Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00187/20.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/31/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rosário Pais
Descritores:FATURAS FALSAS; ÓNUS DA PROVA; PRINCÍPIOS DO INQUISITÓRIO E DA VERDADE MATERIAL
Sumário:I - Sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação – artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.

II - No âmbito do procedimento inspetivo, a AT deve observar os princípios do inquisitório e da verdade material consagrados nos artigos 58º da LGT e 6º do RCPITA, sob pena de ocorrer um défice instrutório que inquina os atos subsequentes e determina a anulação do ato final de liquidação.*
* Sumário elaborado pela relatora
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. RJ., Lda., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 17.11.2021, pela qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação judicial por si apresentada, mantendo-se válidas as liquidações de IVA e IRC relativas a 2016 e 2017 e juros compensatórios respetivos.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«I- A Recorrente insurge-se apenas contra o segmento da sentença que manteve válidas as liquidações de IVA e IRC, relativas aos anos de 2016 e 2017, e respetivos juros compensatórios, no valor de €24.334,09, nenhum reparo merecendo, em seu entender, a parte da sentença que anulou as liquidações de IVA e IRC do ano de 2015.
II- Ao decidir pela manutenção das liquidações de IVA e de IRC dos anos de 2016 e 2017, o Tribunal «a quo» errou na avaliação dos factos.
III- A douta sentença recorrida considerou como não provados, factos que deveriam ter sido dados como provados, a saber:
“A) Os serviços de corte e costura de calçado descritas nas faturas emitidas nos anos de 2016 e 2017 a que alude o ponto 5) foram prestadas pelo CA. à Impugnante.
B) A CA. alterou a sede da empresa para (...), continuando a laborar.
C) Entre 2016 e 2017 a estrutura que a CA. detinha permitia-lhe aceitar e entregar encomendas de corte e costura de calçado”
IV- Por outro lado, o Tribunal «a quo» incorreu em erro de julgamento, porque não deu como provados factos essenciais que, pela prova produzida e pelo raciocínio lógico dedutivo assente no depoimento das testemunhas e na prova documental constante dos autos, deveriam ter sido dados como provados, por não permitirem extrair outra conclusão que não a da sua comprovação.
V- Dos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de inquirição, conjugados com a prova documental carreada para os autos, deveria o Tribunal «a quo» ter dado como provados os factos alegados na petição inicial constantes dos artigos 21, concretamente:
• Todos os serviços descritos nas faturas que a AT não aceita foram efetivamente prestados (ponto 21 da PI);
• A Impugnante para cumprimento das suas encomendas teve necessidade constante, durante os anos de 2016 e 2017, de recorrer à subcontratação (ponto 29 da P1);
• Quando a empresa CA. mudou a sua sede para (...), continuou a trabalhar, a exercer a sua atividade na zona de (...) (ponto 34 da P1);
VI- O Tribunal «a quo» deveria ter dado como provado o facto elencado no ponto 29 da PI: “A impugnante para cumprimento das suas encomendas teve necessidade constante, durante os anos de 2016 e 2017, de recorrer à subcontratação”, com base no depoimento das testemunhas Eng. RJ. e JO., conforme resulta da gravação destes depoimentos, concretamente, dos min 00:08:37 a 00:09:27 da audiência do dia 14-07-2021; min 00:05:33 da gravação da audiência do dia 08-09-2021; min 00:08:25 da gravação da audiência do dia 15-09-2021;
VII- Deveria ter sido dado como provado que, não tendo até 2018, a Recorrente, dentro de portas, capacidade para proceder ao corte e costura de calçado, resulta demonstrado que, também em 2016 e 2017, a Recorrente tinha necessidade de recorrer a 100% à subcontratação para corte e costura de calçado.
VIII- Labora em erro, no entender da Recorrente, o Tribunal «a quo» quando refere que “Não obstante a testemunha JO. afirmar que após 2015 continuou a encomendar serviços à CA., não convenceu o Tribunal dessa necessidade até porque contratou pelo menos quatro funcionários da CA. cujas funções consistiam precisamente em corte e costura”, já que os ex-trabalhadores da CA. que foram admitidos na Recorrente, não foram desempenhar as mesmas funções que desempenhavam na CA..
IX- Do facto de a Recorrente ter admitido ex-trabalhadores da CA. não se pode inferir, como fez o Tribunal «a quo» que aqueles trabalhadores foram desempenhar na Recorrente, as mesmas funções que desempenhavam na CA..
X- O Tribunal «a quo» incorreu em erro quando deu como não provado que “Os serviços de corte e costura de calçado descritos nas faturas emitidas nos anos de 2016 e 2017 a que alude o ponto 5) foram prestados pela CA. à Impugnante”, sustentando que “em 2016 e 2017, ninguém conseguiu sequer avançar ao Tribunal ter visto carregamentos de mercadorias, entregas, tipo de estrutura, maquinaria, etc.”.
XI- Várias testemunhas ouvidas em sede de inquirição de testemunhas, designadamente a testemunha RO. (min 00:45:58, min 00:56:58 e min 00:57:32 da gravação da audiência do dia 14-07-2021), a testemunha JA. (min 01:15:59, min 01:17:07 e min 01:34:33 a 01:34:43 da audiência do dia 14-07-2021), afirmaram ter visto, nos anos de 2016 e 2017 o Sr. JF., legal representante da CA., nas instalações da Recorrente, pelo que, ao desconsiderar os depoimentos prestados por estas testemunhas, o tribunal «a quo» incorreu em erro na apreciação da prova.
