Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00799/21.0BEAVR |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 06/05/2025 |
| Tribunal: | TAF de Aveiro |
| Relator: | IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES |
| Descritores: | PEC; PEDIDO DE REEMBOLSO; CADUCIDADE; |
| Sumário: | I. A interpretação da norma do artigo 93.º n.º 3 do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que melhor garante a coerência do sistema, de acordo com os elementos da interpretação consagrados no artigo 9.º do Código Civil, é a de que o direito da autora a pedir o reembolso do PEC efetuado em 2014 caducou em 31.03.2021.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 12.02.2025, que julgou procedente a acção administrativa de condenação à prática de acto devido intentada por [SCom01...], SGPS, S.A., dirigida contra a decisão de indeferimento do pedido de reembolso do PEC (Pagamento Especial por Conta), no valor de € 17. 666,00, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «(…) A. A Recorrente não se conforma com a Sentença recorrida, por considerar que incorre em erro de julgamento ao apreciar e decidir da verificação dos pressupostos previstos no n.º 3 do artigo 93.º CIRC (designadamente o prazo para exercício do direito de pedido de reembolso do PEC), incorrendo, simultaneamente, em erro na interpretação e aplicação do direito, concretamente das normas do artigo 93.º do CIRC, bem como do artigo 11.º da LGT e artigo 9.º do Código Civil. B. Face à questão de interpretação da lei fiscal, entendeu o tribunal que “o pedido de reembolso do PEC pode ser apresentado até 90 dias após o termo do período de apresentação da declaração periódica de rendimentos referente ao sexto exercício ulterior ao do pagamento do PEC a reembolsar”, conforme era expressamente referido na anterior redação. C. O tribunal a quo, incorre em erro de julgamento, e, simultaneamente, em erro na interpretação e aplicação do direito, ao apreciar e concluir (fls. 9 e ss): “(…) Ou seja, e no caso em apreço, a Autora podia descontar o valor dos PEC efetuados em 2014 até à apresentação da Modelo 22 do ano de 2020, a apresentar no ano de 2021. Donde resulta que, e a vingar a interpretação da Autoridade Tributária e desconsiderando-se prorrogações, a Autora devia peticionar o reembolso de PEC até 31/03/2021, sendo certo que os podia abater à coleta na declaração de rendimentos de 2020 a apresentar até 31/05/2021 (período regra). Ou seja, Na ótica da AT a Autora deveria apresentar o pedido de reembolso quando o seu pressuposto (a impossibilidade de a Autora recuperar o PEC efetuado abatendo-o ao montante de imposto apurado na com referência ao exercício de 2020) ainda nem sequer se tinha por verificado, porquanto a autoliquidação de IRC não tinha sido ainda efetuada, nem existia obrigação legal de a fazer ainda. Por outras palavras, à luz daquela interpretação, a Autora deveria peticionar o seu reembolso ainda antes de saber se iria ter (ou não) coleta de IRC passível de os deduzir e “à cautela” para o caso de não vir a apurar coleta suficiente. (…) A incongruência resultante de tal interpretação e tendo presente a premissa de que “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” conduz à conclusão de que essa não pode ser a solução a extrair do preceito e querida pelo legislador. Assim, e respeitando-se um mínimo de coerência com o teor literal do preceito, assoma que este deve ser interpretado no sentido de que a referência do legislador ao pedido de reembolso ser apresentado no prazo de 90 dias a contar do termo daquele período, não respeita ao período de tributação em causa, mas sim ao período em que o PEC é passível de ser deduzido. O que conduz à conclusão de que o pedido de reembolso do PEC pode ser apresentado até 90 dias após o termo do período de apresentação da declaração periódica de rendimentos referente ao sexto exercício ulterior ao do pagamento do PEC a reembolsar. Por tal razão e independentemente da prorrogação do prazo para a apresentação da Modelo 22 respeitante ao exercício de 2020, e atenta a factualidade assente, é de concluir que o pedido de reembolso foi apresentado no prazo legalmente previsto. Motivo pelo qual a decisão de rejeição por extemporaneidade enferma de vício de violação de lei, conforme alega a Autora. (…)” D. E, igualmente, no trecho decisório, quando decide (fls. 11): “(…) julga-se a presente ação administrativa totalmente procedente e, consequentemente, anula-se a decisão de rejeição liminar do pedido de reembolso de PEC do ano de 2014, (…)”. E. E quando condena: “(…) a Ré à sua apreciação”. F. Ao invés, in casu, não estão reunidos os requisitos para que a A., ora Recorrida, possa obter o reembolso de PEC, desde logo porquanto não efetuou o pedido no prazo legalmente previsto. G. Rejeita-se a interpretação do tribunal a quo pois a mesma não tem acolhimento na letra nem espírito da norma, nem está de acordo com a unidade do sistema jurídico aplicável, sendo contrária à lei e à Constituição, porquanto é violadora nomeadamente do princípio da legalidade e da indisponibilidade dos créditos fiscais, bem como atenta contra a certeza e segurança jurídicas. H. A redação dada pela Lei n.