ao trabalhador, para que pudesse ser considerada retribuição, tinha que ser prestada num período de tempo em que o trabalhador ofereceu efetivamente a sua força do trabalho. Daqui resultaria, que ficavam excluídas da noção de retribuição diversas situações que a lei consagra como tal: disso é exemplo o valor auferido pelos trabalhadores durante o período em que se encontram a gozar as suas férias e, logo, não há o desenvolvimento de qualquer atividade por parte do trabalhador em benefício do empregador (cfr. Artigo 264.º do Código do Trabalho). 8. A compensação retributiva é uma prestação patrimonial, regular e periódica, paga pelo empregador ao trabalhador, juridicamente devida e de caracter vinculativo para o empregador, nos termos dos artigos 303.º, n.º 1 alínea a) e n.º 3 do artigo 305.º do Código do Trabalho. 9. A compensação retributiva que os trabalhadores da Autora receberam durante a suspensão do contrato de trabalho por efeitos de aplicação do regime previsto no artigo 289.º e seguintes do Código do Trabalho, é Retribuição, o que implica o pagamento de contribuições para a segurança social. 10. A obrigatoriedade de pagar a totalidade das contribuições à segurança social nunca foi, até hoje, questionada durante toda a vigência do regime de suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao empregador, vulgo Lay-off, desde a criação deste regime pelo Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de novembro. Termos em que, Tendo presentes os fundamentos expendidos, devem as presentes alegações ser julgadas totalmente procedentes, e nessa conformidade anulada a sentença recorrida, substituindo-a por douto Acórdão que acolha o entendimento do aqui Recorrente: durante o período de redução ou suspensão dos contratos de trabalho a Impugnante estava obrigada a pagar pontualmente as contribuições para a segurança social – artigos 42.º e 43.º do Código dos Regimes Contributivos e art.º 303, n.º 1, al. b) do Código de Trabalho). Decidindo nesta conformidade farão Vossas Exas., a costumada JUSTIÇA!» 1.2. A Recorrida ([SCom01...], S.A.), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou as seguintes contra-alegações: «(...) a) O procedimento de lay-off iniciado pela Recorrente, com duração compreendida entre 16 de abril de 2020 e 31 de dezembro de 2020, visou a suspensão da prestação de trabalho (e dos respetivos contratos de trabalho) dos trabalhadores abrangidos, pelo que os mesmos estiveram na modalidade de suspensão da prestação do trabalho, e nunca na modalidade de redução do período normal de trabalho. De resto, a própria Recorrente dá isso como assente – como, aliás, não poderia deixar de ser, por corresponder à realidade dos factos. b) Tendo em conta que o lay-off a que os trabalhadores da Recorrente estiveram sujeitos foi a suspensão da prestação de trabalho (lay-off de suspensão), e que os valores pagos pela empresa aos trabalhadores na pendência do referido lay-off foram exclusivamente compensações retributivas, nada tendo sido pago a título de retribuição, nenhuma obrigação legal existe ou existia, do lado da Recorrida, de proceder ao pagamento de contribuições para a Segurança Social sobre compensações retributivas pagas aos trabalhadores, nos termos legais aplicáveis. c) A retribuição corresponde ao pagamento contratualizado entre empregador e trabalhador pelo trabalho prestado. Ou dito de uma forma mais simples: corresponde à contrapartida financeira pelo trabalho prestado. Por esse motivo é que só há pagamento de retribuição se houver trabalho prestado e na proporção do trabalho prestado. Assim, quando há trabalho prestado, o empregador retira uma vantagem económica desse mesmo trabalho, que, por isso, tem de ser remunerado. E, havendo uma vantagem económica do trabalho efetivamente prestado pelo trabalhador, o mesmo não está isento de contribuições para a Segurança Social do lado do empregador, pelo menos ao abrigo do regime do lay-off dito “tradicional” (o previsto no Código do Trabalho). Em situação completamente distinta encontra-se a compensação retributiva, já que esta não visa retribuir o trabalho prestado pelo trabalhador, mas tem antes uma natureza assistencialista, com vista a assegurar ao trabalhador um limiar mínimo de rendimento no contexto de um lay-off. d) É por demais evidente a distinção que o legislador faz, ao longo dos diversos artigos do Código do Trabalho que regulam o lay-off, entre retribuição e compensação retributiva. Aliás, o legislador vai ao ponto de delimitar de forma clara um e outro conceito: por um lado, ao indicar que a retribuição devida ao trabalhador é proporcional ao trabalho que o mesmo preste durante o lay-off (artigo 305.º, n.º 2, do Código do Trabalho); por outro lado, ao indicar que a compensação retributiva se circunscreve ao valor necessário para, juntamente com a retribuição que o trabalhador continue a auferir Não só do empregador, mas também por outro trabalho que o trabalhador encontre fora da empresa durante a vigência do lay-off, pois que o trabalhador está obrigado a comunicar o rendimento desses trabalhos externos ao empregador – artigo 304.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho. , se atingir o limiar mínimo de rendimento previsto no artigo 305.º, alínea a), do Código do Trabalho (artigo 305.º, n.º 3, do Código do Trabalho). É, portanto, clara a ratio legis de diferenciar regimes atinentes a atribuições completamente distintas (e apenas uma delas comparticipadas pela Segurança Social). e) Aliás, em matéria de Segurança Social a diferença de tratamento por parte do legislador é também evidente. Assim, no artigo 304.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho, o legislador estipulou que era obrigação do trabalhador durante o lay-off “pagar contribuições para a segurança social com base na retribuição auferida e compensação retributiva” (negrito e sublinhado nossos). Ou seja, o legislador determinou de forma inequívoca que, do lado do trabalhador, a obrigação contributiva recaía não só sobre os valores que o mesmo auferisse a título de retribuição, mas também sobre os valores que auferisse a título de compensação retributiva. Porém, do lado do empregador, a solução dada pelo legislador não foi a mesma. Com efeito, no artigo 303.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho, o legislador indicou que a obrigação do empregador de pagamento de contribuições para a Segurança Social se circunscrevia apenas à retribuição paga ao trabalhador, excluindo assim os valores auferidos a título de compensação retributiva. f) O próprio artigo 44.º do Código Contributivo é claro ao determinar que a base de incidência contributiva dos trabalhadores é comporta pela “remuneração ilíquida devida em função do exercício da atividade profissional ou decorrente da cessação do contrato de trabalho nos termos do presente Código” (sublinhado nosso), sendo que, de acordo com o artigo 46.º desse mesmo diploma se consideram remunerações “as prestações pecuniárias ou em espécie que nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos são devidas pelas entidades empregadoras aos trabalhadores como contrapartida do seu trabalho” (negrito e sublinhado nossos). g) Ora, não sendo a compensação retributiva paga aos trabalhadores como contrapartida do trabalho prestado (sendo precisamente o contrário, já que tem uma natureza assistencialista, precisamente pela ausência de prestação de trabalho por parte de trabalhador) é evidente que o legislador não poderia onerar o empregador sobre o valor que aquele paga aos trabalhadores pelo não trabalho, isto é, pela ausência de trabalho! h) Já o mesmo não se passa do lado do trabalhador. Aqui o legislador entendeu que o mesmo deveria efetuar contribuições para a Segurança Social, não só relativamente à retribuição que eventualmente auferisse durante o lay-off, mas também relativamente à compensação retributiva. Uma vez que a compensação retributiva não integraria a priori a base de incidência contributiva ao abrigo dos artigos 44.