Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00008/23.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/16/2025
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:OPOSIÇÃO;
ANULAÇÃO DA DÍVIDA;
Sumário:
I – Não ocorre em violação do caso julgado se a AT emitiu novas liquidações mantendo os valores apurados através de métodos diretos, parte em que as liquidações originais não foram impugnadas nem anuladas.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. «AA» e esposa «BB», devidamente identificados nos autos, vêm recorrer da sentença proferida em 14/05/2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pela qual foi julgada improcedente a oposição que deduziram à execução fiscal nº ................216, contra eles instaurada para cobrança de IRS e juros compensatórios dos anos de 1999 e 2001.
1.2. Os Recorrentes terminaram as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
« - No TAFV, foi proferida sentença de 20.12.2013 na ação 4709/2004 interposta pela AT contra o ali R. marido, ora apelante, julgando-a improcedente com base na ausência de fundamentação de factos capazes de justificarem o iter processandi de que aquela se socorrera para lançar mão dos métodos indiretos, dando-se ali por prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados, sobretudo das liquidações exigidas com base nos métodos diretos.
- Dela recorrera a AT para o TCAN, sem êxito, pois ali, por douto Ac. de 16.04.2015, acabou por resolver-se a questão decidenda sem deixar por resolver nenhuma das dúvidas vindas de suscitar no Tribunal a quo, cf sentença de 14.04.2023.
- Deixou-se ali incólume o leitmotif que se discutira naqueles autos, mantendo-se a total improcedência do interposto recurso, não se vendo qualquer indício de que pudesse assistir à AT o direito de cobrar aos ora Rectes o valor que ela própria fixara alegadamente com base em meios diretos, quer porque desse valor não tomara conhecimento na 1ª sentença do TAF, vd 5ª e 6ª linhas do 1º item, quer no caso dos autos, pois em parte alguma do douto Ac TCAN in Proc. 4709/04 fora reconhecido à AT, o direito às liquidações de que a mesma se arrogara.
- A sentença de que se apela não pode manter-se no que respeita à fixação das quantias dadas à execução com base nos métodos indiretos, pois o recurso interposto pela AT da sentença proferida no TAFV, em 20.12.2013, vd infra 5º item, veio a ser julgado improcedente no TCAN, pelo que a pretensão da AT deveria ter-se logo indeferido, o mesmo se dizendo da sentença que antecede, inquinada que se mostra pela nulidade prescrita no 615º-1.d) do CPC, por ter conhecido de questões que não tinha de conhecer e não ter conhecido de outras questões de que deveria ter conhecimento, com violação, ainda, do caso julgado que fez o douto Ac. TCAN.
- Embora esta superior instância recursória só tivesse restringido a base que suportara a condenação dos ali Rdos e ora Rectes no tocante aos valores calculados com base nos métodos indiciários, não deixou de levar em conta a ausência de documentação atinente à prova dos factos a que a entidade ali recorrente se ativera, sobretudo, no pleno conhecimento das “regras de vida” de conjugação com a força emergente dos documentos juntos aos autos.
- Os quais são prova cabal de que o cálculo dos proventos que a AT assacara ao Rdo/apelante não cumpriam com a Lei nem com a verdade, ou seja, o critério de pretensa avaliação dos imputados lucros por meios alegadamente diretos tinham sido fixados a granel pela AT - vd.,p.f., sentença TAFV de 20.12.2013 e Ac. TCAN de 10.04 2015 - não se mostrando comprovados nos termos dos arts 393º e 394º do CC.
- À AT está vedado por lei e pelo teor e alcance do Ac TCAN repescar o perdido ensejo de exigir dos apelantes valores que lhes foram recusados há mais de duas décadas decorridas sobre os factos, mais de 12 anos, desde a prolação da sentença proferida no TAFV e mais de 8 anos desde a prolação do preclaro Ac. TCAN.
- Os valores exigidos pela AT aos Rectes, cotejados com os factos provados nas referidas peças, não eram nem são compatíveis com os elementos que lhes diziam respeito, vd, p.f. a 1ª sentença do TAFV e o douto Ac TCAN donde se vê que o recurso então interposto pela A. improcedente, de forma expressa, minuciosa e muito clara, quer no tocante ao critério direto quer ao indireto.