º 2/2014 ao artigo 93.º do CIRC aplica-se aos pagamentos especiais por conta relativos aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014, e alterou substancialmente as condições/requisitos para pedir o reembolso dos PEC’s não deduzidos, daí ter alterado também o prazo para o efeito. I. Designadamente, a norma deixou de exigir uma ação inspetiva para a recuperação dos PEC’s não deduzidos, tendo alterado o prazo para o pedido de reembolso, devendo o mesmo ser “apresentado no prazo de 90 dias a contar do termo daquele período”, referindo-se ao termo do “6.º período de tributação seguinte”, ao invés dos “90 dias seguintes ao termo do prazo de apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo período de tributação”, como impunha a redação anterior. J. A interpretação acolhida na sentença não resulta da letra da lei, corresponde apenas à anterior redação da norma, a qual foi propositadamente alterada pelo legislador. K. De facto, a anterior referência expressa ao prazo de apresentação da declaração periódica desapareceu, pelo que se conclui que o legislador quis alterar as condições e o prazo para a apresentação do pedido de reembolso, simplificando o regime para tal. L. O Tribunal a quo aplicou, pois, incorretamente o acervo jurídico vigente e aplicável aos autos, fazendo incorreta e ilegal aplicação e interpretação do mesmo. M. Apesar do desfasamento entre o termo do prazo para requerer o reembolso (90 dias, em regra, após 31/12) e o termo do prazo para a entrega da declaração relativa ao 6.º período de tributação subsequente (em regra, 31 de maio), tal não prejudica a dedução à coleta dos PEC neste período, nem invalida que a declaração seja entregue antes da apresentação do pedido de reembolso. N. Caso, à data da apresentação do pedido de reembolso, não tenha sido entregue a declaração de rendimentos relativa ao 6.º período de tributação seguinte àquele a que o PEC respeita, são os Serviços da AT que devem aguardar pela entrega e validação desta declaração e só posteriormente decidir sobre o pedido de reembolso, de modo a confirmar o saldo não deduzido. O. Concluindo, não resulta do modo de funcionamento do imposto em causa ser necessário que o pedido de reembolso dos PEC’s seja apresentado após a entrega da declaração periódica, não se vislumbra, pois, uma qualquer incompatibilidade prática inultrapassável capaz de obstar à interpretação que resulta da letra da lei no sentido de o pedido de reembolso dos PEC’s ter de ser efetuado até os 90 dias seguintes ao termo do 6.º período de tributação seguinte àquele em que foram efetuados. P. De resto, é esta a interpretação que resulta da lei e da alteração legislativa já referenciada, aliás como tem sido acolhido pela jurisprudência e pela doutrina, como esclarece Rui Marques (in “Código do IRC – Anotado e Comentado”, Almedina, 2019, páginas 778 e 779): “Chegando ao final do 6.º período de tributação seguinte ao período de tributação a que respeita o pagamento especial por conta, o sujeito passivo pode ser reembolsado da parte que não tenha sido deduzida (n.º 1), uma vez que nasce na esfera jurídica daquele um direito de crédito perante a Administração Tributária. // (…) //. Para tal, no prazo de 90 dias a contar do termo do referido 6.º período, deve ser apresentado o competente requerimento, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade.” Q. No sentido defendido pela Recorrente, a sentença do TAF Braga, no Processo 935/22.4BEBRG, de 12/04/2023 (Doc. 1), que concluiu: É assim de concluir que a interpretação da norma do artigo 93.º n.º 3 do CIRC, que melhor garante a coerência do sistema, de acordo com os elementos da interpretação consagrados no artigo 9.º do Código Civil acabados de explanar, é a de que o direito da autora a pedir o reembolso do PEC efetuado em 2014 caducou em 31.03.2021. R. Bem como a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, no Processo 167/23.0BELRS, de 30/06/2023 (Doc. 2), no mesmo sentido (evidenciados nossos): “(…) Após a aprovação e entrada em vigor do citado diploma, o art. 93.º, n.