º e 46.º, n.º 1, do Código Contributivo, o legislador teve de o indicar expressamente no artigo 304.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho. i) Assim, não integrando a compensação retributiva paga aos trabalhadores no âmbito de um lay-off do Código do Trabalho a base de incidência contributiva nos termos dos artigos 44.º, n.º 1, e 46.º, n.º 1, do Código Contributivo, nem havendo qualquer outra norma legal que determine a sua inclusão na base de incidência contributiva, existindo apenas para efeitos de quotizações do lado do trabalhador, então não existe qualquer obrigação legal de o empregador pagar contribuições para a Segurança Social sobre as verbas disponibilizadas ao trabalhador a título de compensação retributiva, nenhum motivo válido existindo para que o sistema indicasse uma situação de dívida da Recorrida, sendo o ato administrativo anulável à luz do disposto no artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo. j) A entender-se estar a compensação retributiva sujeita a contribuições no caso do layoff de suspensão do contrato de trabalho, e uma vez que essa contribuição é comparticipada – por imperativo legal – pela Segurança Social em 70% do seu valor, o valor da comparticipação legal e imperativamente estabelecido seria reduzido pela existência de tais contribuições, contrariando de forma clamorosa a letra e o espírito da lei, e tornando o ato também nulo por força do disposto no artigo 294.º do Código Civil (ex vi artigo 295.º do Código Civil). k) Bem sabia (e sabe) o legislador que as quantias compensatórias, mais a mais quando não há prestação de trabalho, estão situadas fora da base de incidência de contribuições e bem sabe que especialmente assim sucede quanto à compensação retributiva. De facto, e por isso mesmo, quando pretendeu sujeitar – em sentido contrário ao do normal fluir da aplicação das regras gerais – a compensação retributiva a contribuições pela entidade empregadora, fê-lo expressamente no quadro do contrato de trabalho intermitente, sob o artigo 93.º do Código Contributivo, mais determinando haver registo de equivalência pela diferença entre a compensação retributiva e remuneração normal, confirmando que a parte em que há sujeição a contribuições é incompatível com o registo de equivalência. Portanto, é especialmente eloquente que o mesmo não suceda quanto à compensação retributiva no caso do procedimento de layoff, sendo que no caso do lay-off do Código do Trabalho o registo de equivalência é pelo montante total da compensação retribuição, sempre excluída de contribuições da entidade empregadora! Percebe-se muito bem que assim seja, pois que no lay-off do Código do Trabalho a compensação retributiva é comparticipada pela Segurança Social; ao passo que na do contrato intermitente não é. E só faz sentido haver registo de equivalência onde deixam de existir remunerações e contribuições. Eis, aliás, o que se retira do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 72.º do Decreto Regulamentar n.º 1A/2011, de 3 de janeiro. l) Com o devido respeito, a Recorrente confunde – de modo gritante – conceitos jurídicos para o correto entendimento da matéria aqui em apreço, fazendo tábua rasa da letra e ratio da lei (mais concretamente do instituto da suspensão do contrato de trabalho em situação de crise empresarial, previsto nos artigos 298.º e seguintes do Código do Trabalho). Entende a Recorrente que a compensação retributiva integra o conceito de retribuição, esquecendo-se, porém, que é o próprio legislador que determina que, durante a suspensão do contrato de trabalho (que ocorreu durante o período de lay-off vigente na Recorrida, nada foi pago aos trabalhadores abrangidos a título de retribuição, forçando a que o valor a ser pago pelo empregador durante este período seja apenas a título de compensação retributiva, nos termos do artigo 305.º, n.º 3, do Código do Trabalho, ignorando, assim, a Recorrente a claríssima distinção que o legislador teve o cuidado de fazer ao longo dos artigos do Código do Trabalho referentes ao lay-off. m) Não se compreende como é que a Recorrente ousa alargar – indevidamente – o conceito de retribuição plasmado no artigo 258.º do Código do Trabalho. É importante esclarecer que, além de a norma nada prever quanto a uma eventual contrapartida da disponibilidade para prestar trabalho, sempre se diga no regime do lay-off de suspensão nem tampouco existe qualquer disponibilidade, por parte do trabalhador, para prestar trabalho, não podendo a entidade empregadora, no caso de necessidade, exigir que o trabalhador abrangido pela medida de lay-off de suspensão, e durante o período de aplicação da referida medida, se apresente para trabalhar imediatamente, sem mais. Até porque, recorde-se, o contrato de trabalho se encontra suspenso! n) Estando o contrato de trabalho suspenso, também se torna inusitado o lugar “paralelo” encontrado pela Recorrente quanto à retribuição durante o período de férias, pois que, durante esse período o contrato de trabalho não se suspende… Mais: é o artigo 46.º, n.º 2, alínea g), do Código Contributivo, que expressamente estipula que “integra a base de incidência contributiva (…) a remuneração correspondente ao período de férias a que o trabalhador tenha direito”, o que, curiosamente, não faz para a compensação retributiva… o) Finalmente, ainda fazendo o exercício indicado pelo n.º 2 do artigo 258.º do Código do Trabalho – que nunca estaria em causa, porquanto não estamos perante uma contrapartida do trabalho prestado nem, como se viu, a disponibilidade para prestar trabalho se inclui neste conceito (disponibilidade que, no caso sub judice, nem existia) – a compensação retributiva jamais integraria o conceito de retribuição, pois que não se trata de uma prestação regular e periódica, nos termos unanimemente entendidos pela jurisprudência, antes se tratando de uma prestação de caráter excecional. Assim, e se dúvidas já não existiam sobre a impossibilidade de subsumir a compensação retributiva ao conceito de retribuição, essas dúvidas devem agora perecer. p) A Recorrente procura, ainda, fazer crer que a grande “revelação” do regime de lay-off simplificado foi “precisamente, a tão anunciada isenção temporária do pagamento das contribuições à Segurança Social” quanto à compensação retributiva e que, não tendo sido esse o regime a que a Recorrida se socorreu, não estaria isenta do pagamento de contribuições. Com o devido respeito, incorre a Recorrente numa gritante falácia! Uma das grandes novidades do DL 10-G/2020 não foi, conforme pretende a Recorrente convencer-se, isentar as entidades empregadoras que se socorreram deste regime de contribuições relativamente às compensações retributivas pagas aos trabalhadores, pois que isso já resultada do regime do Lay-off do Código do Trabalho. Foi antes a de isentar a totalidade das remunerações auferidas, ficando assim isentas de contribuições seja quanto à compensação retributiva (que já resultava do regime normal), seja quanto à retribuição pelo trabalho prestado (grande novidade do regime excecional e transitório do DL 10-G/2020), conforme resulta dos esclarecimentos emanados pela própria Recorrente e pelo Governo. q) Por fim, contrariamente ao convenientemente referido pela Recorrente, existe já jurisprudência que versa exatamente sobre a matéria em discussão no caso sub judice. conforme é do conhecimento da Recorrente, já que a mesma figurou como Impugnada, por sentença proferida em 21 de dezembro de 2022, já há muito transitada em julgado, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, no âmbito do processo n.