Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00457/08.1BEBRG |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 03/21/2024 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | PAULA MOURA TEIXEIRA |
Descritores: | IRS; ADIANTAMENTO POR CONTA DOS LUCROS; ART.º 6.º E 7º DO CIRS; |
Sumário: | Resulta da interpretação, do n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, que se supõem rendimentos da categoria E, os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Seção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO Os Recorrentes, «AA» e «BB», contribuintes n.°s ...12 e ...20, melhor identificados nos autos, interpuseram recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial relativa as liquidações adicionais de IRS referente aos anos de 2003, 2004 e 2005 e inerente liquidação de juros compensatórios, no valor total de € 42 112,80. O recurso foi dirigido ao Venerando Supremo Tribunal Administrativo o qual por decisão sumária de 20/10/2010 declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer o presente recurso declarando competente para tal o Tribunal Central Administrativo Norte. Os Recorrente não se conformaram com a decisão tendo interposto o presente recurso formularam nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…) 1- A liquidações de IRS objecto de impugnação têm na sua génese a conclusão alvitrada pela A.F. na sequência de uma análise à contabilidade da sociedade, tendo entendido que os contratos de suprimentos concluídos entre o sócio aqui impugnante e a sociedade "[SCom01...]", deveriam ser reclassificados como lucros e adiantamentos por conta de lucros, por duas ordens de razão: i) inexistência de deliberações sociais, reflectidas em actas, as quais deverão reflectir as condições de realização do contrato de suprimento, designadamente: a) permanência do crédito do sócio relativamente à sociedade; b) pagamento de juros como remuneração dos suprimentos e; c) condições de reembolso; ü) não correspondência de valores, i. é, os valores de suprimentos alegadamente realizados, não coincidem com os respectivos valores de reembolsos. 2- Devendo por consequência ser tributados em IRS, como rendimentos da categoria E, ao abrigo do disposto nos art.°s 6.° e 7.° do CIRS. 3- A A.F. entendeu tributar os Alegantes com base no facto desconhecido - que tal importância depositada pela sociedade a seu favor resultava de lucros ou adiantamentos dos lucros dessa mesma sociedade - que fez subsumir à norma do n.°4 do art.° 7.° do CIRS. 4- Todavia, não curou de demonstrar e/ou nem de provar a base da presunção, ou seja que tal importância tenha sido escriturada como lançamento na sua conta corrente como sócio, e que a mesma não resultava de mútuo, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais. 5- Mas demonstrou-se em audiência contraditória que "Sem reunião de sócios, foi decidido por estes contribuírem em dinheiro seu de acordo com as necessidades financeiras da sociedade, evitando assim o recurso ao crédito externo, mais oneroso e exigente.", e que "Todos os movimentos a débito e a crédito nas contas supra identificadas, constam dos balancetes dos exercícios de 2003, 2004 e 2005." 6- Nos termos do disposto nos arts. 74.°, n.°1 da LGT e 342.°, n.°1 do Cód. Civil, a base da presunção judicial deve imperativamente ser provada com os correspondentes factos dela integradores, sob pena de a causa ser decidida em sentido desfavorável à parte onerada com esse ónus, ou seja à A.F. 7- Na decisão a quo na sua fundamentação, quanto a este ponto, entende que o reembolso efectuado em beneficio dos Impugnantes deve ser tributada nos termos do art. 6°, n.° 4 do CIRS, porque em seu entender "(...) se provou que muitas das despesas da sociedade foram pagas pelos sócios. (...) Todavia não se apura, quais os sócios que pagaram o quê, quando, e porque razão." 8- Porém, atendendo que como se expendeu, a A.F. não logrou demonstrar a existência do facto tributário, por inexistirem deliberações sociais que os sustentem, e ainda pelo facto de não haver correspondência de valores, não pode fazer funcionar a presunção legal contra os Alegantes, não sendo pois, esse o quid relevante, base desta presunção judicial como se viu, pelo que através dela não é possível alcançar o facto desconhecido e era este que constituía a base da incidência do imposto, no caso sub judice. 9- De notar ainda que as consequências da inobservância da forma, no que tange à constituição de suprimentos, apenas produzem efeito no âmbito do direito societário e na lógica da protecção dos sócios, não produzindo efeitos externos, designadamente quanto ã qualificação fiscal do suprimento efectuado pelos sócios à sociedade. 10- O que é necessário, na busca da descoberta da essência do problema, é que fique demonstrado - como se demonstrou - que o dinheiro foi introduzido pelos sócios na sociedade, e que dessa introdução resultou uma disponibilidade liquida que a sociedade afectou ao seu giro comercial, e que se constituiu uma divida reembolsada em resultado dos empréstimos efectuados pelos sócios à sociedade. 11- A própria A.F. reconhece esse facto no seu relatório de fundamentação ao considerar a realização de contratos de suprimentos entre os sócios e a sociedade, nos termos que se evidenciam:
