Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00797/21.4BEBRG |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 06/26/2025 |
| Tribunal: | TAF de Braga |
| Relator: | ANA PATROCÍNIO |
| Descritores: | REVERSÃO, GERÊNCIA DE FACTO, ÓNUS DA PROVA, SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA; JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM; CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM, VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA; |
| Sumário: | I - A lei não atribui relevância em processo de oposição fiscal ao caso julgado absolutório formado em processo penal. II - Apenas se consubstancia num elemento de prova, que pode ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil. III - Os juízes nacionais devem levar em consideração a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem como referência metodológica e interpretativa da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mas essa vinculação não é absoluta, permitindo análise crítica e ponderação em casos concretos. IV – É à administração tributária que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais de que depende a reversão, sendo o exercício efectivo de funções de gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária dos gestores, não bastando a mera afirmação da probabilidade da sua existência. V - A responsabilização subsidiária pressupõe o poder de controlar e determinar a vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias. O que, in casu, não ficou demonstrado.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 07/12/2024, que julgou a oposição totalmente procedente e, em consequência, declarou extinta a execução fiscal n.º ...41, que foi deduzida por «AA» contra este processo de execução fiscal, instaurado contra a devedora originária “[SCom01...], S.A.”, por dívidas de IVA referentes ao período 201710, perfazendo o montante total da dívida exequenda € 16.385,00. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença, datada de 07 de dezembro de 2024, que julgou procedente a presente oposição, com a consequente extinção do processo n.º ...41, em relação a «AA». II. Em causa está a dívida revertida no PEF n.º ...41, instaurado originariamente contra a sociedade “[SCom01...], S.A.”, para cobrança coerciva de dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), respeitante ao mês de outubro de 2017, com data limite de pagamento em 27.12.2017, no valor de € 16.384,84. III. Apreciando os autos, pelo Meritíssimo Juiz de Direito foram circunscritas as seguintes questões a decidir: 1- Da falta dos pressupostos dos quais depende a responsabilidade subsidiária; 2- Da não sustação do processo de execução fiscal contra a devedora originária insolvente; 3 – Da falta de pronúncia sobre o requerimento apresentado em sede de audição prévia. IV. Dando procedência à oposição (julgando-se o Oponente como parte ilegítima), ficaram prejudicadas todas as demais considerações e a apreciação dos demais fundamentos invocados. V. Para a prolação da douta sentença o Tribunal recorrido deu como provados, principalmente, os factos contantes dos pontos 9), 10), 11) e 12) da douta Sentença, que, subsumidos ao direito, impuseram o desfecho da sentença recorrida. VI. A Fazenda Pública não se conformando com a douta decisão do Tribunal a quo, vem recorrer tendo por fundamento o erro de julgamento da matéria de facto, porquanto não especifica os fundamentos de facto que levaram o Tribunal a quo a selecionar uns factos em detrimento de outros, errando ainda na valoração e seleção da matéria levada ao probatório e, consequentemente, erro de julgamento de Direito. VII. Melhor dizendo, o que verdadeiramente interessa para o presente recurso é a reapreciação da decisão proferida, e ora objeto de recurso, relacionada com o não exercício da gerência de facto por parte do Oponente e o juízo conclusivo segundo o qual não foram recolhidos elementos que permitam confirmar a conclusão firmada pelo órgão de execução. Como supra se expôs, deverá ser levada à matéria de facto um conjunto de factos que se consideram provados e cujas consequências ditarão a decisão de improcedência da presente oposição. VIII. Paralelamente ao recurso da decisão proferida sobre a matéria de facto, com o presente recurso pretendeu a recorrente atacar o entendimento perfilhado na sentença recorrida que considerou “As declarações utilizadas no despacho de reversão (e que haviam sido prestadas em sede de procedimento inspetivo, ao abrigo do artigo 29.º, n.º 1, al. g) e artigo 59.º do RCPIT e para as finalidades aí previstas) não se mostram suportadas em quaisquer documentos, o que alimenta a dúvida sobre o efetivo exercício de funções pelo oponente.” (sublinhado nosso) IX. E, por último, pretende a recorrente atacar o entendimento perfilhado na sentença recorrida de que apenas foi feita prova de que o Oponente desempenhou funções na sociedade devedora originária enquanto encarregado, supervisionando as linhas de produção e os trabalhadores a elas afetas (cfr. 12). (sublinhado nosso) X. Ora, é entendimento da FP que ficou comprovado no procedimento de reversão e que foi totalmente corroborado pelo próprio Oponente e pelo seu irmão «BB» em declarações prestadas no âmbito desse procedimento (e não em procedimento inspetivo como sugere a sentença recorrida) que o Oponente exerceu, de facto, a gerência/administração da executada originária após a doença do seu irmão «BB», por volta de abril de 2016. XI. Trata-se de uma gerência/administração de facto que não é acompanhada da gerência de direito, pois, como resulta da certidão da conservatória do registo comercial junta aos autos, o aqui Oponente não foi, nos períodos em causa, nomeado enquanto administrador da sociedade devedora originária. Formalmente manteve-se nesse cargo o já mencionado irmão do Oponente «BB». XII. O facto de o oponente não figurar como administrador no registo comercial da sociedade devedora originária, não determina, por si só, que não exerça necessariamente a gerência efetiva da referida sociedade. XIII. Porém, a sentença recorrida fez tábua rasa das declarações prestadas pelo próprio Oponente, alegando que as mesmas haviam sido proferidas em sede de procedimento inspetivo e para os efeitos aí previstos, o que não corresponde à verdade, bastando para tanto confirmar pelos documentos juntos ao PEF. XIV. As declarações foram proferidas no procedimento de reversão, uma vez que fizeram parte integrante das diligências de instrução encetadas pelo órgão da execução, a audição dos intervenientes diretos na administração da sociedade devedora originária, bem como alguns dos seus colaboradores. XV. Na verdade, ao invés de valorar a prova testemunhal inquirida no âmbito do procedimento de reversão que, em nosso entendimento, fazem prova plena e direta dos factos aí apurados, a sentença recorrida optou por valorar uma mera presunção decorrente das sentenças penais absolutórias (factos apurados em processos crime e para as finalidades aí previstas). XVI. Aliás, da matéria de facto levada ao probatório não resulta que naqueles processos penais se tenha chegado à conclusão que não foi o aqui Oponente o administrador da sociedade devedora originária, nem resulta quem, em lugar dele, exerceu a administração da mesma. Ou seja, baseando-se numa mera não comprovação da gerência/administração de facto naqueles processos, a sentença recorrida infirmou que no procedimento de reversão também não ficou comprovado que foi o Oponente o administrador da devedora originária no período das dívidas revertidas. Paralelamente, desvalorizou todos os elementos probatórios colhidos em procedimento de reversão. XVII. Note-se que a prova produzida em processo crime, implicando a imputação da prática de um crime, é mais exigente do que aquela que é exigida ao órgão da execução fiscal em procedimento de reversão. Relativamente às exigências de fundamentação, o Supremo Tribunal Administrativo também tem decidido que o despacho de reversão não tem necessariamente que exteriorizar/revelar factos concretos, pelos quais a exequente considera verificado o exercício efetivo de funções, podendo os mesmos serem apresentados com a contestação, em sede de oposição à execução. Vd. acórdão do pleno de 16-10-2013, no processo n.