9ª- Absolvendo os ali apelados e ora apelantes, por um lado, e sendo explícita, por outro, a motivação fático-jurídica balizada no douto Ac TCAN, mostram-se tácita e exaustivamente abrangidas as razões subjacentes à pretensão da AT, com repercussão na sentença de que se apela, sobretudo quando ali se brandem fundamentos arredados da lei e da verdade, atentando, ainda, contra a força e autoridade que emanam do caso julgado que fizera o douto Ac. TCAN, cuja abrância se mantém por a pretensão da AT ser precisamente a mesma que sustentara as doutas peças referidas no 5º it. das alegações.
10ª- Está ainda vedado à AT extrair conclusões de natureza diversa das prolatadas naquelas duas decisões judiciais, restrição essa que abrange a ratio legis em que o Mmo Juiz a quo fez assentar fundamentou a decisão ora recorrida, não conhecendo de questões que deveria ter conhecido que conhecendo doutras que não devia nem podia conhecer, com violação dos arts 615º-1.d) e 608º, CPC, e menos, ter alterado a decisão apelada na parte em que o Ac TCAN, ao final do acórdão supra-referido no 6º item das alegações, entendera e decidira não ser de alterar.
11ª- A AT também não demonstrou as razões pelas quais concluira não ser possível quantificar de forma directa e exacta a matéria tributável, não esgotando os meios de que dispunha para determinar a real situação tributária do impugnante, não cumprindo, pois, tal onus probandi, pelo que outra não poderia ter sido a douta decisão prolatada no Ac TCAN.
12ª- Ocorre, ainda, erro nos pressupostos de facto e na quantificação da matéria pretensamente tributável com base nos métodos diretos, que não se tendo provado à partida nem ao longo do processo, veio a decidir-se pela sua anulação, tanto na 1ª instância como no Vnrdo TCAN, estando-lhe, pois, vedado, cf pag. 169º- vº deste douto Aresto, rebuscar questões e argumentos que, além de novos, são falsos, razão porque não tendo sido alegados na altura própria, já há muito que lhes teria caducado e prescrito o eventual direito a que a AT se arroga.
13ª- A prova a que se alude a pág.174 do Ac TCAN respeita ao cumprimento do ónus que recai sobre o contribuinte que é alvo de tributação por métodos indirectos, ali se deixando muito claro que “ao contrário do que parece defender o representante da F.P., a lei não restringe a prova do excesso na quantificação a qualquer meio específico. Pelo contrário, neste caso como em muitos outros, são admitidos os meios gerais de prova como dispõe o 115º- 1, PPT”.
14ª-A pág.176º-vº, in penúltimo e antepenúltimo §s do douto Ac TCAN, questiona-se “se o aqui apelante marido conseguira demonstrar a ocorrência de erro manifesto ou excesso na quantificação da matéria tributável..”, logo ali acrescentando que “estamos em crer que sim, tendo em conta a prova fixada nos factos 7,8,9 e 11.”
15ª- Deixando-se ainda ali exarado, vd pág.177 do mesmo douto Aresto, que, no tocante à pretensa cobrança por métodos diretos :“Podemos, portanto, concluir de forma segura que o impugnante demonstrou com sucesso ter havido excesso na quantificação da matéria tributável, pelo que as liquidações enfermam de ilegalidade. Não porque a AT não tenha fundamentado a quantificação, como, a determinado passo, diz o MM º Juiz a quo, mas sim porque o impugnante logrou provar que tal quantificação foi excessiva, pelo que, assim, o recurso (o então interposto pela AT) não pode proceder.
16ª - Ficou também ali assente que, atentos os termos vindos de transcrever por alto, exarou-se em Conferência que o recurso então interposto pela AT não procedera, assim se sublinhando que a situação pretensamente ajuizanda é a mesma que já lhes era exigida no primitivo processo, agora agravada por juros e demais alcavalas que jamais poderão ajuizar-se nesta altura.
17ª- E muito menos quando, segundo o Mmo Juiz a quo, com alegado alicerce nos chamados método diretos, que, todavia, não vemos onde aqueles pudessem integrar-se, sendo certo que, os mesmos só poderiam comprovar-se, quando muito, numa ótica meramente imaginária, mediante ação declarativa, que, porém, só poderia ter sido instaurada após o trânsito do douto Ac TCAN de 10.04 2015, hipótese muito remota, diga-se, atenta a forma superior como se mostram dissecadas e definitivamente resolvidas todas as questões que ora se pretenderiam ressuscitar.
