Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01193/12.0BEPRT |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 10/07/2016 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Joaquim Cruzeiro |
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Descritores: | RESPONSABILIDADE CONTRATUAL; CIRCUNSTÂNCIAS ANORMAIS E IMPREVISÍVEIS |
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Sumário: | I- Nos termos do artigo 335º, n.º 1, do CCP, a resolução de um contrato poderá ter lugar se ocorrer um motivo anormal e imprevisível das circunstâncias em que este se encontra a ser executado, ou seja, um motivo que as partes não representaram no seu acordo contratual e sobre o qual nada convencionaram. II- O encerramento da actividade do Hospital Maria Pia tem de ser considerada uma circunstância anormal e imprevisível para os efeitos do artigo 335º do CCP, uma vez que tal questão não se encontrava reflectida no contrato de concessão do Bar em causa nos autos. III- Quando a resolução do contrato derive de razões estranhas ao âmbito das prestações contratuais, o co-contratante tem direito a indemnização correspondente aos danos emergentes e lucros cessantes. IV- Não se tendo provado que o recorrido tenha sofrido quaisquer danos, nem que a recorrente se tenha locupletado com quaisquer bens ou materiais não ocorre direito a qualquer indemnização.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
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Recorrente: | Centro Hospitalar do Porto EPE |
Recorrido 1: | JAP |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO Centro Hospitalar do Porto EPE vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 24 de Julho de 2014, que julgou parcialmente procedente a acção interposta por JAP e onde era solicitado, em resumo, que devia: “… ser o Réu condenado ao pagamento de uma indemnização ao Autor de € 58.000,00 correspondendo €19.000,00 despendidos em obras de qualificação e equipamentos, € 11.000,00 por conta dos despedimentos que teve que efectuar de duas funcionárias com antiguidades de 6 e 11 anos, respectivamente e, ainda, a quantia de € 28.000,00, correspondente ao lucro cessante”. Em alegações o recorrente concluiu assim: 1a• Discorda-se da douta sentença essencialmente por duas ordens de razões: a) termo do prazo do contrato de concessão celebrado entre o R e A. em 01/07/2009; e, b) reversão dos materiais, equipamentos e utensílios comprados pelo A. para a exploração do Bar. 2a • O Tribunal "a quo" veio a decidir que o R. deu por findo o contrato em momento em que ainda não tinha 3a • O tema de prova, nesta particular questão, circunscrevia-se a determinar qual o sentido e o alcance da 4a• É inequívoco que o sentido e o alcance da referida cláusula só pode ser o de que as partes quiseram atribuir efeito precário e carácter provisório ao contrato de concessão. 5a • O A., logo que celebrou o contrato, ficou ciente da precariedade do contrato e que o mesmo terminaria logo que o R adjudicasse novo contrato. 6a • Tal como resulta da fundamentação da própria sentença e do depoimento das testemunhas PM e AA o R pretendeu introduzir a cláusula 2a no contrato porque, já então, admitia poder haver, a breve trecho, alterações sensíveis na assistência hospitalar do estabelecimento, designadamente, a desactivação do Hospital Maria Pia, como veio a acontecer. 7a • Na própria sentença recorrida tem-se como adquirido que era do conhecimento público que há muito tempo se ventilava a hipótese de encerramento do Hospital Maria Pia, motivado quer pelas condições físicas do edifício, quer pela existência de um projecto de criação do novo Centro Materno Infantil. 8a • Na douta sentença também se discorre que se o R. pretendia, com fundamento no iminente encerramento do Hospital Maria Pia, deixar aberta a possibilidade de, a todo o tempo, fazer cessar o contrato que celebrou com o A., tal não ficou vertido no contrato. 