º 0458/13 - disponível para consulta em www.dgsi.pt. XVIII. Note-se ainda que as decisões mencionadas nos pontos 9), 10) e 11), não nos remetem para um caso de condenação penal mas sim de decisão penal absolutória, pelo que os factos que lhe eram imputados, constituem, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal, ilidível mediante prova em contrário, face ao disposto no artigo 624.º do Código de Processo Civil. E a prova em contrário foi cabalmente feita em procedimento de reversão. XIX. Para tanto, como supra se explanou, dando-se aqui por reproduzido, a FP transcreveu as declarações prestadas pelo Oponente, corroboradas pelo seu irmão «BB», bem como as declarações prestadas por «CC», que havia sido ouvida nas diligências instrutórias do procedimento de reversão; XX. Sucede ainda que «CC» foi ouvida no âmbito do procedimento de reversão, cujas declarações foram reduzidas a escrito, constam dos documentos juntos pela RFP, tendo declarado que desde que o Sr. «BB» se ausentou por doença, trabalhava sob as ordens do encarregado geral da empresa, o Sr. «AA». Tal demonstra que as funções do Sr. «AA» alteraram-se após o impedimento inerente ao seu irmão «BB». XXI. Deu-se ainda nota que a incapacidade para o trabalho do anterior administrador «BB» está comprovada nos autos a partir de março de 2016 (facto não controvertido pelo Oponente), pois consta dos autos informação institucional da certificação da Incapacidade Temporária no período que compreende a data limite para pagamento da dívida aqui revertida. Cfr. o teor do ofício da Segurança Social que certificou a incapacidade para o trabalho de «BB», e que foi tida como referência para localizar no tempo a doença do anterior administrador. XXII. Porém, da sentença proferida resultou uma total e absoluta irrelevância dada às declarações prestadas pelo Oponente, seu irmão «BB» e restantes testemunhas em procedimento de reversão, bem como a todos os elementos probatórios constantes nesse procedimento. O Tribunal a quo fez uma interpretação errónea não dando como provada que a gerência/administração de facto pertencia ao aqui Oponente no período em causa. XXIII. Em face do exposto, a respeito das provas não utilizadas pelo Tribunal, a recorrente pugna que sejam levados à matéria de facto os seguintes concretos pontos, por provados: a) Que a administração de facto da sociedade devedora originária “[SCom01...], S.A.”, no período compreendido pela dívida exequenda, foi exercida por «AA»; b) A administração de facto da sociedade devedora originária por parte de «AA» teve o seu início em abril de 2016, data a partir da qual o anterior administrador «BB» ficou doente e apresentou atestado de incapacidade para o trabalho. XXIV. Quanto ao entendimento perfilhado na sentença recorrida com o qual a Fazenda Pública não se conforma, As declarações utilizadas no despacho de reversão (e que haviam sido prestadas em sede de procedimento inspetivo, ao abrigo do artigo 29.º, n.º 1, al. g) e artigo 59.º do RCPIT e para as finalidades aí previstas) não se mostram suportadas em quaisquer documentos, o que alimenta a dúvida sobre o efetivo exercício de funções pelo oponente. (sublinhado nosso) XXV. A respeito, a recorrente considerou que sendo o Oponente um administrador de facto, necessariamente, a formalização (deduzimos que seja a esta formalidade a que a sentença se refere) ainda estaria dependente da assinatura do administrador de direito, formalmente designado, donde resulta, que contrariamente à ilação que o Oponente pretenda retirar e que a sentença recorrida validou, o facto de não existirem documentos com assinatura do Oponente não resulta que não haja sido este que praticou os atos de administração subjacentes. XXVI. Pelo que de nada servirá remeter-se para a inexistência de documentos onde conste a assinatura do aqui Oponente para fazer prevalecer uma verdade formal em lugar da verdade material. XXVII. A recorrente também não se conforma com o seguinte entendimento perfilhado na sentença recorrida que considerou “As declarações utilizadas no despacho de reversão (e que haviam sido prestadas em sede de procedimento inspetivo, ao abrigo do artigo 29.º, n.º 1, al. g) e artigo 59.º do RCPIT e para as finalidades aí previstas) não se mostram suportadas em quaisquer documentos, o que alimenta a dúvida sobre o efetivo exercício de funções pelo oponente.” (sublinhado nosso) XXVIII. Neste conspecto, como supra se disse, a sentença recorrida incorre em evidente erro (indevidamente valorado na decisão de procedência da presente oposição) ao desvalorizar as declarações prestadas pelas testemunhas em sede de procedimento de reversão por considerar que estas haviam sido “retiradas” de um procedimento inspetivo, o que não corresponde à verdade. XXIX. Por fim, a recorrente também não se conformou com o entendimento perfilhado na sentença recorrida de que (...) apenas foi feita prova de que o Oponente desempenhou funções na sociedade devedora originária enquanto encarregado, supervisionando as linhas de produção e os trabalhadores a elas afetas (cfr. 12). (sublinhado nosso) XXX. Pois tal conclusão suscita muitas dúvidas à Fazenda Pública. Por um lado, o concreto ponto 12) da matéria de facto não refere que o Oponente apenas desempenhou funções enquanto encarregado geral, refere simplesmente que desempenhou tais funções. Na verdade, como decorre da matéria de facto apurada em procedimento de reversão essa função de encarregado geral não é estranha ao aqui Oponente, pois este era o cargo que exercia antes da doença do irmão «BB» e que muito provavelmente continuou a manter após assumir a administração de facto da sociedade. E este sim, é o entendimento que a sentença recorrida deveria ter perfilhado face à profícua prova produzida já supra referenciada. XXXI. Por outro lado, o concreto ponto 12) da matéria de facto não está localizado temporalmente, ou seja, não determina em que período o aqui oponente exerceu tais funções de encarregado geral. XXXII. Daí que a matéria de facto constante do concreto ponto 12) se mostre manifestamente insuficiente, por imprecisa, para retirar a ilação constante da sentença recorrida de que apenas exercia as funções de encarregado geral e de que não foi feita prova que o Oponente exerceu as funções de administrador da devedora originária no período compreendido pela dívida exequenda. XXXIII. Assim, sendo, como se impõe, haverá de proceder o presente recurso (sem prejuízo de assim resultar já das motivações anteriores) e, consequentemente, ser julgada improcedente a presente Oposição. Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências, com o que farão Vossas Excelências, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA” **** Não houve contra-alegações. **** O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista do processo. **** Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, ao considerar o revertido parte ilegítima na execução fiscal, por não se verificar o pressuposto da reversão relativo à sua gerência de facto. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença recorrida foi proferida a decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos: 1) «BB» consta como administrador único da sociedade [SCom01...], S.A., desde 30-05-2014 (cfr. certidão do teor da matrícula da sociedade devedora originária). 2) O processo de execução fiscal n.º ...41 foi instaurado a 30-04-2016, para cobrança coerciva de dívida do IVA, do mês de outubro de 2017, no montante de € 16.384,84 e cujo prazo limite para pagamento voluntário ocorreu em 27-12-2017 (cfr. 443188 Documentos da PI 006354846 Documentos da PI 03.05.2021 20:26:51). 3) Em 04-07-2018 foi lavrado “auto de declarações” prestadas pelo oponente, no âmbito de procedimento de inspeção tributária, com o seguinte teor: “1. Atendendo às declarações prestadas pelo seu irmão «BB» sobre a administração da empresa [SCom01...], SA, NIPC ...10, foi afirmado que desde Abril de 2017, o mesmo por questões de saúde foi obrigado a afastar-se da administração da empresa, sendo. que a partir daí, devido a essa impossibilidade, passou as tomar as decisões da empresa, dando sempre conhecimento das mesmas ao seu irmão «BB». 2. Perguntado sobre quais as actividades ou trabalho que desenvolve/desenvolveu na empresa, respondeu que começou a trabalhar na [SCom01...] há cerca de 7 ou 8 anos, como encarregado de produção, até que em 2017, para além dessas funções, passou a tomar todas as decisões relacionadas com a empresa, nos termos respondidos na questão anterior. 3. Perguntado sobre a venda de imobilizado (máquinas e veículos), fatura 13A/347, de 29-03-2017, à [SCom02...], LDA, NIPC ...70, respondeu que esta deriva de apoios financeiros prestados à [SCom01...] ao longo de anos, por esta ou pelo seu gerente «DD», de quem é amigo; sendo que foi a forma encontrada para saldar a dívida existente. 4. Perguntado sobre a venda de imobilizado (veículo de matrícula ..-GR-..) - fatura 13A/315, de 20-07-2016, à [SCom03...], UNIPESSOAL, LDA, NIPC ...25, respondeu que entregaram o veículo ao Sr. «AA», conhecido por negociar carros em ..., que posteriormente o vendeu a esta empresa e lhes pediu que emitissem fatura para formalização e registo do veículo em nome do novo proprietário. 5. Perguntado sobre se já foi administrador ou gerente de alguma empresa, e em caso afirmativo qual a sua designação e se a mesma se encontra em actividade, respondeu que esteve colectado em nome individual e que já não exerce há muitos anos. 6. Perguntado sobre se pretende a continuidade da atividade da empresa ou qual o projeto futuro para a empresa, respondeu que pretende efetuar o encerramento da empresa a breve prazo, por não verem viabilidade na sua continuidade. 7. Perguntado sobre se tem conhecimento sobre quais as funções que exerce ou exerceu na empresa a sua companheira «EE», respondeu que até há um mês atrás, ajudava a empresa em questões relacionadas com a banca - transferências bancárias e outros, embora tenha exercido funções de administração de facto e de direito até ao momento em que esta função foi assumida pelo seu irmão, «BB». 8. Perguntado sobre se tem outras questões que considera relevantes informou que não tem” (cfr. 443188 Documentos da PI 006354850 Documentos da PI 03.05.2021 20:26:55, pág. 1 e 2). 4) Em 04-07-2018, foi lavrado “auto de declarações” prestadas por «BB», com o seguinte teor: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (cfr. 443188 Documentos da PI 006354850 Documentos da PI 03.05.2021 20:26:55, pág. 3). 5) Em 11-08-2018, a sociedade [SCom01...], S.A., foi declarada insolvente, por sentença proferida no âmbito do processo n.° ...1/1....T8GMR, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Comércio de Guimarães (cfr. ...80 Documento(s) (...28) 13.10.2021 11:25:30 - processo ...8/2...BEBRG). 6) Em 22-11-2018 foi iniciada a preparação da reversão do processo executivo n.° ...41, em nome do oponente, nos termos seguintes: “(...) A empresa não se encontra cessada em IVA nem IR. Contra a executada corre um processo de insolvência com o n.° ...1/1....T8GMR do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Comércio de Guimarães - Juiz ..., com sentença de declaração de insolvência de 2018-08-11. Verificam-se pois, indícios de insuficiência de bens penhoráveis que emergem da declaração de insolvência, decorrendo daqui o dever de reversão do previsto nos n.°s 3 e 7 do artigo 23.° da Lei Geral Tributária (LGT). Verificando-se a insuficiência de bens da devedora originária, ora executada, que respondam pelo pagamento da divida, estão pois verificadas as condições previstas nos termos do n.° 2 do artigo 153.° e artigo 159.° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e n,° 2 do artigo 23.° da Lei Geral Tributária (LGT) para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, de acordo com a legislação em vigor no momento do exercício do seu cargo e no momento da constituição da responsabilidade, revertendo assim contra estes a execução. Apurou-se, conforme certidão da Conservatória de Registo Comercial que à data da obrigatoriedade do pagamento dos impostos, a administração da executada foi exercida por um conselho de administração constituído da seguinte forma: . 2003-10-28 a 2013-08-01: «FF», NIF ...88, administrador. . 2004-12-31 a 2013-08-01: «GG», NIF...26, administradora. . 2003-10-28 a 2013-08-01: «EE», NIF ...75, presidente do conselho de administração. . 2013-08-01 a 2014-05-30 : «EE», NIF ...75. . Desde 2014-05-30: «BB», NIF ...40, com domicilio fiscal em R DO ... 141 R/C Dt.°, .... Após consulta ao cadastro do IVA, verifica-se que desde 2018-08-16 que consta como administrador judicial da executada «HH», NIF ...70, administrador judicial nomeado no processo de insolvência n.° ...1/1....T8GMR e «BB», desde 2014-06-26. Junto aos autos encontra-se informação da Segurança Social em que se verifica que o senhor , «BB» apresenta Certificados de Incapacidade Temporária desde 31 de março de 2016 até 2018-09-05. No processo encontram-se os autos de declarações da contabilista certificada, a senhora «II», do administrador, «BB» e do senhor «AA». No auto de declarações o senhor «BB» afirma que assumiu a administração de facto, da sociedade [SCom01...] SA, até ao momento em que ficou doente (abril de 2016) e a partir daí foi o seu irmão, «AA», que ficou à frente da empresa. O Sr. «AA» afirmou que, desde que o seu irmão ficou doente, passou a tomar todas as decisões da empresa, dando-lhe conhecimento das mesmas. Desde abril de 2016, que a executada é gerida de facto pelo senhor «AA», NIF ...81, com domicilio fiscal em R Dr. ..., n.° ..., ..., sendo responsável subsidiário pelo valor de 26.237,11€, nos termos do artigo 24.°, n° 1 al. b) da LGT. Assim, nos termos dos artigos. 23.° e 24.° da LGT, conjugado com o artigo 153.°,n.° 2 al. a) e artigo 159.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com os fundamentos acima referidos, proponho que se proceda à reversão da dívida contra, o gerente de facto, «AA», NIF ...81, pelo valor de divida tributária de 16.384,84€” (cfr. 443188 Documentos da PI 006354848 Documentos da PI 03.05.2021 20:26:53, pág. 1 e 2). 7) Em 10-12-2018 o oponente apresentou o requerimento pelo qual se pronunciou sobre a intenção indicada em 6), referindo que a sociedade executada foi declarada insolvente, invocando o benefício da excussão prévia e pedindo a apensação de processos executivos que identifica. (cfr. 443188 Documentos da PI 006354848 Documentos da PI 03.05.2021 20:26:53, pág. 5 a 18). 8) Em 24-10-2019 foi determinada a reversão do processo executivo n.