18ª -De resto, não se apercebera o Mmo Juiz a quo de que o duplo efeito da autoridade e força do caso julgado que do referido Aresto exsurge, só por si, já obstariam à procedência da pretensão da AT, sob pena de estarmos a querer decidir de uma causa já decidida e transitada num Tribunal superior, mostrando-se, pois, a hipotisada deriva inquinada por uma leitura e interpretação deficientes, passando inadvertidamente por cima de um douto Aresto desde há muito transitado, ainda por cima quando inexiste nos autos mínima prova de que a AT houvesse reclamado do mesmo ou dele houvesse interposto Revista excecional.
19º. Aliás, também os valores pecuniários exigidos aos aqui apelante pela A - do seu cotejo com os factos provados no respetivo processo - não eram sequer compatíveis com os alegados elementos que lhes diziam respeito, nem tão pouco, também por aí, com as “regras de vida”, tudo como se mostra hialinamente dissecado no douto Acórdão que veio a julgar de todo improcedente o recurso ali interposto.
20ª - Estando, pois, vedado à AT extrair conclusões de natureza diversa com base numa interpretação deficiente ou, pelo menos, sdr, desfocada da verdadeira essência que nos autos se discute, pormenor de que o Mmo Juiz a quo também não se apercebera, obliterando-se o sentido, a ratio e a dupla abrangência do douto Aresto prolatado no TCAN, o que sempre obstaria a que a AT pudesse colher ilações que, a serem aceites, violariam a própria essência do ali decidido.
Nestes termos e melhores de direito que Vossas Excelências, estamos certos, não deixarão de suprir, se tal for o caso, deverá revogar-se a douta sentença recorrida e, em consequência, declarar-se que a pretensão da AT - perante o trânsito da primitiva sentença do TAF e do douto Ac TCAN - não poderá voltar a ser ajuizada com base no mesmo pedido e na mesma causa de pedir, tanto mais que a pretensa condenação parcial dos Rectes - alegadamente calculada com base em métodos pretensamente diretos, mas não comprovados, como exsurge do douto acórdão em mérito Ac TCAN - não pode mais manter-se, como V.as Excelências não deixarão de ver e decidir sempre melhor.».

1.3. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4. O EPGA junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer, concluindo pela improcedência do recurso.
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Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao concluir que a dívida exequenda não foi anulada no âmbito do processo de impugnação nº 4709/2004, em violação do caso julgado e decidido.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A. No dia 03 de julho de 2003, o serviço de finanças de ... instaurou o processo executivo n.º ................216, no valor total de € 29.452,14, dos quais €24.005,14 são referentes a IRS de 2001, e €431,23 aos respetivos juros compensatórios, a que corresponde o documento número .....607, e € 4.331,30 são referentes a IRS de 1999, e € 684,47 aos respetivos juros compensatórios, a que corresponde o documento n.º .....608 (facto não controvertido; cf. Contestação(246366) Contestação (004880822) Pág. 5 e 6 de 14/02/2023 08:47:43, Petição Inicial (245301) Documentos da PI (004871715) Pág. 1 a 3 de 05/01/2023 19:52:07);
B. No dia 03 de julho de 2003, foi emitido o ofício "aviso-citação", endereçado ao Oponente, cujo aviso de receção foi recebido no dia 05 de setembro de 2003, no âmbito do processo 2542-030/100321.6, referente à dívida no valor de € 29.452,14, dos quais € 24.005,14 são referentes a IRS de 2001, e €431,23 aos respetivos juros compensatórios, a que corresponde o documento número .....607, e € 4.331,30 são referentes a IRS de 1999, e € 684,47 aos respetivos juros compensatórios, a que corresponde o documento n.º .....608 (facto não controvertido; Petição Inicial (245301) Documentos da PI (004871715) Pág. 4 a 6 de 05/01/2023 19:52:07);
C. No dia 20 de dezembro de 2013, no âmbito do processo 4709/04, que correu termos no presente tribunal, foi emitida decisão da qual consta, entre o mais, o seguinte:
"I - Relatório
«AA» (...) vem deduzir impugnação judicial tendo por objeto as liquidações adicionais de IRS com o n.º ......992, no montante de € 5.015,77, referente ao exercício de 1999, sendo de IRS € 4.331,30, e de Juros compensatórios €684,47, e n.º ........818, no montante de € 24.436,37, sendo de IRS € 23.934,53 e de Juros Compensatórios € 501,84, referente ao exercício de 2001.