XII- As testemunhas Sr. RO. e Sr. JA., afirmaram que, nos anos de 2016 e 2017 a CA. continuou a laborar e mantiveram com ela relações comerciais.
XIII- Resulta dos depoimentos das testemunhas RO., JA. e JO., conjugado com os documentos disponibilizados pela Segurança Social e pela Autoridade Tributária, que a CA. continuou a laborar, nos anos de 2016 e 2017 e com o depoimento da testemunha JM. que afirmou ter visto o Sr. JF. nas instalações da Recorrente no ano de 2016, pelo que entende a Recorrente que o Tribunal «a quo» deveria ter dado como provado que os serviços de corte e costura de calçado descritos nas faturas emitidas nos anos de 2016 e 2017 foram efetivamente prestados pela CA. à Recorrente.
XIV- O Tribunal «a quo» fez uma errada valoração dos depoimentos das testemunhas RO. e JA., considerando que “nada sabiam em concreto acerca da materialidade das operações descritas nas faturas, bastando-se o seu depoimento em descrever as suas relações comerciais com a fornecedora aqui em causa” e do depoimento da testemunha Eng. RJ..
XV- As testemunhas RO. e JA. frequentavam as instalações da Recorrente tendo visto, por diversas vezes, nos anos em questão, o Sr. JF. nas instalações da Recorrente a carregar materiais, pelo que nunca seria possível concluir que estas testemunhas nada sabiam quanto à materialidade das operações descritas nas faturas.
XVI- A testemunha Eng. RJ. foi contactado para elaborar um parecer acerca da capacidade produtiva da empresa JO., Lda. fornecer a Recorrente, tendo procedido à análise das IES das duas empresas, dos relatórios únicos, das faturas da empresa JO. , Lda à Recorrente, da informação do total de vendas em número de pares às duas empresas, tendo visitado as empresas no ano de 2018, motivo pelo qual atendendo ao trabalho de análise minucioso efetuado por esta testemunha com uma vasta experiência no setor do calçado, o seu depoimento deveria ter sido devidamente valorado porque se demonstrava relevante para a boa decisão da causa.
XVII- Se o Tribunal «a quo» tivesse valorado devidamente o depoimento destas testemunhas, teria concluído que os serviços de corte e costura descritos nas faturas emitidas nos anos de 2016 e 2017, foram efetivamente prestados pela Ca leva à Recorrente.
XVIII- Acresce que, competia à AT fazer prova de que estavam verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação no domínio das correções do imposto devido, demonstrando que existiam indícios sérios de que as operações constantes das faturas não correspondem à realidade, ilidindo, assim, mediante o carreamento de prova em contrário, a presunção legal que é favorável à Recorrente.
XIX- Os indícios recolhidos relativamente à Recorrente dizem respeito, na sua maioria, a irregularidades nas guias de transporte, nomeadamente, no que diz respeito ao local de carga/descarga e à hora, podendo conduzir, eventualmente, à aplicação de uma coima, mas nunca, à desconsideração das operações que lhe estão subjacente, não constituindo “indícios fortes e sólidos”, como concluiu erradamente o Tribunal «a quo».
XX- Os indícios elencados pela AT no relatório de inspeção são insuficientes para efetuar o juízo de que existência de operações simuladas, não se tratam de indícios “fortes e sólidos” como sustenta a sentença recorrida.
XXI- Deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando a decisão recorrida na parte em que não anulou as liquidações de IVA e IRC dos anos de 2016 e 2017, por erro de julgamento em matéria de facto e de direito, concluindo-se pela ilegalidade daquelas liquidações impugnadas.
JUSTIÇA!»

1.3. A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, com o seguinte teor:
«“RJ., LDA” veio interpor recurso da sentença do TAF de Braga que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial que havia sido apresentada pela mesma, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, e que incidiu sobre os actos de liquidação adicional de IVA e IRC, dos anos de 2015, 2016 e 2017, e juros compensatórios de IRC daqueles períodos, no valor de € 32.923,87 (IVA) e de € 34.665,14 (IRC e juros compensatórios), no total de € 67.589,01, e na qual pediu a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa bem como a anulação das liquidações.
Na sentença ora em recurso, julgando parcialmente procedente a impugnação, a M. Juíza determinou:
- a anulação das liquidações de IVA e IRC relativas ao ano de 2015, bem como dos respectivos juros compensatórios respeitantes ao IRC do ano de 2015;
- manteve como válidas as demais liquidações de IVA e IRC relativas a 2016 e 2017 e juros compensatórios – parte sobre a qual incide o recurso da recorrente;
e
- condenou a AT no pagamento de juros indemnizatórios respeitantes ao IRC de 2015, que tenham sido pagos nos processos executivos.
*
É jurisprudência pacífica, que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas alegações.
A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
*
Alega a recorrente, em resumo, que a sentença enferma de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito, conforme fundamenta em sede conclusiva e para cuja leitura remetemos.
