Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00616/24.0BEBRG |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 06/26/2025 |
| Tribunal: | TAF de Braga |
| Relator: | IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES |
| Descritores: | DISPENSA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS; NULIDADE PROCESSUAL; DÉFICIT INSTRUTÓRIO. |
| Sumário: | I. A falta de inquirição das testemunhas arroladas no processo judicial tributário não consubstancia nulidade processual ao abrigo do disposto no artigo 195.º do CPC, uma vez que o Juiz tem o poder de aferir da necessidade da sua produção, não obstante, a omissão de diligências de prova, por afectar o julgamento da matéria de facto, acarretar a anulação da decisão por défice instrutório II. O facto de não ter sido interposto recurso do despacho interlocutório do despacho de dispensa de prova testemunhal não inviabiliza, per se, a apreciação do deficit instrutório, porquanto o Tribunal de recurso pode sindicar o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova em sede do recurso e anular oficiosamente a decisão. III. O princípio do inquisitório ou da verdade material, consagrado nos artigos 13º, nº 1 do CPPT e 13º, nº 1 da LGT, determina que os juízes devem realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer, tenham sido alegados e sejam relevantes para a boa decisão da causa. IV. A omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, afeta o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a existência de deficit instrutório.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A [SCom01...], Lda. (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 20.12.2024, que julgou parcialmente procedente a impugnação, por si intentada, contra a liquidação adicional de IRC do ano de 2018, no valor de €28.899,66€, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «(…) A - DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA IGUALDADE DAS PARTES a) O Tribunal a quo preteriu a prova testemunhal requerida pela Recorrente, na pessoa da sua contabilista certificada, cujo testemunho seria de fundamental importância para demonstrar porque motivo os Serviços de Inspeção Tributária (doravante “SIT”) pecaram na sua análise dos elementos da Recorrente; b) O Tribunal entendeu que, com os elementos probatórios à sua disposição, todos de natureza documental, teria todos os elementos necessários para proceder ao apuramento da verdade material e consequente boa decisão da causa; c) Não foi isso que se verificou, uma vez que o Tribunal veio a afirmar, em sede de sentença, nomeadamente nas secções ii) e iii) da fundamentação da matéria de direito, que a improcedência da pretensão da ora Recorrente decorria do facto de os elementos probatórios ao dispor do Tribunal não evidenciavam inequivocamente as pretensões invocadas; d) Entendendo o Tribunal que existia abertura para a demonstração para da realidade invocada pela ora Recorrente em sede de impugnação, quando estabelece que o sentido da sua decisão é claramente influída pela sua perceção de escassez de meios de prova, não poderia o Tribunal preterir a realização de diligências probatórias de uma testemunha que conseguiria explicar, de forma rigorosa, a veracidade da pretensão da Recorrente; e) Entendeu o Tribunal a quo que a mesma era dispensável à descoberta da verdade material, o que, conforme todo o argumentário exposto, simplesmente não corresponde à realidade, uma vez que o enquadramento supra teria sido efetuado através de prova testemunhal e, por consequência, contribuído para a formulação da decisão aqui em crise; f) Foi antes dada prevalência à rapidez processual, com claro atropelo das garantias dos sujeitos processuais; g) O despacho que decidiu dispensar a produção da prova testemunhal padece de falta de fundamentação, pois que se limita a referir que “as diligências probatórias requeridas pela Impugnante revelam-se desnecessárias”; h) O Tribunal, para desconsiderar a prova apresentada por quem reclama, têm o dever de fundamentar tal recusa; i) No processo, o juiz só pode dispensar a produção da prova testemunhal requerida quando conclua que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária em vista das várias soluções plausíveis das questões de direito colocadas; j) Não poderia o douto Tribunal ter dispensado a produção da prova testemunhal requerida pela Recorrente, violando, assim, o disposto no art.º 113.º, n.º 1, do CPPT, em frontal violação dos princípios da descoberta da verdade material, do contraditório e da igualdade de armas; k) deverá a decisão em crise ser anulada, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 2.º, do CPPT, bem como, determinada a produção de diligências probatórias, designadamente, a inquirição das testemunhas arrolada; B - IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO B.1. - FACTOS QUE DEVERIAM TER SIDO DADOS COMO PROVADOS EM RELAÇÃO À PROVA PRODUZIDA a) Afirmou o Tribunal a quo, em concordância com as conclusões prolatadas pelos SIT no âmbito da inspeção tributária, que existiam divergências entre os saldos bancários e contabilísticos das contas Banco 1... e Banco 2... da Recorrente, e que tal levou à conclusão de que existia uma divergência de entradas e saídas nas contas em relação aos registos contabilísticos, e que ficaram por contabilizar entradas no valor de 21.524,42 €; b) Conforme resulta claramente do Documento n.º 15, a conta foi creditada, em 02/01/2018, com dois montantes na ordem total dos 24.969,11 €, valor esse que, quando somado ao saldo bancário, totalizou o montante 84.533,32 €; c) Este último montante é praticamente idêntico ao montante de saldo inicial da conta Banco 1... registado na contabilidade da Recorrente, pelo que esta primeira divergência seria facilmente explicada através de uma análise mais detalhada da prova documental carreada para os autos ou através da realização da prova testemunhal requerida pela Recorrente; d) Como tal deverá, deverá ser dado como provado o seguinte facto: Facto U: “Em 02/01/2018, a conta bancária Banco 1... da Impugnante foi creditada com o montante de 24.969,11€, perfazendo um saldo bancário de 84.533,32€.” e) Quanto ao saldo final da conta Banco 1... e a sua divergência para com o saldo registado na contabilidade, a mesma encontra explicação na reconciliação bancária efetuada pela Recorrente; f) A diferença de saldos encontra-se justificada pela necessidade de reconciliar os saldos face aos intervalos temporais entre o lançamento contabilístico dos movimentos e a sua efetiva verificação no saldo bancário disponível; g) No que respeita à conta Banco 2..., e conforme resulta do Documento n.