º 254/21.9BEMDL, decidiu o seguinte: «(…) Sendo certo que compete ao empregador, durante o período de redução ou suspensão, “Pagar pontualmente as contribuições para a segurança social sobre a retribuição auferida pelos trabalhadores” – art.º 303, n.º 1, al. b) do CT (sublinhado nosso) –, também é certo que inexistiu actividade desenvolvida pelos trabalhadores da Impugnante, não sendo, por isso, remunerados, mas sim compensados pela situação em que se encontravam. Ora, se os trabalhadores não foram remunerados pela “força de trabalho por eles oferecida” à Impugnante, também não são devidas as contribuições à Segurança Social que aqui se discutem». r) É também este o entendimento da doutrina, ficando absolutamente claro que nenhuma obrigação legal existia ou existe, do lado da Recorrida, de proceder ao pagamento de contribuições para a Segurança Social sobre compensações retributivas pagas aos trabalhadores. s) Sem prescindir, e para o caso de procedência dos argumentos invocados pela Recorrente, no que não se concede mas se admite por dever de patrocínio, requer-se que, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e porque nada obsta a tal, sejam ainda apreciados outros argumentos da Recorrida que ficaram precludidos na sentença a quo t) A Segurança Social praticou, sem mais, e sem fundamento, o ato de lançamento da situação de dívida de contribuições para a segurança social, cuja legalidade se sindica, impedindo a Impugnante, ora Recorrida, desde logo, de obter certidão de inexistência de dívidas. u) O ato impugnado é, desde logo, inconstitucional e ilegal, por violação do artigo 165.º, alínea i) da Constituição da República Portuguesa pois ab initio, vem alargar, por via administrativa, a base de incidência de contribuições para a Segurança Social, o que lhe está constitucionalmente vedado. v) Por outro lado, tendo o ato criado obrigações pecuniárias (in casu, de natureza contributiva e para-tributária) não prevista da lei, está igualmente ferido de nulidade à luz do que consta do artigo 161.º, n.º 2, alínea k), do Código de Procedimento Administrativo. w) De igual modo, viola ainda o artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa que estabelece que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”. x) A isto acresce que, por força do disposto no artigo 266.º, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece no seu n.º 2 que: “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”, quer por força do disposto no artigo 7.º do Código do Procedimento Administrativo que, quanto ao princípio da proporcionalidade expressamente prevê que: “Na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos”, é igualmente ilegal o ato sub judice. y) Enferma ainda de inconstitucionalidade ato sindicado, na medida em que ao não respeitar a regra segundo a qual é o tempo de trabalho que contribui para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, pois que estabelece contribuições sobre períodos de não trabalho em questão viola o artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o princípio da igualdade previsto no seu artigo 13.º daquela Lei Fundamental. z) Assim, a Recorrida arguiu, portanto, a inconstitucionalidade do ato impugnado por violação dos artigos 13.º, 63.º, n.º 4, 103.º e 165.º, alínea i) da Constituição da República Portuguesa, o que faz nos termos e para os fins do disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional. aa) Acresce que o ato aqui posto em causa padece de vícios formais que o tornam inválido, designadamente, da falta de fundamentação e de violação do direito de audiência prévia. bb) Com efeito, do texto que figura no ato administrativo acima referido, não consta quais os concretos motivos que o fundamentam, ou seja, quais foram as concretas irregularidades cometidas pela Recorrida quanto ao pagamento das contribuições para a Segurança Social relativas aos trabalhadores ao seu serviço que determinaram a existência de dívida e a sua consequente situação irregular perante a Segurança Social, tal como a mesma foi decidida. cc) A ora Recorrida não conseguiu (nem consegue ainda), através da informação constante dos atos administrativos que ora se impugnam, interpretar os elementos constitutivos subjacentes à decisão de emissão daquelas certidões de dívida. dd) Efetivamente, como regra geral aplicável no procedimento tributário, determina o artigo 77.º, n.º 1 e 2, da LGT, que a decisão de procedimento tributário, designadamente a que precede a liquidação adicional do imposto, é sempre fundamentada, mesmo que de forma sumária, “devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo” (sublinhado nosso), sendo manifesta nos presentes autos a violação de tal preceito. ee) Ao já alegado acresce que a opacidade na atuação da Segurança Social repercutiu-se, igualmente, em outras fases do procedimento, designadamente na falta de observação da fase de audiência prévia, em violação também do disposto nos artigos 121.º e 150.º a 153.º do mesmo Código, referentes, respetivamente, ao direito de audição dos interessados e à forma dos atos, suas menções obrigatórias e sua fundamentação. ff) Com efeito, a Segurança Social praticou o ato lesivo cuja legalidade se sindica (com impacto grave, direto e imediato na esfera jurídica da Recorrida), de vícios insanáveis e que ferem o ato administrativo de nulidade à luz do disposto nas alíneas g) do n.º 2 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo e anuláveis à luz do artigo 163.º do mesmo Código. gg) Ora, plasmado quer no artigo 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, quer no artigo 12.º do Código de Procedimento Administrativo, do princípio da participação decorre o direito dos interessados participarem nas decisões que lhes digam respeito. hh) Por essa razão é determinante que a Administração aprecie os argumentos deduzidos pelos particulares antes de se tomar uma decisão, pois só assim se cumpre o desiderato da audiência prévia – vide acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 3 de junho de 2016 Acórdão proferido no processo n.º 00248/11.2BEMDL, relator Desembargador Joaquim Cruzeiro, disponível em www.dgsi.pt. (negrito e sublinhado nossos). ii) Pelo que, verifica-se também no caso dos autos uma violação dos princípios da legalidade, proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da justiça e razoabilidade, da boa-fé, da participação dos particulares e da decisão, tal como previsto nos artigos 3.º, 4.º, 8.º, 10.º, 12.º e 13.º do Código de Procedimento Administrativo e no artigo 267.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, e em consequência ser a decisão do Tribunal a quo confirmada/mantida, com todas as legais consequências. Ao julgardes assim, Venerandos Juízes Desembargadores, estareis uma vez mais a fazer JUSTIÇA!» 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 447 do SITAF, pugnando pela procedência do recurso, discorrendo do mesmo que: «(...) Neste regime excecional, aprovado para fazer face aos efeitos da pandemia na atividade empresarial, uma das alterações mais significativas ao regime tradicional do Lay-off (para além de agilização de procedimentos) foi, precisamente, a tão anunciada isenção temporária do pagamento das contribuições à segurança social (cf. alínea d), n.º 1 do artigo 4.º do DL n.º 10-G/2020, de 26 de março). Porém, não foi este, o regime a que se socorreu a Recorrida, não estando, por isso, isenta do pagamento das contribuições. Sucede que o não pagamento de tais contribuições viola a alínea b) do n.º 1 do artigo 303.º do Código de Trabalho e o n.º 1 do artigo 42.º do Código dos Regimes Contributivos e fez nascer a dívida que a Impugnante/Recorrida nega existir e o Tribunal a quo aceitou como tal. Ora, o n.