Cremos que não lhe assiste razão.
Na decisão da matéria de facto, o juiz aprecia livremente as provas, conforme dispõe o artigo 607º nº 5 do CPC, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada. É, pois pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere do juízo crítico sobre as provas produzidas.
O julgador “embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras de ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar o processo racional da própria decisão.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.” – Ac. do TCAN de 11/4/2014 no processo 00819/10.4BEPNF.
No caso em apreço, a recorrente discorda dos factos dados como provados, e não provados, e a convicção do tribunal, ou seja, o que pretende é retirar da prova produzida ilacções distintas das que a Mmª Juíza percepcionou e explicitou na respectiva fundamentação, sendo que a julgadora, para além dos documentos juntos aos autos, teve em conta o depoimento das testemunhas e explicou bem em que medida é que lhes deu ou não credibilidade, o que se depreende pela leitura dos factos provados e não provados e do exame crítico da prova.
A modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e apreendida na 1ª instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada pelo tribunal, o que não se verifica, neste particular.
Importa igualmente reter que no tocante à matéria de facto, o juiz não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas o que interessa para a decisão, tendo em conta a causa de pedir que a fundamentou.
No caso em apreço, o que pretende a recorrente, em nosso entender, é pôr em causa a livre apreciação da prova e a convicção do julgador em relação à factualidade que deu como provada, e não provada.
Resulta do princípio da livre apreciação da prova, “... que ao tribunal de recurso apenas é permitida a modificação da matéria de facto fixada no tribunal a quo se ocorrer erro manifesto ou grosseiro na sua apreciação, ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente.” – Ac. do TCAS de 2/6/2014 no processo 01220/06 in www.dgsi.pt.
A Mmª Juíza procedeu à indicação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, com especificação dos meios de prova e das razões ou motivos substanciais que relevaram ou obtiveram ou não credibilidade.
A decisão, face à factualidade dada como provada e não provada, seu enquadramento jurídico e fundamentação expendida, não enferma dos vícios arguidos pela recorrente, e não merece censura, pelo que em nosso entender se deve negar provimento ao recurso.».
*
Dispensados os vistos prévios, nos termos do artigo 657º, nº 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir, segundo a ordem lógica de conhecimento, se a AT cumpriu o ónus probatório a seu cargo, provando a existência de indícios suficientes da falsidade das operações tituladas pelas faturas emitidas pela “CA.”, nos anos de 2016 e 2017, e se ocorreu erro na apreciação da prova, tendo a Recorrente demonstrado a efetiva ocorrência de tais operações.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«A) FACTOS PROVADOS:
Considero provada a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos:
1. A Impugnante está sediada em (…) e encontra-se colectada para o exercício da actividade de “Fabricação de calçado” – CAE 15201 – Cf. fls. 27 do PA e Relatório Final Inspectivo (RIT) junto como Doc. 4 d PI e junto ao PA incorporado no SITAF.
2. Na fabricação de calçado, a Impugnante dedica-se, essencialmente, à montagem de calçado, necessitando de subcontratar os serviços de corte e costura – Prova testemunhal.
3. A Impugnante está enquadrada no regime geral de tributação, para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (“IRC”) – Cf. fls 27 do PA e RI
4. A Impugnante está enquadrada no regime normal mensal, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado (“IVA”) – Cf. extrato do RIT, a fls. 27 dos P.A.’s;
5. Entre os anos de 2015 e 2017, a sociedade “CA. Lda” emitiu em nome da Impugnante as seguintes facturas referentes a serviços de “corte e costura” para calçado:
Número DocumentoNIF emitenteNIF AdquirenteData de emissãoPeríodoTipo de DocumentoValor TributávelValor IVAMontante Total
FAC A13/551(…)(…)2015-02-272015FT6.000,00€1.380,00€7.380,00€
FAC A13/626(…)(…)2015-04-272015FT9.000,00€2.070,00€11.070,00€
FAC A13/792(…)(…)2015-09-292015FT26.812,50€6.166,88€32.979,38€
FAC A13/829(…)(…)2015-10-272015FT18.618,60€4.282,28€22.900,88€
FAC A13/867(…)(…)2015-11-272015FT7.238,00€1.664,74€8.902,74€
FAC 013/51(…)(…)2015-11-302015FT7.830,00€1.800,90€9.630,90€
FAC 013/56(…)(…)2015-12-182015FT15.084,00€3.469,32€18.553,32€
(…)(…)TOTAL201590.583,10€20.834,12€111.417,22 €
FAC A13/958(…)(…)2016-02-252016FT8.000,00€1.840,00€9.840,00€
FAC A13/1009(…)(…)2016-04-182016FT7.000,00€1.610,00€8.610,00€
FAC A13/1120(…)(…)2016-07-252016FT17.500,00€4.025,00€21.525,00€
FAC A13/1154(…)(…)2016-08-082016FT10.500,00€2.415,00€12.915,00€
(…)(…) TOTAL201643.000,00€9.890,00€52.890,00€
FAC A13/1544(…)(…)2017-06-282017FT9.555,00€2.197,65€11.752,65€
TOTAL20179.555,00€2.197,65€11.752,65€
- Facto não controvertido; Cf. RIT junto com a PI e RIT incorporado no SITAF.