º 14 da petição inicial, a conta Banco 2... da Recorrente é uma conta bancária de tipologia Super Conta ..., que oferece às empresas um conjunto de serviços diversificados, nomeadamente um sistema de gestão automática de tesouraria, que aplica automaticamente excedentes de tesouraria na conta à ordem numa conta de investimento ..., revertendo, posteriormente, juros para a conta à ordem; h) A discrepância entre a contabilidade e os saldos da conta Banco 2... devem-se à tipologia de conta bancária que a Recorrente detém, sendo que os extratos bancários apenas exibem o saldo da conta à ordem, mas não exibem o saldo disponível da mesma, a que a Recorrente pode recorrer caso entenda necessário; i) Como tal, deverá ser dado como provado o seguinte facto: Facto V: “A conta bancária Banco 2... da Impugnante é uma conta bancária de tipologia Super Conta ..., que oferece às empresas um conjunto de serviços diversificados, nomeadamente um sistema de gestão automática de tesouraria, que aplica automaticamente excedentes de tesouraria na conta à ordem numa conta de investimento ..., revertendo, posteriormente, juros para a conta à ordem.” j) No que respeita à questão da divergência entre as entradas nas contas bancárias da Recorrente e as entradas registas na contabilidade, não se compreende porque motivo o Tribunal a quo entendeu que a documentação fornecida, nomeadamente os Documentos n.º 12 e 13 da petição inicial, não eram suficientes para demonstrar a reconciliação bancária e ausência de divergências entre as entradas nas contas bancárias e as entradas registadas na contabilidade; k) A Recorrente teve de recorrer à reconciliação bancária para igualar os valores inscritos na sua contabilidade e nas suas contas bancárias, uma vez que verificou que haveria recebimentos registados a posteriori do exercício de 2018, fruto da diferença de dias entre o seu recebimento na conta bancária e respetivo registo contabilístico; l) Como tal, deverá ser dado como provado o seguinte facto: Facto X: “A Impugnante, face à diferença entre movimentos lançados contabilisticamente que ainda não haviam sido recebidos nas suas contas bancárias, e vice-versa, procedeu à reconciliação bancária entre os movimentos bancários e contabilísticos.” B.2. - DO ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO a) É evidente que as divergências invocadas pelos SIT e posteriormente validadas pelo Tribunal a quo se encontram plenamente justificadas, pelo que, naturalmente, esta errónea apreciação da prova produzida por parte do Tribunal a quo culminou numa fundamentação de facto contrária à verdade material e num inevitável erro sobre os pressupostos de facto da sentença; b) É por demais evidente que o Tribunal a quo errou na apreciação dos pressupostos de facto, uma vez que, do exame crítico dos elementos probatórios juntos pela Recorrente aos presentes autos, resulta claramente que as alegadas divergências levantadas pela Autoridade Tributária mais não são do que erros na análise dos elementos, desconhecimento da tipologia de conta bancária da Recorrente e desconsideração da aplicação do mecanismo de reconciliação bancária; c) Inexistiu uma variação patrimonial positiva nos resultados do exercício da ora Recorrente, em clara violação do artigo 21º, do CIRC, pelo que é evidente que a sentença incorreu num vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, o qual se reflete na decisão de improcedência da impugnação judicial; motivo pelo qual deverá ser revogada a sentença; C – DA INEXISTÊNCIA DE DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS a) Face à verificação de uma alegada variação patrimonial positiva sem suporte documental e respetivo lançamento contabilístico de saídas, estariam em causa despesas não documentadas, motivando uma sujeição a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, do CIRC; b) Inexistem variações patrimoniais positivas resultantes de eventuais diferenças entre o total de entradas e saídas das contas bancárias da Recorrente e da sua contabilidade, estando a liquidação adicional de IRC e a consequente improcedência da impugnação judicial inquinadas de vício de violação de lei, pelo que, dada esta factualidade, a existência das saídas não documentadas seria, desde logo, improvável; c) O Tribunal a quo destaca jurisprudência que alude ao entendimento de que apenas as despesas não documentadas são passíveis de tributação autónoma, reservando-se essa qualificação para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental, devendo o sujeito passivo provar o seu destinatário e o seu fim; d) Dada a prova carreada para os autos, é por demais evidente que os movimentos em questão estão devidamente documentados, uma vez que todos apresentam suporte documental, desde comprovativos bancários ao extrato de movimentos e saídas juntos aos autos, pelo que, apenas com base nestes elementos, nunca se poderia verificar a total ausência de comprovativo documental; e) No que respeita ao destinatário e o fim dos movimentos, é evidente que os mesmos são pagamentos a fornecedores pela prestação de serviços ou venda de produtos necessários á atividade da Recorrente e prestações suplementares reembolsadas aos sócios; f) Em relação às prestações suplementares, o reembolso de uma prestação suplementar tem uma finalidade subentendida: o retorno do capital emprestado pelos sócios à sociedade, face à cessação da necessidade do fortalecimento dos capitais próprios da sociedade, ou seja, a finalidade é equivalente à ação em si mesma: o reembolso aos sócios; g) A Recorrente, durante o período de 2018, efetuou reembolsos de prestações suplementares aos seus sócios, nomeadamente aos sócios «AA» e «BB»; h) Um dos anteriores sócios da Recorrente, «CC», faleceu em 2017, deixando a viúva, «BB», como cabeça-de-casal da sua herança, e passando a sua quota-parte no capital da Recorrente para os herdeiros, onde se insere o sócio-gerente «AA»; i) A cabeça-de-casal ficou sem qualquer rendimento no seu agregado familiar, pois a mesma não trabalhava, a Recorrente passou a reembolsar à cabeça-de-casal as prestações suplementares realizadas pelo sócio «CC», quer através de transferências diretas para a cabeça-de-casal, quer através de transferências para o sócio «AA», cujos comprovativos estão devidamente identificadas com a referência do montante se destinar à cabeça-de-casal; j) Uma conclusão é certa: estes movimentos cumprem os requisitos necessários para não serem considerados como despesas não documentadas e consequentemente sujeitos a tributação autónoma, tornando a sua consequente tributação ilícita; k) Também aqui, a sentença se encontra ferida de vício de violação de lei por inexistência de despesas não documentadas e consequente erro sobre os pressupostos de direito, dado que, face à inexistência de despesas não documentadas, nunca poderia ter lugar a aplicação do artigo 88.