º 3 do artigo 258.º do Código do Trabalho consagra que se presume constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador. Mais do que o serviço efetivo, ou a força do trabalho, o conceito de retribuição tem como elemento essencial, a disponibilidade do trabalhador para prestar trabalho. Destarte e uma vez que a questão suscitada no presente recurso se encontra analisada perfunctoriamente no douto recurso jurisdicional, de 19.10.2023, interposto pelo ISS, I.P. a cuja fundamentação integralmente aderimos por não vislumbrarmos razão válida para dela divergir, temos de concluir, como ali, que a compensação retributiva que os trabalhadores da Impugnante/Recorrida receberam durante a suspensão do contrato de trabalho por efeitos de aplicação do regime previsto no artigo 289.º e seguintes do Código do Trabalho, é enquadrável no conceito lato de Retribuição, o que implica o pagamento de contribuições para a segurança social. Em conclusão: a) - o recurso interposto pelo ISS, I.P. deve ser considerado totalmente procedente, revogando-se da Ordem Jurídica a sentença recorrida e consequentemente o afastamento da mesma na Ordem Jurídica; (...)» 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações e contra-alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto (esta decorrente da apreciação e valoração dos factos fixados) e de direito, mormente, as descorrente da ampliação de recurso da Recorrida, a título subsidiário em caso de procedência do recurso. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «Factos Provados Com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade: 1. A A., [SCom01...], S.A., é uma empresa que se vinha dedicando à atividade de transporte aéreo, proporcionando, por um lado, para fins comerciais e através das suas aeronaves, a organização de um conjunto de atividades lúdicas, de lazer e de diversão, aqui se inserindo as atividades recreativas de animação turística (vulgarmente designadas “sightseeing”) – art.sº 14.º e 15.º da PI, não impugnados; 2. E, por outro lado, dedicando-se à exploração, com fins lucrativos, e também através das suas aeronaves, da atividade de transporte aéreo propriamente dito, ou seja, aos transportes aéreos não regulares, trabalho aéreo (levantamento aéreo, fotografia aérea) – art.ºs 16.º da PI, não impugnado; 3. Paralelamente, à sua atividade, mas já ora do seu objeto empresarial, a Recorrente tem vigentes alguns protocolos, nomeadamente com o Centro Hospitalar e Universitário ... e com a Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários ..., que visam, em suma, a disponibilização do espaço do heliporto para a aterragem e receção de helicópteros para a transferência de doentes – art.º 17.º da PI, não impugnado; 4. Com data de emissão de 10/12/2020 a Impugnante foi notificada de uma “Declaração” do Centro Distrital de Segurança Social ... pela qual lhe dá conhecimento que é devedora de contribuições (à Segurança Social) no valor de 7.290,45€ + juros de mora no valor de 153,03€, e que em 21/1/2021 a “Listagem de valores a pagamento” perfazia o valor global de 11.783,02€, referentes aos períodos de Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro– Docs 2, que aqui se reproduz; 5. O contexto da propagação da pandemia, conhecida como “COVID-19”, e o confinamento de março e abril de 2020, seguido do frágil e incipiente regresso a uma atividade gradual, entretanto já seguida de novos e sucessivos estado de emergência e, bem assim, de novo confinamento, teve um efeito devastador na economia ( facto notório), e a Autora viu-se na necessidade de recorrer ao procedimento de lay off, previsto sob os artigos 298.º e seguintes do Código do Trabalho – facto notório e art.º 22.º da PI, não impugnado; 6. A Impugnante iniciou no dia 20 de março de 2020, o procedimento de suspensão dos contratos de trabalho da generalidade dos seus trabalhadores (Lay-off), seguindo os trâmites previstos no artigo 298.º e ss. do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro – artºs 35.º e doc 4 da PI e art.º 4.º da contestação; 7. A maioria dos contratos de trabalho que foram abrangidos pelo Lay-off estiveram suspensos desde 16 de Abril de 2020 até 31 de Dezembro de 2020 - artºs 35.º da PI e doc 4; e art.º e art.ºs 4.º e 5.º da contestação; 8. Enquanto estiveram em lay off, os trabalhadores da Impugnante auferiram as compensações retributivas de acordo com o doc 3 da PI, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, e que referem aos meses de Abril de 2020 a Novembro de 2020; 9. Durante aquele período de oito meses (Abril a Novembro de 2020), a Autora não procedeu ao pagamento das contribuições a cargo da entidade empregadora, relativas aos montantes pagos – este facto retira-se dos art.ºs 44.º e ss da PI e do art.º 6.º da contestação.» 2.1.2. Aditamento oficioso 10. A Recorrida na qualidade de entidade empregadora, entregou junto da Segurança Social as respectivas Declarações de Remunerações à taxa de (11%), correspondentes às quotizações por parte do trabalhador e procedeu ao respectivo pagamento durante o período em referência em 7., 8. e 9. da matéria de facto. 11. Datado de 31 de março de 2020, com a menção de enviado por correio electrónico, consta a comunicação dirigida ao ISS,IP, centro distrital ..., assunto: “Lay off – Comunicação nos termos e para os efeitos previstos no artigo 300º, n.º 4 e, n.º 5, do Código de Trabalho” – cfr. doc. n.º4 junto com a p.i. cujo teor aqui de dá por integralmente reproduzido. 12. Datado de 15 de julho de 2020, com a menção de enviado por correio electrónico, consta a comunicação dirigida ao ISS,IP, centro distrital ... assunto: “Lay off (Código de Trabalho) – Comunicação de prorrogação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 301º, n.º 3 do Código de Trabalho” – cfr. doc. n.º5 junto com a p.i. cujo teor aqui de dá por integralmente reproduzido. 2.2. De direito Realce-se que a Recorrente não impugnou a decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos dos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil, não tendo, por seu turno, a Recorrida requerido a ampliação subsidiária do objeto do recurso nos termos do artigo 636.º, n.º 2 do diploma legal referenciado, ou seja em sede de julgamento de facto, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal Central pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, temos de encarar a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância. Assim, in casu, a Recorrente (IPSS,I.P.) não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela por via da qual se julgou procedente a presente impugnação assente na seguinte fundamentação: «Questões: Inexistência de qualquer contribuição devida; Violação do princípio da audição prévia; Falta de fundamentação; Violação dos princípios da proporcionalidade e da boa fé. Quer pelo teor da PI (designadamente, e principalmente, art.º 47.º a 55.º) e da contestação (principalmente art.º 6.º) as partes estão de acordo que, naquele período de 8 meses, a Impugnante pagou aos seus trabalhadores compensações retributivas. Enquanto que a Impugnante defende que nenhuma obrigação existia, ou existe, de proceder ao pagamento de contribuições para a Segurança Social sobre compensações retributivas, o IGFSS tem posição contrária. Vejamos. Nos termos do art.º 42.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social ( abreviadamente Código Contributivo) “As entidades contribuintes são responsáveis pelo pagamento das contribuições e das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço” ( n.º 1) ; e , n.º 2, “As entidades contribuintes descontam nas remunerações dos trabalhadores ao seu serviço o valor das quotizações por estes devidas e remetem-no, juntamente com o da sua própria contribuição, à instituição de segurança social competente”. Por sua vez, sob a epígrafe “Direitos do trabalhador no período de redução ou suspensão” o art.