6. Em 2015, a CA. foi subcontratada pela impugnante para proceder ao corte e costura de peles para calçado, mais precisamente nos períodos a que respeitam as facturas de 2015, identificadas no ponto 05) – Prova testemunhal.
7. Em regra, a matéria-prima inerente aos serviços de corte e costura referidos no ponto anterior era carregada, e posteriormente descarregada, pela Sociedade CA., nas instalações da Impugnante – Prova testemunhal.
8. Em 2015, no exercício da sua actividade, desenvolvida em Y(…), a Sociedade CA. utilizava pelo menos duas carrinhas comerciais – Prova testemunhal.
9. Pelo menos em 2015, a Sociedade CA. possuía, nas suas instalações situadas em Y(...), máquinas de costura, balancés, máquinas de lacear, máquinas de timbrar, máquinas para entretelar e meter testeiras – Prova testemunhal; Termo de declarações a fls. 426 dos P.A.s
10. Em 2015 a Sociedade CA. tinha, em média, entre 10 a 15 funcionários ao seu serviço e, em 2016 e 2017 tinha 4 e 3 trabalhadores declarados – Prova testemunhal; Cf. informação remetida pela Segurança Social aos autos.
11. A Impugnante foi objecto de um procedimento inspectivo externo, de âmbito geral, em sede de IVA e de IRC, referente aos anos de 2015, 2016 e 2017 – Cf. RIT junto com a PI e constante do PA.
12. O procedimento inspectivo a que se alude no ponto anterior decorreu ao abrigo das Ordens de Serviço com os n.ºs 0120180, 0120180e 0120180 – Cf. RIT e Docs juntos com a PI.
13. A acção inspectiva referida no ponto 11) foi espoletada com respaldo nos fundamentos seguintes:
«[...] II – 2. Motivo, âmbito e incidência temporal
II – 2.1. Motivo
O procedimento inspetivo externo teve como origem a inspeção efetuada ao sujeito passivo CA. , LDA (doravante designado por CA.), NIPC (...), na qual foram detetadas irregularidades de utilização de faturas por operações inexistentes a montante.
No decurso daquele procedimento inspetivo verificou-se a contingência de as operações a jusante serem também inexistentes. A empresa RJ. LDA (doravante designada por RJ.), NIPC (...), é destinatária de faturas emitidas pela CA..» – Cf. RIT junto com a PI.
14. Em 01.10.2018, os serviços de inspecção tributária (SIT) elaboraram o projecto de relatório inspectivo, relativo ao procedimento de inspecção tributária a que se alude no ponto 11) – Cf. Projecto de RIT constante do PA a fls. 350/400,, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
15. Em 02.10.2018, o Chefe da Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de …proferiu despacho de concordância com o projecto de relatório referido no ponto antecedente – Cf. despacho, de fls.350 do PA.
16. Através de ofício, com o n.º 524.7350, a AT comunicou à Impugnante o teor do projecto de relatório da inspecção tributária a que se alude no ponto 11), concedendo-lhe um prazo de 25 dias para, querendo, quanto ao mesmo se pronunciar – Cf. ofício, de fls. 349 dos P.A.
17. Em 30.10.2018, deu entrada, na Direcção de Finanças de Braga, um documento contendo a pronúncia escrita da Impugnante relativamente ao projecto de relatório de inspecção tributária, referido no ponto 14), de cujo teor se extrai, entre o mais, o seguinte:
«(...) TESTEMUNHAS CUJA INQUIRIÇÃO SE REQUER EM SEDE DE DIREITO DE AUDIÇÃO:
38. A Requerente considera relevante ao abrigo do princípio do contraditório que seja produzida nesta fase prova testemunhal.
39. Pelo que requer desde já a inquirição das seguintes testemunhas:
-JU., residente na Rua (…);
-JM., residente na Rua (…);
- MA., residente na Rua (…);
-AS., residente na Rua (…)
-MS., residente na Rua (…)
NESTES TERMOS
Devem ser ouvidas as testemunhas indicadas
Devem ser tidos em consideração estes factos na elaboração do relatório final e que corrija o projeto objeto de notificação (...)» - Cf. fls. 403/410 do PA incorporado no SITAF.
18. A Impugnante juntou ao procedimento inspectivo uma procuração com poderes forenses gerais a favor de advogados, datada de 29.10.2018 – Cf. procuração forense, de fls. 410 dos P.A.
19. No âmbito do procedimento inspectivo a que se alude no ponto 11), foram tomadas as declarações de JU., na qualidade de testemunha – Cf. termo de declarações, de fls. 415 e 416 dos P.A.’s, cujo teor se tem por reproduzido.
20. No âmbito do procedimento inspectivo a que se alude no ponto 11), foram tomadas as declarações de JM., na qualidade de testemunha – Cf. termo de declarações, de fls.420 a 422 dos P.A.’s, cujo teor se tem por reproduzido.
21. No âmbito do procedimento inspectivo a que se alude no ponto 11), foram tomadas as declarações de AS., na qualidade de testemunha – Cf. termo de declarações, de fls. 426 a 428 dos P.A.’s, cujo teor se tem por reproduzido.
