Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01941/10.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:VITOR SALAZAR UNAS
Descritores:OPOSIÇÃO;
FUNDAMENTAÇÃO FORMAL;
CULPA;
Sumário:
I – Quando as conclusões de recurso não contenham os mesmos fundamentos que as antecedentes alegações, o tribunal de recurso não pode conhecer o objeto do recurso nessa parte.

II - Uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do ato; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do ato, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.

III - Como vem afirmando a jurisprudência e a doutrina, o ato encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática, sendo que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada, não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a ATA fundamenta a alegação relativa ao exercício efetivo das funções do gerente revertido.

IV – Será de considerar um comportamento adequado de uns gerentes diligentes, colocados nas mesmas circunstâncias que os oponentes, apresentar a sociedade executada à insolvência, como pretendeu o legislador ao prescrever que «[o] devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la». [art. 18.º, n.º 1, do CIRE], prescrição que, aliás, encurta o prazo que vinha já determinado no art. 6.º do CPEREF com o sentido de que «[l]ogo que falte ao cumprimento de uma das suas obrigações, nas circunstâncias descritas na alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º, deve a empresa, dentro dos 60 dias subsequentes, requerer a sua declaração de falência, salvo se, tendo razões bastantes para o fazer, optar pelo requerimento da providência de recuperação adequada.».*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO:
«AA», contribuinte fiscal n.º ...70 e «BB», contribuinte fiscal n.º ...92, com os demais sinais nos autos, vêm interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a oposição à execução fiscal contra cobrança coerciva de IVA e IRS dos anos de 2004 a 2006.
Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«(…).
1) A matéria de facto deverá ser corrigida, aditando-se cinco novos factos e alterando-se a redacção do descrito sob o n.° 6 da fundamentação de facto;
2) O despacho de reversão, transcrito sob o n.° 13 da fundamentação de facto, constitui uma mera transcrição de disposições legais, sem qualquer factualidade ou fundamentação objectivada ao processo em referência;
3) Não se consegue, designadamente, alcançar como se obteve a conclusão quanto ao exercício de facto da administração, uma vez que não consta do despacho em causa qualquer facto que permita extraí-la, por não ser feita qualquer alusão ou indicado facto que permita concluir pela responsabilidade dos oponentes enquanto administradores;
4) O art. 23°, n.° 4 da LGT impõe que "a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação;
5) A decisão de reversão deve, pois, obedecer a todos os requisitos das decisões administrativas, designadamente, às exigências de fundamentação impostas pelo art. 268.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa, pelo art. 77.° da LGT e, especificamente no caso de reversão, pelo referido art. 23.°, n.°4, da LGT;
6} A simples referência à insuficiência de bens e da qualidade de administrador nada permite conhecer relativamente ao fundamento por que a AT entendeu responsabilizá-lo pelas dívidas exequendas. Acresce que “não pode o Tribunal, sob pena de ilegal intromissão na actividade administrativa e de intolerável restrição dos direitos dos administrados, substituir-se à Administração na fundamentação do despacho que determinou que a execução fiscal revertesse contra o aqui Recorrente, procurando e elegendo agora, de entre as várias possibilidades que podem em abstracto justificar tal decisão, aquela que se lhe afigure mais ajustada à situação”;
7) O instituto da reversão legal não estabelece qualquer presunção legal do exercício efectivo e real da administração que decorra da administração nominal ou de direito;
8) Para que se verifique a responsabilidade dos gerentes e administradores das sociedades, exige-se a existência de uma gestão de direito e de facto;
9) Não existindo presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, se tenha por provado o exercício efectivo da função, deve ser valorada contra a Fazenda Pública, a falta de prova do mesmo;
10) Não contendo os autos quaisquer elementos que permitam concluir pela administração efectiva, necessariamente que tem de ser declarada a ilegalidade da reversão decretada e ser declarada a ilegitimidade dos recorrentes na execução;
11) Ainda que fosse declarada a regularidade do despacho de reversão, o que não se admite, é pacífico que a responsabilidade dos recorrentes, enquanto administradores da sociedade executada, só poderia fundar-se na sua actuação culposa, apreciada subjectivamente;
12) Ainda que tal culpa seja presumida, tal presunção legal de culpa não é hoje meramente funcional mas de culpa efectiva e que, por ser juris tantum, pode ser ilidida, presunção que, recorrendo à fundamentação de facto, foi amplamente afastada pelos recorrentes;
13) Resulta de forma inequívoca do probatório, que as necessárias circunstâncias culposas não ocorreram manifestamente, no caso em apreço, não tendo derivado da actuação desenvolvida pelos recorrentes, enquanto administradores da executada, a impossibilidade desta em proceder ao pagamento da dívida exequenda. Bem pelo contrário;
14) Face ao aparecimento das primeiras dificuldades financeiras apresentadas pela sociedade devedora, enquanto sociedade integrante do grupo empresarial GRUPO "A"..., os recorrentes empenharam-se num plano de recuperação financeira com a celebração de acordo com sindicato financeiro mediante a concessão de empréstimos garantidos pessoalmente pelos recorrentes, e a entrada de um novo administrador proposto por aquele sindicato com as funções de “Chief Financial Officer (CFO), e a quem cabia ser o responsável principal pela área financeira do GRUPO "A"..., incluindo as áreas de planeamento, organização e auditoria do Grupo;
15) E cujo incumprimento levou às suas insolvências pessoais;
16) A actuação dos recorrentes na administração da sociedade executada foi, no mínimo, semelhante à que, nas mesmas circunstâncias, assumiria um administrador com capacidade normal, interessado e íntegro;
17) Os factos relatados são mais do que suficientes para se concluir pela inexistência de culpa por parte dos ora executados na insuficiência do património social o que, nos termos do disposto no artigo 24° da Lei Geral Tributária afasta a sua responsabilidade;
18) Pelo contrário, fizeram o que estava ao seu alcance para preservar o património social que permitiam fazer face ao pagamento das dívidas fiscais;
19) O pressuposto da responsabilidade fiscal é a diminuição das garantias patrimoniais de cobrança e não o não pagamento da dívida, o que significa que gestores subsidiariamente responsáveis são aqueles que, por acção ou omissão, originaram a diminuição patrimonial;
20) Exige-se, assim, um nexo de causalidade entre a insuficiência do património social e a actuação do administrador, nexo de causalidade que é patente não se verificar no caso sub judice;
21) Foram suficientemente carreados para os autos elementos que lograram afastar a presunção de culpa e, pelo contrário, demonstrar que não se deveu a culpa dos recorrentes o facto de o património da devedora originária se ter tomado insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais;
22) Foi efectuada uma incorrecta aplicação do disposto no art. 24°; n.° 1, b) da LGT.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
*
Com dispensa dos vistos legais, dada a natureza urgente do processo [cfr. artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR.
As questões que cumpre conhecer estão relacionados com os erros de julgamento de facto e de direito e que culminaram com a improcedência da oposição.
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III – FUNDAMENTAÇÃO:
III.1 – DE FACTO
Na sentença foi fixada matéria de facto nos seguintes termos:
«1- Em 18.10.2001 entre o SINDICATO FINANCEIRO constituído pelos Bancos/Instituições Financeiras: - Banco 1..., SA; Banco 2..., SA; Banco 3..., SA, Banco 4..., SA; Banco 5..., SA; Banco 6..., SA; Banco 7..., SA; Banco 8..., SA; Banco 9..., SA, Banco 10..., SA; Banco 11..., SA; Banco 12...; Banco 13..., SA; Banco 14..., SA; Banco 15...; Banco 16...; Banco 17...; Banco 18..., CRL; Banco 1..., SA, designados SINDICATO FINANCEIRO e primeiros Outorgantes; Os oponentes na qualidade de segundos outorgantes; a [SCom01...], SGPS, SA, Terceira Outorgante; A [SCom02...], SGPS, SA, Quarta Outorgante; [SCom03...], SA, Quinta Outorgante; [SCom04...], SA, Sexta Outorgante; A executada [SCom05...], SA, NIPC ...01, Sétima Outorgante; [SCom06...], SA, Oitava Outorgante; «AA» e esposa, Nonos Outorgantes; e [SCom07...], SA e [SCom08...], SA, como décimos outorgantes, foi celebrado um Acordo para, entre o mais, regular o passivo de médio prazo existente a 31.07.2001 e estabelecer relações na sequência de eventual venda de activos e acordos de dação em pagamento de bens pertença do GRUPO "A"..., associado a dívida e para manutenção de consentirem a manutenção de garantias, nos termos constantes de fls. 21 a 90 do processo físico cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
2- Na sequência do Acordo referido em 01) o Sindicato Financeiro (Bancos Outorgantes) referido em 01), abriu a favor dos accionistas um crédito de 11 milhões de euros e a favor da [SCom03...] um crédito de três milhões de euros, tendo sido reduzidos os juros vencidos e não pagos à data do acordo - Cfr. Fls. 21/90 do processo físico.