12- Reconhecendo a A.F. a realização de suprimentos, facto que se logrou demonstrar, sobre o Tribunal a quo impendia o dever de concluir pela elisão da presunção ao abrigo da qual foi realizada a tributação em IRS para os períodos de tributação de 2002, 2004 e 2005. 13- Pelo que, e salvo o devido respeito foram violados os artigos 6° e 7° do CIRS, art. 342° do Cód. Civil e 74° da LGT. Julgando-se o Recurso procedente, será feita JUSTIÇA.(…) A Recorrida não apresentou contra-alegações. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto deste tribunal emitiu parecer, tendo concluindo, pela improcedência do recurso. Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, submetendo-se à Conferência para julgamento. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo, a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito por violação dos artigos 6° e 7° do CIRS, art.º 342° do Cód. Civil e 74° da LGT. 3. JULGAMENTO DE FACTO 3.1. Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “(…) 1- Os Impugnantes foram objecto de um procedimento inspectivo que incidiu sobre os anos de 2003,2004 e 2005, procedimento este que está na base das liquidações agora postas em crise. 2- Este procedimento inspectivo teve origem no procedimento inspectivo externo efectuado à sociedade [SCom01...], Ld.ª . 3- O aqui Impugnante marido, «AA», nos anos de 2003, 2004 e de 2005, era sócio e gerente desta sociedade. 4- No decurso do procedimento inspectivo relativo à sociedade de que era sócio e gerente, verificou-se, na contabilidade da sociedade, que foram efectuados lançamentos nas contas dos sócios, correspondentes a saídas de verbas da sociedade para a esfera patrimonial dos sócios, não tendo sido encontrada qualquer justificação para essas saídas de verbas. 5- Designadamente, apurou-se que os lançamentos contabilísticos em causa, estão suportados em documentos internos consistentes numa folha timbrada da empresa, cujo descritivo indica o nome de um dos sócios, referindo a saída de valores, o n.º do cheque levantado e a data da operação. 6- Sendo que, a partir de 2005, aos aludidos documentos internos passaram a estar anexados cópias dos cheques emitidos em nome dos sócios. 7- Foram detectados também lançamentos com documentos internos cujos descritivos evidenciam o pagamento total ou parcial de despesas, transferências bancárias ou outro tipo de operações. 8- Em face da ausência de justificação para a saída das verbas em causa, procurou a IT através da análise da contabilidade da empresa, aferir se os lançamentos em conta corrente dos sócios corresponderiam eventualmente a mútuos ou devoluções de suprimentos anteriormente efectuados pelos sócios. 9- No relatório de inspecção tributária consta que "não foi encontrada qualquer correspondência das verbas levantadas, constantes do mapa anexo, e contabilizadas a débito das contas 2551 e 2628 ... e os valores creditados nas mesmas, de forma a concluir que aqueles lançamentos serviriam para "saldar" eventuais suprimentos efectuados pelos sócios". 10- Concluiu-se ainda no relatório de inspecção tributária que "não há evidência de as verbas a que se alude resultem da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais." 11- E, ainda, que "concluindo-se que os lançamentos feitos em conta corrente de sócios não resultam de mútuos, de prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, têm os mesmos que ter-se, presumidamente, como feitos a títulos de lucros ou adiantamento dos lucros". 12- Em face dos identificados incrementos patrimoniais, foram os aludidos lançamentos objecto de tributação, enquanto atribuições por conta de lucros, nos termos da alínea h) do n.º 2 do art.º 5º do CIRS, a englobar na proporção de 50%, por aplicação do n.º 1 do art.º 40º-A do mesmo diploma legal, nos seguintes termos: a. Em 2003, lucros de € 60.321,16; b. Em 2004, lucros de € 127.808,04; c. Em 2005 € 28.216,06; 13- No seguimento das identificadas correcções, foram emitidas as liquidações adicionais de IRS, ora impugnadas. 14- Na cláusula quarta do acto constitutivo da sociedade "[SCom01...]" consta que: "Os sócios poderão fazer à sociedade os suprimentos de que esta carecer, nos montantes e condições que forem estipulados em Assembleia Geral". 