(...)
III - Fundamentação de facto (...)
1. Com data de 17/07/2002, foi elaborado "Relatório de inspeção tributária", por referência ao impugnante, com o seguinte teor: cfr. fls. 21 a 52 do PA anexo aos presentes autos, que se dão por integralmente reproduzidas como as demais que abaixo se referenciam:
"(...) III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritmética à matéria tributável
3.1 - Exercício de 1999
3.1.1 - IVA
(....) Assim, o s.p. deduziu imposto em duplicado no montante de €291,16.
No período de 9912T, o sp mencionou no campo 40 da DP o valor de € 376,83, para o qual não existe suporte documental, pelo que será corrigido o imposto deduzido no montante de € 376,83.
(...)
3.3 - Exercício de 2001
3.3.1 - Correções IVA e IRS
3.2.1.1
(...) Ao não registar a factura n.º 15, quando o deveria ter feito, o s.p. afetou negativamente os proveitos declarados bem como o IVA a liquidar, nos montantes respetivos de 3.920.000$00 (€19.552,88) e 666.400$00 (€3.323,99), que são agora objeto de correção. (...)
3.2.1.2
Relativamente à factura n.º 17 (datada de 31/07/2001) foram declaradas prestações de serviços no valor de 250.000$00 e liquidado IVA no montante 42.500$00, o que está conforme o duplicado pertencente à escrita do s.p. que evidencia "Serviços Diversos a Clientes" efectuados em "Clientes diversos". Contudo, da contabilidade da cliente [SCom01...] Unipessoal, Lda. (NIPC ...04), consta o original da factura n.º 17, com outros valores, prestação de serviços no valor de 2.818.000$00 e IVA liquidado no valor de € 47.060$00 (datada de 19/12/01). (...) Assim, a prestação de serviços será corrigida em 2.818.000$ $00 (€14.056,12) e o IVA a liquidar em 479.060$00 (€2.389,54)
IV Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
(...)
V critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
(...)
5.1.1.2 - Outros casos
Conforme o descrito e corrigido no ponto III deste relatório (...) a prestação de serviços omitida no valor de 1.051,40$00 - € 5.244,41.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
5. Com data de 12/03/2003, a Administração Fiscal procedeu à liquidação adicional de IRS referente ao ano de 1999, com o n.º .......992, no montante de € 5.015,77, cuja data limite de pagamento era de 30/03/2003 - cf. fls. 22 dos autos. 6. Com data de 31/12/2002, a Administração Fiscal procedeu à liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2001, com o n.º ...18, no montante de € 24.436,37, cuja data limite de pagamento era de 19/02/2003 - cfr. fls. 23 dos autos. (....) V - Decisão Pelo exposto, decide-se julgar a presente impugnação procedente, por provada e, em consequência, anula-se a liquidações adicionais de IRS impugnadas, na parte respeitante à determinação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos. Custas pela Fazenda Pública, sem prejuízo de eventual isenção de que beneficie."
(facto não controvertido; Petição Inicial (245301) Petição Inicial (004871714) Pág.4a36de05/01/2023 19:52:06);
D. No dia 14 de abril de 2015, foi proferido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, do qual consta, entre o mais, que se negou provimento ao recurso e com outros fundamentos, se confirmou a sentença recorrida, tendo a decisão transitado em julgado (facto não controvertido; Petição Inicial (245301) Petição Inicial (004871714) Pág. 37 a 82 de 05/01/2023 19:52:06);
E. No dia 15 de novembro de 2016, no âmbito do processo executivo n.º ................216, realizou-se a anulação n.º ...42, referente à dívida ....................608.1, com motivo em declaração fiscal de substituição, no valor de €5.015,77, dos quais €4.331,30 respeitam à anulação de imposto e €684,47, respeitam a juros compensatórios (facto não controvertido; Contestação (246366) Contestação (004880822) Pág. 5 e 6 de 14/02/2023 08:47:43);
F. No dia 05 de novembro de 2018, no âmbito do processo executivo n.º ................216, realizou-se a anulação n.º ...44, referente à dívida ...................607.1, com motivo em declaração fiscal de substituição, no valor de € 16.646,60, dos quais € 16.215,37 respeitam à anulação de imposto e €431,23, respeitam a juros compensatórios (facto não controvertido; Contestação (246366) Contestação (004880822) Pág. 5 e 6 de 14/02/2023 08:47:43).