3- No âmbito do processo de recuperação da sociedade [SCom03...], SA, com n° ..0/20.. do ... juízo do Tribunal Judicial de Gaia, foi reconhecido um crédito à executada [SCom05...], SA, no valor de € 89.260,27 - Cfr. Fls. 78/79 do processo físico.
4- A sociedade [SCom03...] foi declarada insolvente por processo de insolvência de 2006, Proc. N° 3.../....TYVNG, ... juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia - Facto não controvertido.
5- A sociedade [SCom05...], SA, está encerrada e extinta na sequência de ter sido declarada insolvente em 18.11.2008 através de Proc. N° 1..../.....VNG do ... juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia - Facto Não controvertido.
6- Os oponentes foram administradores efectivos da sociedade [SCom05...], SA, até à sua insolvência.
7- Contra a sociedade [SCom05...], SA, foi instaurado o Processo de Execução Fiscal (PEF) n° ......................422 e apensos, pelo SERVIÇO DE FINANÇAS ..., para cobrança coerciva da quantia de € 224.064,50 proveniente de IVA e IRS de 2004 a 2006 - Cfr. Fls. 131, 133/159 do processo físico.
8- Através dos ofícios 2445 e 2446 de 02.03.2010 os oponentes foram notificados da intenção da Administração Fiscal contra os mesmos reverter a execução fiscal referida em 07) e para se pronunciarem - Cfr. Fls. 131,164/167 do processo físico.
9- Em 19.03.2010 os oponentes pronunciaram-se em sede de audição prévia acerca da intenção de contra os mesmos reverter a execução fiscal e apensos atras referida, defendendo que eram administradores da mesma e que não tiveram culpa na insuficiência do património — Cfr. Fls. 168 (frente e verso) do processo físico cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
10- Em 20.04.2010, no âmbito do processo de execução referido em 07), foi proferido despacho de Reversão contra os oponentes - Cfr. Fls. 131 e 169 do processo físico.
11- Consta do despacho referido em 10) entre o mais, o seguinte:
“Face ao referido prossiga com a execução fiscal contra os responsáveis constantes do projecto de reversão pela dívida em causa nos presentes autos e, tendo em conta as alterações supra referidas.
A reversão fundamenta-se na insuficiência de bens da devedora originária: (...) face aos documentos juntos aos autos, terem sido membros da direcção no período da ocorrência do facto gerador do facto tributário e no período em que o imposto em dívida era exigível. (...) ”
12- Os oponentes foram citados para a execução referida em 07) por ofícios de 30.04.2010 - Cfr. Fls. 170/174 do processo físico.
13- Consta da citação referida no ponto anterior, entre o mais, o seguinte:
“(...) FUNDAMENTOS DA REVERSÃO:
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício de excussão (art°23°/n°2 da LGT)
Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art. 24°/n°1/b) LGT). ” — Cfr. fls. 170 e 173 do processo físico.
*
Factos Não Provados:
Com interesse para a decisão da causa, inexistem.
*
Motivação:
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico dos documentos juntos aos autos pelos oponentes, FP, as informações oficiais e a posição assumida pelos intervenientes, conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.
Relativamente ao ponto 06) dos factos provados o Tribunal apoiou-se naquilo que vai alegado pelos oponentes em sede de audição prévia onde assumem que foram efectivos administradores na sociedade executada (Cfr. Ponto 08 dos factos provados) e bem assim na PI onde alegam que apesar de terem administrado a executada fizeram-no de modo diligente e sem culpa na diminuição do património societário, além disso, conta da certidão comercial junta aos autos que eram administradores e os mesmos, ante a alegação não contrariaram aquela administração que, apesar de ser nominal é ainda de facto.
Foi análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, sedimentou a convicção do Tribunal quanto aos factos dados como Provados — Cfr. art. 74°LGT, 76°n° 1 LGT e art. 362°e ss do CC.»
*
Alteração oficiosa da matéria de facto .
Analisado ponto 6. da categoria dos factos provados [“Os oponentes foram administradores efectivos da sociedade [SCom05...], SA, até à sua insolvência.”], constata-se que, parcialmente, encerra uma ilação quanto à gerência efetiva por parte dos oponentes da sociedade executada, por isso, insuscetível de integrar a matéria de facto, tal qual se encontra vertido.
Nesta conformidade, visando a eliminação da alusão conclusiva, procedemos à alteração daquele ponto da matéria de facto, nos seguintes termos:
6. Os oponentes constam como membros do conselho de administração da sociedade [SCom05...], SA, até à sua insolvência [cfr. págs. 160 e 161 do suporte físico dos autos].

Procede-se ao aditamento da seguinte factualidade, por se mostrar relevante para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e constar nos autos elementos que a confirmam:
1.1 No acordo mencionado em 1., consta, para além do mais, o seguinte:
«(…).
Considerando que.
(…).
I) (…), e os ACCIONISTAS [os oponentes] e os Nonos Contraentes são titulares de bens objecto de garantias reais e/ou garantias pessoais de obrigações emergentes de crédito reestruturadas nos termos deste Acordo, pelo que entre outros motivos, intervêm neste Acordo para expressamente consentirem na manutenção dessas garantias;
J) Para efeitos do presente Acordo, entende-se por GRUPO "A"... a [SCom01...] e o conjunto de sociedades que se encontram sob o seu domínio, directo ou indirecto, conforme resulta do diagrama junto (anexo 2).
(…).» [cfr. págs. 29 do suporte físico dos autos].
1.2 No anexo 2 do acordo, com a designação “Diagrama do GRUPO "A"...” consta como detida a 100% pelo grupo a “[SCom05...]”. [cfr. págs. 80 do suporte físico dos autos].
1.3 .. No anexo 8 do acordo com a denominação “Operações da [SCom03...] com Garantia Reais”, consta, para além do mais, o seguinte:
«(…).
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[cfr. págs. 89 e 90 do suporte físico dos autos].
8.1 A 02.03.2010, foi prestada a seguinte informação com vista à elaboração do projeto de reversão, da qual se extrata o seguinte:
«(…).
4º)- Face à insuficiência de bens e à prova de fls (…) verifica-se que no período da ocorrência do facto gerador do facto tributário e no período em que a dívida se tornou exigível, eram membros da Administração e pelo mandato de 2003 a 2006: «AA», «BB» e «AA».
2º) Havendo claros indícios de gestão por parte da(s) pessoa(s) acima referidas(s) é (são) responsável subsidiário(s) pelo pagamento dos seguintes impostos:
(…).» [cfr. págs. 166 do suporte físico dos autos];
8.2 Na mesma data foi proferido despacho pela Chefe de Finanças Adjunta com o seguinte teor:
«Face à informação que antecede e tendo em conta o disposto nos normativos do art. 23º, 24º, e 60º da Lei Geral Tributária, art. 153º do Código de Procedimento e do Processo Tributário, proceda-se à notificação do interessado para efeitos de exercício do direito de audição prévia, (…).» [cfr. págs. 167 do suporte físico dos autos];
11.1 O despacho de reversão, mencionado no ponto 11, foi procedido da informação elaborada nos seguintes moldes:
«Cumprido o disposto no n.º 4 do artigo 23.º e do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, constata-se que todos os eventuais responsáveis subsidiários da devedora originária, exerceram o direito de audição, conforme requerimentos que antecedem.