15- Tendo em vista a satisfação de necessidades financeiras da sociedade "[SCom01...]", obstando a novas entradas de capital social, quer o impugnante marido, quer o seu sócio, no decurso dos anos de 2003, 2004 e 2005, pagaram despesas da sociedade da sociedade, com dinheiro seu. 16- Todavia, nem o montante, nem as condições das referidas operações, foram precedidos da deliberação social reduzida a escrito, ou seja vertida em acta. 17- A sociedade "[SCom01...]" projectava-se no giro comercial, através da intervenção dos seus sócios. 18- Sem reunião de sócios, foi decidido por estes contribuírem com dinheiro seu de acordo com as necessidades financeiras da sociedade, evitando assim o recurso ao crédito externo, mais oneroso e exigente. 19- No seio da organização contabilística da sociedade "[SCom01...]", é possível identificar as seguintes contas, com movimentos referentes a sócios: a. conta 2551 - "Empréstimos (Sócios)"; b. conta 2559 - "Outras Operações"; c. conta 2621 - "Remunerações Órgãos Sociais"; d. conta 2628 - "Outras Operações Órgãos Sociais". 20- Todos os movimentos a débito e a crédito nas contas supra identificadas, constam dos balancetes dos exercícios de 2003, 2004 e 2005. 21- Em 31 de Dezembro de 2004, o valor de € 561.077,21, inscrito a débito na conta 2551, foi transferido e registado a crédito na conta 2628. 22- Em 2005, por via do reembolso de empréstimos efectuados, a conta 2551, foi debitada pelo valor de €320.655,90. 23- Foi lançado e registado na contabilidade da sociedade "[SCom01...]", em 31 de Dezembro de 2006, como movimento a crédito da conta 2628, um suprimento de sócios no montante de € 163.110,52, reportado a 29 de Junho de 2005. 24- Da declaração fundamentadora que a A.F. externou como suporte das correcções efectuadas referidas em 7, verifica-se que o que a levou a desconsiderar essas despesas foi análise aos documentos que lhe serviram de base, sem os especificar. Matéria de facto não provada: Inexiste. * Fundamentação da matéria de facto provada e não provada: A matéria de facto dada como provada nos pontos 1 a 14, 16 e 19 a 24, genericamente aceite ou não contestada pelas partes, assenta na prova documental disponível, designadamente nos documentos juntos aos autos pela impugnante e no processo de inspecção. A matéria de facto dada como provada nos pontos 15, 17 e 18 resultou da prova testemunhal produzida que, nessa parte, depôs de forma segura e credível revelando conhecimento directo dos factos em causa. Inexiste outra matéria dada como provada ou não provada, por nada mais ter sido alegado com interesse para a decisão da causa, para além do que ficou dado como provado. (…)” 4. JULGAMENTO DE DIREITO 4.1. A questão que importa decidir nos presente recurso é a de saber se a sentença recorrida fez uma incorreta apreciação dos factos, e violou os artigos 6° e 7° do CIRS, art. 342° do Cód. Civil e 74° da LGT. Vejamos: Para melhor compreensão importa fazer uma pequena resenha factual. Foi desencadeada uma inspeção pela Direção de Finanças ... à sociedade [SCom01...], Lda., relativa aos anos de 2003 a 2005 verificando que foram contabilizados nas contas “2628 “ - Outros devedores e credores - outras operações órgãos sociais “(no anos de 2003 e 2004) e “2551- Sócios empréstimos” (no ano de 2005), por contrapartida das contas de disponibilidade “11- Caixa e/ou “12- Depósitos bancários”, diversas importâncias, as quais foram evidenciadas no mapa em anexo ao Relatório de Inspeção aos ora, Recorrentes. O Recorrente marido, «AA», é sócio da sociedade [SCom01...]. Na sequência dessa inspeção foi efetuada inspeção tributária aos ora Recorrentes, tendo apurado que, nos anos de 2003 a 2005, que os sujeitos passivos titulares, subtraíram rendimentos que são tributáveis nos termos da alínea h) do n.º 2 do art.º 5º do CIRS, valendo-se da presunção do n.º 4 do art.º 6.º mesmo diploma, qualificando tais, como pagamentos efetuados aos sócios a título de lucros ou adiantamentos de lucros, constituindo rendimentos de capitais. O art.º 5º, do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redação da Lei 30-G/2000 de 29.12 com o título “rendimentos da categoria E”, preceitua que.” 1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias. 2 - Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente: a) (…) h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º; (destacado nosso) Por sua vez, o art.º. 7, nºs. 1 e 3, al. a), 2), do CIRS, na redação em vigor no ano de 2003 a 2005, tinha o seguinte conteúdo: “1 - Os rendimentos referidos no artigo 5º. ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos. (...) 