Factos não provados
Compulsados os autos e analisada a prova que dos mesmos consta não existem quaisquer outros factos, atento o objeto do litígio, com relevância para a decisão da causa.
Motivação
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos meios de prova indicados em cada facto julgado provado, designadamente dos documentos juntos aos autos, de cujo teor se extraem os factos provados, e, bem assim, na parte dos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, se encontram corroborados pelos documentos identificados em cada um dos factos.
A restante matéria de facto alegada não foi julgada provada ou não provada, por constituir alegação de factos conclusivos, matéria de direito ou por se revelar inútil ou irrelevante para a decisão da causa.».

3.2. DE DIREITO
Os Recorrentes não se conformam com a decisão do Tribunal a quo, por entenderem, em síntese resumida, que a dívida exequenda foi anulada no âmbito do processo de impugnação nº 4709/2004.
Vejamos, antes do mais, a fundamentação jurídica acolhida na sentença recorrida:
«(…)
Os Oponentes vieram invocar a inexistência de dívida, a prescrição e a caducidade da dívida exequenda, por considerarem que a dívida subjacente, referente a IRS de 1999 e 2001, foi anulada por sentença transitada em julgado e face ao decurso de tempo.
Cumpre apreciar e decidir.
Decorre da matéria de facto que o Oponente apresentou impugnação judicial relativamente às liquidações adicionais de IRS com o n.º ......992, no montante de €5.015,77, referente ao exercício de 1999, sendo de IRS € 4.331,30, e de juros compensatórios €684,47, e com o n.º ........818, no montante de € 24.436,37, sendo de IRS €23.934,53 e de juros compensatórios € 501,84, referente ao exercício de 2001 (cf. alínea A) a C) da matéria de facto provada).
E que no dia 20 de dezembro de 2013, foi proferida decisão pelo tribunal administrativo e fiscal de Viseu que decidiu julgar a impugnação procedente, por provada e, em consequência, anular as liquidações adicionais de IRS impugnadas, na parte respeitante à determinação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos (cf. alínea C) da matéria de facto provada).
Tal decisão veio a ser confirmada no dia 14 de abril de 2015, por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, do qual consta, entre o mais, que se negou provimento ao recurso e, com outros fundamentos, se confirmou a sentença recorrida, tendo a decisão transitado em julgado (cf. alínea D) da matéria de facto provada).
Donde resulta que a legalidade da dívida foi apreciada por decisão transitada em julgado, na qual se determinou a anulação da liquidação na parte respeitante à determinação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos.
Sendo certo que, conforme se pode verificar da análise da matéria de facto constante da sentença supra referida, as liquidações impugnadas contemplam correções meramente aritméticas à matéria coletável que não foram objeto de anulação, isto é, que se mantiveram na ordem jurídica.
Ora, nessa sequência, no dia 15 de novembro de 2016, no âmbito do processo executivo n.º ................216, realizou-se a anulação n.º ...42, referente à dívida ....................608.1, com motivo em declaração fiscal de substituição, no valor de € 5.015,77, dos quais € 4.331,30 respeitam à anulação de imposto e € 684,47, respeitam a juros compensatórios (cf. alínea E) da matéria de facto provada).
E, por fim, no dia 05 de novembro de 2018, no âmbito do processo executivo n.º ................216, realizou-se a anulação n.º ...44, referente à dívida ...................607.1, com motivo em declaração fiscal de substituição, no valor de €16.646,60, dos quais € 16.215,37 respeitam à anulação de imposto e €431,23, respeitam a juros compensatórios (cf. alínea F) da matéria de facto provada).