A reversão foi efectuada contra os membros do conselho de administração, «AA» e «BB», na qualidade de presidente e vice presidente e «AA», como vogal do conselho de administração.
Relativamente a este último, não existem neste serviço provas de que exerceu a administração da devedora originária e, tendo em conta o alegado no requerimento que antecede, parece-me que deve ser retirado da reversão, continuando os presentes autos com a reversão quanto aos restantes. É o que me cumpre informar (…).» [cfr. págs. 169 do suporte físico dos autos].
*
IV –DE DIREITO:
Os Recorrentes começam a sua peça recursiva com a impugnação da matéria de facto [conclusão 1)], densificada na página dois das respetivas alegações.
Vejamos.
Recurso da matéria de facto.
Peticionam os Recorrentes a alteração do ponto 6. da matéria de facto e o aditamento de cincos novos supostos factos, alegadamente, “com relevância decisiva para a decisão da causa”, assim discriminados:
1. A executada [SCom05...] estava integrada no grupo empresarial GRUPO "A"..., sendo detida a 100% pela sociedade [SCom03...] ([SCom03...], S.A), como resulta da alínea J) dos considerandos do referido “Acordo” e do seu anexo 2.
2. Com a celebração do “Acordo” os accionistas – entre os quais os oponentes - obrigaram-se a designar um novo administrador, o Dr. «CC», com as funções de “Chief Financial Officer (CFO), e a quem cabia ser o responsável principal pela área financeira do GRUPO "A"..., incluindo as áreas de planeamento, organização e auditoria do Grupo, como resulta da cláusula 15ª, nº, 2, a) do aludido “Acordo”.
3. Os oponentes intervieram no referido “Acordo” como subscritores de garantias reais e pessoais, como resulta da alínea I) e Anexo 8 do mesmo.
4. Os oponentes não foram pronunciados pelo crime de abuso de confiança fiscal por não entrega da sociedade [SCom05...], relativamente ao ano de 2003, por no Proc. de instrução n.º ..../06, ter sido dado por provado que “as quantias recebidas pelos funcionários da [SCom05...] o eram directamente dos donos de obra e eram única e exclusivamente contabilizados como pagamentos da [SCom03...], não havendo qualquer fluxo material entre elas”, como resulta do despacho junto com a PI.
5. Os créditos que a [SCom05...] detinha sobre a sociedade mãe [SCom03...] foram declarados incobráveis, como consta de fls. 7.
Tendo em consideração a alteração do ponto 6. da matéria de facto e o aditamento, dos pontos 1.1, 1.2 e 1.3, acima efetuados, em conjugação com o plasmado na conclusão 14., nada mais há a alterar, pelo que fica prejudicado tanto a alteração como o aditamento peticionado nos acima referidos pontos 1 e 3.
Relativamente à pretensão inserta no ponto 4., relativo ao facto de os oponentes não terem sido pronunciados pelo crime de abuso de confiança fiscal, cumpre dizer o seguinte.
Analisadas as conclusões, e não obstante o pedido de aditamento deste facto, os Recorrentes não retiram os efeitos jurídicos desse aditamento.
Na verdade, versando o recurso sobre aspetos em que domina o princípio do dispositivo que não possa ser contornado por via oficiosa, o ónus dos recorrentes decompõe-se na obrigação de apresentar tempestivamente as alegações e na formulação de conclusões onde enunciarão os efeitos jurídicos que pretendem obter com o recurso.
E, é sabido que as alegações destituídas em absoluto de conclusões são “ineptas”, determinando a rejeição do recurso (art. 641º, nº 2, al. b) do CPC), sem que se justifique a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação¹.
No caso vertente, o que se verifica é que os Recorrentes pretendem o aditamento da indicada factualidade, é certo que o faz sem a concretizar nas conclusões, mas com a agravante de não extrair da sua inclusão na matéria de facto qualquer efeito jurídico, designadamente enquanto facto relevante para a boa decisão da causa, uma vez que o tribunal não está obrigado a fixar todos os factos alegados, mas apenas aqueles que interessam para a decisão da causa segundo o princípio da livre apreciação das provas, conforme dispõe o art. 607.º, n.º 5 do CPC.
Ora, «conforme é entendimento jurisprudencial firmado, assim como doutrinal uniforme, quando as conclusões de recurso não contenham os mesmos fundamentos que as antecedentes alegações, o tribunal de recurso não pode conhecer o objeto do recurso nessa parte. Ou seja, alegações que depois não contenham as correspondentes conclusões, não podem ser conhecidas.
Conforme refere o Conselheiro Abrantes Geraldes, em anotação ao artigo 635.º do Código de Processo Civil, no seu livro, Recursos em Processo Civil, (6.ª edição, 2020, Almedina), a págs. 135:
«Independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição, é-lhe ainda legítimo restringir o objeto do recurso nas alegações ou, mais concretamente, nas respetivas conclusões, indicando qual a decisão (a parte da decisão) visada pela impugnação. Em resultado do que consta no art. 639.º, n.º 1, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal as quais, exercendo uma função semelhante à do pedido, na petição inicial, ou à das exceções, na contestação. Salvo quando se trate de matéria de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem.». [acórdão deste TCA Norte de 02.02.2023, proc. n.º 3029/10.7BEPRT, disponível para consulta em www.dgsi.pt].
Nessa conformidade, (i) por não se tratar de matéria de conhecimento oficioso e (ii) não ter sido concretizado minimamente nas conclusões, as quais delimitam o objeto do recurso (não bastando, pois, a sua eventual concretização nas alegações), o efeito jurídico pretendido com a inserção da indicada factualidade e com a imputação de um concreto erro de julgamento ao tribunal a quo, por não ter atendido a essa factualidade, improcede esta pretensão recursiva.
Sem prejudicar esta conclusão, mas em seu reforço, dizemos que a sentença não deixou de se pronunciar sobre a alegação de que o IVA seria indevido «porque o que se pagou foi aos trabalhadores tendo havido retenção nos créditos que deveriam ser pagos à executada, desde logo porque, a ser assim, verificado e bom de ver está que desde 2002 a executada, cujos oponentes geriam, não era viável pelo menos desde 2002, donde, se impunha a sua insolvência logo em 2002/2003 em vez de permanecer activa e a acumular passivo.»; e « ao não conseguir entregar este imposto que é do Estado (IVA), ou imposto sobre rendimento retido e não pagar aos trabalhadores (tendo os donos obra, consoante alegam, de reter dinheiro e pagar aos mesmos directamente), bem se evidencia o estado deficitário em que estava e no qual não deveria insistir, ou optar por se manter acumulando sucessivos resultados negativos para sobreviver durante todo aquele período de 2002 até insolvência em 2008.», com fundamentação que não foi (especificamente) atacada.
Prosseguindo.
É sobre os factos constantes dos articulados que a produção de prova e respetivos meios incidirão [cfr. artigos 423.º, 4452.º, n.ºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º e 495.º, n.º 1 do CPC], porquanto são os acontecimentos ou factos concretos que o n.º 4 do artigo 607.º do CPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo juiz na sentença, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, que, se detetados, devem ser excluídos do acervo factual relevante [e/ou recusado o seu aditamento].
E, na discriminação dos factos que há de fazer, não tem o juiz que se pronunciar sobre todos os factos alegados pelas partes ou acerca dos que emergem oficiosamente do processo de execução fiscal ou do processo administrativo, tendo antes o dever de selecionar os que interessam para o exame e boa decisão segundo as várias soluções plausíveis de direito, devendo limitar-se àqueles que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade.