22. No âmbito do procedimento inspectivo a que se alude no ponto 11), foram tomadas as declarações de MS., na qualidade de testemunha – Cf. termo de declarações, de fls.432 a 434 dos P.A.’s, cujo teor se tem por reproduzido.
23. No âmbito do procedimento inspectivo a que se alude no ponto 11), foram tomadas as declarações de MA., na qualidade de testemunha – cf. termo de declarações, de fls.442 a 444 dos P.A.’s, cujo teor se tem por reproduzido.
24. Em 26.11.2018, os serviços de inspecção tributária elaboraram o relatório final e inspecção (RIT) – cf. RIT junto com a PI e constante do PA cujo teor se tem por reproduzido.
25. Em 27.11.2018, o Chefe da Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de proferiu despacho de concordância com o relatório referido no ponto antecedente – Cf. cit. RIT.
26. Através de ofício, com o n.º 524.9546, a AT comunicou à Impugnante o teor do relatório da inspecção tributária (RIT) a que se alude no ponto 24) e 25) – Facto não controvertido; Cf. RIT junto com a PI.
27. Em resultado da acção inspectiva referida no ponto 11), foram efectuadas correcções aritmética à matéria tributável em sede de IRC, relativamente aos períodos de 2015, 2016 e 2017, conforme o quadro seguinte:
Período declarativoLucro tributável declaradoCorrecções à matéria coletávelLucro tributável corrigido
2015255.512,14 €90.583,10 €346.095,24 €
2016302.432,08 €43.000,00 €345.432,08 €
2017193.362,18 €9.555,00 €202.917,18 €
– Cf. RIT junto com a PI e constante dos P.A.’s, incorporados no SITAF.
28. No seguimento do mesmo procedimento inspectivo a que se alude no ponto 11), foram efectuadas correcções aritméticas à matéria tributável em sede de IVA, relativamente aos períodos de 2015, 2016 e 2017, conforme o quadro seguinte:
Período declarativoBase Tributável a CorrigirIVA Deduzido a CorrigirTotal da Fatura
2015/026.000,001.380,007.380,00
2015/049.000,002.070,0011.070,00
2015/0926.812,506.166,8832.979,38
2015/1018.618,604.282,2822.900,88
2015/1115.068,003.465,6418.533,64
2015/1215.084,003.469,3218.553,32
TOTAL201590.583,1020.834,12€111.417,22
2016/038.000,001.840,009.840,00
2016/047.000,001.610,008.610,00
2016/0717.500,004.025,0021.525,00
2016/0810.500,002.415.0012.915,00
TOTAL201643.000,009.890,0052.890,00
2017/069.555,002.197,6511.752,65
TOTAL20179.555,002.197,6511.752,65
Cf. cit RIT.
29. A AT levou a efeito as correcções aritméticas referidas nos pontos 27) e 28) com esteio nos seguintes fundamentos:
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III - 1. Procedimento Inspetivo à CA.
No âmbito dos procedimentos inspetivos ao sujeito passivo CA. , LDA (doravante designada por CA.), NIPC (...), através das ordens de Serviço n.º 0120180…., n.º 0120170…, n.º 0120170…., n.º 0120170…. e n.º 0120180…., períodos de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, respetivamente, foram detetadas irregularidades que demonstram um modus operandi usado em todos os períodos.
Dos procedimentos inspetivos supra referidos, resultou a conclusão de que as faturas que titulam gastos contabilizados pela CA., respeitantes a subcontratação de serviços relacionados com a produção de calçado, são todas fictícias.
A conclusão verificou-se pelos motivos a seguir descritos:
III – 1.1 Fornecedores
Os procedimentos inspetivos tiverem como origem divergências encontradas no cruzamento dos anexos 0/P das IES/DA. Verificou-se que a CA. comunicou nos seus anexos P (onde a CA. declara quem foram os seus fornecedores e o valor anual das transmissões, com IVA incluído, se superior a 25.000,00 €), referentes aos períodos de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, valores faturados por fornecedores que não constam dos anexos O destes (onde os fornecedores declaram quem foram os clientes e o valor anual das transmissões, com IVA incluído, se superior a 25.000,00 €).
Perante esta factualidade, verificou-se na aplicação e-fatura quais as faturas em que a CA. constava como adquirente de bens e/ou serviços. Verificou-se que do total de fornecedores indicados pela CA. no anexo P das IES/DA de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, apenas sete comunicaram faturas emitidas para a CA., as quais se confirmou não corresponderem às faturas comunicadas pela CA. nos seus Anexos P.
Estes factos levaram a considerar a existência de faturas falsas contabilizadas pela CA., maioritariamente referentes a subcontratos de serviços, não tendo sido emitidas pelas empresas cujo Número de Identificação Fiscal (NIF) figura no canto superior esquerdo do traçado (layout) das faturas, isto é, não tendo sido emitidas pelas empresas que constam como emitentes e fornecedoras.