Donde decorre que foram praticados os atos de execução da sentença anulatória, tendo sido anulados os montantes de €5.015,77 e €16.646,60, no montante total de €21.662,37, face ao montante inicialmente em cobrança de €29.452,14.
Tal atuação decorreu do artigo 100.º da LGT que determina que, anulado judicialmente um ato tributário, fica a administração obrigada a reintegrar a ordem jurídica violada pelo ato considerado ilegal, reconstituindo a situação atual hipotética que presumivelmente existiria se a ilegalidade não tivesse sido praticada.
Note-se que não consta dos autos que tenha sido apresentada qualquer ação de execução de julgado ou impugnação judicial referente à declaração de substituição que determinou a anulação parcial da dívida exequenda.
Nesta matéria, a jurisprudência tem vindo a defender que "Nas situações em que o vício do ato de liquidação seja parcial, designadamente por, apesar de devido, o tributo ter sido liquidado em excesso, a anulação deve ser parcial já que o vício afeta apenas uma parte da decisão. Nestes casos, a execução do julgado passa por mera correção do ato, na parte anulada." (Vide Acórdão do TCAN de 11 de março de 2021, processo 01076/07.5BEBRG, disponível em www.dgsi.pt).
Em suma, não vemos que se verifique a inexistência de título executivo, porquanto a manutenção parcial das liquidações impugnadas decorre diretamente do trânsito em julgado da sentença e subsequente acórdão supra referidos.
Por outro lado, é manifesto que, na ação de impugnação judicial, apresentada após a citação em sede de processo executivo, não foi declarada a prescrição ou caducidade das liquidações em causa nos presentes autos.
E como é pacífico e reiteradamente declarado pela jurisprudência superior, a citação obsta a que o novo prazo prescricional (re)comece a correr até ao termo do processo de execução fiscal (Vide Acórdãos do STA de 26 de maio de 2021, processo n.º 0518/20.9BELLE, de 13 de janeiro de 2021, processo n.º 02496/19.8BEBRG, de 09 de dezembro de 2021, processo n.º 0384/21.7BEVIS, e de 26 de janeiro de 2022, processo n.º 0973/21.0BEBRG, disponíveis em www.dgsi.pt).
Veja-se o referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de maio de 2021, que explicita que "é legal a aplicação do regime consagrado no artº.327, nº.1, do C.Civil (normativo aplicável "ex vi" do artº.2, al.d), da L.G.T.), face ao acto interruptivo que se consubstancia na citação em processo de execução fiscal, o qual ostenta um efeito duradouro derivado do novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo que no processo de execução fiscal também a declaração em falhas, prevista no artº.272, do C.P.P.T., se deve equiparar à dita decisão que põe termo ao processo."
Tal efeito interruptivo duradouro determina que não se verifique a prescrição do imposto em face da citação ocorreu em 05 de setembro de 2003 e cuja cobrança coerciva aguardou pelo trânsito em julgado da ação de impugnação.
Por fim, no mesmo sentido, não tendo sido declarada, na ação de impugnação supra referida, a caducidade do direito à liquidação do imposto e juros compensatórios, tal matéria encontra-se definitivamente julgada.
E, nesta matéria, ainda que se entenda ter ocorrido um novo ato relativo à parte não anulada, consideramos que o mesmo segue o regime da reforma de ato administrativo, mais concretamente de sanação de um vício de violação de lei, eliminando ou substituindo a parte afetada pela ilegalidade.
Tal reforma, determinada por sentença, tem efeito retroativo e reporta-se à data da liquidação inicial cujo conteúdo se mantém na parte que não foi objeto de anulação.
Donde decorre que não pode o ato que expurga a ilegalidade parcial declarada por sentença estar ferido de caducidade do direito à liquidação dado que não foi declarada tal caducidade relativamente ao ato reformado, que foi, assim, considerado notificado dentro do prazo de caducidade, o que, em todo o caso, facilmente se afere pela data de citação supra referida.