º, do CIRC; por este motivo, deverá a sentença ser revogada; Nestes termos e com o Douto suprimento de V. Exas. impõe-se o provimento do recurso com a inerente anulação da respeitável sentença recorrida, ou, subsidiariamente, a sua revogação da respeitável sentença recorrida, pelo que a mesma deverá ser substituída, em consequência, por outra que julgue procedente a impugnação judicial julgada improcedente, no montante de 11.126,37 €, relativas aos indeferimentos da reclamação graciosa interposta contra a liquidações adicional de IRC do ano de 2018. Assim julgando farão V. Exas., como sempre aliás, boa e inteira Justiça.» 1.2. A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls.721 a 723 do SITAF, com o seguinte conteúdo: “Inconformada com a sentença proferida nos presentes autos, na parte em que julgou improcedente a por ela apresentada impugnação judicial na sequência do indeferimento de reclamação graciosa que deduzira contra a liquidação adicional de IRC n.º ...43, respeitante ao ano de 2018, da mesma recorreu a impugnante, imputando-lhe erro de julgamento - de facto (derivado também do determinado indeferimento/dispensa da produção da por ela requerida prova testemunhal) e de direito. Certo sendo que são as respectivas conclusões que definem e delimitam o objecto e o âmbito dos recursos (cfr. arts 635º, nºs 2 a 4, 637º, nºs 1 e 2 e 639º do CPCivil). Salvo o devido respeito, pelos fundamentos por ela explanados na respectiva peça recursória, cremos estar a razão do lado da recorrente no atinente ao apontado erro de julgamento da sindicada decisão, ocasionado pela determinada dispensade inquirição da testemunha que arrolara no petitório (cfr. SITAF, pp. 1 e 544). Como, a propósito do tema, se sumariou no Acórdão do TCAS de 23/04/2020, tirado no Proc. nº 923/10.9BESNT (editado in www.dgsi.pt): “1. A falta de inquirição de testemunhas não constitui uma nulidade processual à luz do artigo 195.º e segs. do CPC, porém, tal omissão de diligências de prova pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando a anulação da sentença por défice instrutório. 2. Ao não ser interposto recurso da decisão de dispensa de inquirição das testemunhas, decisão judicial que incide sobre a relação processual, dentro do prazo legal, importa que tal decisão adquira força obrigatória dentro deste processo de impugnação, constituindo caso julgado formal, em virtude do trânsito em julgado da decisão (artigo 620.º do CPC). 3. Contudo, tal não impede que em sede de recurso da sentença seja alegada a existência de erro de julgamento por défice instrutório ou que tal défice instrutório seja conhecido oficiosamente pelo Tribunal de recurso (artigo 662, nº 2 do CPC) ou que seja interposto recurso sobre o julgamento da matéria de facto. 4. Sendo patente que a factualidade alegada pela Impugnante não é indiferente à boa decisão da causa, deve dar-se a possibilidade à Impugnante de usar de todos os meios de prova legalmente admissíveis para cumprir o seu ónus probatório e assim salvaguardar de forma plena os seus legítimos interesses”. Neste entendimento, deverá ser revogada a prolatada sentença e determinada a baixa do processo à 1ª instância, com vista à produção da requerida prova testemunhal (e subsequente prosseguimento dos ulteriores termos processuais).” 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. 1.5 Objecto do recurso: Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)]. In casu, cumpre apreciar e decidir se o Tribunal a quo (i) incorreu em erro de julgamento, ao ter dispensado a produção de prova testemunhal, impedindo desse modo a recolha de elementos probatórios para a comprovação dos factos pertinentes à decisão da causa; E em segundo lugar (ii) se incorreu em erro de julgamento de facto e (iii) erro de julgamento de direito ao validar as correções aritméticas operadas em sede das variações patrimoniais positivas e tributação autónoma. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 De facto «A) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ... realizaram uma ação inspetiva à Impugnante, incidente sobre o ano de 2018 – conforme documentos a folhas 80 e seguintes do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; B) No âmbito da ação inspetiva a que se alude em A) foi elaborado “Relatório de Inspeção Tributária” (RIT), datado de 14.10.2022, do qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documentos a folhas 80 e seguintes do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; C) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ... dirigiram à Impugnante, no âmbito da ação inspetiva a que se alude em A), ofício datado de 14.10.2022, sob o assunto “Relatório de Inspeção Tributária – Artigo 62.º do (…) (RCPITA)”, do qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; D) A Autoridade Tributária emitiu em nome da Impugnante a liquidação de IRC n.º ...43, respeitante ao ano de 2018, acrescida de juros compensatórios, da qual resultou o valor global a pagar de 28.899,66 euros, com data limite de pagamento ocorrida em 10.01.2023 – conforme documentos n.os 2 a 4 juntos com a petição inicial, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; E) Em 06.04.2023 foi recebida no Serviço de Finanças ..., “reclamação graciosa” em nome da Impugnante, contra a liquidação a que se alude em D), da qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» – conforme documentos a folhas 1 e seguintes do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; F) A “reclamação graciosa” a que se alude em E) esteve na base da instauração do processo n.