Feito este sucinto, mas necessário, enquadramento sobre a natureza da factualidade que deve integrar a matéria de facto, vejamos, então, se logra vencimento a pretensão dos Recorrentes no aditamento pretendido firmado nos já identificados pontos 2 e 5.
Avançamos, desde já, que o pretendido aditamento relacionado no ponto 5 não configura um facto simples, mas uma conclusão [“os créditos (…), foram declarados incobráveis”], a extrair, se for o caso, da matéria de facto, daí ser insuscetível de a integrar, sendo certo que os factos relevantes encontram-se já devidamente fixados de acordo com a prova produzida nos autos e a posição assumida pelas partes, não constituindo, também, matéria controvertida [pontos 3. e 4.].
Analisando o conteúdo do ponto 2., detetamos, desde logo, que a factualidade nele constante não foi alegada pelos Recorrentes na petição inicial, sendo esse o lugar próprio para o efeito, dado não nos encontramos perante matéria de conhecimento oficioso. Para além do mais, não concretizam os Recorrentes em que medida esse facto assume relevância decisiva para a decisão da causa”, sendo que só estes devem constar da matéria de facto, sabido que a instrução tem por objeto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Na verdade, tendo sido alegado pelos Oponentes na petição inicial (i) a falta de fundamentação formal do despacho de reversão quanto à gerência e (ii) a ausência de culpa na falta de pagamento da dívida exequenda, não se vislumbra qualquer utilidade da inserção da alegada factualidade na matéria de facto, pertinência que, reafirma-se, não é concretizada pelos Recorrentes. Não sendo despiciendo mencionar que os Recorrentes também, nunca alegaram que o clausulado no acordo foi concretizado e nem tal se pode extrair da certidão da matrícula junta aos autos, aliás, da qual constam como administradores os ora Recorrentes até à insolvência da sociedade executada, conforme refletido no ponto 6. (alterado) da matéria de facto, em consonância, ainda, com o assumido por estes.
Nestes termos, não logra vencimento o recurso da matéria de facto.
*
Erro na aplicação da matéria de direito.
Importa agora conhecer deste segmento do recurso, uma vez estabilizada a matéria de facto, pedra angular a partir a da qual nos é permitido aferir o erro de julgamento na subsunção jurídica, seguindo a ordem das questões suscitadas no recurso, e tendo sempre presente que o objeto do recurso se colhe das conclusões do recurso.
Conforme se extrai das conclusões de recurso 2) a 6), os Recorrentes entendem que o despacho de reversão não se encontra devidamente fundamentado do ponto de vista formal, asseverando que «o despacho de reversão, transcrito sob o n.° 13 da fundamentação de facto, constitui uma mera transcrição de disposições legais, sem qualquer factualidade ou fundamentação objectivada ao processo em referência» [conclusão 2)]; «Não se consegue, designadamente, alcançar como se obteve a conclusão quanto ao exercício de facto da administração, uma vez que não consta do despacho em causa qualquer facto que permita extraí-la, por não ser feita qualquer alusão ou indicado facto que permita concluir pela responsabilidade dos oponentes enquanto administradores» [conclusão 3)]; «O art. 23°, n.° 4 da LGT impõe que "a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» [conclusão 4)]; «A decisão de reversão deve, pois, obedecer a todos os requisitos das decisões administrativas, designadamente, às exigências de fundamentação impostas pelo art. 268.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa, pelo art. 77.° da LGT e, especificamente no caso de reversão, pelo referido art. 23.°, n.°4, da LGT» [conclusão 5)]; e «A simples referência à insuficiência de bens e da qualidade de administrador nada permite conhecer relativamente ao fundamento por que a AT entendeu responsabilizá-lo pelas dívidas exequendas. Acresce que “não pode o Tribunal, sob pena de ilegal intromissão na actividade administrativa e de intolerável restrição dos direitos dos administrados, substituir-se à Administração na fundamentação do despacho que determinou que a execução fiscal revertesse contra o aqui Recorrente, procurando e elegendo agora, de entre as várias possibilidades que podem em abstracto justificar tal decisão, aquela que se lhe afigure mais ajustada à situação”» [conclusão 6)].
Do exposto, resulta então que os Recorrentes imputam ao despacho de reversão o vício de falta de fundamentação formal no que concerne à imputação da gerência de facto, aliás, em sintonia com o que tinham alegado na oposição.
Para melhor compreensão da análise que nos cumpre fazer passamos a exteriorizar o segmento da fundamentação da sentença relativamente a esta questão, desenvolvida nos seguintes moldes:
«DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO DE REVERSÃO:
Defendem também os oponentes que a Administração não fundamenta o exercício da administração efectiva por parte dos administradores e por isso não podia operar a reversão.
Não podemos concordar, também aqui, com os oponentes.
Na verdade, como se vê dos autos e do procedimento de reversão, os oponentes não ficaram impedidos de se defenderem da reversão pese embora o Despacho de Reversão referir que foram chamados de acordo com a alínea b) do n° 1 do artigo 24° da LGT por serem administradores e inexistirem bens (Cfr. Ponto 11 e 13 dos factos provados).
Não cremos que ocorra falta de fundamentação, apesar da mesma ser parca. Contudo, os oponentes, logo em sede procedimental compreenderam que foram chamados à execução mercê da insuficiência de bens e serem administradores da executada, tanto que alegaram que não tiveram culpa na insuficiência daquele património e admitiram ter administrado a executada - Cfr. Ponto 09 dos factos provados.
Ora, tendo admitido em sede de audição prévia a gestão, que foi tida em conta na reversão (cfr. Ponto 11 dos factos provados), não se vê em que medida o despacho de fundamentação padeça do vício formal apontado, estando, de resto, demonstrado e provado que os oponentes eram administradores da executada.
Assim sendo, constatado que fica que a defesa dos oponentes não ficou beliscada pela apontada falta de fundamentação (com o que discordamos, consoante se explicou), tendo os mesmos capazmente se defendido, defendendo a sua ilegitimidade na falta de culpa na diminuição do património societário para satisfazer os créditos tributários, como haviam alegado em sede de audição prévia após terem admitido a gestão efectiva na executada.
Deste modo, tendo compreendido o iter percorrido pela Administração para o seu chamamento, não pode proceder o vício de falta de fundamentação apontado. (…).»
Exteriorizada a fundamentação da sentença, não detetamos qualquer erro de ponderação e análise, antes merecendo a nossa confirmação e anuência. E a verdade é que os Recorrentes também não invetivam esta concreta fundamentação, conforme irradia das conclusões, pelo que se consolidou na ordem jurídica.
No entanto, em complemento à sentença, e considerando o vertido nas conclusões faremos as considerações que se seguem.
É indiscutível que a responsabilidade subsidiária se efetiva por reversão do processo de execução fiscal [cfr. o n.º 1 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária] e que o despacho de reversão, sendo um ato administrativo tributário, está sujeito a fundamentação [cfr. o artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e os artigos 23.º, n.º 4 e 77.º, n.º 1 da LGT], devendo o mesmo, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa [cfr. o n.º 1 do artigo 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração dos pressupostos da reversão e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária [cfr. artigo 23.º, n.º 4 da LGT].
Como vem afirmando a jurisprudência e a doutrina, o ato encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática.
Daí que no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Outubro de 2013, proferido no Processo n.º 0458/13, integralmente disponível em www.dgsi.pt, que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.» [cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 31 de janeiro de 2012 e 23 de janeiro de 2013, proferidos nos Processos nºs 580/12 e 953/12, respetivamente, também integralmente disponíveis em www.dgsi.pt].
Essencial é que a fundamentação responda às necessidades de esclarecimento do contribuinte, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do ato administrativo permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
Sendo que, em caso de discordância, o revertido exercerá o direito de defesa mediante dedução de oposição, como os Oponentes efetuaram nos presentes autos, tendo ainda usado da prerrogativa de exercer por escrito o direito de audição prévia, funcionando depois as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às situações previstas legalmente.