º 3, do CIRC passou a dispor que os sujeitos passivos deviam dirigir um requerimento ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável, em que estivesse centralizada a contabilidade, no prazo de 90 dias a contar do termo do sexto período de tributação posterior àquele a que o PEC dizia respeito. (…) Deste modo, constata-se que, na hipótese de o valor dos PEC’s efectuados até ao termo do período de tributação de 2021, inclusive, não ser, integralmente, deduzido até ao sexto período de tributação seguinte a que os mesmos dizem respeito e de os sujeitos passivos não solicitarem o correspondente reembolso, no prazo de 90 dias, a contar do termo do sexto período de tributação posterior àquele a que os mesmos dizem respeito, nos termos das disposições legais anteriormente enunciadas, aquele valor convola-se num gasto definitivo do sujeito passivo, o qual não é fiscalmente dedutível, à luz do disposto no actual art. 23.º-A, n.º 1, al. a), do CIRC. (…) Ora, como é bom de ver, estando em causa, nos presentes autos, o PEC do período de 2015, e presumindo-se que a Autora adoptou um período de tributação equivalente ao ano civil, nos termos do art. 8.º, n.º 1, do CIRC, (…), constata-se que a mesma deveria ter requerido o respectivo reembolso no prazo de 90 dias, a contar do termo do sexto período de tributação seguinte, ou seja, até ao dia 31 de Março de 2022, nos termos do art. 93.º, n.º 3, do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16.01, e mantida em vigor pelo art. 329.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 12/2022, de 27.06, e do art. 57.º, n.º 3, da LGT (…). Pelo que, tendo a Autora apresentado o predito requerimento apenas no dia 28 de Julho de 2022, impõe-se concluir que o mesmo é, manifestamente, intempestivo, tal como foi decidido (…). (…) Desde logo, porque, de acordo com o preceituado no art. 9.º, n.º 2, do CC, aplicável ex vi dos arts. 2.º, al. d), e 11.º, n.º 1, da LGT, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, sendo que, nos termos do n.º 3 da mesma disposição legal, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. (…) E não se venha aqui dizer, como parece fazer a Autora, que este regime legal determina uma dupla tributação do sujeito passivo, ao arrepio das normas constitucionais e das garantias dos contribuintes. Isto porque, por um lado, o PEC, enquanto instrumento de combate à fraude e à evasão fiscais, tem como finalidade, em última instância, promover a igualdade e a justiça tributárias entre os diversos contribuintes, traduzindo-se, por isso, num corolário do princípio da igualdade, ínsito no art. 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP). E, por outro lado, porque o prazo de 90 dias, contado nos moldes anteriormente mencionados, afigura-se como um prazo razoável para que um sujeito passivo diligente solicite o reembolso do PEC que entenda que lhe é devido, mostrando-se, assim, conforme com o princípio da proporcionalidade, consagrado nos arts. 18.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, da Lei Fundamental. (…)” S. A Recorrente não se conforma, pois, com a douta sentença, pois incorre em erro de julgamento, e simultaneamente em errada interpretação e aplicação da lei (violando simultânea e implicitamente a letra, o espírito da lei e a unidade do ordenamento jurídico), mormente do regime de PEC, artigo 93.º, n.º 3 do CIRC, e artigo 11.º da LGT e 9.º do Código Civil, pois o prazo para pedir o reembolso de PEC não deduzido é de 90 dias a contar do termo do sexto período de tributação posterior àquele a que o PEC dizia respeito, como determina a lei. Nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Exas, deve o presente recurso ser considerado procedente, e a douta Sentença ser revogada, absolvendo-se a AT do pedido, assim se fazendo Justiça.» 1.2. A Recorrida ([SCom01...], SGPS, S.A.), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, das quais constam as seguintes conclusões: «Questão decidenda i. A questão decidenda consistia em saber como se calcula o prazo de noventa dias previsto no n.º 3 do artigo 93º do Código do IRC, com a redação à data dos factos (2021), para o sujeito passivo requerer o reembolso do PEC; I. Direito i. O PEC aqui em causa diz respeito ao período de tributação de 2014 e, em caso de insuficiência de coleta, podia ser deduzido até ao sexto período de tributação seguinte, isto é, até 31 de dezembro de 2020 (artigo 93º, n.º 1 do Código do IRC); ii. Se o propósito do n.º 3 do artigo 93º do Código do IRC, com a redação pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, foi o de possibilitar o reembolso do PEC (de 2014) que não foi utilizado (deduzido) por insuficiência de coleta nos seis períodos de tributação seguintes àquele a que respeita (2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020), então a norma deve ser interpretada de forma a operacionalizar esse propósito; iii. A entender-se como entende a Recorrente que o prazo de 90 dias se conta a partir de 1 de janeiro de 2021, o que não se aceita e sem prescindir, estar-se-á a sufragar uma interpretação que contraria o fim da norma e impede o sujeito passivo de exercer o direito consagrado nessa norma, pois, no período compreendido entre 1 de janeiro de 2021 e 30 de março de 2021, o sujeito passivo não estava em condições de saber se apurou, com rigor, coleta; iv. Estar a apreciar a hipótese de efetuar um pedido sem a base exata do montante do reembolso a requerer e sujeitá-lo à espera da declaração de rendimentos que será entregue não faz qualquer sentido; v. O que obviamente não se coaduna com a racionalidade e coerência do pensamento do legislador (artigo 9º, n.