3 - Para efeitos do nº. 1, entende-se: a) Quanto ao nº. 2 do artigo 5º.: 1)(...) 2) A colocação à disposição, para os rendimentos referidos nas alíneas h), i), j) e l), assim como dos certificados de consignação;(...)” E como refere o Acórdão do TCAS n.º 8216/11 de 05.02.2015 a “(...) A definição de rendimentos de capitais, introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, no artº.5, nº.1, do C.I.R.S., traduz e incorpora uma regra de incidência tão ampla que é capaz de englobar qualquer situação, envolvente de valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias de rendimentos em que opera o I.R.S. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.3410/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7384/14; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.226 e seg.). O artº.5, nº.2, al. h), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de I.R.S. os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.258 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.112 e seg.). Por sua vez, o citado artº. 7, do C.I.R.S., define o momento da sujeição à tributação dos rendimentos de capitais, ou seja, define o momento em que o imposto se torna exigível, sendo que, no caso concreto, relevam os nºs.1 e 3, al.a), 2), da norma em causa (cfr. José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.332 e seg.).(..)” A sentença recorrida sufragando a posição da Administração Fiscal perfilhou o entendimento de que se encontram verificados os requisitos de aplicabilidade da presunção legal, constante do artigo 6.°, n.° 4 do CIRS e julgou improcedente a impugnação judicial, o que os Recorrentes discordam. Os Recorrentes não questionam os factos dados como provados na sentença recorrida apenas manifestam o seu inconformismo quanto à aplicação do direito aos referidos factos concluindo que terão sido violados os artigos 6° e 7° do CIRS, art.º 342° do Cód. Civil e 74° da LGT. O n.º 4 do art.º 6.º do CIRS na redação à data dos factos constava o seguinte: “ Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.”(destacado nosso) Resulta da interpretação, do n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, que se supõem rendimentos da categoria E, os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais. Com a presente presunção o legislador quis resolver a qualificação das quantias escrituradas nas contas correntes dos sócios, cuja origem não tenha sido declarada, reconduzindo a que tais montantes tenham o tratamento dos lucros distribuídos. Alegam os Recorrentes que a AT não curou de demonstrar e/ou nem de provar a base da presunção, ou seja que tal importância tenha sido escriturada como lançamento na sua conta corrente como sócio, e que a mesma não resultava de mútuo, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais. O artigo 350.º do código civil determine que” quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz podendo todavia, ser ilidida mediante prova em contrário.” Por sua vez o artigo 73.º da Lei Geral Tributária prevê que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário. E nesta conformidade estabelece o n.º 5 do artigo 6.º do CIRS que as presunções estabelecidas podem ser ilididas com base em decisão judicial, ato administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direção-Geral de impostos. Face à existência de uma presunção restava aos Recorrentes ilidir essa presunção. Como a sentença recorrida, referiu “(…) não se vislumbra que tal prova tinha sido feita, quando até não seria excessivamente difícil ao impugnante fazê-la, fosse exibindo extratos de contas bancárias que demonstrassem a saída do dinheiro da sua esfera jurídica para a da sociedade, fosse juntando outra documentação comprovativa, como os cheques, comprovativos de transferências bancárias, etc. Aliás, a este respeito, não deixa de ser significativo, por exemplo, que os impugnantes juntem um extrato bancário de terceiro (a sociedade “[SCom01...]”), demonstrando este como beneficiário de uma transferência de € 116 110,52 mas não junte o extrato da conta de origem, o que, se fosse sua, com facilidade poderiam fazer. É certo que se prova que houve despesas da sociedade pagas pelo sócio. Foi o que resultou da prova testemunhal produzida, e não se descortinam razões para o desconsiderar. Todavia não se apura, quais os sócios que pagaram, o quê quando e por que razão(…)” Resulta da matéria de facto provada e não impugnada nos pontos, n.