º ...71 do Serviço de Finanças ... – conforme documentos a folhas 1 e seguintes do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; G) Em 14.11.2023 foi prestada, no âmbito do processo a que se alude em F), informação da Direção de Finanças ..., da qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documento a folhas 133 a 138 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; H) Sobre a informação a que se alude em G) foi exarado despacho do Diretor de Finanças ..., datado de 14.11.2023, com o seguinte teor: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documento a folhas 133 a 139 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; I) A Direção de Finanças ... dirigiu à Impugnante, no âmbito do processo a que se alude em F), ofício datado de 15.11.2023, sob o assunto “Notificação de Audição Prévia” – conforme documentos a folhas 139 e 140 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; J) Em 05.12.2023, foi recebido na Direção de Finanças ..., no âmbito do processo a que se alude em F), requerimento em nome da Impugnante solicitando o alargamento do prazo para exercício do respetivo “direito de audição” – conforme documentos a folhas 141 a 143 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; K) A Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças ... dirigiu à Impugnante, no âmbito do processo a que se alude em F), ofício datado de 06.12.2023, do qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documentos a folhas 144 e 145 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; L) Em 20.12.2023 foi prestada, no âmbito do processo a que se alude em F), informação da Direção de Finanças ..., da qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documento a folhas 146 a 152 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; M) Sobre a informação a que se alude em L) foi exarado despacho do Diretor de Finanças ..., datado de 20.12.2023, com o seguinte teor: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documento a folhas 146 a 152 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; N) A Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças ... dirigiu à Impugnante, no âmbito do processo a que se alude em F), ofício datado de 20.12.2023, sob o assunto “Notificação de Decisão Final”, do qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documentos a folhas 153 A 155 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; O) A Impugnante apresentou, no âmbito do processo a que se alude em F), documento denominado “Acta número cinquenta e quatro”, da qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documento a folhas 7 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; P) A Impugnante apresentou, no âmbito do processo a que se alude em F), documento anexo sob o n.º 3, do qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documento a folhas 9 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; Q) A Impugnante apresentou, no âmbito do processo a que se alude em F), documento anexo sob o n.º 4, do qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documento a folhas 10 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; R) A Impugnante apresentou, no âmbito do processo a que se alude em F), documentos de suporte ao documento n.º 3 a que se alude em P) – conforme documentos a folhas 11 a 33 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; S) Entre os documentos aos quais se alude em R) inclui-se documento datado de 17.12.2018, do qual consta conforme segue: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)» - conforme documento a folhas 33 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido; T) A petição inicial da impugnação foi recebida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 22.03.2024 – conforme registo do SITAF, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido. * FACTOS NÃO PROVADOS Inexistem. * MOTIVAÇÃO O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados.» 2.2. De direito In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Braga que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação adicional respeitante a IRC, do ano de 2018, no valor total de € 28.899,66. A impugnante alegou em sede de petição inicial, em suma, (i) cumprir os pressupostos legais previstos no Código Fiscal do Investimento (CFI), mormente o previsto no artigo 32., n.º 1, do CFI, referindo que a conta 5522-Reservas Estatutárias, foi criada e permaneceu inalterada, não havendo qualquer movimento de entrada ou saída dessa reserva, pelo que deve ser considerada pela AT como uma conta de reservas e lucros retidos e reinvestidos, (ii) do vício de violação da lei quanto á consideração pelos Serviços de Inspeção ao concluírem pela existência de variações patrimoniais positivas, referindo nomeadamente que as diferenças resultantes da reconciliação bancária se reconduzem a cêntimos, (iii) mais impugna a consideração da existência de despesas não documentadas e a consequente tributação autónoma associada. O Tribunal a quo, conhecendo, considerou que, no que concerne ao benefício fiscal de dedução por lucros retidos e reinvestidos ao abrigo do princípio da prevalência da substância sobre a forma pela ilegalidade da correção em crise, e bem assim da ilegalidade da correção relativa à tributação autónoma, na parte influenciada pelo movimento suportado pelo documento ao qual se alude em S) do probatório, neste particular (procedência) a sentença sob recurso não foi objecto de recurso, pelo que independentemente da sorte do mesmo, o seu julgamento e nessa exacta medida transita em julgado. No mais, a impugnação foi julgada improcedente assente nos seguintes considerandos; (i) quanto às variações patrimoniais positivas de que “(...) compulsada a factualidade provada não resultam, todavia, evidenciados registos de natureza contabilística passíveis de demonstrarem de forma inequívoca a invocada contabilização e subsequente declaração nos termos legais, do montante correspondente à diferença apurada e objeto de correção, de molde a poder concluir-se, conforme propugna a Impugnante, que tal diferença não consubstancia uma variação patrimonial positiva subtraída do apuramento do resultado do exercício de 2018.” e (ii), quanto à tributação autónoma que “(...) Compulsados os elementos apresentados pela Impugnante por referência à conta domiciliada no Banco 2... constata-se não ser possível