º 3 do Código Civil, ex vi artigo 11º, n.º 1 da Lei Geral Tributária); vi. Assim sendo, dever-se-á concluir, quanto a este aspeto, que a Recorrida para estar em condições de apresentar o pedido de reembolso do PEC de 2014 aqui em apreço, isto é, de saber se pode ou não ainda descontar o valor do PEC na declaração de rendimentos do período de 2020, precisava previamente de aprovar as contas do ano de 2020, cujo prazo terminou em 31 de março de 2021, e de entregar a sua declaração de rendimentos Modelo 22 do período de 2020, cujo prazo só terminou em 19 de julho de 2021; vii. Deste modo, podemos concluir que o recurso interposto pela Fazenda Pública deve ser julgado improcedente e a sentença recorrida deve ser mantida, com todas as consequências legais. Pedido: Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o recurso da Fazenda Pública ser julgado improcedente e, por conseguinte, a sentença recorrida deve ser mantida, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!» 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 214 do SITAF, não se pronunciando sobre o mérito do recurso, “(...) uma vez que a relação jurídico-material controvertida não implica direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou valores constitucionalmente protegidos 2 como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais (cf. artigos 9°, n° 2, 85°, n° 2 e 146°, n° 1, todos do CPTA.” 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. 1.5. Objecto do recurso: Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)]. In casu, cumpre apreciar e decidir se o Tribunal a quo errou ao considerar que contrariamente ao decidido pela Recorrente AT não estava precludido o direito da Recorrida requerer o reembolso do PEC ao abrigo do artigo 93º, n. º3 do CIRC. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 De facto 2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «A. A Impugnante é um sujeito passivo de IRC, tributado no regime geral e com período de tributação coincidente com o ano civil [facto incontrovertido e que resulta da posição das partes expressa nos respetivos articulados] B. Em 31 de março de 2014 a Autora procedeu ao 1.º “Pagamento Especial por Conta” respeitante ao exercício de 2014 no valor de EUR 8 833,00 [cfr. Contestação (Comprovativo Entrega) (209640) Processo Administrativo "Instrutor" (005019006) Pág. 6 de 14/02/2022 20:39:02. A confirmação do pagamento resulta do ponto 4 da informação dos serviços constante de Contestação (Comprovativo Entrega) (209640) Processo Administrativo "Instrutor" (005019006) Pág. 14 de 14/02/2022 20:39:02] C. Em 31 de outubro de 2014 a Autora procedeu ao 2.º “Pagamento Especial por Conta” respeitante ao exercício de 2014 no valor de EUR 8 833,00 [cfr. Contestação (Comprovativo Entrega) (209640) Processo Administrativo "Instrutor" (005019006) Pág. 7 de 14/02/2022 20:39:02. A confirmação do pagamento resulta do ponto 4 da informação dos serviços constante de Contestação (Comprovativo Entrega) (209640) Processo Administrativo "Instrutor" (005019006) Pág. 14 de 14/02/2022 20:39:02] D. O prazo para apresentação da Modelo 22 relativa ao ano de 2020 foi prorrogado até 19 de julho de 2021 por despacho n.º 240/2021-XXII, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais [facto incontrovertido. O despacho consta do portal das finanças no https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/Despachos_SEAF/Docu ments/Despacho_SEAAF_240_2021_XXII.pdf ] E. Em 26 de julho de 2021 a Autora apresentou pedido de reembolso de PEC no valor de EUR 17 666,00. [cfr. Contestação (Comprovativo Entrega) (209640) Processo Administrativo "Instrutor" (005019006) Pág. 2 de 14/02/2022 20:39:02 e comprovativo da entrega de documentos anexo à PI] F. Em 16 de setembro de 2021 foi rejeitado o pedido constante do facto precedente e por extemporaneidade [cfr. despacho constante de Contestação (Comprovativo Entrega) (209640) Processo Administrativo "Instrutor" (005019006) Pág. 23 de 14/02/2022 20:39:02] Atenta a conformação da instância efetuada pelas partes, nomeadamente em função dos pedidos formulados e respetivas causas de pedir, não se alegaram nem provaram quaisquer outros factos com pertinência para a decisão a proferir. Motivação da matéria de facto: No que respeita à fundamentação, a convicção do Tribunal baseou-se essencialmente numa apreciação crítica [artigos 396.° do Código Civil e 607.°, n.º 5 do CPC, ex vi do art.º 1.