9a • Ora, foi justamente porque essa razão não ficou expressamente vertida no contrato que o Tribunal "a quo", enunciou como tema de prova determinar qual a intenção das partes quando introduziram no contrato a cláusula 2a. 10a• Não chegou a haver adjudicação de um novo concurso justamente porque o que veio a verificar-se foi o próprio encerramento do Hospital Maria Pia. 11a - A razão que levou o R. a dar por findo contrato, foi, afinal, muito mais forte do que aquela que expressamente se previa no contrato. 12a• Se o A. ficou ciente de que o R. poderia terminar o contrato quando decidisse adjudicar um novo concurso, não pode considerar-se que o R. tenha incumprido o contrato porque, ao invés de ter adjudicado um novo concurso, o que veio a ocorrer foi o encerramento do Hospital Maria Pia. 13a • A cessação do contrato não foi geradora de prejuízos para o A., muito concretamente quanto àqueles que o Tribunal deu como provados - custo de materiais, equipamentos e utensílios. 14a• Se o A. sabia, como sabia, que o R. podia por termo ao contrato a todo o tempo, mediante a adjudicação de um novo concurso, sem que daí pudesse exigir o ressarcimento de quaisquer prejuízos, também não é legítimo, licito ou mesmo moral, que o A. venha exigir prejuízos porque o R. fez cessar o contrato por virtude do encerramento do Hospital Maria Pia. 15a • A partir do momento em que o A. aceitou o carácter precário ou transitório do contrato, também ficou ciente que o meter-se em "altas cavalarias" com investimentos, corria por sua conta e risco. 16a • Caso o R. tivesse adjudicado um novo concurso, um ou dois meses, meio ano ou um ano, após a celebração do contrato, o A. sabia que não teria tempo de recuperar o investimento. 17a • Daí que apenas ao risco do A. e à sua temeridade se possa assacar a responsabilidade pelos investimentos feitos. 18a • A exegese que a Mma. Sr.a Juíza "a quo" faz daquilo que resulta da letra da cláusula 2a do contrato, levar- nos-ia, salvo o devido respeito, ao absurdo de o contrato não terminar nunca ou, se se quiser, ter carácter eterno. 19a • Se foi encerrado o Hospital Maria Pia, e se, por virtude desse facto, não chegou a ser concretizada a 20a • Resulta da própria fundamentação da sentença qual o sentido e o alcance da cláusula 2a do contrato e que vai no sentido de que as partes quiseram atribuir carácter precário ou transitório ao mesmo. 21a • Quanto à 2a razão de discordância com a sentença - reversão de materiais, equipamentos e utensílios a favor do R. - a mesma incorre em violação inequívoca das regras de repartição do ónus da prova, que gera a sua ilegalidade e nulidade. 22a• Foi o A. quem, em acção por si intentada contra o R, veio alegar que as obras, equipamentos, utensílios e materiais reverteram a favor do R e que ingressaram no seu património (ver art.? 90 da P.I.). 23a • E foi justamente o valor dos equipamentos, materiais e utensílios constantes da factura junta à P.I., da 24a • O R. pôs em causa, impugnando, que esses materiais, equipamentos e utensílios tivessem revertido a seu favor e ingressado no seu património. 25a• O Tribunal, ao considerar que que" ... , não logrou o R. provar que foi o A. que procedeu ao levantamento dos equipamentos e utensílios que instalou no Bar" ofende manifestamente as regras de repartição do ónus da prova, pois que não era sobre o R que impendia o ónus de provar que foi o A. que procedeu ao levantamento dos equipamentos e utensílios, mas, ao invés, era sobre o A. que o impendia o ónus de alegar e provar que o R. ficou com tais equipamentos e utensílios (o mesmo é dizer que esses bens reverteram a seu favor), e que os mesmos ingressaram no seu património, com o qual ficou enriquecido. 26a • É irrelevante que o R. não haja provado que o A. procedeu ao levantamento dos equipamentos e utensílios que instalou no Bar, sendo o facto relevante o de o A. lograr a prova de que os equipamentos e utensílios reverteram a favor do R, ingressando no património deste. 27a• O A. não logrou fazer a prova desse facto, pelo que o Tribunal não podia ter condenado o R a pagar o valor desse equipamentos e utensílios ao A. 28a • E, note-se que o Tribunal até toma em consideração que a testemunha PM "referiu que foi dada ordem ao A. para proceder a esse levantamento" (dos equipamentos e utensílios) e que a testemunha EA "referiu que lhe foi dito que foi o A. que levantou os equipamentos". 