º 305.º, n.º 3 do Código do Trabalho, dispõe que “ 3 - Durante o período de redução ou suspensão, o trabalhador tem direito a compensação retributiva na medida do necessário para, conjuntamente com a retribuição de trabalho prestado na empresa ou fora dela, assegurar o montante mensal referido na alínea a) do n.º 1, até ao triplo da retribuição mínima mensal garantida, sem prejuízo do disposto no n.º 5.”. A alínea a) do n.º 1 do preceito citado refere que “Durante o período de redução ou suspensão, o trabalhador tem direito: a) A auferir mensalmente um montante mínimo igual a dois terços da sua retribuição normal ilíquida, ou o valor da retribuição mínima mensal garantida correspondente ao seu período normal de trabalho, consoante o que for mais elevado;” Sob a epígrafe “Princípios gerais sobre a retribuição”, o art.º 258.º do Código do Trabalho prevê o seguinte: “1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho. 2- A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. 3- Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador. (…)” Contudo, "a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou em espécie) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida, aqui avultando o elemento da contrapartida, elemento esse de grande relevo na medida em que evidencia o carácter sinalagmático do contrato de trabalho, permitindo, assim, excluir do âmbito do conceito de retribuição as prestações patrimoniais do empregador que não decorram do trabalho prestado, mas que, ao invés, prossigam objetivos com justificação distinta - como sejam, ex.g., os subsídios pelo risco, pela maior penosidade da atividade desenvolvida pelo trabalhador ou destinados a compensar despesas decorrentes do contrato de trabalho.” – Neste sentido, cfr. entre outros, acórdão do STJ, proc. 3921/13.7TTKSB.L1.S1, de 3/11/2016; AC. do STJ º 14/2015 de 29-10-2015; Acórdão de 23 de Junho de 2010, proferido na Revista n.º 607/07.5TTLSB.L1.S1 “cujas considerações, não obstante a evolução jurisprudencial e legal ocorrida, mantêm plena relevância.” (no dizer do acórdão de 14/2015 de 29-10-2015, citado) – sublinhado nosso. Ora, no caso dos autos, não vemos uma actividade desenvolvida pelos trabalhadores da Impugnante desde o procedimento de lay off, porque, precisamente, houve uma suspensão dos contratos de trabalho. Sendo certo que compete ao empregador, durante o período de redução ou suspensão, “Pagar pontualmente as contribuições para a segurança social sobre a retribuição auferida pelos trabalhadores” – art.º 303, n.º 1, al. b) do CT (sublinhado nosso) -, também é certo que inexistiu actividade desenvolvida pelos trabalhadores da Impugnante, não sendo, por isso, remunerados, mas sim compensados pela situação em que se encontravam. Ora, se os trabalhadores não foram remunerados pela “força de trabalho por eles oferecida” à Impugnante, também não são devidas as contribuições à Segurança Social que aqui se discutem. Pela resolução desta questão fica prejudicado o conhecimento das outras suscitadas pela Impugnante.» (fim da transcrição integral do discurso fundamentador da decisão sob recurso) Vejamos da correcção e bondade do assim decidido. Com a presente impugnação, pretendeu a Recorrida a anulação de acto administrativo de lançamento da situação de dívida de contribuições para a segurança social, no montante de €7.290,45, acrescido de respectivos juros de mora (no valor global de € 7.442,48), com as demais consequências legais, bem como, a anulação do acto de liquidação de contribuições para a segurança social, no montante de € 10.430,92, referente aos períodos de abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2020, acrescido de respectivos juros de mora (no valor global de € 10.651,62), com as demais consequências legais, a que acresce a anulação de todos os actos lesivos de liquidação de contribuições para a segurança social que radiquem na mesma interpretação e aplicação da lei. Conforme discorre da matéria de facto provada a Recorrida, por força do contexto e propagação da pandemia, conhecida como “COVID – 19”, viu-se na necessidade de recorrer ao procedimento de Lay-off previsto e regulamentado nos artigos 298º e seguintes do Código de Trabalho, o qual iniciou a 20 de março de 2020, com suspensão da prestação de trabalho da generalidade dos seus trabalhadores, suspensão essa que ocorreu entre abril de 2020 a 31 de dezembro de 2020. Enquanto estiveram em lay-off, os trabalhadores suspensos auferiram as compensações retributivas referentes aos meses de abril a novembro de 2020, sendo que durante esses oito meses, a recorrida não procedeu ao pagamento das contribuições a cargo da entidade empregadora, (vide item 10. aditado) correspondente aos valores pagos aos trabalhadores suspensos a título de compensação retributiva, mas tão só procedeu ao pagamento dos 11% a cargo do trabalhador. Vejamos. O Lay-Off é um regime jurídico que permite às empresas suspenderem contratos de trabalho ou reduzirem o número de horas de trabalho habituais dos seus trabalhadores. Este regime é temporário e permite evitar a extinção de postos de trabalho ou o despedimento coletivo em situações em que as empresas estejam a enfrentar dificuldades económicas ou outros constrangimentos na sua atividade, mormente devido a motivos de mercado, estruturais e tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham afectado gravemente a actividade normal da empresa, desde que tal medida seja indispensável para assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho (artigo 298º do Código de Trabalho). O regime jurídico das situações de redução ou suspensão do contrato de trabalho ou dos períodos normais de trabalho em situação de crise empresarial, comumente designadas de lay-off, foi introduzido no ordenamento jurídico português através do DL n.º 398/83, de 2 de Novembro, tendo sofrido sucessivas alterações, em especial em 2012, por decorrência de crise económica, e no ano de 2020 com um regime próprio, em que a crise foi despoletada pela emergência de saúde pública de âmbito internacional. No âmbito da pandemia, tendo por base o regime jurídico do Lay-Off, já previsto no Código do Trabalho [previsto nos artigos 298.º e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual], optou-se pela simplificação e desburocratização deste regime, de forma a assegurar um apoio rápido e eficiente às empresas em dificuldade. O objetivo foi claro: permitir a manutenção dos contratos de trabalho e garantir a preservação dos rendimentos. Numa primeira fase, o Governo atuou através da adoção de duas Portarias – Portaria n.º 71/2020 e Portaria n.º 76-B/2020, de 18 de março – que, todavia, não foram bem conseguidas. Apesar de aludirem ao Lay-Off, não admitiam a suspensão dos contratos de trabalho. Numa segunda fase, visando corrigir aquela incongruência, o Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março, explicitando, finalmente, que se estava perante um Lay-Off simplificado, com possibilidade de suspensão do contrato de trabalho ou redução do período normal de trabalho. Foi a fase da implementação dos apoios, no auge da primeira vaga da pandemia. Numa terceira fase, depois de “controlada” a primeira vaga da pandemia, apostou-se no desconfinamento e na recuperação da atividade económica, aprovando-se dois novos diplomas: (i) Decreto-Lei n.º 27-B/2020, de 19 de junho – visou prolongar o regime do Lay-Off simplificado até 31 de julho de 2020 e, (ii) Decreto-Lei n.