° do CPTA], e à luz das regras da experiência comum, do exame da globalidade dos documentos juntos aos autos e constantes dos procedimentos administrativos neles integrados. Os factos foram considerados como provados de harmonia com a fundamentação constante dos respetivos rodapés. Não obstante, importa salientar que não é controvertida a factualidade subjacente ao litígio.» 2.2. De direito In casu, cumpre aferir se o Tribunal a quo errou ao julgar que o direito da Recorrida a formular pedido de reembolso de PEC não estava precludido apesar da redacção e prazo previsto no artigo 93.º, n.º 3 do CIRC, que determina que “Os sujeitos passivos podem ainda, sem prejuízo do disposto no n.º 1, ser reembolsados da parte que não foi deduzida ao abrigo do mesmo preceito no final do período aí estabelecido, mediante requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade, apresentado no prazo de 90 dias a contar do termo daquele período.”. Vejamos. Conforme o Tribunal a quo realçou ao mesmo estava acometido a tarefa de “(...) aquilatar da bondade das pretensões da Autora e, nessa medida, aferir da tempestividade da apresentação do pedido de reembolso dos pagamentos especiais por conta” ao abrigo do artigo 93.º do CIRC, concretamente, aferir da legalidade do ato impugnado que indeferiu o pedido de reembolso da então autora por intempestividade do mesmo.”. A sentença recorrida considerou o pedido de tempestivo, nos seguintes termos que aqui transcrevemos por extracto: «Decorre do n.º 1 do art.º 93.º do CIRC que os sujeitos passivos de IRC descontarão ao IRC apurado na declaração periódica do exercício os montantes dos PEC efetuados naquele ano e, caso inexista coleta que o habilite, poderão fazê-lo nas declarações periódicas relativas aos seis exercícios fiscais subsequentes. Ou seja, e no caso em apreço, a Autora podia descontar o valor dos PEC efetuados em 2014 até à apresentação da Modelo 22 do ano de 2020, a apresentar no ano de 2021. Donde resulta que, e a vingar a interpretação da Autoridade Tributária e desconsiderando-se prorrogações, a Autora devia peticionar o reembolso de PEC até 31/03/2021, sendo certo que os podia abater à coleta na declaração de rendimentos de 2020 a apresentar até 31/05/2021 (período regra). Ou seja, Na ótica da AT a Autora deveria apresentar o pedido de reembolso quando o seu pressuposto (a impossibilidade de a Autora recuperar o PEC efetuado abatendo-o ao montante de imposto apurado na com referência ao exercício de 2020) ainda nem sequer se tinha por verificado, porquanto a autoliquidação de IRC não tinha sido ainda efetuada, nem existia obrigação legal de a fazer ainda. Por outras palavras, à luz daquela interpretação, a Autora deveria peticionar o seu reembolso ainda antes de saber se iria ter (ou não) coleta de IRC passível de os deduzir e “à cautela” para o caso de não vir a apurar coleta suficiente. Será que nesse caso a AT não indeferiria o pedido com o fundamento de ainda não se ter verificado a impossibilidade de dedução que constitui o fundamento legal do pedido de reembolso? A incongruência resultante de tal interpretação e tendo presente a premissa de que “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” conduz à conclusão de que essa não pode ser a solução a extrair do preceito e querida pelo legislador. Assim, e respeitando-se um mínimo de coerência com o teor literal do preceito, assoma que este deve ser interpretado no sentido de que a referência do legislador ao pedido de reembolso ser apresentado no prazo de 90 dias a contar do termo daquele período, não respeita ao período de tributação em causa, mas sim ao período em que o PEC é passível de ser deduzido. O que conduz à conclusão de que o pedido de reembolso do PEC pode ser apresentado até 90 dias após o termo do período de apresentação da declaração periódica de rendimentos referente ao sexto exercício ulterior ao do pagamento do PEC a reembolsar. Por tal razão e independentemente da prorrogação do prazo para a apresentação da Modelo 22 respeitante ao exercício de 2020, e atenta a factualidade assente, é de concluir que o pedido de reembolso foi apresentado no prazo legalmente previsto. Motivo pelo qual a decisão de rejeição por extemporaneidade enferma de vício de violação de lei, conforme alega a Autora.» (fim de transcrição) Desde já se diga que não nos revemos no assim decidido. Vejamos. Como é sabido, o PEC foi introduzido no Código do IRC (CIRC) pelo Decreto-Lei n.º 44/98, de 03.03, com efeito sobre os períodos de tributação que se iniciem em ou após o dia 01 de janeiro de 1998, inclusive, nos termos dos arts. 1.º, n.º 1, e 2.º desse diploma, tendo sido, entretanto, revogado pela Lei n.º 12/2022, de 27.06, com efeito sobre os períodos de tributação que se iniciem em ou após o dia 1 de janeiro de 2022, nos termos do artigo 329.º, n.ºs 1, al. c), e 2, al. a) desse diploma. No seguimento do disposto no artigo 33.