No caso concreto, o despacho de reversão apresenta, conforme espelhado no ponto 11, da matéria de facto, a seguinte fundamentação: «Face ao referido prossiga com a execução fiscal contra os responsáveis constantes do projecto de reversão pela dívida em causa nos presentes autos e, tendo em conta as alterações supra referidas.
A reversão fundamenta-se na insuficiência de bens da devedora originária: (...) face aos documentos juntos aos autos, terem sido membros da direcção no período da ocorrência do facto gerador do facto tributário e no período em que o imposto em dívida era exigível. (...).» [sublinhado nosso].
Como se extrai do teor do despacho, o mesmo remete para o que foi referido anteriormente e para o projeto de reversão, «tendo em conta as alterações supra referidas». Esta remissão para anteriores despachos ou informações é, indiscutivelmente, aceite enquanto ato sancionatório do vertido previamente no procedimento de reversão e que passam a fazer parte da fundamentação do ato final, no caso, do despacho de reversão.
Conforme se extrai da informação que antecedeu o despacho de preparação da reversão [ponto 8.1 da matéria de facto, objeto de aditamento], depois da referência à insuficiência de bens é feita a menção à gerência nominal nos seguintes termos: «no período da ocorrência do facto gerador do facto tributário e no período em que a dívida se tornou exigível, eram membros da Administração e pelo mandato de 2003 a 2006: «AA», «BB» e «AA»», e à gerência efetiva ali se atestando “havendo claros indícios de gestão” por parte das pessoas acima referidas.
E foi com base nesta informação que foi proferido despacho com vista à audição prévia dos Oponentes [cfr. ponto 8.2].
Mais resulta do ponto 9 da matéria de facto, que não se mostra impugnado, que os Oponentes, tendo exercido por escrito o exercício do direito de audição, defenderam «que eram administradores da mesma e que não tiveram culpa na insuficiência do património», resultando da leitura das suas alegações que compreenderam as razões pelas quais estava ser proposta a reversão.
Outrossim, espelha o probatório [cfr. ponto 11.1 objeto de aditamento] que o despacho de reversão foi precedido de uma informação segundo a qual seria de excluir da reversão um terceiro visado, vogal do conselho de administração, pois «[r]elativamente a este último, não existem neste serviço provas de que exerceu a administração da devedora originária, (…), parece-me que deve ser retirado da reversão, continuando os presentes autos com a reversão quanto aos restantes» [sublinhado da nossa autoria]. Ou seja, com toda a clareza que a razão de ser para que a execução prosseguisse apenas quanto aos dois oponentes foi por relativamente a eles a ATA ter concluído que exerceram de facto a gerência, o que não se verificou relativamente ao terceiro.
Assim, tudo conjugado, linearmente se conclui que o despacho de reversão (não se limita à transcrição das disposições legais), cumpre os mínimos legais exigíveis de fundamentação formal e, concretamente no que à gerência diz respeito, faz referência à gerência de direito e de facto e ao período a que diz respeito, mais se notando que os oponentes alcançaram convenientemente as razões pelas quais foi contra si operada a reversão, razão pela qual não padece de vício de falta de fundamentação aquele despacho.
Prosseguindo.
Os Recorrentes nas conclusões 7) a 10), parecem querer distanciar-se da questão da fundamentação formal do despacho de reversão, colocando, agora, em causa a demonstração da gerência de facto, enquanto pressuposto do seu chamamento para a execução, entrando na validade substancial do ato de reversão, conforme, aliás, resulta da sistematização do corpo das alegações, em que logo a seguir à questão da falta de fundamentação do despacho de reversão é autonomizada a questão da “gestão efectiva”.
Na verdade, uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do ato; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do ato, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.
Sendo assim, não deixamos de apreciar a questão neste enquadramento.
Como decorre do artigo 627.º, n.º 1 do CPC., aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais e como tal, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, com exceção daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas.
Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não a criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre – neste preciso sentido vejam-se Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pág. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81.
Também a jurisprudência é pacífica nesse sentido. Vejam-se, entre outros, os seguintes Acórdãos: do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.03.2013, proc n.º 0836/12; de 28.11.2012, proc. n.º 598/12, de 27.06.2012, proc. n.º 218/12, de 25.01.2012, e deste TCA Norte de 11.07.2024, proc. n.º 194/22.4BEMDL, este último com o mesmo relator, todos disponíveis em www.dgsi.pt..
Ora, a conclusão a que chegamos é a gerência de facto nunca foi colocada em causa pelos Recorrentes, nem em sede de exercício do direito de audição prévia e nem na petição inicial que instruiu a oposição por ambos deduzida, constituindo questão nova.
Na verdade, desde logo, no âmbito do exercício do direito de audição os oponentes, não a colocaram em causa, antes assumindo o efetivo exercício da gerência, apenas alegaram a ausência de culpa na falta de pagamento da quantia exequenda, que tem, de modo indefetível, como pressuposto aquele efetivo exercício da gerência.
Mas, mais impressivo e determinante, da assunção por ambos da gerência de facto resulta da causa de pedir da oposição estribada em dois fundamentos: falta de fundamentação formal do despacho de reversão e ausência de culpa na falta de pagamento da quantia exequenda, questões estas tratadas em conformidade pelo tribunal recorrido.
A partir do artigo 15.º até final [art. 57.º] da oposição ocuparam-se os oponentes de trazer à colação as razões pelas quais entendem não terem culpa na falta de pagamento da quantia exequenda.
Ao longo do articulado, além de não o ter negado, e no sentido do afastamento da culpa sempre assumiram o exercício da gerência. A título de exemplo, vejam-se as seguintes afirmações: «os executados tudo fizeram no sentido de recuperar as empresas» [art. 43.º]; «Tendo ido mais além do que lhes era exigível» [art. 44.º]; «Pese embora todo o seu empenho profissional e pessoal, (…) [art. 45.º]; «Do exposto, resulta evidente que não derivou da actuação desenvolvida pelos opoentes, enquanto administradores da executada, a impossibilidade desta em proceder ao pagamento da dívida exequenda.» [art. 46.º]; «Os opoentes sempre foram administradores competentes e esclarecidos, reconhecidamente dinâmicos, empenhados e honestos.» [art. 47.º]; «A actuação na administração da executada foi, no mínimo, semelhante à que, nas mesmas circunstâncias, assumiria um administrador com capacidade normal, interessado e íntegro.» [art. 49.º]. A assunção que, igualmente, irradia do presente recurso, conforme conclusões 11.ª e seguintes.
Nesta confluência, indefetivelmente, se conclui que os Recorrentes não colocaram em causa o exercício da gerência de facto na sociedade executada, razão pela qual não se pronunciou o tribunal a quo sobre esta questão [e, diga-se, também, não foi invocada qualquer nulidade da sentença por omissão de pronúncia], que se apresenta perante este tribunal como questão nova.
E, assim sendo, na medida em que constitui uma questão nova, não pode este tribunal ad quem emitir pronúncia sobre a mesma.
Razão pela qual, neste segmento, tratando-se de questão nova, a qual não é de conhecimento oficioso ou suscitada pela própria decisão recorrida, não se conhece do recurso, nesta parte.
Avançando.
Os Recorrentes entendem que ficou demonstrada a ausência de culpa no pagamento da quantia exequenda [conclusões 11) a 22)].
Sobre esta questão a sentença apresentou o seu discurso fundamentador nos seguintes termos:
«Da Ilegitimidade dos Oponentes:
Para a apreciação desta questão, importa analisar o artigo 24.° da L.G.T., donde decorre
que:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas, são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e subsidiariamente entre si:
a) pelas dívidas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação,
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”
Em sentido semelhante apontava o artigo 13° do anterior CPT.
O despacho de reversão por via do qual foram chamados os oponentes em 2010 oponente à execução, apoiou-se, segundo se colhe dos autos, no facto dos mesmos serem administradores da executada e mercê da inexistência de património societário. E, do ponto de vista legal, esteou- se no artigo 2[4]° n° 1 al. b) da LGT, acima transcrito.