º 46-A/2020, de 30 de julho criou o regime de apoio à retoma progressiva da atividade, que privilegiava a redução do período normal de trabalho em detrimento da suspensão dos contratos de trabalho. Por fim, com o agravar da pandemia e o advento da “segunda vaga”, em outubro de 2020, o Governo voltou a flexibilizar os requisitos de acesso ao regime da retoma progressiva da atividade e a alterar o conceito de crise económica, de forma a admitir a redução a 100% do período normal de trabalho, no caso de empresas com quebras de faturação igual ou superior a 75%. Sem prejuízo deste regime, apelidado de Lay-Off simplificado, ficou claro que as empresas poderiam lançar mão do regime “normal” ou dito de Lay-Off tradicional, previsto no artigo 298.º do Código do Trabalho, bem como do mecanismo do encerramento e diminuição temporária de atividade, constante do artigo 309.º, também do Código do Trabalho. E, apesar da coexistência dos dois regimes no período em análise das “alegadas” contribuições em falta, cumpre atentar à vontade do empregador manifestada na sua comunicação, da qual este Tribunal não se pode alhear, atenta a possibilidade de escolha entre o Lay-Off simplificado (decorrente da legislação supra elencada que aqui denominamos de COVID – 19, mais concretamente do Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março) e o tradicional (previsto e regulado no Código de Trabalho). Ora, atenta a matéria de facto fixada, mormente item 6. a que acresce a matéria oficiosamente aditada nesta instância item 11. e 12, é manifesto que todo o procedimento foi determinado, implementado e comunicado à Segurança Social em manifesta opção pelo Lay-Off tradicional, por via das menções expressas nesse sentido que não permitem qualquer margem para dúvidas. Este o primeiro dado essencial, pois que a questão a resolver nos presentes autos, não ocorreria se estivéssemos perante uma situação de Lay-Off simplificado à luz da legislação especial – pandemia COVID-19, em que a lei era clara e explicita no sentido de os empregadores se encontrarem isentos do pagamento das contribuições em sede de segurança social na parte referente à entidade empregadora (23,75%), continuando a ser devidas as cotizações dos trabalhadores (11%). Assim, cientes de que estamos no âmbito de um procedimento de Lay-Off tradicional ou clássico, e perante os factos assentes, cumpre dar resposta à questão primordial, a qual foi apreciada pelo Tribunal a quo, qual seja, a de saber se no caso do Lay-off convocado pela Recorrida ao abrigo dos artigos 298º e ss. do Código de Trabalho a compensação retributiva paga ao trabalhador suspenso constitui base de incidência contributiva do empregador à segurança social? Para o efeito cumpre uma breve referência sobre a natureza jurídica da “compensação retributiva”. Como vimos a Recorrida, na qualidade de empregador suspendeu os contratos de trabalho num 1º tempo, a que se seguiu a prorrogação do mesmo, com recurso ao regime previsto no Código de Trabalho. Durante esses períodos, a compensação retributiva a que o trabalhador tem direito é a prevista no n.º 3 do artigo 305.º do Código de Trabalho, sendo paga pelo empregador, sendo que, durante o período de aplicação desta medida, a empresa tem direito a um apoio financeiro para efeitos de pagamento da referida compensação retributiva, nos termos do n.º 4 daquele preceito (apoio esse equivalente a 70% do respetivo montante). Em primeiro lugar, atento os argumentos da Recorrida e a posição sustentada na sentença sob recurso, diremos que em sentido estrito a retribuição é a contrapartida do trabalho e que estando o contrato de trabalho suspenso não há tecnicamente retribuição. Razão pela qual a lei fala em uma compensação retributiva: a retribuição tem um regime especial (em matéria, por exemplo, de proibição de cessão, impenhorabilidade ao menos parcial, proibição, em regra, de compensação com outros créditos) pela sua natureza “alimentar”. Muito embora não seja necessária a subordinação económica para que haja contrato de trabalho, é frequente, para não dizer normal, que o trabalhador subordinado dependa para a sua sobrevivência e do seu agregado familiar do pagamento pontual da retribuição. Ora o mesmo se pode dizer da compensação retributiva numa situação de suspensão do contrato de trabalho ao abrigo do regime do Lay-off regulamentado no Código de Trabalho. De acordo com o estatuído no artigo 258º, do Código do Trabalho “Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho” (n.º 1), e “Presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador” (n.º 3). Reportando-nos ao conceito de “retribuição”, a sua noção legal integra três elementos essenciais, a saber: (i) contrapartida da actividade do trabalhador ou disponibilidade para o trabalho; (ii) prestação patrimonial; e (iii) prestação regular e periódica. Assumindo este conceito de “retribuição”, podemos, pois, concluir que a “compensação retributiva” não sendo uma contraprestação pelo trabalho prestado, pois que a prestação de trabalho está suspensa, configura uma contrapartida pela disponibilidade do trabalhador para o trabalho. Quanto aos direitos e deveres das partes durante o período de suspensão, a lei estabelece que o trabalhador terá direito «a auferir mensalmente um montante mínimo igual a dois terços da sua retribuição normal ilíquida, ou o valor da retribuição mínima mensal garantida correspondente ao seu período normal de trabalho, consoante o que for mais elevado» (art. 305.º, n.º 1, al. a) do Código de Trabalho) ─ assim se garantindo ao trabalhador um rendimento equivalente à retribuição mínima garantida ou a 2/3 da remuneração que ele auferia normalmente, conforme o que for mais alto ─, bem como a exercer outra atividade remunerada (art. 305.º, n.º 1, al. c) do Código de Trabalho). Durante esse período, o trabalhador tem direito a compensação retributiva na medida do necessário para, conjuntamente com a retribuição do trabalho prestado na empresa (no caso de o lay-off implicar, apenas, redução de atividade) ou fora dela, assegurar aquele mínimo, mas com o limite máximo do triplo da retribuição mínima mensal garantida (n.º 3 do art. 305.º do Código de Trabalho). Caso exerça atividade remunerada fora da empresa, o trabalhador deverá comunicar esse facto ao empregador, sob pena de perder o direito à compensação retributiva e de cometer uma infração disciplinar grave (art. 304.º, n.º 1, al. b), e n.º 2 do Código de Trabalho). O montante da compensação retributiva é, pois, variável, podendo até reduzir‑se a nada, desde logo em função daquilo que o trabalhador suspenso receba por trabalho prestado a outra entidade empregadora. Por outro lado, pode registar-se uma majoração, quando o trabalhador abrangido frequente cursos de formação profissional, aprovados administrativamente, que aumentem a sua empregabilidade ou contribuam para a viabilidade da empresa, nos termos do n.º 5 do art. 305.º do Código de Trabalho. Registe‑se ainda que a suspensão do contrato não afeta os direitos do trabalhador em matéria de férias e de subsídio de Natal (art. 306.º do citado diploma). Sobre o empregador recaem diversas obrigações, elencadas no art. 303.º, n.º 1, do Código de Trabalho, destinadas a evitar que se frustrem os objetivos da medida tomada, designadamente a de efectuar pontualmente o pagamento da compensação retributiva e das contribuições para a segurança social, a de não distribuir lucros nem aumentar as remunerações dos titulares dos corpos sociais, bem como a de não admitir novos trabalhadores nem renovar contratos a termo para postos de trabalho suscetíveis de ser ocupados por trabalhadores afectados pela suspensão. Por fim, o empregador não pode fazer cessar os contratos dos trabalhadores abrangidos pela medida, salvo no caso de comissão de serviço, de caducidade de contrato a termo ou de despedimento com justa causa (n.º 2 do art. 303.