Nos períodos de 2013 a 2017, a CA. contabilizou 959 faturas, que não foram comunicadas na aplicação e-fatura pelos supostos fornecedores e que dizem respeito a 416 supostos emitentes diferentes:
PeríodoN.º de FaturasTotal de Base Tributável de todasTotal de IVA de todas as faturasTotal de todas as faturas
20132832.120.684,80 €487.757,50 €2.608.442,30 €
20141532,640.100,12 €607.223,03 €3.247.323,15 €
20151703.039.099,00 €698.992,77 €3.738.091,77 €
20161532.777,203,11 €638.756,72 €3.415.959,83 €
20172002.422.466,69 €557.167,34 €2.979.634,03 €
Total95912.999.553,72 €2.989.897,36 €15.989.451,08 €
A análise das faturas contabilizadas pela CA., como tendo sido emitidas pelos seus fornecedores, permitiu constatar o seguinte:
• Existência de NIF do fornecedor que corresponde ao NIPC da CA..
• Existência de NIF de fornecedores com apenas oito algarismos.
• Existência de NIF de fornecedores com 10 algarismos.
• Existência de NIF de fornecedores, que apesar de terem nove algarismos, não têm correspondência na base de dados da AT, ou seja, são NIF inválidos.
• Existência de NIF de fornecedores, que apesar de terem correspondência na base de dados da AT, não têm correspondência na designação/firma.
• As faturas contabilizadas, apesar de supostamente terem sido emitidas por sujeitos passivos diferentes, foram sempre emitidas pelo mesmo meio mecânico ou informático, com série e numeração sequenciais, como se se tratasse de uma única entidade emitente.
• Todas as faturas apresentam como local de carga da mercadoria a expressão “N/Morada” e como local de descarga “V/Morada” e como Hora de descarga 23:59 ou 00:00. Os sistemas informáticos estão preparados para o preenchimento automático desta informação, sendo a hora de carga a hora da emissão da fatura e a hora de descarga 23:59 ou 00:00. Verifica-se que a hora de carga tem uma sequência temporal com intervalo de alguns minutos que acompanha a numeração das faturas, o que leva a concluir que tais faturas foram feitas pela mesma pessoa independentemente do suposto fornecedor indicado.
• Erros nos anos de algumas faturas: 2104 em vez de 2014, 2105 em vez de 2015 e 5201 em vez de 2015.
• Existência de várias faturas emitidas com o mesmo valor total e com a mesma descrição de serviço prestado, mas com NIF diferentes.
• Todas as faturas contêm a expressão “Processado por programa certificado nº 1411/AT - Sage”. No entanto, todas as faturas emitidas com recurso a este programa certificado de faturação apresentam em rodapé a expressão “© Sage licenciado a: ‘nome da firma’” e ao longo da margem esquerda a identificação completa da empresa emitente (Firma, Domicílio Fiscal, NIF) o que não acontece com nenhuma das faturas de aquisição de serviços contabilizadas pela CA..
• Todas estas faturas têm na numeração “Nº FAC” ou “Nº FAR” correspondente ao número de série das faturas independentemente do suposto fornecedor que as teria emitido, o que mais uma vez reforça a convicção de que as faturas foram criadas pela mesma pessoa pois existe uma “coerência” na falsidade.
Para que não subsistisse qualquer dúvida de que as faturas em apreço são falsas, para confirmar que as mesmas não foram emitidas pelos supostos fornecedores nelas indicados, foi efetuada a circularização a todos os fornecedores que supostamente teriam emitido as faturas contabilizadas pela CA., e cujo NIF corresponde a um sujeito passivo constante do cadastro da AT, o que correspondeu a 398 fornecedores circularizados. Verificou-se o seguinte:
• Um dos fornecedores (NIPC) corresponde à própria CA..
• 58 fornecedores não responderam, tendo-se constatado relativamente a 38 dos fornecedores a cessação de atividade em sede IVA ou em sede IVA e IR (algumas cessações ocorreram em períodos anteriores à data de emissão das faturas).
• 339 fornecedores responderam (o que corresponde a 85,17% do total de fornecedores circularizados):
• 27 fornecedores declararam terem emitido faturas para a CA.. As cópias das faturas emitidas por 12 fornecedores são idênticas às contabilizadas pela CA., Existem 15 fornecedores que emitiram faturas para a CA., mas que não correspondem às faturas contabilizadas pela mesma.
As faturas contabilizadas pela CA. que contêm o NIPC destes fornecedores não foram por estes emitidas.
• 312 fornecedores responderam não terem emitido faturas para a CA. e que não têm a CA. como cliente, tendo 289 enviado um exemplar (layout) de uma ou mais faturas emitidas, as quais se verifica serem diferentes das faturas contabilizadas pela CA.. [...]
Os pagamentos foram contabilizados pela CA. como tendo sido efetuados em numerário, tendo sido contabilizados na conta 111 - Caixa, não havendo registo dos montantes nos extratos das contas bancárias da CA..
É categórico que as faturas em apreço são falsas, não tendo sido emitidas pelas empresas que nelas figuram como fornecedoras ou prestadoras de serviços.
De notar que o SP constava da contabilidade da CA. como seu fornecedor. No entanto, o SP não comunicou nem contabilizou nenhuma fatura emitida para a CA..
III -1.2 Trabalhadores
Analisadas as DMR, dos períodos de 2013 a 2017, verificou-se o seguinte:
• Até 2016 ocorreram várias entradas e saídas de trabalhadores, tendo a CA. declarado uma média mensal de 12 trabalhadores por mês em 2014, incluindo o sócio-gerente JP., a ex-mulher EC., o filho CM. e respetiva cônjuge JC. e o filhoEJ, bem como trabalhadores que pelo pagamento apenas trabalharam parte do mês.