Alegam os oponentes que não agiram com culpa na gestão que empreenderam na executada.
Vejamos.
Olhando os factos provados, noticiam os mesmos que os oponentes eram os administradores efectivos quer nos períodos a que se reportam os tributos exequendos (IVA, IRS de 2002 a 2006), assim como nos período em que se venceu o seu pagamento desde logo porque as execuções fiscais foram instauradas em 2002 a 2006 - Cfr. pontos 07) dos factos provados.
Existe uma presunção de culpa na insuficiência patrimonial dos oponentes no que respeita aos tributos em causa (art. 24° n° 1 al. b) da LGT).
Regressando ao probatório, noticia ainda o mesmo que a reversão operada esteou-se na alínea b) do n° 1 do artigo 24° da LGT — Cfr. ponto 08), 11) e 13) dos factos provados.
Estabelece aquele artigo 24.° da L.G.T., o seguinte:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, junções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas, são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e subsidiariamente entre si:
a) pelas dívidas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação,
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. ”
O fundamento legal do despacho de reversão, como se disse, foi a alínea b) do normativo transcrito, donde decorre, como adiantamos, uma presunção de culpa dos oponentes/gerentes/administradores efectivos da executada.
Os oponentes admitem que foram administradores ao longo do procedimento de reversão e resulta do probatório (Cfr. ponto 06) e 09) dos factos provados).
Do probatório colhe-se ainda que o IVA e IRS respeita aos períodos de 2002 a 2006 - Cfr. pontos 07) dos factos provados.
Como se disse, existe uma presunção de culpa dos oponentes, recaindo sobre os mesmos o ónus de afastar a presunção legal de culpa que sobre os mesmos impendia, uma vez que os comandos e destinos da executada estavam nas suas mãos.
Importa então aferir se os oponentes lograram ou não afastar a presunção de culpa que sobre os mesmos recaía.
Defendem os mesmos a grave crise financeira pela [SCom03...], SA, onde se integrava a executada como subempreiteira, acabou por arrastar a executada para a mesma situação, tendo a executada sido declarada insolvente através do processo ....8/....TYVNG do ... juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia em 18.11.2008.
Os autos noticiam que, efectivamente, a executada foi declarada insolvente em Outubro de 2008 — Cfr. Ponto 05 dos factos provados.
Noticiam ainda os autos que a executada teve um crédito sobre a [SCom03...], insolvente desde 2006, no montante de € 89.260,27 — Cfr. Pontos 03) e 04) dos factos provados.
Contudo, também se vê do probatório que, o facto de existir aquele crédito não foi determinante para a insolvência da executada, o que só ocorreu em 2008 (e o crédito reconhecido em 2002).
A outro passo, informa o probatório que os accionistas, incluindo os oponentes, em 2001 contraíram pessoalmente empréstimos de 11 milhões de euros para, se bem vemos, fazer face a dificuldades de várias empresas que geriam e de que eram accionistas, e foram ainda contraídos empréstimos de 3 milhões foram para fazer face às dificuldade de várias empresas a que aludem os pontos 01 e 02 dos factos provados.
O certo é que, não obstante a reestruturação em 2001, o recebimento dos 3 milhões, a verdade é que a executada, aqui em causa, manteve-se a acumular dívidas de IVA em 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, isto é, durante 5 anos consecutivos. E, não basta referir que o IVA era e/ou o IRS era indevido porque o que se pagou foi aos trabalhadores tendo havido retenção nos créditos que deveriam ser pagos à executada, desde logo porque, a ser assim, verificado e bom de ver está que desde 2002 a executada, cujos oponentes geriam, não era viável pelo menos desde 2002, donde, se impunha a sua insolvência logo em 2002/2003 em vez de permanecer activa e a acumular passivo.
Por outro lado, também, não obstante alegarem os oponentes que tentaram restruturar a [SCom03...], de que a executada fazia parte e do acordo a que alude o ponto 01) dos factos provados, nada vai dito quanto a concretas medidas que foram tidas relativamente à executada na sequência do Acordo de restruturação e as consequências positivas desse acordo, sendo que, o probatório nada nos informa, senão o acumular de passivo ao fisco ao longo de 5 anos (2002, 2003, 2004, 2005 e 2006).
Depois, e no que tange aos 11 milhões de euros concedidos aos accionitas, nomeadamente aos oponentes, não se vê em que medida tal se destinou a solver e resolver os problemas da executada pois que, repete-se, as dívidas fiscais continuaram a crescer desde 2002. Além de que, a sociedade executada, como qualquer outra, deve ser auto-suficiente no que tange á gestão de activos para solver os seus passivos de modo a poder estar, sã, no mercado.
De resto, se é certo, como referem que desde 2001 não conseguiam pagar nem salários nem dívidas fiscais, logo desde, então, deveria ser requerida a insolvência da executada.
Por outro lado ainda, o facto de alegarem que tudo fizeram para recuperar as empresas do GRUPO "A"... (onde se inclui a executada) e que, apesar disso ficaram sem património, encontrando-se insolventes, tal, quanto a nós, não aponta no sentido de uma gestão diligente desde logo porque a própria empresa(s) devem gerar fluxos e activos de modo a poder sobreviver sem que tenha de haver desapossamento do património dos seus gerentes para resolver os passivos das sociedades que gerem, sendo, tal facto, um sinal de “insolvência técnica” ( não gerar activos para cobrir os próprio passivos).
Temos pois para nós que, o assim alegado pelos oponentes, não é bastante para afastar a presunção de culpa dos mesmos.
O fundamento da norma aplicável à situação trazida, (art. 24° n°1 al. b) da LGT) tem na mira influenciar e incentivar o cumprimento voluntário das obrigações fiscais pelos responsáveis, enquanto manifestação do princípio da colaboração, da pontualidade e da boa fé.
Prende-se tal normativo com a necessidade de maximizar a garantia do efectivo cumprimento das obrigações tributárias, possuindo um carácter sancionatório com cariz preventivo ou repressivo, impedindo que o gerente ou administrador no exercício das suas funções cumpra premeditadamente outras obrigações, descurando as tributárias, sancionado condutas dolosas ou negligentes na gestão do património da sociedade com vista à dissipação do mesmo.
Os administradores e gerentes terão de demonstrar, quando em causa está a al. b) do n° art. 24° da LGT, não apenas que a empresa que geriam atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos (como a crise da sociedade mãe), que se esforçaram por ultrapassar, devendo enunciar as medidas, como se disse, os resultados das medidas implementadas, demonstrando, assim, que foram gestores diligentes.
Têm de demonstrar que a falta de fundos da sociedade executada para efectuar o pagamento de impostos não se deve a qualquer omissão ou comportamentos censuráveis da sua gestão.
Descendo, de novo, ao probatório, extrai-se da factualidade que ao longo do exercício da administração, os oponentes deixaram, como se disse já, avolumar as dívidas fiscais pois que se reportam a vários períodos de IVA de 2002 até 2006, bem como IRS, o que sucedeu pelo menos durante cinco anos consecutivos, isto é até ser requerida a insolvência da executada em 2006.
Os oponentes tinham o ónus de trazer aos autos factos que permitissem demonstrar que a sua actuação não foi idónea, segundo um juízo de causalidade adequada, à ocorrência da citada insuficiência patrimonial, o que não lograram, in casu, demonstrar quanto às dividas agora em análise, bastando-se em referir e apontar causas externas como a crise da [SCom03...] em 2002s.
Porém, cumpria-lhes provar que administraram a executada com a diligência adequada e necessária a preservar o património social ou pelo menos a evitar que ele se tomasse insuficiente para solver as dívidas fiscais, não bastando apenas alegar que foram diligentes e estão até insolventes.
"estamos perante uma presunção legal iuris tantum, pelo que a mesma só é susceptível de ser elidida por prova em contrário e não por mera contraprova. competindo, por isso. ao gerente fazer a demonstração, sem margem para dúvidas, de que o facto presumido não é verdadeiro, não lhe bastando a prova de circunstâncias que coloquem o julgador "em dúvida” Vide Acórdão TCAN de 09.02.2012, Proc. 00415/05.8 BEBRG
.