aferir, porém, a concreta finalidade de todos os movimentos identificados [conforme alíneas P) e R) dos factos provados]. (...) sem que tenham sido, porém, apresentados quaisquer outros elementos passíveis de esclarecerem a natureza ou concreta motivação para a atribuição da suposta “prestação”, donde também quanto a tais movimentos se impõe concluir pela falta de demonstração da efetiva finalidade. “ Contra o assim decidido, insurge-se a Recorrente argumentando que o Tribunal a quo indeferiu a realização da prova testemunhal, para depois se contradizer ao improceder a sua petição anulatória em “escassez de elementos probatórios”, alegando ser o depoimento da sua contabilista certificada, crucial atento o "elevado teor técnico dos elementos probatórios e da pretensão da Impugnante", justificando a necessidade da explicação detalhada que a mesma podia carear para os autos, requerendo a anulação da decisão, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 2.º, do CPPT, e a determinação da produção das diligências probatórias, incluindo a inquirição da testemunha. Prosseguindo, alega que o Tribunal a quo incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito ao concordar com as conclusões dos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) sobre divergências nos saldos bancários e contabilísticos, solicitando o aditamento de três factos decorrentes da reconciliação bancária e contabilística e quanto às despesas não documentadas que as mesmas “estão devidamente documentados, uma vez que todas apresentam suporte documental, desde comprovativos bancários ao extrato de movimentos e saídas juntos aos autos”. Cumpre apreciar e decidir. 2.2.1. Da nulidade processual e dispensa da prova testemunhal Conforme enunciado supra, vêm a Recorrente invocar a nulidade da decisão (195º, nº1 do Código de Processo Civil (CPC)), por violação do princípio do contraditório e por violação do disposto no artigo 113.° n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), na medida em que, com a dispensa da inquirição das testemunhas arroladas contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo de que a mesma “(...) era dispensável à descoberta da verdade material, o que, conforme todo o argumentário exposto, simplesmente não corresponde à realidade, uma vez que o enquadramento supra teria sido efetuado através de prova testemunhal e, por consequência, contribuído para a formulação da decisão aqui em crise (...) Foi antes dada prevalência à rapidez processual, com claro atropelo das garantias dos sujeitos processuais.”. Vejamos. No caso presente, o Tribunal a quo após apresentação da contestação e junção do Processo Administrativo, por apenso, proferiu de imediato em 06.10.2024 despacho, através do qual dispensou a inquirição das testemunhas arroladas, com a seguinte fundamentação: «Compulsados os autos considero que, atenta a natureza da matéria controvertida e os elementos juntos aos mesmos, as diligências probatórias requeridas pela Impugnante revelam-se desnecessárias, termos em que indefiro a realização das mesmas – cfr. artigo 13.º, n.º 1, “a contrario” do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Notifique. Oportunamente, abra vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público.» Notificadas as partes, foram os autos com vista ao Ministério Público para parecer e de seguida, sem que qualquer outro acto fosse praticado nos autos, foi proferida a sentença objecto de recurso. Conforme o disposto no artigo 98.º do CPPT, sob a epígrafe “Nulidades insanáveis”, “1 - São nulidades insanáveis em processo judicial tributário: a) A ineptidão da petição inicial; b) A falta de informações oficiais referentes a questões de conhecimento oficioso no processo; c) A falta de notificação do despacho que admitir o recurso aos interessados, se estes não alegarem. 2 - As nulidades referidas no número anterior podem ser oficiosamente conhecidas ou deduzidas a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final. 3 - As nulidades dos actos têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo sempre aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos. 4 - Em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei. 5 - Sem prejuízo dos demais casos de regularização da petição, esta pode ser corrigida a convite do tribunal em caso de errada identificação do autor do acto impugnado, salvo se o erro for manifestamente indesculpável.” A par, e como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 195.º do CPC “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa” No entanto, como tem a jurisprudência considerado de forma reiterada e uniforme, a falta de produção de prova testemunhal requerida não constitui qualquer nulidade processual. Com efeito, como decorre do acórdão proferido por este Tribunal Central em 07.06.2023 no âmbito do processo n.º 575/12.1BEBRG, invocando o acórdão do STA de 14.09.2016, processo n.º 0946/16 “ «(…) 2.2.2.1 Como este Supremo Tribunal tem vindo a dizer, a falta de produção da prova testemunhal oferecida não constitui nulidade processual (…) Ora, a falta de inquirição das testemunhas não consta do rol exaustivo de nulidades insanáveis constante do art. 98.º do CPPT, nem constitui uma nulidade processual à luz do regime do art. 195.º e segs. do CPC, segundo o qual «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa». Ou seja, as nulidades, enquanto violações da lei processual, têm que revestir uma de três formas: (i) prática de um acto proibido; (ii) omissão de um acto prescrito na lei; (iii) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas. Concomitantemente, têm de poder influir no exame ou na decisão da causa (Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 9 d) ao art. 98.º, pág. 87, «como decorre do citado art. 201.º, n.º 1, do CPC [hoje, 195.