29a • E quando o Tribunal, parecendo querer desvalorizar esses depoimentos, refere que foi dado "por assente 30a • Não tendo o A. feito prova da factualidade em que assenta o pedido, concretamente no que para este 31a• Foram, assim, violados os art.s? 798° e 799° do C.C.e 342°, n.01 também do C.C. e 414° do C.P.C. O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer nos termos que aqui se dão por reproduzidos, pronunciando-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso e ser julgada totalmente improcedente apresente acção. As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar: 2– FUNDAMENTAÇÃO 2.1 – DE FACTO Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual: 1) O Autor explora, desde 1991, um bar/cafetaria nas instalações do Hospital Maria Pia (que integra o Réu), obtendo sempre tal concessão por sucessivos concursos públicos; 2) Desde 1991, o Autor constituiu uma verdadeira organização empresarial, fazendo compras, realizando vendas, contratando colaboradores e trabalhadores, obtendo, com isso, o lucro da exploração do negócio; 3) No dia 4/12/1994, entre o Ministério da Saúde e o Autor foi celebrado o seguinte contrato para a exploração da cafetaria/bar no Hospital Maria Pia: 4) Com data de 24/3/2009 o Ministério das Finanças e da Administração Pública remeteu ao Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospital do Porto a seguinte carta: 5) O último contrato de exploração do bar instalado no Hospital Maria Pia que o A. celebrou com o Réu tem data de 1 de Julho de 2009; 6) O referido contrato é do seguinte teor: 7) O Autor realizou obras no bar do Hospital Maria Pia; 8) O A. comprou para o bar do Hospital Maria Pia, os materiais, equipamentos e utensílios descritos na nota seguinte: 9) Equipamentos e utensílios que, em Junho de 2012 já não se encontravam instalados no bar; 10) O A. remeteu ao Réu carta datada de 13/3/2012 do seguinte teor: 11) O Réu comunicou ao A. por carta de 16/3/2012, o seguinte: 12) O Autor, representado pelo seu mandatário, remeteu ao Réu a seguinte carta: 13) O Réu respondeu nos seguintes termos: 14) Na sequência do encerramento do bar o Autor despediu duas empregadas. Não resultou provado: - Que o Réu podia ter facultado ao Autor um espaço nas novas instalações para explorar o seu negócio. - Quais as obras que o Autor realizou no bar e qual o respectivo custo. - Que o Autor pagou € 11 000,00 de indemnizações de duas trabalhadoras, por conta dos despedimentos que efectuou. - Que o Autor procedeu ao levantamento dos equipamentos e utensílios que instalou no bar. - Qual o lucro que o bar teria proporcionado ao Autor no ano subsequente ao momento em que o Réu pôs termo ao contrato. - Que quando o Réu pôs termo ao contrato, o Autor já há muito tinha rentabilizado todo o equipamento instalado no bar. 3 – DE DIREITO ….o Réu não cumpriu o clausulado no contrato no que tange ao seu termo, tendo dado por findo o mesmo sem que se tivesse verificado o termo que o próprio R. consagrou como determinante da cessação do contrato. Tal como em relação a qualquer contrato, o incumprimento de obrigação decorrente do seu clausulado, por qualquer das partes contraentes, constitui fonte de responsabilidade civil. A responsabilidade civil traduz-se na obrigação de indemnização, a qual consiste na obrigação de reparar os danos sofridos por alguém, procurando tornar o lesado isento dos prejuízos sofridos, reconstituindo a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento causador destes. Tal responsabilidade corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil contratual consagrado no C.C. sob os artºs 798º e ss do C.C. e pressupõe a existência de um acto ilícito – a violação da qualquer obrigação contratual -, a sua imputação a um agente (responsabilidade civil subjectiva), e a verificação de danos, consequência directa e necessária daquele - Cfr. artºs 2º a 10º do DL 48 051, de 21.NOV.67 e 483º, 487º-2, 564º e 563º e 798º e ss do C.C.. Exige-se, deste modo, a verificação dos requisitos ou pressupostos da obrigação de indemnizar no âmbito do direito civil: Facto ilícito (incumprimento das obrigações decorrentes