Era necessário que os oponentes tivessem demonstrando que, face às alegadas dificuldades que a sociedade enfrentava desde 2001, como a alegada crise da [SCom03...], agiram com a diligência própria de um bonus pater familiae, como um gerentes competentes e criteriosos, que demonstrassem que fizeram esforços, enunciando-os e provando os sucesso dos mesmos, no sentido de impedir a insuficiência ou o desaparecimento do património social, o que não sucedeu.
Consultando os factos provados, dão os autos conta de que as execuções fiscais, correspondem à cobrança coerciva dos tributos de 2002 até 2006, o que significa que, pelo menos desde aquelas datas, a devedora, da qual eram os oponentes administradores e tinham os comandos da mesma, vinham ao longo daqueles anos/meses a acumular passivo (2002, 2003, 2004, 2005 e 2006), o que impunha que não podendo pagar, tentasse recuperar a executada e se não conseguissem (como alegadamente tentaram em 2001), pedissem logo a insolvência da executada de modo a não frustrar credores, como o Estado, consoante decorre do CIRE.
Além disso, de modo geral as dívidas fiscais mais antigas são de montantes mais elevados e reportam-se a IVA (IVA de vários períodos de 2002 e 2003 - Cfr. Fls. 133/138 do processo físico, a titulo de exemplo), o que aponta no mesmo sentido de que a situação deficitária iniciada em 2002 se vinha mantendo (deficitária e com acréscimo de mais dividas fiscais que se sucederam nos vários períodos de IVA e IRS dos anos subsequentes até 2006) desde aquele ano 2002 em diante (e que se tinha iniciado, segundo o oponente em Fevereiro 2002) e sem ter sido adoptada uma medida como a insolvência, logo que se constatasse que a situação de Fevereiro de 2002 para 2003 se agravava ou não melhorava.
Por outro lado, não é de aplaudir o facto de privilegiarem como politica de sobrevivência acumular negativos, desde logo quando está em causa IVA que é receita retida do Estado, ou IRS retido, não podendo privilegiar-se credores em detrimento do Estado desde logo quando em causa está receita que é do próprio Estado como IVA e o IRS retido.
Como se disse no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, dizemos também nós
que: “A obrigação de entregar os impostos ao Estado é uma obrigação legal, mais relevante que a obrigação de pagar os salários aos trabalhadores ou que o pagamento das despesas correntes duma empresa.”- Cfr. Ac. TRG de 04.02.2013, Proc. n° 285/11.7IDBRG.G1.
O facto de terem optado, como espelha o probatório, por ir sobrevivendo acumulando 5 anos consecutivos de dividas ficais, como se vê do probatório, apenas evidencia que pretenderam acumular passivo e insistir numa situação económica difícil sem reverter, em vez de, ao constatar que não gerava receitas suficientes para pagar aos credores como o Estado, optar por encerrar a empresa ou fazer a apresentação à insolvência logo em 2002/2003 atento o passivo revelado nos autos e que foi acumulando.
Estabelece, com efeito, o art. 3° CIRE (na redacção á data) que: “é considerada em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas ” - cfr. art. 3° n° 1 CIRE.
Do n° 2 do mesmo normativo extrai-se que as pessoas colectivas (como sucedia com a devedora originaria) é considerada insolvente “...quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo... ”
Em sentido semelhante aponta o art. 20° do CIRE ao estatuir que o devedor pode pedir a sua insolvência desde que se verifique (entre outros) “Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses de dívidas de algum dos seguintes tipos: I) Tributárias; II) de contribuições para a segurança social... ”
Ora, entre 2002 e 2006, pelo menos, a empresa manteve-se em situação de acumulação sucessiva de dívidas fiscais, sendo a grande parte de IVA que recebe e tem de entregar ao Estado (a quem pertence), como se disse. Ora, ao não conseguir entregar este imposto que é do Estado (IVA), ou imposto sobre rendimento retido e não pagar aos trabalhadores (tendo os donos obra, consoante alegam, de reter dinheiro e pagar aos mesmos directamente), bem se evidencia o estado deficitário em que estava e no qual não deveria insistir, ou optar por se manter acumulando sucessivos resultados negativos para sobreviver durante todo aquele período de 2002 até insolvência em 2008.
Quanto a nós, temos por certo que, a diligência impunha não que os oponentes persistissem ao longo de pelo menos cinco anos consecutivos em manter uma empresa geradora de passivos e “insolvente” à luz do CIRE, optando por não pagar à administração fiscal, acumulando dívidas fiscais, como fez.
A prudência e o CIRE aconselhava a pedir a insolvência da sociedade logo que as dívidas fiscais, desde logo o IVA de 2002 (E/ou logo que vissem que não conseguiam pagar aos trabalhadores visto que os donos de obra se viram na obrigação de reter o valor dos salários que não era pago pela executada) não conseguisse ser pago. Ou seja, logo que constatasse que não conseguia fazer com que a empresa gerasse proveitos superiores aos custos de modo a poder cumprir as obrigações vencidas.
Deste modo, e no que tange à insuficiência do património e culpa na mesma, “não pode afirmar-se que o modo como geriu a empresa não concorreu para essa insuficiência, que não teve qualquer culpa na insuficiência patrimonial” Veja-se Acórdão TCAN de 09.03.2006, Proc. 00067/01.
Sanches, J.L. Saldanha, Manual de Direito Fiscal, 3a Edição, Coimbra Editora, 2007 (cf. a pág. 272).
Na verdade, enquanto administradores, optaram antes por manter a empresa que não cumpria as obrigações fiscais, activa ano após ano, com sucessivos prejuízos ou resultados negativos acumulados com estratégia de sobrevivência.
Não é sinónimo de gestão diligente a empregue pelos oponentes e por eles alegada.
Como se disse e repete, impunha-se logo o encerrar da empresa de forma a não acumular dívidas e insistir na sua sobrevivência apesar de “estrangulada” com dívidas fiscais, prejudicando credores como a Administração Fiscal.
De resto, à luz do art. 18° do CIRE ( e art. 3° e 20° do CIRE), atenta a situação da devedora originária desde 2002, era logo nesse ano que cabia à gestão apresentar (obrigatoriamente) a sociedade à insolvência.
Acresce notar que, o fundamento da norma aplicável à situação trazida, (art. 24° n° 1 al. b) da LGT) tem na mira influenciar e incentivar no cumprimento voluntário das obrigações fiscais pelos responsáveis, enquanto manifestação do princípio da colaboração, da pontualidade e da boa fé., como se disse já
Consoante também se disse supra, por via da responsabilidade que subjaz ao art. 24° n° 1 da LGT, que não perdemos de vista, pretende-se maximizar a garantia do efectivo cumprimento das obrigações tributárias, possuindo tal dispositivo legal um carácter sancionatório, com cariz preventivo ou repressivo, impedindo que o gerente ou administrador no exercício das suas funções cumpra premeditadamente outras obrigações, descurando as tributárias, sancionado condutas dolosas ou negligentes na gestão do património da sociedade com vista à dissipação do mesmo.
Saldanha Sanches3 defende, recorde-se, que: “ a razão porque a norma surge, particularmente no que diz respeito a administradores e gerentes, é bastante clara. É necessário garantir para estes um dever de conduta de modo a que não se verifique a sistemática preterição das obrigações para com o Estado, a favor de outros credores com maiores possibilidades de pressionar a empresa no sentido do cumprimento (em especial, em impostos retidos na fonte ou cobrados pela empresa, como o IVA). ”
Encontrando-se a sociedade administrada em dificuldade de satisfazer as dívidas dos seus credores, é usual a preferência em falhar nos pagamentos ao Estado, do que falhar aos credores privados, isto porque, se falhar o cumprimento junto dos credores privados, estes, por regra, interrompem o fornecimento. A relação com o Estado é unilateral e não pode reagir por estes meios, encontrando-se numa situação de fragilidade perante os demais credores.