º], na falta de norma especial que comine a sanção de nulidade para determinada irregularidade, estas só produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Isto significa que, quando não há tal possibilidade de influência, não há nulidade, mas também que, para haver nulidade basta a mera possibilidade de influência da irregularidade na decisão da causa, não dependendo a existência de uma nulidade da demonstração de que houve efectivo prejuízo. No entanto, se se demonstrar positivamente que a irregularidade que tinha potencialidade para influenciar a decisão da causa acabou por não ter qualquer influência negativa para a parte a quem o cumprimento da formalidade ou a eliminação do acto indevidamente praticado podia interessar, a nulidade deverá considerar-se sanada, pois, nessas condições, seria cumprir essa formalidade ou eliminar o acto indevidamente praticado».). Ora, a falta de inquirição de testemunhas não constitui nulidade porque não surge como diligência cuja realização se imponha inelutavelmente ao juiz, antes cabendo a este avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, constam do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido. Compete ao juiz aferir da necessidade ou não de produzir prova, decidindo «se deve ou não realizar diligências que forem requeridas, podendo oficiosamente realizar as diligências que entender úteis para a descoberta da verdade, em relação aos factos alegados ou de que oficiosamente possa conhecer (art. 99.º, n.º 1, da LGT)» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., IV volume, anotação 8 g) ao art. 278.º, págs. 312/313.). Ou seja, a lei não prescreve que deve haver sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção; pelo que, não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal geradora de nulidade processual. O que não obsta a que a omissão de diligências de prova, quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, possa afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando a anulação da sentença por défice instrutório com vista a obter o devido apuramento dos factos. Por conseguinte, se a avaliação efectuada pelo juiz – que suporta a decisão de prescindir da inquirição das testemunhas arroladas – estiver inquinada de erro, por, ao contrário do que ele julgou, os elementos disponíveis nos autos não serem suficientes para permitir um cabal conhecimento das causas de pedir e do pedido formulado, esse erro inquinará o valor doutrinal da sentença que venha a ser proferida, por insuficiência da matéria de facto e/ou erro de julgamento de facto. (…)».” – fim de citação. Nestes termos, a dispensa da inquirição de testemunhas não consubstancia nulidade, acarretando, quando muito, erro de julgamento, impondo-se assim negar provimento ao alegado. Mais se diga, começando por recordar que, nos termos do artigo 660.º do CPC - aplicável ao caso ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT – o Tribunal ad quem: “só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º, quando a infração cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente.” É o que sucede, precisamente, no presente recurso. Importa, pelo exposto, apurar se o despacho que denegou a produção de prova testemunhal foi decisivo no sentido de afectar a decisão final em termos desfavoráveis a Recorrente. Recorde-se o teor de tal despacho interlocutório, lavrado a 04 de outubro de 2024: “Compulsados os autos considero que, atenta a natureza da matéria controvertida e os elementos juntos aos mesmos, as diligências probatórias requeridas pela Impugnante revelam-se desnecessárias, termos em que indefiro a realização das mesmas – cfr. artigo 13.º, n.º 1, “a contrario” do Código de Procedimento e de Processo Tributário” (sublinhado nosso) E, desde já se adianta, que incorreu em erro ao assim considerar, erro esse que respalda do teor da decisão final ora recorrida que se lhe seguiu e impõe que se conheça da mesma à luz do deficit instrutório e da alegada violação do princípio da verdade material e do princípio do contraditório invocados. Senão vejamos. Como demos conta a falta ou a insuficiência de produção de prova não se mostra elencado na lista de nulidades insanáveis ínsita do artigo 98º do CPPT nem constitui uma nulidade processual à luz do artigo 195.º e seguintes do CPC, ou seja, não é, ali, tida como nulidade capaz de influir decisivamente no exame e, posteriormente, na decisão da causa, já que, como vimos, a lei não a prescreve como tal, mas também não podemos olvidar o poder que, em matéria tributária, é conferido ao juiz, na parte final do n.º 1 do artigo 113.º no CPPT para avaliar da necessidade de produção de prova. Na situação que aqui nos ocupa o Mmª. juiz a quo nada diz ou refere quanto à testemunha indicada e depoimento de parte (para prova dos factos 18 a 21 e 31 a 45, vide p.i. in fine) requeridos em sede de petição inicial, limitando-se a uma referência genérica às diligências probatórias, razão que nos leva a considerar que quanto ao mais requerido para o tribunal ordenar AT para proceder à junção do procedimento de inspecção e procedimento de reclamação graciosa, que por força da sua junção, os mesmos terão sido considerados por prejudicados, pelo que o despacho in casu se tem como aludindo às diligências probatórias - testemunha e depoimento de parte, sem ocorrência de violação de qualquer formalidade processual. Mas do exposto, não obsta a que a omissão de diligências de prova, por força da sua dispensa, não possa afectar o julgamento da matéria de facto e acarretar, nessa medida, a anulação da sentença por défice instrutório. Assim, importa dizê-lo, até perante os princípios da verdade material e contraditório subjacentes a alegação da Recorrente, que não é para nós claro que a solução a que se chegou no texto recorrido seria a mesma caso tivesse sido percorrido o percurso indiciado pela Recorrente na sua petição, a que acresce ter sido precludida uma fase processual indispensável à luz daqueles princípios e a um processo justo e equitativo, qual seja a da notificação das partes para apresentarem alegações escritas nos termos do artigo 120º do CPPT, a qual só por si não afecta de nulidade a sentença por estarmos perante uma nulidade secundária afastada do conhecimento oficioso deste Tribunal ad quem, mas a dispensa das diligências probatórias catapulta, a questão que nos vem colocada para a de saber se a omissão de tais diligências de prova, se mostra susceptível de afectar, ou não, o julgamento da matéria de facto. 2.2.2. Do erro de julgamento de facto Como deixamos dito em 2.2.1., a dispensa de produção da prova testemunhal arrolada pelos Recorrentes, a verificar-se, traduziria erro de julgamento de facto, por insuficiência da matéria de facto, cumprindo assim aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto decorrente da dispensa de diligências probatórias requeridas, in casu inquirição de testemunha e depoimento de parte. Nos termos do disposto no artigo 411.