Neste sentido vide jurisprudência superior quando afirma que "A existência de uma “liquidação corrigida”, ou seja, de uma liquidação em que os serviços competentes da AT procedem à correcção de anterior acto da mesma natureza, por efeito de sentença , não releva para se assumir a eventual ultrapassagem do prazo de caducidade, porque o momento a atender deve ser o da emissão da liquidação inicial e não a data do acto que a corrija" e que "De outro modo ficaria a Administração tributária, uma vez reconhecida administrativamente a ilegalidade (parcial) daquela liquidação, impossibilitada de concretizar a revisão ou reforma do acto de liquidação anteriormente praticado e reconhecidamente ilegal, sendo essa revisão ou reforma favorável ao contribuinte" (Vide Acórdão do TCAN de 21 de março de 2019, processo 00829/16.8BEPRT, disponível em www.dgsi.pt).
Em face do exposto, não se verifica a inexistência, prescrição ou caducidade dos montantes em dívida, todos subjacentes à dívida exequenda parcialmente anulada, devendo manter-se a execução, com as devidas e legais consequências.» - fim de transcrição.
Como facilmente se percebe do teor do ponto C do probatório, os Recorrentes foram alvo de uma ação de inspeção tributária que resultou na emissão de liquidações adicionais, com fundamento em (i) métodos diretos (cfr. ponto III do Relatório da Inspeção Tributária) nas importâncias de 291,16€ (imposto deduzido em duplicado), 376,83€ (custo sem suporte documental), no ano de 1999, e de 19.552,88€ (omissão de registo da fatura nº 15) e 14.056,12 (correção da prestação de serviços titulada pela fatura nº 17), no ano de 2001, e (ii) métodos indiretos, apurando-se os volumes de negócios omitidos, em 3.763.332$00, ou seja, 18.771,42€ e 15.184.732$00, ou seja, 75.741,12€, respetivamente, para os anos de 1999 e 2001.
Os Recorrentes impugnaram as liquidações de IRS e juros, referentes aos mencionados anos de 1999 e 2001, mas apenas na parte relativa às correções operadas através de métodos indiretos. Tal é o que se pode concluir da súmula da pretensão então deduzida que consta do preâmbulo da sentença proferida no respetivo processo de impugnação, que correu termos sob o nº 4709/2004.
Menciona-se na sentença proferido na identificada impugnação judicial o seguinte:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)».
Temos, portanto, como evidente que o Recorrente apenas impugnou parcialmente as liquidações de IRS dos anos de 1999 e 2001, na parte respeitante aplicação de métodos indiretos.
E foi também nessa exata medida que as liquidações foram anuladas, como resulta clarividente do segmento decisório da sentença proferida no processo de impugnação, cujo teor é o seguinte:
«(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida]».
Assim sendo, uma vez que as liquidações apenas foram impugnadas na parte em que os rendimentos foram determinados através de métodos indiretos, tornaram-se caso resolvido na parte remanescente, isto é, na parte em que os rendimentos sujeitos a imposto foram apurados por métodos diretos.
E, por lógica consequência, também o acórdão deste TCAN de 14/04/2015 cingiu a sua análise à (in)verificação dos pressupostos para aplicação dos métodos indiretos e ao excesso na quantificação dos rendimentos apurados através desta metodologia, mantendo a sentença recorrida, ainda que com outra fundamentação, que, como já realçámos, determinou a anulação das liquidações «na parte respeitante à determinação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos».
Em suma, não sofre qualquer dúvida que o Recorrente marido apenas impugnou as liquidações na parte em que o rendimento tributável foi determinado com recurso a métodos indiretos, pelo que as liquidações consolidaram-se no ordenamento jurídico na parte não impugnada.
E, por assim ser, não se mostra afetado o caso julgado, nem pela AT, ao proceder à anulação parcial das liquidações impugnadas e ao emitir liquidações de substituição em conformidade com o julgado, nem pelo Tribunal a quo.
Em conformidade, mais não resta do que negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, com a presente fundamentação.
*
Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – Não ocorre em violação do caso julgado se a AT emitiu novas liquidações mantendo os valores apurados através de métodos diretos, parte em que as liquidações originais não foram impugnadas nem anuladas.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, com a presente fundamentação.

Custas a cargo dos Recorrentes, que aqui saem vencidos, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Porto, 16 de janeiro de 2025

Maria do Rosário Pais – Relatora
Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos – 1ª Adjunta
Vítor Domingos de Oliveira Salazar Unas – 2º Adjunto