A este respeito, no Acórdão do TCAN de 29.09.2009, Proc.00228/07.2BEBRG, sumariou-se o seguinte:
“II - Assim, sendo as dívidas provenientes de IVA, ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.
III - Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efectuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
IV - A dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente. “
Aqui volvidos, temos pois que, não conseguiram os oponentes afastar a presunção de culpa sobre os mesmos incidente, o que terá deve ser valorado contra os mesmos, determinando, por conseguinte, a sua legitimidade na instância executiva quanto aos tributos exequendos.»
Espelhada a fundamentação da sentença, verificamos exteriorizar uma correta enunciação dos factos, do quadro normativo e da jurisprudência a respeito da matéria e um irrepreensível juízo subsuntivo dos factos ao direito, razão pela qual a validamos e acompanhamos.
Por sua vez, perscrutadas as conclusões de recurso, nada detetamos que seja colocada em causa a fundamentação da sentença.
Na verdade, não obstante a conclusão pelo afastamento da culpa na falta de pagamento, em termos factuais, os Recorrentes, apenas, invocam que «[f]ace ao aparecimento das primeiras dificuldades financeiras apresentadas pela sociedade devedora, enquanto sociedade integrante do grupo empresarial GRUPO "A"..., os recorrentes empenharam-se num plano de recuperação financeira com a celebração de acordo com sindicato financeiro mediante a concessão de empréstimos garantidos pessoalmente pelos recorrentes, e a entrada de um novo administrador proposto por aquele sindicato com as funções de “Chief Financial Officer (CFO), e a quem cabia ser o responsável principal pela área financeira do GRUPO "A"..., incluindo as áreas de planeamento, organização e auditoria do Grupo» [conclusão 14)].
Quanto a esta alegação dizemos que, ao contrário do que afirmam, as condições e os termos do acordo celebrado a 18.10.2001, não indiciam que foi realizado perante o aparecimento das primeiras dificuldades das empresas do GRUPO "A"..., mas do confronto com uma situação já, à altura, grave, resultado de acumulação de dívidas, daí os montantes envolvidos e as garantias exigidas, sendo que quanto a estas nada há que indicie que tenham sido prestadas voluntariamente. Por outro lado, nada se deteta relativamente ao alegado empenho dos Recorrentes na celebração do documento.
E, em reforço do plasmado na sentença, afirmamos que, não obstante o recebimento dos 11 milhões concedidos pelo “Sindicato Financeiro” às empresas e aos acionistas do GRUPO "A"..., entre os quais, respetivamente, a sociedade executada, enquanto agrupada, e os ora Recorrentes, a verdade é que não foi alegado, logo, não resultou provado, quais os concretos montantes alocados para devedora originária e quais as concretas medidas levadas a cabo pelos opoentes por utilização desse dinheiro, ou sequer por outra via, na sociedade executada, de modo a evitar o agravamento nos anos posteriores, aqui em causa, da sua situação patrimonial e que veio a culminar com o incumprimento no pagamento das dívidas e com a declaração de insolvência a 18.11.2008.
Ora, conforme se assinala na sentença, a sociedade executada, gerida pelos opoentes, foi acumulando dívidas ao longo dos anos de 2002 a 2006, não se detetando, pois, a existência de quaisquer medidas para reverter a situação, face à alegada crise da [SCom03...] e diante a situação de incumprimento, designadamente através da redução de custos com o pessoal, procura de novos mercados ou clientes e/ou pedidos de celebração de acordos de pagamento.
Daí que, reforça-se, mereça, ainda, acolhimento o entendimento vertido na sentença no sentido de que os opoentes deviam ter optado por encerrar a empresa ou fazer a sua apresentação à insolvência, logo, nos anos de 2002 ou 2003, de modo a evitar o incumprimento verificado e a acumulação de dívidas. Este, sim, seria o comportamento adequado de uns gerentes diligentes, colocados nas mesmas circunstâncias que os oponentes, como pretendeu o legislador ao prescrever que «[o] devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la». [art. 18.º, n.º 1, do CIRE, também referido na sentença], prescrição que, aliás, encurta o prazo que vinha já determinado no art. 6.º do CPEREF com o sentido de que «[l]ogo que falte ao cumprimento de uma das suas obrigações, nas circunstâncias descritas na alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º, deve a empresa, dentro dos 60 dias subsequentes, requerer a sua declaração de falência, salvo se, tendo razões bastantes para o fazer, optar pelo requerimento da providência de recuperação adequada.»
Alegam, ainda, os Recorrentes que nos termos do Acordo resultou «a entrada de um novo administrador proposto por aquele sindicato com as funções de “Chief Financial Officer (CFO), e a quem cabia ser o responsável principal pela área financeira do GRUPO "A"..., incluindo as áreas de planeamento, organização e auditoria do Grupo.»
Conforme já se deixou dito, em sede do conhecimento da impugnação a matéria de facto, os Recorrentes nunca alegaram que o clausulado no acordo foi concretizado e nem tal se pode extrair da certidão da matrícula junta aos autos, aliás, da qual, como supra referido, constam como administradores os ora Recorrentes até à insolvência da sociedade executada, por um lado; e não alegam os Recorrentes qual o específico benefício que teria resultado dessa nomeação, por outro, pelo que esta alegação se mostra completamente imprestável para sustentar a pretensão dos Recorrentes quanto ao afastamento do pressuposto em exegese.
Importa, ainda, salientar que, sobre os gerentes e administradores das sociedades, impende o dever de diligência de um gestor criterioso e ordenado, previsto no art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais, o qual integra os deveres de cuidado e lealdade.
O dever de cuidado consiste, em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 1, daquele preceito, no dever de controlo e vigilância organizacional e funcional da sociedade, enquanto o dever de lealdade se traduz na obrigação de ter exclusivamente em vista os interesses da sociedade, procurando satisfazê-los.
Em jeito de conclusão e em consonância com o tribunal a quo, dizemos que não lograram os opoentes comprovar que, através de um comportamento diligente, tomaram as providências adequadas e necessárias ao normal exercício da sociedade executada e na prossecução do seu objeto social, evitando com esse comportamento diligente que a sociedade viesse a incumprir com as suas obrigações fiscais.
Daí que, não tendo os oponentes provado a ausência de culpa na falta de pagamento, improcedem, pois, as conclusões de recurso neste segmento.
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Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e, nessa sequência, manter a sentença recorrida.
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Nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC., formula-se o seguinte SUMÁRIO:
I – Quando as conclusões de recurso não contenham os mesmos fundamentos que as antecedentes alegações, o tribunal de recurso não pode conhecer o objeto do recurso nessa parte.
II - Uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do ato; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do ato, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.
III - Como vem afirmando a jurisprudência e a doutrina, o ato encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática, sendo que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada, não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a ATA fundamenta a alegação relativa ao exercício efetivo das funções do gerente revertido.
IV – Será de considerar um comportamento adequado de uns gerentes diligentes, colocados nas mesmas circunstâncias que os oponentes, apresentar a sociedade executada à insolvência, como pretendeu o legislador ao prescrever que «[o] devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la». [art. 18.º, n.º 1, do CIRE], prescrição que, aliás, encurta o prazo que vinha já determinado no art. 6.º do CPEREF com o sentido de que «[l]ogo que falte ao cumprimento de uma das suas obrigações, nas circunstâncias descritas na alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º, deve a empresa, dentro dos 60 dias subsequentes, requerer a sua declaração de falência, salvo se, tendo razões bastantes para o fazer, optar pelo requerimento da providência de recuperação adequada.»
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V – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e, nessa sequência, manter a sentença.

Custas pelos Recorrentes, sem prejuízo da proteção jurídica de que beneficiem.

Porto, 27 de março de 2025


Vítor Salazar Unas
Cláudia Almeida
Maria do Rosário Pais