º do CPC, “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, consagrando-se assim o princípio do inquisitório, que no seu sentido restrito, que é o rigoroso, “opera no domínio da instrução do processo tendo o juiz aí poderes mais amplos do que no domínio da investigação dos factos, na medida em que pode determinar quaisquer diligências probatórias que não hajam sido solicitadas pelas partes” – cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 207. No mesmo sentido, o n.º 1 do artigo 99.º da Lei Geral Tributária (LGT), sob a epigrafe “Princípio do inquisitório e direitos e deveres de colaboração processual”, estabelece que “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”. De igual forma, dispõe o n.º 1 artigo 13.º CPPT ao estatuir que “aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”. Por fim, o artigo 114.º do CPPT, prevê que “não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de produção de prova necessárias (…)”. Com efeito, “cabe ao tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada. Para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados” – cfr. acórdão do TCA Sul de 10.11.2022, proc. 2222/15.0BESNT. Ademais, como dispõe o artigo 115.º do CPPT, no processo tributário são admitidos todos os meios gerais de prova, não se encontrando assim limitado a um especifico modo de prova. Nestes termos, “não obstante o juiz não estar obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes, contudo deve ponderar sobre a admissibilidade dos meios de prova no caso concreto. Nesse sentido deve ponderar a realização de diligências úteis à descoberta da verdade material, mormente quando existam factos controversos que careçam de prova bastante, de modo a que seja, sempre que possível, a não ficarem dúvidas sobre essa factualidade controvertida. Significa isto, que a omissão de diligências necessárias à descoberta da verdade material, acarreta um défice instrutório, quando em face do alegado e da análise dos elementos dos autos, se possa antever que a realização de algum meio de prova poderia ser modo de aquisição processual de melhor esclarecimento dos factos, tanto mais que não se vislumbra fossem diligências irrelevantes para os termos da causa.” – cfr. Acórdão do TCA Norte de 23.11.2023, proc. n.º 1045/11.1BEBRG. Volvendo aos autos, propôs-se a Recorrente a fazer prova da conciliação bancária, de modo a dirimir as divergências proclamadas pela AT entre os saldos bancários e os saldos contabilísticos. Alegando para tal que em 02/01/2018, a conta Banco 1... foi creditada com 24.969,11 €, totalizando um saldo de 84.533,32 €. Este valor é "praticamente idêntico" ao saldo inicial contabilístico, A diferença no saldo final da conta Banco 1... é justificada pela "reconciliação bancária efetuada pela Recorrente", devido a "intervalos temporais entre o lançamento contabilístico dos movimentos e a sua efetiva verificação no saldo bancário disponível". Quanto à conta do Banco 2..., apela que pretendia esclarecer que em função do tipo de conta "Super Conta ...", que possui um "sistema de gestão automática de tesouraria" que transfere automaticamente excedentes para uma "conta de investimento ..." e reverte juros para a conta à ordem, razão que justifica a discrepância, pois os extratos bancários exibem apenas o saldo da conta à ordem, sem refletir o saldo disponível na conta .... Mais alega, a Recorrente que teve de efetuar reconciliações bancárias devido a recebimentos registados a posteriori do exercício de 2018, fruto da diferença de dias entre o seu recebimento na conta bancária e respetivo registo contabilístico. Para tanto invocam nomeadamente os documentos n.º 12, 13 e 15 juntos com a petição, mas ainda e como complemento de toda a documentação junta a prova apresentada, quer por conta do depoimento de parte, quer essencialmente como decorre do recurso com a audição da testemunha a qual dotada de conhecimento próprios e técnicos, para além do conhecimento directo, estaria apta a explicar e elucidar da conciliação existente à sua luz entre os elementos bancários constantes dos autos e a contabilidade. Com efeito a Recorrente pretende que seja levado ao probatório que: Facto U) “Em 02/01/2018, a conta bancária Banco 1... da Impugnante foi creditada com o montante de 24.969,11€, perfazendo um saldo bancário de 84.533,32€.”; Facto V) “A conta bancária Banco 2... da Impugnante é uma conta bancária de tipologia Super Conta ..., que oferece às empresas um conjunto de serviços diversificados, nomeadamente um sistema de gestão automática de tesouraria, que aplica automaticamente excedentes de tesouraria na conta à ordem numa conta de investimento ..., revertendo, posteriormente, juros para a conta à ordem.” ; Facto X “A Impugnante, face à diferença entre movimentos lançados contabilisticamente que ainda não haviam sido recebidos nas suas contas bancárias, e vice-versa, procedeu à reconciliação bancária entre os movimentos bancários e contabilísticos.” O Tribunal a quo não reconduziu um qualquer facto ao probatório pela negativa, fazendo constar que “Inexistem” factos não provados, e mais se diga que em sede de motivação apenas fez constar que “O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados.”. E, em complemento, diga.se que relativamente aos factos levados ao probatório, nenhuma menção é feita sobre os documentos juntos com a petição inicial, em número de 15, apenas indicando a sua alusão em sede de PA, sem uma indicação concreta quando alude aos documentos de suporte e à sua numeração se respeitam ao PA respeitante à reclamação graciosa ou ao PA respeitante ao procedimento inspectivo. Mas certo é que aquilo que relevou foi documentação, documentação essa que a Recorrente pretendia através da sua contabilista certificada elucidar na sua compreensão e conferência entre dados de extractos bancários e contabilidade. E se atentarmos à apreciação realizado no texto decisório quanto às variações patrimoniais positivas, apesar de aí identificar claramente a posição da recorrente nos seguintes termos “invocar a existência de vício de violação de lei, mais concretamente, do disposto nos artigos 18.º, n.º 1 e 21.