º ...41, em nome do oponente, com fundamento no seguinte: “(...) Contra a executada corre o processo de insolvência com o n.° ...1/1....T8GMR do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Comércio de Guimarães - Juiz ..., com sentença de declaração de insolvência de 2018-08-11. Verificam-se, pois, indícios de insuficiência de bens penhoráveis que emergem da declaração de insolvência, decorrendo daqui o dever de reversão do previsto nos n.ºs 3 e 7 do artigo 23.° da Lei Geral Tributária (LGT). Apurou-se, conforme certidão da Conservatória de Registo Comercial que, desde 30 de maio de 2014, a administração da executada foi exercida por um conselho de administração constituído pelo administrador único: . «BB», NIF ...40, com domicílio fiscal em Rua ..., .... Após consulta ao cadastro do IVA, verifica-se que desde 2018-08-16 que consta como administrador judicial da executada «HH», NIF ...70, administrador judicial nomeado no processo de insolvência n.° ...1/1....T8GMR e «BB», desde 2014-06-26. Junto aos autos encontra-se informação da Segurança Social em que se verifica que o senhor, «BB» apresenta Certificados de Incapacidade Temporária desde 31 de março de 2016 até 5 de setembro de 2018. No processo encontram-se os autos de declarações da contabilista certificada, a senhora «II», do administrador, «BB» e do senhor «AA». No auto de declarações, o senhor «BB» afirma que assumiu a administração de facto, da sociedade [SCom01...] SA, até ao momento em que ficou doente (abril de 2016) e a partir daí foi o seu irmão, «AA», que ficou à frente da empresa. O Sr. «AA» afirmou que, desde que o seu irmão ficou doente, passou a tomar todas as decisões da empresa, dando-lhe conhecimento das mesmas. Pelo que, desde abril de 2016, que a executada é gerida de facto pelo senhor «AA», NIF ...81, com domicilio fiscal na Rua ..., .... Deu-se cumprimento ao disposto no art.° 23.º, n.° 4 da Lei Geral Tributária (LGT), tendo o potencial revertido «AA», exercido o direito de audição prévia alegando: . Que a sociedade executada foi declarada insolvente através do processo n.° ...1/1....T8GMR, e, como tal, invoca o beneficio de excussão prévia sobre o ativo da devedora originária, no âmbito do encerramento do referido processo de insolvência. Que nunca exerceu de facto qualquer função de administração, real e efetivamente, sendo que tais funções foram única e exclusivamente exercidas, de facto, pelo administrador único representante da sociedade, designadamente pelo seu irmão. pelo que cumpre analisar e decidir FACTOS 1. Com vista à cobrança dos créditos fiscais, foi instaurado o(s) processo(s) de execução fiscal acima descrito(s). 2. Junto aos autos, encontra-se o auto de declarações prestado pelo próprio «AA», no qual afirma que desde que o seu irmão foi obrigado a afastar-se da administração da empresa, passou a tomar as decisões da empresa, dando sempre conhecimento das mesmas ao seu irmão «BB», pelo que se comprova que, à data da obrigatoriedade do pagamento do imposto, a administração de facto da sociedade [SCom01...] S.A., foi exercida pelo senhor «AA», NIF ...81, 3. Foram ouvidos em auto de declarações as testemunhas nomeadas no âmbito do exercido do direito de audição previa, para efeitos de prova testemunhal, designadamente a senhora «CC», e os senhores «JJ» e «KK». 4. Das declarações recolhidas, todos declararam que eram trabalhadores da executada [SCom01...] S. A., e que desde que o Sr. «BB» se ausentou por doença, trabalhavam sob as ordens do encarregado geral da empresa, que todos identificaram como sendo o Sr. «AA». DECISÃO No que concerne às dívidas cuja responsabilidade subsidiária está a ser exigida, cujo teor dos títulos executivos se junta fotocópia, e, atendendo aos elementos atrás referidos, nos termos dos artigos 23° e 24°, n° 1 b) da LGT, conjugado com o artigo 153.°, n° 2 al. a) e artigo 159° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), REVERTO a presente execução contra, «AA», NIF ...81, pelo valor de dívida tributária de 16.384,84 €. Proceda-se á citação do revertido nos termos e condições definidas nos artigos 160.°, 189,° e 191.° n.° 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para o pagamento da quantia exequenda de que era devedora originária [SCom01...] S.A., dentro dos limites antes mencionados, no prazo de 30 dias referido no artigo 203.° do mesmo Código, sem juros nem custas, nos termos do artigo 23.°, n.° 5 da LGT, sem prejuízo da suspensão da execução desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património da devedora originária, nos termos do n.° 3 do artigo 23.° da LGT” (cfr. 443188 Documentos da PI 006354849 Documentos da PI 03.05.2021 20:26:55). Mais se provou, 9) Em 29-11-2021 transitou em julgado a sentença proferida no processo-crime n.º 2/1....T9BRG, que correu termos no Juízo Local Criminal de Guimarães - J ..., pela qual o oponente foi absolvido do crime de abuso de confiança fiscal, sob a forma continuada, contra a segurança social, tendo por objeto a falta de pagamento de cotizações da sociedade devedora originária, respeitante aos períodos de maio de 2015 a Junho de 2017, com fundamento no facto de não se ter demonstrado que tivesse exercido a gerência de facto (cfr. 006536677 Documento(s) Certidão Judicial (467422) 09.02.2022 18:26:24 - processo ...8/2...BEBRG). 10) Em 18-02-2022 transitou em julgado a sentença proferida no processo-crime n.º ..6/1...7TIDBRG, que correu termos no Juízo Local Criminal de Guimarães - J ..., pela qual o oponente foi absolvido do crime de abuso de confiança fiscal, tendo por objeto a falta de pagamento do IVA da sociedade devedora originária, respeitante aos períodos de agosto de 2015 a agosto de 2016, com fundamento no facto de não se ter demonstrado que tivesse exercido a gerência de facto (cfr. 006536678 Documento(s) Certidão Judicial (467422) 09.02.2022 - processo ...8/2...BEBRG). 11) Em 07-03-2022 transitou em julgado o despacho de não pronúncia, em relação ao oponente, no âmbito do processo n.° ..2/18..IDBRG, que correu termos no Juízo de Instrução Criminal de Guimarães - J ... , tendo por objeto o crime de abuso de confiança fiscal e um crime de frustração de créditos, relacionado com a falta de pagamento do IVA da sociedade devedora originária dos meses de junho de 2016 a maio de 2018 (cfr. 006664700 Documento(s) Certidão Judicial (484624) 09.09.2022 08:51:23 - processo ...8/2...BEBRG). Provou-se, ainda, que 12) O oponente desempenhou funções na sociedade devedora originária enquanto encarregado, supervisionando as linhas de produção e os trabalhadores a elas afetas. * Inexistem factos não provados da instrução da causa. * A convicção do tribunal fundou-se na análise dos elementos documentais digitalizados e constantes da plataforma informática de apoio “SITAF”, nos termos especificados. Quanto à matéria em 12) o tribunal teve em consideração os recibos de vencimento juntos pelo oponente (cfr. documentos 1 a 28 apresentados com a petição inicial - os quais indicam a categoria profissional do oponente) e, ainda, as decisões indicadas nos pontos 9), 10) e 11) da fundamentação de facto, quanto à circunstância de não se terem apurado atos do oponente que tivessem representado e vinculado a sociedade devedora originária durante o período em que exerceu funções. Termos em que vai a matéria dada como provada.” * 2. O Direito A Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, que julgou a oposição procedente e extinguiu o processo de execução fiscal em relação ao oponente, aqui Recorrido, considerando-o parte ilegítima, por não estar comprovada em sede