• Em 2015 esta média mensal desceu para nove trabalhadores.
• Em 2016 e 2017 foram declarados apenas rendimentos de quatro e três trabalhadores, respetivamente, sendo um deles o próprio sócio-gerente e atual representante de cessação, JP., outro a ex-mulher, EC., o filho CM. e respetiva cônjuge JC..
III - 1.3 Demonstração de Resultados/Gastos
Face ao verificado, analisamos a estrutura empresarial da CA., começando por apreciar os gastos contabilizados e o peso das faturas falsas na estrutura de gastos.
A CA. iniciou a atividade em 2005-01-01, tendo registado, a partir de 2013, um acréscimo dos valores contabilizados como Vendas/Serviços Prestados e Fornecimentos e Serviços Externos, com valores a superar os 2.000.000,00 €.
Analisados os valores contabilizados pela CA., nas contas de 61 - CMVMC (Custo das Mercadorias que foram Vendidas e Custo das Matérias Consumidas na produção) e 62 Fornecimentos e Serviços Externos (serviços externos prestados â CA.), nos períodos em análise, verificou-se o seguinte:
• A conta 61 - CMVMC inclui compras efetuadas que se concluiu estarem documentadas com faturas falsas.
• Os valores contabilizados na conta 621 - Subcontratos representam mais de 98% do total contabilizado em Fornecimento e Serviços Externos. Os registos que devem figurar nesta conta dizem respeito a serviços prestados à entidade associados ao processo produtivo, No entanto, como se constatou, a quase totalidade dos gastos contabilizados nesta conta estão documentados com faturas falsas. [... j
• O consumo de eletricidade, contabilizado na conta 6241, diminuiu de 9.196,59 € em 2013 para 578,62 € em 2017. Consultada a aplicação e-fatura, verificou-se que foram comunicados anualmente valores superiores aos contabilizados pela CA. devido em parte à especialização dos períodos. Acrescente-se que os consumos de eletricidade contabilizados dizem respeito à moradia familiar sita na Rua (…). A título de exemplo, os consumos de eletricidade demonstram uma descida abrupta em 2014. Estes consumos, verificados a partir de 2014 (inclusive), são semelhantes aos ocorridos para consumo familiar e jamais compatíveis com o exercício de uma atividade industrial.
• A conta 6242 - Combustíveis regista um consumo médio mensal de pouco mais de 100,00 €, uma vez que a CA. era proprietária de três veículos, consumos estes que não são compatíveis com uma atividade que obrigue ao transporte de mercadorias. [...]
• A conta 6267 - Limpeza, Higiene e Conforto inclui gastos com a aquisição de material de limpeza em montantes pouco significativos, próprios de uma utilização não relacionada com a atividade.
• Os gastos com Serviços Bancários (conta 6227), Ferramentas e Utensílios de Desgaste Rápido (conta 6231), Água (conta 6243), Contencioso e Notariado (conta 6265) e Outros Serviços (conta 6268) são praticamente ou totalmente inexistentes.
A conta 628 - Outros Gastos e Perdas não inclui valores que diretamente estejam relacionados com a atividade exercida. Os valores contabilizados nos períodos de 2015 e 2016 dizem respeito a correções relativas a exercidos anteriores, O valor contabilizado em 2017 diz respeito, sobretudo, à venda das máquinas e dos veículos que a CA. possuía, assim que se iniciou o procedimento inspetivo aos períodos de 2014, 2015 e 2016. [...]
Face ao exposto, conclui-se que:
• Os valores referentes a faturas falsas, utilizadas pela CA., nos períodos de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 representam 97,85%, 93,79%, 99,21%, 87,21% e 99,38%, respetivamente, do total contabilizado em CMVMC e Fornecimentos e Serviços Externos e correspondem â quase totalidade dos serviços contabilizados pela CA. como subcontratados.
• Os valores referentes a faturas falsas, utilizadas pela CA., nos períodos de 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, representam 90,33%, 89,15%, 95,20%, 85,04% e 95,69%, respetivamente, do total contabilizado pela CA. como gastos e perdas.
• Os valores contabilizados pela CA., nos períodos em análise, em Fornecimentos e Serviços Externos e não corrigidos correspondem maioritariamente a trabalhos especializados (apenas em 2013), honorários, conservação e reparação de equipamento, material de escritório, linhas e colas, eletricidade e combustíveis, comunicações e seguros, cujos valores representam menos de 1% do total contabilizado em fornecimentos e serviços externos e são inexpressivos face ao volume de negócios.
• Os gastos e perdas contabilizados pela CA. (não documentados através da utilização de faturas falsas) são completamente insuficientes para a realização dos serviços por si faturados, como se verificou pela análise dos gastos efetuada, o que demonstra que o facto de a CA. possuir máquinas ligadas à atividade serviria, principalmente, para evidenciar uma imagem de aparente realização dos serviços faturados.
• Acrescente-se ainda que o número de trabalhadores que a CA. considerou como estando ao seu serviço, era evidentemente diminuto, quase irrelevante.