do contrato), culpa (nexo de imputação ético-jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida a uma pessoa normalmente diligente ou a um funcionário ou agente típico), prejuízo (lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante) e nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada. Como se vê, o incumprimento culposo de qualquer obrigação acordada entre as partes em documento livremente negociado, obriga o responsável por esse incumprimento a reparar os danos sofridos pela outra parte, incumbindo ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento da obrigação não procede de culpa sua (do artº 798º e artº 799º, nº 1 do C.C.). No caso sub judicie, resultou abundantemente provado que entre o A. e o R. foi celebrado um contrato, no qual, entre outras cláusulas, se estabeleceu que, “O contrato tem início em 1/7 / 2009 e termina com a adjudicação do novo concurso”- v cláusula 2ª”. Ocorre sublinhar que, ao contrário da versão que o Réu pretendia fazer vingar, o que resultou assente foi que, nem antes nem à data do contrato o Réu informou o Autor que o contrato firmado terminaria a qualquer momento dada a eminência de encerramento dos próprios serviços do Hospital. Apesar do que alegou em sua defesa, resulta do probatório que o Réu terminou o contrato que firmou com o Autor sem que se mostrasse verificada a condição que fixou para tal, isto é a adjudicação de novo concurso. Em síntese, o Réu, alegou o impedimento existente para a manutenção do contrato dado o encerramento dos serviços do hospital, encerramento que o próprio Réu admite ser há muito do conhecimento público, atentas as condições degradas em que se encontrava o edifício e a construção prevista do novo centro materno infantil, mas que não fez reflectir na redacção do contrato que celebrou com o Autor. É certo que, também alegou que o Autor sabia dessa situação, pelo que considera que não tem o A. direito a qualquer indemnização pelo encerramento que foi determinado, o que não ficou minimamente provado nos autos. O que resulta dos autos é que o Réu estabeleceu como termo do contrato a adjudicação de novo concurso e que tal adjudicação não se verificou. Apesar disso, decidiu encerrar o bar e ainda que ao A. não era devida qualquer compensação. Em face de tudo quanto acaba de ser dito, impõe-se concluir que o Réu não cumpriu pontual e integralmente o acordo que firmou com o A., devendo, por isso, ser condenado a pagar ao Autor os prejuízos que, em resultado desse comportamento, advieram para a esfera jurídica do Autor. Atento pois, tudo quanto foi referido supra, não há dúvida que a conduta do Réu violou a obrigação estabelecida, faltando culposamente ao cumprimento da sua obrigação, constituindo-se responsável pelo prejuízo que causou ao A., nos termos do art.º 798.º e 799.º, ambos do Código Civil, ficando obrigado a reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – v. artº 562º, n.º 2, do Código Civil: “a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”. A obrigação de indemnização encontra-se, pois, adstrita a reconstituir a situação que provavelmente existiria, não fora a ocorrência do incumprimento do que havia sido acordado. Ou seja, a decisão recorrida vem sustentar que recorrente não cumpriu o clausulado do contrato, uma vez que no mesmo se refere que o contrato de concessão cessaria com a adjudicação do novo concurso. Como a cessação não foi devida a uma nova adjudicação, esta seria ilegal, e por esta razão o Autor, ora recorrido, deveria ser indemnizado. A fundamentação dada pela decisão recorrida não se encontra correctamente enquadrada, sob o aspecto jurídico, apesar de o resultado final, neste âmbito, ser o mesmo. O recorrente pôs termo ao contrato de concessão invocando o facto do Hospital Maria Pia ir encerrar a sua actividade. Por esta razão, ou seja, uma vez que não era possível continuar a ser explorado um Bar num local que iria encerrar ao público, foi colocado termo ao contrato. Estamos perante uma impossibilidade do seu cumprimento. Ou seja, não estamos, como se refere na decisão recorrida, perante um acto ilegal por o motivo do encerramento não constar das