ºs 5, 7, 8, 9, 19, 20 a 23, constando deste últimos, que no seio da organização contabilística da sociedade "[SCom01...]", é possível identificar as seguintes contas, com movimentos referentes a sócios: a. conta 2551 - "Empréstimos (Sócios)"; b. conta 2559 - "Outras Operações"; c. conta 2621 - "Remunerações Órgãos Sociais"; d. conta 2628 - "Outras Operações Órgãos Sociais". E que todos os movimentos a débito e a crédito nas contas supra identificadas, constam dos balancetes dos exercícios de 2003, 2004 e 2005. Em 31 de Dezembro de 2004, o valor de € 561.077,21, inscrito a débito na conta 2551, foi transferido e registado a crédito na conta 2628. Em 2005, por via do reembolso de empréstimos efetuados, a conta 2551, foi debitada pelo valor de €320.655,90. E que foi lançado e registado na contabilidade da sociedade "[SCom01...]", em 31 de dezembro de 2006, como movimento a crédito da conta 2628, um suprimento de sócio no montante de € 163.110,52, reportado a 29 de junho de 2005. Nesta conformidade, está verificado o requisito relativo aos lançamentos em quaisquer contas correntes do sócio (conta 2551, 2559, 2621 e 2628), escrituradas nas sociedades na [SCom01...]. Resulta ainda da matéria de facto provada e não impugnada, nos pontos, 9, 10, 11, que no relatório de inspeção tributária consta que "não foi encontrada qualquer correspondência das verbas levantadas, constantes do mapa anexo, e contabilizadas a débito das contas 2551 e 2628 ... e os valores creditados nas mesmas, de forma a concluir que aqueles lançamentos serviriam para "saldar" eventuais suprimentos efectuados pelos sócios". E que "não há evidência de as verbas a que se alude resultem da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais." E, ainda, que " os lançamentos feitos em conta corrente de sócios não resultam de mútuos, de prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, têm os mesmos que ter-se, presumidamente, como feitos a títulos de lucros ou adiantamento dos lucros". Face ao supra exposto resulta da matéria de facto provada, que estão verificados os pressupostos do funcionamento da presunção estabelecida no n. º4 do art.º 6.º da CIRS, ou seja a AT curou de demonstrar, que as importâncias em causas estavam contabilizadas na conta corrente da sociedade [SCom01...] e nas respetivas contas do sócio, aqui Recorrente e que os montantes não resultavam de mútuo, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais. Assim, a situação sub judice, tem enquadramento na situação configurada na presunção constante do artigo 6.º n.º 4 do CIRS, sendo motivo bastante para a qualificação das quantias recebidas como adiantamentos por conta de lucros da sociedade. Com efeito, é sabido que compete à Administração Tributária o ónus de provar a existência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, isto é, cabe-lhe provar que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar o imposto que o contribuinte deixou de liquidar, demonstrando a existência e conteúdo do facto tributário. Ou seja, a Administração Fiscal tem o ónus de demonstrar, o que logrou, a base da presunção donde deriva a presunção legal determinante da liquidação sindicada. Estando provada a base da presunção legal, prevista no 4 do art.º 6.º do CIRS, para ser infirmada ou destruída, teria de ser ilidida mediante prova em contrário, nos termos do art.º 352, do Código Civil, o que competia aos Recorrentes, o que não resultou provado. Uma última nota; como a sentença recorrida refere é irrelevante a circunstância do contrato de suprimento não ter a forma legal necessária, no entanto, competia os Recorrentes demonstrar cabalmente os seus elementos não podendo refugiar-se na liberdade da forma para obter uma dispensa da prova de presunção de verdade da sua alegação. Nesta conformidade, verifica-se que a argumentação constante do RIT e vertida no probatório contém factos objetivos suscetíveis de demonstrar que as quantias em causa foram colocadas à disposição dos sócios permitindo extrapolar a conclusão de que estamos perante adiantamento por conta dos lucros e, como tal, rendimento de capitais, categoria E, nos termos do estatuído no artigo 5º, n.º 1 e n.º 2, alínea h) do CIRS. Nesta conformidade verificando-se os pressupostos previstos, na norma de incidência, do artigo 5º, nº 1 e 2, alínea h), do CIRS, por força do n.º 4 do art.º 6 do mesmo diploma, a liquidação efetuada terá de manter-se na ordem jurídica. Destarte, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, pelo improcede o recurso da Recorrente. 4.2. Assim, formulamos a seguinte conclusão: Resulta da interpretação, do n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, que se supõem rendimentos da categoria E, os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais. 5. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica. Custas pelos Recorrente, nos termos do art.º 527.º do CPC. Porto, 21 de março de 2024 Paula Maria Dias de Moura Teixeira (Relatora) Maria Celeste Oliveira (1.ª Adjunta) Graça Maria Valga Martins (2.ª Adjunta) |