º do Código de Trabalho). A decisão de suspender os contratos de trabalho, com a inerente redução dos custos salariais, emana do empregador e não depende de qualquer autorização administrativa, verificados os seus pressupostos. Para aquele, os custos salariais reduzem‑se por uma dupla via: por um lado, porque a compensação retributiva a pagar ao trabalhador será de montante inferior à sua retribuição normal; por outro, porque a segurança social comparticipa nessa compensação retributiva suportando 70% da mesma, cabendo os restantes 30% ao empregador (art. 305.º, n.º 4 do Código de Trabalho). Dos direitos e deveres enunciados de ambas as partes, discorre clara a disponibilidade do trabalhador, quer para uma cessação imediata da medida de Lay-off e o seu regresso, seja pela obrigatoriedade de frequência de cursos de formação, seja pela obrigação que recai sobre o trabalhador de comunicar qualquer situação que seja incompatível com essa disponibilidade. Em suma, durante o período de Lay-off, o trabalhador deve frequentar a formação profissional que o empregador passa vir a proporcionar, bem como deve retomar a prestação de trabalho nos termos normais logo que cesse a suspensão do contrato de trabalho. Não existem dúvidas que a compensação contributiva, reveste o caracter de uma prestação patrimonial, regular e periódica, paga pelo empregador ao trabalhador suspenso, enquanto se verificar a situação, juridicamente devida e de caracter vinculativo, nos termos do artigo 305º, n.º 1 al. a) e n.º 3 e artigo 303º, ambos do Código de Trabalho. Sendo a compensação retributiva o rendimento que se destina a garantir ao trabalhador um rendimento equivalente à retribuição mínima garantida ou a 2/3 da remuneração que ele auferia normalmente, consoante o que for, mas alto, em caso de suspensão, ou seja, valor esse que visa garantir uma quantia mínima mensal considerada de essencial à luz do princípio da suficiência salarial. Podemos, pois, delinear que a obrigação de pagamento por parte do empregador da compensação retributiva assume contornos de protecção, nomeadamente o seu caracter de pontualidade (303º n.º 1 al. a) do Código de trabalho) à luz da obrigação pontual da retribuição (127º, n.º 1 al. a) do Código de Trabalho), relevando o mesmo grau de protecção Por isso, como bem refere o Ex.mo PGA “não podemos concordar com a posição doutrinária veiculada na sentença a quo quando refere que se os trabalhadores não foram remunerados pela “força de trabalho por eles oferecida” à Impugnante, também não são devidas as contribuições à Segurança Social. Mais do que o serviço efetivo, ou a força do trabalho, o conceito de retribuição tem como elemento essencial, a disponibilidade do trabalhador para prestar trabalho. Se assim não fosse, o enquadramento de cada prestação paga pelo empregador ao trabalhador, para que pudesse ser considerada retribuição, tinha que ser prestada relativamente a um período de tempo em que o trabalhador ofereceu efetivamente a sua força do trabalho. Daqui resultaria, que ficavam excluídas da noção de retribuição diversas situações que a lei consagra como tal: disso é exemplo o valor auferido pelos trabalhadores durante o período em que se encontram a gozar as suas férias e, logo, não há o desenvolvimento de qualquer atividade por parte do trabalhador em benefício do empregador (cf. artigo 264.º do Código do Trabalho).” É que, o n.º 3 do artigo 258.º do Código do Trabalho consagra que se presume constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador. Pelo exposto, seria de revogar a sentença sob recurso, por não os revermos no seu discurso fundamentador in totum. Mas cumpre prosseguir, pois se bem que este Tribunal ad quem, não se reveja na posição de “retribuição” enquanto prestação efectiva de trabalho em que o Tribunal a quo fundou o seu julgamento, cumpre responder à questão supra formulada, qual seja, se a compensação retributiva paga ao trabalhador suspenso constitui base de incidência contributiva do empregador à segurança social? Resposta essa, que logra acolhimento na interpretação e aplicação das normas legais do regime Lay-off do Código Trabalho, mais concretamente do seu artigo 303º, que determina quais os “deveres do empregador no período ou redução ou suspensão”. Preceitua o artigo 303º do Código de Trabalho que; “Deveres do empregador no período de redução ou suspensão 1— Durante o período de redução ou suspensão o empregador deve: a) b) Pagar pontualmente as contribuições para a segurança social sobre a retribuição auferida pelos trabalhadores; (…)” (sublinhado nosso) E, o artigo 304º, do mesmo diploma, referindo-se ao trabalhador determina que: “Deveres do trabalhador no período de redução ou suspensão 1 — Durante o período de redução ou suspensão, o trabalhador deve: a) Pagar contribuições para a segurança social com base na retribuição auferida e na compensação retributiva; (...) ". (sublinhado nosso). Como interpretar o artigo 303º, n.º 1 al. b) do Código de trabalho? Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto. Na interpretação da lei, o seu aplicador não deve cingir-se à letra da lei, pois que o pensativo legislativo a que o intérprete chegue tem de conter um mínimo de correspondência verbal (artigo 9º do Código Civil). A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se de modo consonante e não isoladamente. O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal), os demais a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico). O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete. A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de selecção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão), a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem. Temos de pensar que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento e se serviu do vocábulo jurídico adequado e que o legislador se dirige a todos os cidadãos, sendo necessário que o entendam (sobre esta matéria cf. Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, pág. 163; Castanheira Naves, Interpretação Jurídica, págs. 362/363; Baptista Machado, Introdução ao Direito, pág. 182; Oliveira Ascensão, O Direito, págs. 406/407; Santos Justo, Introdução ao Estudo de Direito, 4ª ed., págs. 334 e ss.). O nosso legislador (artigo 9º do Código Civil) consagra o elemento literal como ponto de partida da interpretação ao referir que “a interpretação deve…reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo” (nº1), estabelecendo a função negativa ao afirmar que o intérprete não pode considerar aquele pensamento “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal” (nº2) e reconhecendo a função positiva, quando determina que o intérprete presumirá que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (nº3) (cf. Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão, Introdução ao Estudo de Direito, 2ª ed., págs. 57/58; Neves Pereira, Introdução ao Direito e às Obrigações, 3ª, ed., págs. 229 e ss.; Heitor Consciência, Breve Introdução ao Estudo do Direito, 3ª ed., revista, págs. 43 e ss.). Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, “o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal…” (CC Anotado, vol. 1º, 4ª ed., págs. 58 e 59). Mas além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a lógica. Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias: a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada]; b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objectivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis). Expostas estas ideias genéricas sobre a interpretação das normas passamos a apurar o sentido da norma em questão: “Pagar pontualmente as contribuições para a segurança social sobre a retribuição auferida pelos trabalhadores.” Vamos começar pela interpretação literal, pois é o primeiro estádio da interpretação, pois que, o texto da lei forma o substrato de que se deve partir e em que deve repousar. O termo utilizado é tão só “retribuição”, o que por si só numa interpretação literal, seriamos levados a crer que apenas pretenderia atender ao conceito de retribuição, o que nos reconduz para o supra exposto e, nos permite, considerar aqui o mesmo com referência a sua expressão mais lata de “constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador” e, ela contemplaria a “compensação retributiva”. Razão pela qual cumpre, desde logo atentar ao seu elemento sistemático, o qual compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo, mormente o seu lugar sistemático. É que, no artigo 304º, em referência aos deveres do trabalhador, o legislador foi mais longe e explicito ao preceituar que “Pagar contribuições para a segurança social com base na retribuição auferida e na compensação retributiva.”, o que nos impõem irmos mais longe e alcançar se perante este elemento diferenciador na utilização dos termos, foi propósito do legislador afastar o pagamento de contribuições por parte do empregador no que concerne à compensação retributiva, limitando a mesma a “retribuição”, pois que na contraposição dos dois artigos em referência concluímos que retribuição e compensação retributiva, revestem realidades com tratamentos distintos. Se, assim não fosse, o legislador no artigo 304º, com referência ao trabalhador mantinha a mesma redacção do artigo 303º, aludindo tão só à “retribuição auferida”. Para tanto, cumpre recorrer ao elemento histórico, a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios e, ao elemento racional ou teleológico, que consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar. Numa breve referência aos sucessivos preceitos legais do regime jurídico do Lay-off, desde a previsão legal no Dec. Lei n° 398/83, de 2 de novembro até ao atual Código do Trabalho, centrando-nos no dever de pagamento de contribuições para a segurança social a cargo do empregador, com ênfase na terminologia adoptada pelo legislador nas sucessivas disposições legais, temos que: a) No âmbito do regime introduzido no nosso ordenamento jurídico pelo Dec. Lei n° 398/83, estabelecia o “Artigo 7. ° (Obrigações dos trabalhadores) 1— Durante o período de redução ou suspensão, constituem obrigações dos trabalhadores: a) Pagar, mediante desconto, contribuições para a segurança social com base na retribuição efetivamente auferida, seja a título de remuneração por trabalho prestado, seja a título de compensação salarial; (…)”. E o "Artigo 10. ° (Obrigações da entidade empregadora) 7 — Durante o período de redução ou suspensão a entidade empregadora fica obrigada a: a) (..); b) Efetuar pontualmente o pagamento das contribuições para a segurança social referentes à retribuição efetivamente auferida pelo trabalhador,' (..) ". (sublinhados nossos) b) No mesmo sentido, o Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n° 99/2003, de 27 de agosto, estipulava nos artigos 342° e 345° o seguinte: "Artigo 342. ° Deveres do empregador 1 — Durante o período de redução ou suspensão o empregador fica obrigado a: (…); b) Pagar pontualmente as contribuições para a segurança social referentes à retribuição efetivamente auferida pelo trabalhador; (…)” "Artigo 345.° Deveres do trabalhador 1— Durante o período de redução ou suspensão, constituem deveres do trabalhador: a) Pagar, mediante desconto, contribuições para a segurança social com base na retribuição efetivamente auferida, seja a título de contrapartida do trabalho prestado, seja a título de compensação retributiva; (...)". (sublinhados nossos) Em conformidade, com as disposições legais transcritas, é manifesto que da parte dos deveres do trabalhador o regime da legal do Lay-off permaneceu sempre incólume na concretização e manifestação expressa que da parte do trabalhador existe a obrigação de pagar contribuições para a segurança social com base na retribuição auferida e na compensação retributiva, nos casos de redução ou suspensão do contrato de trabalho. No que tange ao empregador, apesar de alterar a expressão utilizada, vejamos que antes se aludia a “retribuição efectivamente auferida pelo trabalhador” para na versão do Código de Trabalho de 2003, referir “sobre a retribuição auferida pelos trabalhadores”, certo é que nunca foi estabelecida qualquer referência àquela obrigação recair sobre a compensação retributiva, que atento o elemento histórico e sistemático, nos leva a concluir que essa foi a vontade expressa do legislador, que complementada pela literal decorrente do confronto das redacções diferenciadas entre empregador e trabalhador, pretendeu excluir daquela contribuição para a segurança social por parte do empregador os valores auferidos pelo trabalhador a título de compensação retributiva. E, de encontro ao que acabamos de concluir, tome-se em linha de conta o teor do Despacho Conjunto do Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social e do Secretário de Estado da Segurança Social, de 25.06.1990, publicado no Diário da República, II Série, de 11-07-1990, que a pretexto de uniformizar aplicação do artigo 10º do Decreto lei n.º 398/83, determinou que “"As contribuições a pagar à Segurança Social pelas entidades empregadoras em regime de lay-off são referentes, nos termos da al. b) do n.° 1 do art. 10.°, à retribuição efectivamente paga pelas mesmas entidades empregadoras, ou seja, ao valor da retribuição paga nos termos da al. a) do n.° 1 ou do n.° 2 do artigo 6.°, incluindo a compensação salarial, em caso de redução do período normal de trabalho, ou ao valor da compensação salarial, em caso de suspensão do contrato de trabalho.". Pois, se dúvidas se travavam nos tempos idos de 1990, não se compreende porque o legislador em 2003 e 2009, não transcreveu para os normativos 342º e, actualmente 303º do Código de Trabalho, respectivamente, a inclusão da compensação retributiva para o empregador, à luz do preceito sobre os deveres do trabalhador e do Despacho Conjunto referenciado. Com efeito, de acordo com os sucessivos regimes jurídicos aplicáveis, reforçado com as dúvidas que existiam e levaram a aclaração contida no referido Despacho conjunto de 1990, parece-nos pacífico que o legislador, ao alterar a redação àquele preceito legal em 2009, pretendeu, em ultima ratio, manter o sentido literal do artigo em causa atenta a sua inserção sistemática, pois que perante o teor do emanado naquele Despacho optou por não verter o seu conteúdo para o artigo 303º, para o que bastava aderir a expressão “seja a título de compensação retributiva” utilizada no artigo 304º. Posto isto, este Tribunal ad quem na melhor interpretação e aplicação do artigo 303º, n.º 1 al. b) do Código de Trabalho, considera que a compensação retributiva paga ao trabalhador não constitui base de incidência contributiva para efeitos de segurança social na parte referente ao pagamento de contribuições a cargo da entidade empregadora. Por todo o exposto, somos de negar provimentos ao recurso, e manter o sentido da decisão recorrida com a presente fundamentação. 2.3 Conclusões I. Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica. II. Nos termos do artigo 303º, n.º 1 al. b) do Código de Trabalho, não é devido pagamento de contribuições a cargo da entidade empregadora sobre os montantes pagos, a título de compensação retributiva aos trabalhadores em situação de redução temporária do período normal de trabalho ou suspensão do contrato de trabalho, vulgo lay-off, ao abrigo do regime previsto no Código do Trabalho. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, confirmar o sentido decisório com a presente fundamentação. Custas a cargo da Recorrente. Porto, 09 de maio de 2024 Irene Isabel das Neves Serafim Carneiro Paula Moura Teixeira |