de reversão a efectiva gerência/administração da devedora originária. Desde logo, a Recorrente alega que a factualidade constante no acervo probatório se afigura insuficiente para dirimir o litígio, pelo que deverá ser levada à matéria de facto um conjunto de factos que considera provados e cujas consequências ditarão a decisão de improcedência da presente oposição. Tendo por base as provas não utilizadas pelo Tribunal, sustenta a Recorrente que deverão ser levados à matéria de facto os seguintes concretos pontos da matéria de facto, por provados: a) Que a administração de facto da sociedade devedora originária “[SCom01...], S.A.”, no período compreendido pela dívida exequenda, foi exercida por «AA»; b) A administração de facto da sociedade devedora originária por parte de «AA» teve o seu início em abril de 2016, data a partir da qual o anterior administrador «BB» ficou doente e apresentou atestado de incapacidade para o trabalho. Posta em causa a matéria de facto controvertida e julgada, o Tribunal de recurso pode alterá-la se, analisados os elementos de prova produzidos e indicados pelo recorrente como mal ou incorrectamente apreciados, concluir que os mesmos determinam decisão diversa da proferida na 1ª instância, que, assim, incorreu em erro de apreciação das provas, legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior. Acresce, por outro lado, salientar que a decisão da matéria de facto não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, ali se exigindo que o juiz se pronuncie, tão somente, sobre os factos essenciais e, ainda, os instrumentais que assumam pertinência para a questão a decidir, sendo que é sobre os factos constantes dos articulados que a produção de prova e respectivos meios incidirão [cfr. artigos 452.º, nºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º e 495.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC)], porquanto são os acontecimentos ou factos concretos que o n.º 4 do artigo 607.º do CPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo juiz, na sentença, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, que, se detectados, devem ser excluídos do acervo factual relevante. Ou seja, na selecção dos factos em sede de decisão da matéria de facto deve o Juiz atender à distinção entre factos, direito e conclusão, e acolher apenas o facto simples e afastar de tal decisão os conceitos de direito e as conclusões que mais não são que a lógica ilação de premissas, atendendo a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. No caso vertente, no que respeita à factualidade que a Recorrente pretende ver aditada à decisão da matéria de facto, aos factos provados, a mesma mostra-se conclusiva. Ora, o que se pretende dilucidar nos presentes autos é se o Recorrido exerceu, efectivamente, de facto, em algum período de tempo, a gerência ou a administração da sociedade devedora originária e tal ilação haverá que ser retirada de factos simples que se mostrem apurados. Temos por líquido que a matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, mormente quando, como no caso, preencham, só por si, a hipótese legal, dispensando qualquer subsunção jurídica ou, dito de outro modo, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões. Com efeito, a matéria que a Recorrente pretende aditar ao probatório traduz, por si só, as conclusões a que o tribunal poderá chegar, determinando inelutavelmente o desfecho da causa, pelo que jamais integrará a decisão da matéria de facto. Insistimos que a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento – cfr., neste sentido, o Acórdão do TCA Sul, de 22/05/2019, proferido no âmbito do processo n.º 1134/10.9BELRA. Nesta conformidade, impõe-se indeferir o solicitado aditamento, considerando-se a decisão da matéria de facto estabilizada. Sustenta, ainda, a Recorrente que, ao invés de valorar a prova testemunhal inquirida no âmbito do procedimento de reversão, que faz prova plena e directa dos factos apurados nesse procedimento de reversão, a sentença recorreu, complementarmente, a presunções decorrentes das sentenças penais absolutórias, por via de factos apurados em processos crime e para as finalidades aí previstas. Acrescentou que as decisões penais absolutórias constituem, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal, ilidível mediante prova em contrário, face ao disposto no artigo 624.º do Código de Processo Civil. Defendendo que a prova em contrário foi cabalmente feita em procedimento de reversão. Nos termos do disposto no artigo 84.º do Código de Processo Penal (CPP), “A decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis.” Na mesma senda, determina o artigo 623.º do CPC que “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.” A par, estabelece o artigo 624.º do CPC que “1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário. 2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.” Resulta, assim, dos normativos supra transcritos que o artigo 84.º do CPP apenas atribui relevância extraprocessual ao caso julgado no caso de decisões penais que apreciam pedidos cíveis e os artigos 623.º e 624.º do CPC apenas atribuem a decisões penais efeitos em processos de natureza cível e não de natureza tributária, em consonância com o decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27/05/2021, proferido no processo n.º 102/20.7BEFUN. Quanto aos efeitos extraprocessuais de decisão em matéria penal, chamamos à colação o Acórdão do STA, proferido em 20/03/2019, no processo n.º 01053/18.0BELRA, aderindo-se ao seu discurso fundamentador e do qual se extracta, o seguinte: “(…) A responsabilidade tributária e a responsabilidade penal tributária, podendo coexistir na esfera jurídica da mesma pessoa, são títulos autónomos de responsabilidade, gerados por factos diversos, sujeitos a diversos princípios, regimes e leis e determinantes de consequências igualmente diferenciadas. Desde logo, na responsabilidade penal tributária não há culpas presumidas, presumindo-se, ao invés, inocente o arguido até ao trânsito em julgado da decisão que o condene. A responsabilidade tributária, porém, admite uma presunção – ilidível - de culpa no não pagamento, nos casos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, cabendo ao responsável tributário ilidir, através do meio processual próprio (audiência prévia antes da reversão e oposição), essa presunção legal de culpa para afastar a sua responsabilidade pela dívida. Muita estranheza suscita a alegação de que, designadamente no caso dos autos, a não extinção dos processos executivos e seus efeitos viola o “princípio da presunção de inocência”, designadamente porque no processo tributário não há inocentes ou culpados, antes devedores ou não devedores do imposto, sendo os pressupostos da responsabilidade tributária diversos dos da responsabilidade penal tributária, como não podia deixar de ser, aliás, dado o diferente calibre dos valores em presença num e noutro caso.” (sublinhado e destaque nosso). Veja-se, ainda, o sumariado no Acórdão do STA, de 02/02/2022, proferido no âmbito do processo n.º 0266/20.0BEPRT: “Não existe qualquer princípio ou norma legal que preveja a prevalência das decisões proferidas em sede de processos-crime sobre a decisão judicial anteriormente proferida em sede de processo judicial tributário, no caso, Impugnação Judicial, transitada em julgado”. Em sentido idêntico, não podemos deixar de aludir a Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 20/04/2017, proferido no processo n.º 145/10.9BEPNF, por nós relatado: “(…) Não existe qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de impugnação judicial às decisões proferidas em processo penal. O que ao contrário se verifica, como resulta do disposto no artigo 48.