cláusulas do contrato, mas sim perante um acto que pôs termo ao contrato por impossibilidade de execução do mesmo. O contrato de concessão, ora em análise, estranhamente, refere que o mesmo cessaria com a adjudicação do novo concurso. Parece perceber-se que se iria iniciar um novo concurso e então, quando ocorresse a adjudicação, cessaria o contrato. Era esta a condicionante da cláusula referente à cessação do contrato. Não se pode concluir que as partes pretendiam, como refere o recorrente, dar um carácter provisório e um efeito precário ao contrato, de tal forma que quando esse cessasse não poderia o Autor solicitar qualquer tipo de indemnização. Esta interpretação não tem um mínimo de correspondência com a letra da cláusula contratual. Conforme refere o n.º 1 do artigo 236º do CC “ a declaração negocial vale com o sentido que um declaratório normal, colocado na posição do real declaratório, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. Por seu lado, refere o n.º 1 do artigo 238º do mesmo Código, que: “ nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”. A cláusula de cessão do contrato refere que o mesmo terminaria com a adjudicação de novo concurso. Ora, tal cláusula, não refere que o contrato pode cessar a todo o tempo. Refere que o mesmo cessará com a adjudicação de um novo concurso. Não estamos perante uma cláusula de difícil interpretação. No entanto, o contrato não cessou por motivo de adjudicação de um novo concurso mas sim devido à cessação da actividade do Hospital Maria Pia, ou seja, por impossibilidade do seu cumprimento. Estamos a falar de um contrato de concessão, celebrado em 1 de Julho de 2009, a que se aplicará o Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro. De acordo com o artigo 335º, n.º 1, deste Código, o contraente público tem o direito a resolver o contrato com fundamento na alteração anormal e imprevisível das circunstâncias. Estando em causa um motivo anormal e imprevisível para o contrato, ou seja, um motivo que as partes não representaram no seu acordo contratual e sobre o qual nada convencionaram, poderá a parte resolver o contrato. De notar que este motivo não é exclusivo do contraente público mas também do co-contratante como se vê do artigo 332º, n.º 1, alínea a) do CCP. Aliás, mesmo no direito civil, quando as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato (artigo 437º do CC) … Verifica-se, assim, que a resolução do contrato por motivos de alteração de circunstâncias anormais é uma figura do direito das obrigações com vasta jurisprudência já firmada. Neste âmbito, apenas como exemplo, transcrevemos parte do sumário do Acórdão do TRC, proc. n.º 1097/12.6TBMGR.C1, de 13-05-2014, quando refere: II - A alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram o contrato pode resultar da alteração da legislação existente à data do negócio, como pode resultar de acontecimentos políticos ou da modificação repentina do sistema económico vigente. Essas situações são aquelas sobre as quais as partes não construíram quaisquer representações mentais (não pensaram nelas, pura e simplesmente), mas que são de qualquer modo imprescindíveis para que, através do contrato, se atinjam os fins visados pelas partes. No âmbito do Código dos Contratos Públicos, como já referimos, menciona o artigo 335º, que o contraente público tem o direito de resolver o contrato com fundamento na alteração anormal e imprevisível das circunstâncias. Ora, tendo em conta que ficou provado nos autos que, em 15/10/2009, isto é, em data posterior à data do início do contrato de exploração aqui em questão - 1/7/2009 - o Autor comprou materiais, equipamentos e utensílios para o bar, descritos no item 8) do probatório, com o custo de € 18 642,00 e que não se logrou provar que o Autor retirou tais bens do local e, ainda, que, quando o Réu pôs termo ao contrato o Autor, já há muito tinha rentabilizado todo o equipamento instalado no bar, julgamos ser devida compensação ao Autor pelo investimento feito em montante corresponde ao custo desses equipamentos. Diga-se, desde já, que não se concorda com tal posição, tendo razão o recorrente. Porto, 7 de Outubro de 2016 |