º do Código do IRC, sustentando, em síntese, que “como transparece da reconciliação bancária feita pela Impugnante, em ordem a igualar os valores inscritos na sua contabilidade e nas suas contas bancárias, a mesma verificou que haveria recebimentos registados a posteriori do exercício de 2018, aqui em causa”, uma vez que, “resultam de diferenças de escassos dias entre o seu recebimento na conta bancária e respetivo registo contabilístico nas subcontas em causa”, devendo, nessa medida, “ser desconsideradas as correções propugnadas pela AT neste segmento” após confirmar por transcrição a posição da AT, remata pela improcedência concluindo que “ compulsada a factualidade provada não resultam, todavia, evidenciados registos de natureza contabilística passíveis de demonstrarem de forma inequívoca a invocada contabilização e subsequente declaração nos termos legais, do montante correspondente à diferença apurada e objeto de correção, de molde a poder concluir-se, conforme propugna a Impugnante, que tal diferença não consubstancia uma variação patrimonial positiva subtraída do apuramento do resultado do exercício de 2018.”. Epilogamos, em suma, que a Mma. Juiz a quo, sem exercer uma apreciação critica sobre os documentos juntos com a petição, sem realizar as diligências probatórias que pretendiam enquadrar e explicitar os mesmos, nos termos supra aludidos, decidiu pela improcedência da impugnação na parte que nos ocupa [das variações patrimoniais positivas] por considerar que da factualidade provada não resulta abalada a posição da AT e, avançando em sede de tributação autónoma de que não foi provada a finalidade. Ora, temos para nós por adquirido que em sede de matéria tão complexa e técnica, que passa por um conciliação entre documentação bancária vária e extensa e contabilidade, os contributos que possam ser alcançados numa diligência probatória são manifestos, mormente com a intervenção de quem está habilitada por conhecimento próprio a debelar quaisquer dúvidas que possam existir na confrontação da documentação, nomeadamente no sentido daquela poder assertivamente ser reconduzida ao probatório seja pela positiva seja pela negativa. Certo é que a factualidade solicitada pode vir a mostrar-se relevante para a decisão da causa e constitui matéria controvertida, como claramente decorre do articulado inicial e da própria alegação de Recurso da Recorrente. Na verdade, tendo em consideração a elencada causa de pedir e os factos alegados, conclui-se que os mesmos carecem essencialmente de prova documental mas, não pode de todo coatar-se a produção da prova testemunhal que possa esclarecer e complementar aquela. Nessa medida, tais factos são passíveis de produção de prova testemunhal, quer seja por via de factos instrumentais que completem a asserção a retirar da prova documental já constante do probatório, o que de todo obsta a que se conclua pela sua dispensa, para, a final concluir pela sua não comprovação. Saber se a prova testemunhal a produzir, conjugada com os documentos que se encontram nos autos, será suficiente para comprovar a factualidade alegada pela Recorrente é questão a verificar a final, não se pode é consentir que o direito que assiste ao Recorrente de provar e convencer do por si alegado seja coarctado pela dispensa da inquirição da testemunha arrolada e, bem assim, do próprio depoimento de parte requerido. Com efeito, não poderia o Tribunal a quo ter concluído que a Recorrente não lograra abalar a convicção e o espelhado em sede, quer de RIT, quer de reclamação graciosa, após lhe negar a possibilidade de realização plena da prova requerida e que se propusera apresentar, sob pena de ter firmado a convicção sem a produção de toda a prova que a Recorrente colocou à disposição do Tribunal, afigurando-se que da realização das diligências instrutórias requeridas, sem prejuízo daquelas que possam vir a despoletar-se como relevantes, resultará um quadro factual mais vasto e firme do que aquele em que se baseia a decisão recorrida, podendo eventualmente influenciar o mérito da causa. Em jeito de conclusão diga-se que, podendo a inquirição da testemunha e depoimento de parte esclarecer o Tribunal a quo sobre os factos alegados, a sentença recorrida padece de défice instrutório, susceptível de afectar o julgamento da matéria de facto, por outras palavras, no caso sob apreço, conclui-se que a realização da prova testemunhal é pertinente para a boa decisão da causa. Nesta senda, o Tribunal a quo, ao não ter procedido à referida diligência de prova, incorreu em défice instrutório, determinante da anulação oficiosa da sentença recorrida ao abrigo do disposto no artigo 662.º n.º 2 alínea c) do Código do Processo Civil, impondo-se a devolução dos autos ao Tribunal a quo, para que este proceda às diligências requeridas e à subsequente prolacção de nova decisão. Nos termos do exposto fica prejudicado o conhecimento do recurso quanto às demais questões suscitadas. 2.3. Conclusões I. A falta de inquirição das testemunhas arroladas no processo judicial tributário não consubstancia nulidade processual ao abrigo do disposto no artigo 195.º do CPC, uma vez que o Juiz tem o poder de aferir da necessidade da sua produção, não obstante, a omissão de diligências de prova, por afectar o julgamento da matéria de facto, acarretar a anulação da decisão por défice instrutório II. O facto de não ter sido interposto recurso do despacho interlocutório do despacho de dispensa de prova testemunhal não inviabiliza, per se, a apreciação do deficit instrutório, porquanto o Tribunal de recurso pode sindicar o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova em sede do recurso e anular oficiosamente a decisão. III. O princípio do inquisitório ou da verdade material, consagrado nos artigos 13º, nº 1 do CPPT e 13º, nº 1 da LGT, determina que os juízes devem realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer, tenham sido alegados e sejam relevantes para a boa decisão da causa. IV. A omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, afeta o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a existência de deficit instrutório. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida na exacta medida do ali julgado improcedente e determinar a baixa dos autos à 1ª instância para eventual ampliação da matéria de facto, após realização das pertinentes diligências de prova, a ter em conta na prolação de nova sentença. Custas a cargo da Recorrida. Porto, 26 de maio de 2025 Irene Isabel das Neves (Relatora) Paulo Moura (1.º Adjunto) José Coelho (2.º Adjunto) |