º do RGIT que nos diz “A sentença proferida em processo de impugnação judicial e a que tenha decidido da oposição de executado, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, uma vez transitadas, constituem caso julgado para o processo penal tributário apenas relativamente às questões nelas decididas e nos precisos termos em que o foram”. Só nos casos previstos no artigo 674ºB do CPC nomeadamente no seu nº 1, a decisão penal transitada em julgado que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário. Também de acordo com o artigo 84º do CPP, a decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis. Ora, como se afirmou no acórdão do STA de 08.10.2014, onde se discutia o caso julgado em processo penal, na oposição judicial, “Da leitura conjugada de ambas [leia-se artigo 674ºB do CPC e 84º do CPP] as normas, surpreende-se que, só no âmbito de acções civis em que se discutem relações jurídicas conexas com a prática da infracção em apreciação no processo penal, pode a decisão penal absolutória constituir presunção ilidível, relativamente aos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal do crime.” Paradigmático de tal interpretação é o acórdão do STA de 16.02.2005, processo nº 08/05, já acima referenciado, (e citado pela sentença sob recurso), que decidindo sobre a suspensão de impugnação judicial até ao trânsito de decisão proferida em processo crime, por notório interesse para a instrução do processo e do conhecimento da prova produzida no de natureza criminal se plasmou “(…) no caso em apreço, em que está em causa no processo de impugnação judicial a apreciação da falsidade ou não de facturas, a formulação de um juízo pelo tribunal tributário não depende da decisão que for proferida em processo criminal sobre a mesma matéria, pois, enquanto no processo criminal as dúvidas sobre a matéria de facto são valoradas a favor do arguido, no processo de impugnação judicial, havendo indícios de irregularidades de escrita, o ónus da prova da veracidade desta cabe ao contribuinte (arts. 121º., n.º 2, do C.P.T. e 100.º, n.º 2, do C.P.P.T.). Para além disso, apesar da maior exigência probatória do processo criminal para dar como provados factos integradores de infracção que é corolário do princípio in dubio pro reo, não existe qualquer norma legal que atribua força de caso julgado no processo de impugnação judicial às decisões proferidas em processo criminal. Com efeito, o art. 84.º do C.P.P. apenas atribui relevância extraprocessual ao caso julgado no caso de decisões penais que apreciam pedidos cíveis e os arts 674.º-A e 674.º-B do C.P.C. apenas atribuem a decisões penais efeitos em processos de natureza cível e não de natureza tributária. (…)” – sublinhado e destaque nosso. Resulta do que antecede que, só no âmbito de acções civis em que se discutem relações jurídicas conexas com a prática da infracção em apreciação no processo penal, pode a decisão penal absolutória constituir presunção ilidível, relativamente aos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal do crime e nessa medida pode ser aplicado o princípio da presunção da inocência. No mesmo sentido de a sentença de absolvição em processo-crime, não [ter] a força de caso julgado em processo tributário, no que respeita aos factos aí dados como provados ou não provados, antes deve reconduzir-se a um elemento de prova que pode ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no artº.607, n.º 5, do C.P.C., aplicável "ex vi" do artº.2, al. e), do C.P.P.T., chamamos, ainda, à colação o Acórdão do STA, 2ª Secção, de 10/05/2023, proferido no âmbito do processo n.º 0897/22.3BEBRG, para cuja fundamentação remetemos e do qual transcrevemos o seguinte: «(…) [D]efende o apelante que o pedido de revogação do despacho de reversão se escorou em factos novos que não haviam sido sopesados pelo órgão de execução fiscal, aquando da prolação do despacho de reversão em causa, mais especificamente, o teor da sentença constante do processo 76/13.0TAVLN, a correr termos na Comarca de Viana do Castelo, na qual foi absolvido da prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada (cfr.nº.13 do probatório supra). O artº.624, nº.1, do C.P.Civil, dispõe que a sentença penal absolutória, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui simples presunção legal da inexistência desses factos, em ações de natureza civil. A propósito da interpretação de tal normativo discute-se se a referida presunção também se aplica nas situações em que o arguido é absolvido em virtude do funcionamento do princípio "in dubio, pro reo", ou apenas nos casos em que é feita prova positiva de não ter praticado os factos. A jurisprudência tem decidido que tal presunção ilidível não se aplica em caso de absolvição com fundamento no citado princípio "in dubio, pro reo", uma vez que nesta situação a absolvição se baseia na falta de prova dos factos imputados ao arguido, exigindo a aludida norma que tal absolvição tenha como fundamento não ter este praticado os factos que lhe foram imputados (cfr.v.g. ac.S.T.J.-7ª.Secção, 21/10/2010, proc.95/04.8TBCDR.P1.S1; ac.S.T.J.-2ª.Secção, 11/07/2019, proc.7318/17.1T8CBR.C1.S1; António Santos Abrantes Geraldes e Outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, 2019, pág.747; José Lebre de Freitas e Outro, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 4ª. Edição, Almedina, 2021, pág.765 e seg.). No entanto, já não existe qualquer princípio ou norma legal que preveja a prevalência das decisões proferidas em sede de processos-crime sobre as decisões proferidas em sede dos procedimentos ou processos tributários. Pelo contrário, o legislador prevê é a possibilidade de decisões judiciais transitadas em julgado e proferidas nos processos de impugnação ou de oposição à execução constituírem caso julgado no âmbito do processo penal tributário (cfr. artº.48, do R.G.I.T.). É que no processo tributário não há inocentes ou culpados, antes devedores ou não devedores do imposto, sendo os pressupostos da responsabilidade tributária diversos dos da responsabilidade penal tributária. Ora, como é bem sabido, a responsabilidade tributária e a responsabilidade penal tributária, podendo coexistir na esfera jurídica da mesma pessoa, são títulos autónomos de responsabilidade, gerados por factos diversos, sujeitos a diversos princípios, regimes e leis e determinantes de consequências igualmente diferenciadas. Desde logo, na responsabilidade penal tributária não há culpas presumidas, presumindo-se, ao invés, inocente o arguido até ao trânsito em julgado da decisão que o condene. A responsabilidade tributária, porém, admite uma presunção - ilidível - de culpa no não pagamento, nos casos previstos no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., cabendo ao responsável tributário ilidir, através do meio processual próprio (audiência prévia antes da reversão e oposição), essa presunção legal de culpa para afastar a sua responsabilidade pela dívida. Com estes pressupostos, a sentença de absolvição do ora recorrente no processo-crime, não tem a força de caso julgado pretendida pelo mesmo, no que respeita aos factos aí dados como provados ou não provados, antes deve reconduzir-se a um elemento de prova que pode ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no artº.607, nº.5, do C.P.C., aplicável "ex vi" do artº.2, al.e), do C.P.P.T. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/10/2014, rec.1930/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/03/2019, rec.1053/18.0BELRA). "In casu", o recorrente não usou de qualquer meio processual que a lei disponibiliza - oposição à execução ou reclamação da decisão do órgão de execução fiscal - para reagir ao seu chamamento à execução para responder pela dívida - citação na qualidade de responsável subsidiário. Pretende agora, alegando um facto ou causa superveniente, revogar a reversão contra si efectuada no processo executivo, com base na sua, defendida, falta de responsabilidade pela dívida exequenda. Mas a decisão judicial que apresentou como fundamento da presente reclamação de acto do órgão de execução fiscal, por um lado, não sabe este Tribunal se já transitou em julgado e, por outro, não produz os efeitos que defende em sede de processo tributário e conforme o que se acabou de expor.» Não residem, portanto, dúvidas que a jurisprudência maioritária, com especial relevância para a do STA, tem vindo a afirmar que «a lei não atribui relevância em processo de oposição fiscal ao caso julgado absolutório formado em processo penal», sem prejuízo de consubstanciar um elemento de prova, a valorar pelo tribunal tributário «de acordo com o princípio da livre apreciação da prova», nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC, aplicável subsidiariamente. Vejamos, contudo, o julgamento recorrido a este propósito: “(…) Tenha-se ainda em conta a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, firmada no acórdão n.° 27785/10, caso Melo Tadeu c. Portugal, de por via do qual o Estado Português foi condenado por violação do n.° 2 do artigo 6.° da Convenção dos Direitos do Homem (violação da presunção de inocência - processo de execução fiscal depois de absolvição em processo penal), cujos efeitos não podem deixar de ser sopesados. Note-se que a decisão mencionada em 11) determinou a não pronúncia do oponente, no âmbito do processo n.º ..2/18..IDBRG, que correu termos no Juízo de Instrução Criminal de Guimarães - J ... , tendo por objeto o crime de abuso de confiança fiscal e um crime de frustração de créditos, relacionado com a falta de pagamento do IVA da sociedade devedora originária dos meses de junho de 2016 a maio de 2018. Ou seja, tal decisão tem justamente por base os factos e algumas das ocorrências que subjazem ao presente processo (alienação de património à margem do plano de revitalização), pelo que tem que ser valorada pelo tribunal. Em suma, inexistem nos autos elementos que permitam imputar a responsabilidade subsidiária ao oponente, por não se ter demonstrado que houvesse exercido de facto funções de administrador na sociedade devedora originária. Em face do exposto, julga-se o oponente como parte ilegítima, devendo o processo executivo ser extinto em relação a si. Termos em que, prejudicadas todas as demais considerações e a apreciação dos demais fundamentos invocados, julga-se a ação procedente, por provada. (…)” Com efeito, nesse Acórdão do TEDH n.º 27785/10, de 23/10/2014, o Estado Português foi condenado por violação do princípio da presunção de inocência, no âmbito do efeito da absolvição penal no tratamento a dispensar ao arguido em procedimentos ulteriores, penais ou não penais, e, concretamente, na jurisdição fiscal. Entretanto, mais recentemente, o TEDH concluiu, novamente, pela existência de violação do artigo 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, invocando a jurisprudência já firmada no referido caso Melo Tadeu vs Portugal, ambos, aliás, com contornos muito próximos – cfr. Acórdão do TEDH, de 07/11/2023, proferido no âmbito da queixa n.º 56564/15 – caso Paiva de Andrada Reis vs Portugal. Tem havido vozes dissonantes quanto à ideia de vinculação dos tribunais nacionais à jurisprudência do TEDH, que nos chegaram ao conhecimento, nomeadamente, através da publicação de artigos na Revista Julgar, Edição da Associação Sindical dos Juízes Portugueses. A título de exemplo, remetemos para a posição de Luís António Noronha Nascimento in A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre direitos de personalidade e liberdade de imprensa: bluff e realidade, no artigo publicado na Julgar Online n.º 37, de Outubro de 2019, referindo que o TEDH não dialoga com a jurisprudência dos tribunais superiores dos países signatários da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, consubstanciando as suas decisões monólogos, no sentido de não atender aos ordenamentos nacionais. Assim, na sua perspectiva, as decisões do TEDH podem ser consideradas, mas não têm carácter vinculativo para os tribunais nacionais. Por outra banda, há quem entenda que a jurisprudência do TEDH vincula os tribunais nacionais, especialmente nos Estados que ratificaram a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) – cfr. António Henriques Gaspar in A influência da CEDH no diálogo interjurisdicional, artigo publicado na Revista Julgar n.º 7, de Janeiro-Abril de 2009. No caso de Portugal, que adopta um sistema monista, a CEDH, após ratificação e publicação, integra o direito interno e deve ser interpretada e aplicada pelos tribunais nacionais, primando sobre a lei interna, conforme o artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa. Além disso, os tribunais nacionais são obrigados a respeitar as sentenças definitivas do TEDH nos litígios em que o Estado seja parte, conforme o artigo 46.º, parágrafo 1.º, da CEDH. No entanto, fora desses casos específicos, a relação entre o TEDH e os tribunais nacionais é mais indirecta, sendo as decisões do TEDH consideradas como tendo uma "autoridade específica" que contribui para a interpretação e aplicação da CEDH. Portanto, os juízes nacionais devem levar em consideração a jurisprudência do TEDH como referência metodológica e interpretativa, mas essa vinculação não é absoluta, permitindo análise crítica e ponderação em casos concretos. Tal vai ao encontro do que ficou plasmado no Acórdão do STA, já citado anteriormente, de 02/02/2022, no âmbito do processo n.º 0266/20.0BEPRT, onde se entendeu que o que o TEHD assumiu até hoje foi que o facto de o interessado não ter sido condenado ou de contra ele não ter prosseguido o procedimento criminal «deve ser considerado» em processo posterior. Aí se salientando que o que vem sendo vincado pelo TEDH é que a decisão absolutória deve ser respeitada por qualquer autoridade que posteriormente se pronuncie, de modo directo ou incidental, sobre a responsabilidade penal do interessado. Na verdade, é nossa convicção que foi esta ponderação que o tribunal recorrido levou a cabo, dado que realizou uma análise crítica do caso concreto, mas não deixou de considerar a sentença penal absolutória, sendo certo que não foi efectuado qualquer juízo de culpa em matéria de responsabilidade penal nos presentes autos. Será também nesta perspectiva que sindicaremos o invocado erro de julgamento, tendo, essencialmente, presente que o gerente de facto é o órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo acto e exteriorizando a vontade social perante empregados ou terceiros, produzindo efeitos na esfera jurídica da sociedade, manifestando a capacidade de exercício de direitos das pessoas colectivas, e que o exercício da gerência de facto desdobra-se em concretos actos que exprimem poderes representativos e poderes administrativos face à sociedade (designadamente, contacto com fornecedores; contratação de pessoal; pagamento de salários; angariação de clientes), importando analisar se a prova produzida permite concluir que o Recorrido foi gerente de facto naquele período temporal de Outubro de 2017 até ao momento em que deveria ter sido entregue o IVA (27/12/2017). Acompanhando a alegação da Recorrente, não subsistem dúvidas que a gerência de facto, sem se acompanhar da gerência de direito, tem previsão legal de imputação de responsabilidade, sendo legítimo que o gerente de facto seja responsabilizado pelas dívidas tributárias contraídas pelo devedor originário, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT - “ainda que somente de facto”. Note-se que a gerência de facto de uma sociedade consiste “no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros – cfr., nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. “A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação” – cfr. Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seguintes. Alega a Recorrente que o tribunal a quo fez uma errada valoração dos elementos constantes dos autos, mas adiantamos não lhe assistir razão. Compulsando a fundamentação do despacho de reversão, extrai-se que a mesma operou em relação ao aqui Recorrido por aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, tendo por base a consideração de que o Oponente foi gerente de facto da sociedade devedora originária no período em que terminou o prazo de pagamento da dívida exequenda, alicerçando-se o acto de reversão no teor dos autos de declarações a que se referem os pontos 3 e 4 do probatório, bem como nos autos de declarações das testemunhas indicadas no âmbito do exercido do direito de audição prévia, para efeitos de prova testemunhal, designadamente a senhora «CC», e os senhores «JJ» e «KK». À semelhança do que foi decidido em primeira instância, consideramos as declarações prestadas insuficientes para se poder concluir que o Oponente foi o gerente de facto da sociedade devedora originária no período em que terminou o prazo de pagamento da quantia exequenda, principalmente porque se apresentam totalmente conclusivas, não descrevendo a prática de quaisquer actos da natureza que indicámos supra. De facto, não podemos olvidar que o irmão do Recorrido («BB») se mostra inscrito como administrador único da sociedade principal – cfr. cópia da certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial - e que o Oponente, desde que foi ouvido em sede de audição prévia à reversão, tem vindo sempre a negar que alguma vez tivesse exercido de facto a administração da sociedade, transparecendo da concatenação de todas as declarações (que não são integralmente sobreponíveis) que, após «BB» ter adoecido, o Oponente o terá ajudado nessa tarefa, mas sempre dando conhecimento das decisões ao dito administrador único. Quando muito, poderemos observar a admissão pelo Oponente da tomada de decisões, mas como estas não se mostram exemplificadas, impossibilita ao tribunal um qualquer juízo sobre as mesmas, inviabilizando uma consequente ilação quanto ao conceito de gerência de facto que pretendemos preencher. Como se refere na sentença recorrida, as declarações recolhidas das testemunhas nomeadas no âmbito do exercido do direito de audição prévia também se afiguram vagas, despojadas da indicação de factos concretos e objetivos que permitam imputar o exercício de funções administrativas pelo oponente (além de serem contrariadas pelas declarações de «LL» e de «II» e de vários outros antigos trabalhadores da sociedade inquiridos em procedimento criminal). Por outro lado, ficou demonstrado que o Oponente desempenhou funções na sociedade devedora originária enquanto encarregado, supervisionando as linhas de produção e os trabalhadores a elas afectas – cfr. ponto 12 do probatório, que não se mostra eficazmente impugnado. Apenas se aponta no recurso que o concreto ponto da matéria de facto 12) não está localizado temporalmente, ou seja, não determina em que período o aqui Oponente exerceu tais funções de encarregado geral. A verdade é que tal categoria é compatível com a direcção, coordenação e supervisão de trabalhos e com a organização de recursos materiais e humanos, incluindo a distribuição de tarefas, não surpreendendo que os trabalhadores da empresa trabalhassem sob as ordens do Recorrido, como declararam, e o identificassem como sendo o encarregado geral da empresa - cfr. despacho de reversão e teor integral das declarações. Ora, as declarações que foram prestadas não se mostram circunstanciadas, não apresentam factos individualizados e concretos, revelando que o administrador único, apesar do seu estado de saúde, continuou a dirigir-se à empresa, designadamente, para proceder ao pagamento dos salários aos trabalhadores, acentuando a dúvida acerca das efectivas funções do Recorrido nesse período de doença – cfr. teor integral das declarações prestadas. Com efeito, a dúvida avoluma-se, se pensarmos que a própria contabilista da sociedade afirmou desconhecer quem geria a empresa – cfr. declarações referidas no despacho de reversão. Em suma, as meras declarações conclusivas a afirmar que o Recorrido foi gerente de facto a partir do momento em que o irmão, administrador único, adoeceu, por si só e desligadas de qualquer outro contexto fáctico, não havendo nos autos notícia de qualquer acto concreto que haja sido praticado pelo Oponente, não constituem prova bastante para considerar que exerceu a gerência efectiva da sociedade de forma regular e continuada, designadamente no período em que terminou o prazo de pagamento do IVA de Outubro de 2017. A responsabilização subsidiária pressupõe o poder de controlar e determinar a vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias. O que, in casu, não ficou demonstrado. Resulta inequivocamente do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito. Ora, é sobre a administração tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência de facto [de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos - artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 74.º, n.º 1, da LGT]. Entende-se, assim, que a Fazenda Pública não deu cumprimento ao ónus probatório da verificação do pressuposto da reversão relativo à gerência de facto que sobre si impendia, não bastando a mera afirmação da probabilidade da sua existência. Tendo presente o circunstancialismo fáctico acima exposto, reiteramos que não se encontra demonstrada a gerência de facto por parte do Oponente, sendo este parte ilegítima na execução fiscal, e a sentença recorrida que assim também o entendeu, não merece qualquer censura. Destarte se conclui serem improcedentes os fundamentos invocados, pelo que o recurso não merece provimento. Conclusões/Sumário I - A lei não atribui relevância em processo de oposição fiscal ao caso julgado absolutório formado em processo penal. II - Apenas se consubstancia num elemento de prova, que pode ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil. III - Os juízes nacionais devem levar em consideração a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem como referência metodológica e interpretativa da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mas essa vinculação não é absoluta, permitindo análise crítica e ponderação em casos concretos. IV – É à administração tributária que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais de que depende a reversão, sendo o exercício efectivo de funções de gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária dos gestores, não bastando a mera afirmação da probabilidade da sua existência. V - A responsabilização subsidiária pressupõe o poder de controlar e determinar a vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias. O que, in casu, não ficou demonstrado. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso. Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais. Porto, 26 de Junho de 2025 Ana Patrocínio Maria do Rosário Pais Cláudia Almeida |