º da Lei Geral Tributária (LGT), o PEC tratava-se, então, de uma entrega pecuniária antecipada do IRC, efectuada pelos sujeitos passivos, no período de formação do facto tributário, por conta do IRC devido a final. Por conseguinte, a par da obrigação de efectuar “Pagamentos por Conta” (PEC), em conformidade com o disposto nos artigos 104.º, n.º 1, al. a), 105.º e 107.º do CIRC, os sujeitos passivos passaram a estar, igualmente, obrigados a efectuar o PEC, nos termos do preceituado nos artigos 93.º e 106.º do CIRC, cujo objectivo era não só o de antecipar as receitas fiscais e de diluir o pagamento do IRC ao longo do período de tributação, com a consequente aproximação do momento da produção dos rendimentos da sua tributação, como é próprio dos PEC, como também o de combater a fraude e a evasão fiscais por parte de um grande número de sujeitos passivos que pouco ou nada contribuíam para o Orçamento de Estado, tal como foi, expressamente, assumido pelo legislador, no preâmbulo da Lei n.º 12/2022, de 27.06, pelo momento da sua revogação. Assim se compreende que, relativamente aos PEC, no caso de o valor apurado na declaração de rendimentos modelo n.º 22 do IRC, líquido das deduções previstas no artigo 90.º, n.ºs 2 e 4, do CIRC, ser negativo, os sujeitos passivos tenham direito a um reembolso automático, resultante da soma do correspondente valor absoluto com o montante dos PEC, e que, no caso daquele valor não ser negativo, mas inferior ao valor dos PEC, os sujeitos passivos tenham direito a um reembolso automático, equivalente à correspondente diferença, de harmonia com o estatuído no artigo 104.º, n.º 2, do CIRC. E que, diversamente, em relação ao PEC, quando o mesmo se revelasse superior ao valor apurado na declaração de rendimentos modelo n.º 22 de IRC do próprio período a que dissesse respeito, depois de efectuadas as deduções previstas no artigo 90.º, n.ºs 2, al. a) a c), do CIRC, os sujeitos passivos pudessem deduzir o correspondente excesso até ao sexto período de tributação seguinte, nesses mesmos moldes, não dando origem a nenhum valor negativo e, muito menos, a um reembolso automático, de harmonia com o estatuído nos arts. 90.º, n.º 9, e 93.º, n.º 1, do CIRC. A isto acresce que, se não fosse possível deduzir a totalidade do PEC até ao sexto período de tributação posterior àquele a que o mesmo dizia respeito, assistia, igualmente, aos sujeitos passivos o direito de serem reembolsados da parte não deduzida, mediante um requerimento dirigido aos serviços da administração tributária, ao abrigo do disposto no art. 93.º, n.º 3, do CIRC, o que tinha subjacente a necessidade de um controlo prévio, por parte desses serviços, do montante do reembolso e da respectiva legitimidade. Em jeito de contextualização, antes da aprovação e entrada em vigor da Lei n.º 2/2014, de 16.01 [a qual procedeu à reforma da tributação das sociedades, com efeito sobre os períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após o dia 01 de Janeiro de 2014, nos termos do art. 14.º desse diploma], os sujeitos passivos deviam solicitar aos serviços da administração tributária a realização de uma acção de inspecção, no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo de apresentação da declaração de rendimentos modelo n.º 22 de IRC, relativa ao mesmo período de tributação, segundo o que vinha previsto no art. 93.º, n.º 3, al. b), do CIRC. Avançando para a redacção aplicável aos factos dos autos, temos que após a aprovação e entrada em vigor da citada Lei n.º 2/2014, de 16.01, o artigo 93.º, n.º 3, do CIRC passou a dispor que os sujeitos passivos devem dirigir um requerimento ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável, em que estivesse centralizada a contabilidade, no prazo de 90 dias a contar do termo do sexto período de tributação posterior àquele a que o PEC dizia respeito. Tendo em conta que o pedido de reembolso da Autora foi efetuado ao abrigo do artigo 93.º n.º 3, na redação que lhe foi dada pela lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, aplicável aos pagamentos especiais por conta relativos aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014, pois em questão a decisão de rejeição liminar do pedido de reembolso de PEC do ano de 2014, será esta a versão legal a ter em conta na apreciação da questão decidenda. Preceitua o artigo 93.º do CIRC, na redação da lei previamente indicada, o seguinte: “1 - A dedução a que se refere a alínea d) do n.º 2 do artigo 90.º é efetuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao 6.º período de tributação seguinte, depois de efetuadas as deduções referidas nas alíneas a) a c) do n.º 2 e com observância do n.º 9, ambos do artigo 90.º. (…) 3 - Os sujeitos passivos podem ainda, sem prejuízo do disposto no n.º 1, ser reembolsados da parte que não foi deduzida ao abrigo do mesmo preceito no final do período aí estabelecido, mediante requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade, apresentado no prazo de 90 dias a contar do termo daquele período.”. Em suma, o PEC é dedutível à coleta de IRC no próprio período de tributação, ou, no caso de a colecta se revelar insuficiente, até ao 6.º período de tributação seguinte (cfr. artigo 93.º n.º 1), podendo ser reembolsado, na parte que não foi deduzida, mediante requerimento de reembolso dirigido ao chefe de finanças, no prazo de 90 dias a contar do referido termo. Antes do mais, duas notas, nos parecem pertinentes. Uma primeira, para referir que o prazo de 90 dias a que se alude no artigo 93º, n.º3 do CIRC, conta-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil (CC), aplicável ex vi do artigo 57.º, n.º 3, da LGT, o que significa que o mesmo deve ser contado seguidamente, sem qualquer suspensão ou interrupção, não se contando o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr e, quando o mesmo termine em dia não útil ou feriado, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte. Uma segunda, quanto a natureza do prazo, de que “(...) o prazo de 90 dias previsto no artigo 93º do CIRC é um prazo de caducidade, cujo decurso faz precludir o direito ao reembolso dos pagamentos que não foi possível deduzir no período ali consignado.” (in acórdão do STA de 03.07.2024, proferido no âmbito do processo n.º 1434/14.9BEPRT). Munidos deste enquadramento legal traçado, atentemos aos factos vertidos, e não controvertidos. Em causa está o reembolso de um PEC efectuado pela Recorrida em 2014 (cfr. ponto B. e C. dos factos provados). Considerando que a Recorrida tem um período de tributação coincidente com o ano civil (cfr. artigo 8.º do CIRC) o termo do 6.º período de tributação seguinte ocorreu em 31.12.2020 e a Recorrida apresentou em 26 de julho de 2021 o pedido de reembolso do PEC, o qual foi rejeitado em 16 de setembro de 2021 por intempestivo (cfr. ponto E. e F. dos factos provados). Assim sendo, estando em causa, nos presentes autos, o PEC do período de 2014, e presumindo-se que a Recorrida adoptou um período de tributação equivalente ao ano civil, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do CIRC, na medida em que não resulta dos autos qualquer indício em sentido inverso, nem tal foi alegado, constata-se que a mesma deveria ter requerido o respectivo reembolso no prazo de 90 dias, a contar do termo do sexto período de tributação seguinte, ou seja, até ao dia 31 de Março de 2021, nos termos do artigo 93.º, n.º 3, do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16.01 Pelo que, tendo a Recorrida apresentado o predito requerimento apenas no dia 26 de julho de 2021, impõe-se concluir numa interpretação literal da disposição em referência, que o mesmo é, manifestamente, intempestivo, tal como foi decidido pela AT, mediante despacho exarado, em 16 de setembro de 2021. De notar que a esta conclusão não obsta o facto de o prazo para a submissão da declaração de rendimentos modelo n.º 22 de IRC, do período de tributação de 2020, que corresponde ao sexto período de tributação seguinte àquele a que o PEC em questão diz respeito, ter terminado em 19 de julho de 2021, nos termos dos arts. 117.º, n.º 1, al. b), e 120.º, n.º 1, do CIRC e por força do despacho n.º 240/2021-XXII, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que determinou a sua prorrogação (cfr. ponto D. do probatório). E, desde logo, porque contrariamente ao vertido na sentença recorrida, de acordo com o preceituado no artigo 9.º, n.º 2, do CC, aplicável ex vi dos arts. 2.º, al. d), e 11.º, n.º 1, da LGT, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, sendo que, nos termos do n.º 3 da mesma disposição legal, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. É que, quanto à interpretação das leis fiscais, dispõe o n.º 1 do artigo 11.º da LGT que “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.”. E, as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação de leis, estão consagradas, no ordenamento jurídico português, no artigo 9.º do CC que dispõe o seguinte: “1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.” Dito de outro modo, a interpretação da lei fiscal segue as mesmas regras e os mesmos princípios gerais consagrados para o restante ordenamento jurídico, não se devendo cingir à letra da lei (elemento literal), procurando reconstituir o pensamento do legislador tendo em conta a relação da norma a interpretar com o restante ordenamento jurídico (elemento sistemático), as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (elemento histórico) sem prejuízo de dever ter, na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termo adequados (elemento teleológico). No que toca ao elemento literal, para efeitos da interpretação do artigo 93.º n.º 3, não há outra conclusão a tirar que não seja a de que o prazo limite para a Recorrida efectuar o pedido de reembolso do PEC efetuado em 2014 seria o dia 31.03.2021. Vejamos agora se, de acordo com os elementos sistemático, histórico e teleológico, se afigura possível uma interpretação diversa do artigo 93.º n.º 3 do CIRC. Ora, se o legislador pretendesse que o prazo de 90 dias se contasse a partir do termo do prazo de entrega da declaração de rendimentos modelo n.º 22 de IRC, bastaria manter, quanto a esse aspecto, a redacção do artigo 93.º, n.º 3, do CIRC, que esteve em vigor até à aprovação e entrada em vigor da Lei n.º 2/2014, de 16.01. No entanto, não foi isso que fez, tendo, ao invés, procedido à alteração da citada disposição legal, por forma a que passasse a constar que o prazo de 90 dias, para requerer o reembolso do PEC ainda não deduzido, conta-se a partir do termo do sexto período de tributação posterior àquele a que o PEC diz respeito, e mais manteve a mesma redacção ipsis verbis, no âmbito da aplicação do regime provisório, previsto no artigo 329.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 12/2022, de 27.06. É certo que reconhecemos que a mesma é incongruente (como assentou o Tribunal a quo), porque faz depender o pedido do de reembolso de um juízo a priori, pois surge para o mesmo, dependente de uma avaliação a posteriori resultado da apresentação da declaração Modelo 22 que apenas está obrigado em princípio até à data limite de 31 de maio. Mas, tendo sido esta a opção do legislador e mesma é perfeitamente compatível com um adequado planeamento fiscal e uma atempada fecho de contas a 31 de março por reporte ao exercício anterior. Concretizando, cremos que estava na disponibilidade da Recorrida, aquando do fecho de contas do período de tributação de 2020 e com o eventual recurso aos programas informáticos de contabilidade certificados pela administração tributária, previsto no artigo 125.º do CIRC e no Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15.02, para onde aquele artigo remete, conhecer a sua real situação tributária, antes do termo do prazo entrega da declaração de rendimentos modelo n.º 22 de IRC, referente ao período de tributação de 2020. Mais se diga, que não estava impedida, enquanto sujeito passivo diligente, de apresentar o requerimento com vista ao referido reembolso, dentro do prazo legalmente estipulado, ciente que, posteriormente, era a administração tributária que estava obrigada a adoptar os procedimentos, que se afigurassem necessários, para controlar a situação tributária da Recorrida e, concomitantemente, a respectiva legitimidade para ser ou não reembolsada do montante solicitado, como gostamos de parafrasear “o não estaria garantido” a não se verificarem os pressupostos, mas certo que o pedido teria que ser tratado e não rejeitado por intempestivo. Ou seja, independentemente de o imposto estar, ou não, definitivamente apurado à data de 31.03.2021, sempre poderia a Recorrida ter requerido o reembolso do PEC não deduzido até ao termo do 6.º período de tributação, devendo aguardar pela confirmação do saldo não deduzido, por parte dos Serviços de Finanças, assim que fosse entregue a declaração periódica de rendimentos. E, por outro lado, o prazo de 90 dias, contado nos moldes anteriormente mencionados, afigura-se como um prazo razoável para que um sujeito passivo diligente solicite o reembolso do PEC que entenda que lhe é devido, mostrando-se, assim, conforme com o princípio da proporcionalidade, consagrado nos arts. 18.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, da Lei Fundamental. É assim de concluir que a interpretação da norma do artigo 93.º n.º 3 do CIRC, que melhor garante a coerência do sistema, de acordo com os elementos da interpretação consagrados no artigo 9.º do Código Civil acabados de explanar, é a de que o direito da Recorrida a pedir o reembolso do PEC efetuado em 2014 caducou em 31.03.202. Consequentemente, é de revogar a sentença que assim não considerou e, consequentemente de manter o sentido do indeferimento do requerimento que a Recorrida apresentou, em 26 de julho de 2021, com vista ao reembolso do PEC, relativo ao período de tributação de 2014, no valor de € 17.666,00, com fundamento na respectiva intempestividade, o que se determinará no segmento decisório por via da procedência do presente recurso. 2.3. Conclusões I. A interpretação da norma do artigo 93.º n.º 3 do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que melhor garante a coerência do sistema, de acordo com os elementos da interpretação consagrados no artigo 9.º do Código Civil, é a de que o direito da autora a pedir o reembolso do PEC efetuado em 2014 caducou em 31.03.2021. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição julgar acção improcedente. Custas a cargo da Recorrida. Porto, 5 de junho de 2025 Irene Isabel das Neves (Relatora) Cristina da Nova (1.ª Adjunta) Paula Moura Teixeira (2ª. Adjunta) |