• A moradia sita na Rua (…), apenas está licenciada para habitação, não havendo qualquer facto que nos leve a considerar que tenha neste local sido exercida a atividade entre 2014 e 2017, atividade essa de corte e costura de vários milhares de pares de sapatos por ano, conforme faturação efetuada pela CA..
Atentos ao relatado, concluímos que a CA. contabilizou faturas, maioritariamente relativas a subcontratos, que se concluiu serem falsas. Além disso, não existe qualquer evidência de que tenha recorrido a outras entidades, para lhe prestarem os serviços, como sejam comprovativos de pagamentos efetuados ou transporte de mercadorias para outros locais.
Não tendo recorrido a terceiros para lhe prestarem os serviços, impunha-se verificar se a própria CA. tinha condições para realizar os serviços que faturou, relativos a serviços de corte e costura de milhares pares de sapatos, que ascenderam aos seguintes montantes:
Demonstração dos Resultados por NaturezasPeríodos
20132014201520162017
A5001 - Vendas e serviços prestados2.180.395.09€2.867.170,25€3.095.104,33€3.212.897,93€2.414.484,17€
Pela análise dos gastos, concluímos que seria de todo impossível à CA. prestar aqueles serviços, uma vez que não tinha uma estrutura empresarial.
[...]
III -1.5 Clientes
Foram ainda circularizados os destinatários que figuram nas faturas emitidas pela CA. como clientes, tendo-se verificado o seguinte:
• Os clientes identificaram maioritariamente como local de carga/descarga a sede das suas instalações, sendo o transporte efetuado pela CA.. Conforme se verificou, a CA. nos períodos em análise era proprietária de três veículos, sendo os consumos registados na conta 6242 - Combustíveis não compatíveis com uma atividade que obrigue ao transporte de mercadorias.
• Nos documentos enviados foram identificados vários veículos não pertencentes ao cliente, à CA. ou a qualquer um dos seus trabalhadores.
• Foram identificados nos documentos enviados várias transportadoras, que não comunicaram na aplicação efatura qualquer tipo de serviço prestado á CA..
• Além do sócio-gerente foram indicadas, nas respostas à circularização, várias pessoas de contacto, não identificadas na base de dados da AT.
• A existência de várias faturas com a mesma descrição de serviço prestado, mas com valores unitários diferentes.
As faturas foram indicadas como pagas em numerário, cheques ou transferências bancárias, tendo sido contabilizados os respetivos montantes na CA. na conta 111 - Caixa, não havendo registo de alguns valores nos extratos das contas bancárias da CA.. Além disso, apôs a entrada de valores na conta bancária da CA., verificou-se ainda a saída (cheques caixa ou cheques compensação) de vários montantes, com destino não identificado, no próprio dia ou nos dias seguintes.
III - 1.6 Outras Entidades
Foram ainda circularizadas outras entidades:
Câmara Municipal de Y(...)
Foi notificada a Câmara Municipal de Y(...) para aferir da existência de alguma licença de construção e licença de utilização emitida para a CA., tendo sido indicado que “(..) Consultados todos os registos disponíveis, não foi encontrado qualquer processo de licenciamento de obras relativamente (...)” à CA. e não foi igualmente indicado qualquer licença de utilização.
Conservatória do Registo Predial. Comercial e Automóveis de Y(...)
Foi notificada a Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis de Y(...) para aferir os imóveis propriedade da CA., tendo sido indicado que “(...) não foi encontrado qualquer prédio em nome da sociedade (..)”
III - 1.7 Conclusões retiradas do Procedimento Inspetivo à CA.
Os procedimentos inspetivos à CA. demonstram claramente que esta contabilizou, entre 2013 e 2017, faturas que não correspondem a serviços relacionados com o corte e costura de calçado, que lhe tenham sido, de facto, prestados.
A análise efetuada, cingindo-se apenas aos períodos de 2014 a 2017, permitiu constatar que a CA. também não poderia ter prestado os serviços que faturou, que ascenderam a milhares de euros, uma vez que não se socorreu de terceiros para os prestar e também não tinha condições para os efetuar, uma vez que não tinha uma estrutura empresarial capaz.
Em virtude de sempre ter cumprido com as suas obrigações declarativas, a CA. transmitia uma aparente imagem de veracidade. Além disso, o imposto apurado, quer no que respeita ao
IVA, quer relativamente ao IRC, embora diminuto, dava credibilidade as declarações apresentadas.
Acresce que, embora tivesse contabilizado faturas falsas relativas a cerca de meio milhar de fornecedores, que se constatou não serem reais, os montantes anuais de cada fornecedor eram, maioritariamente, inferiores a 25.000,00 €, e como tal não eram apesentados no anexo P da IES/DA da CA..
Os poucos fornecedores que a CA. fazia constar no anexo P da IES/DA, ascendiam a nove em 2013, 17 em 2014, 13 em 2015, 6 em 2016 e 5 em 2017. Como já referido, estes fornecedores não apresentavam a CA. como cliente, no anexo O da IES/DA, uma vez que não lhe haviam emitido as faturas em apreço, gerando uma divergência detetada pela AT.
Para esta aparente imagem de veracidade, criada em torno da CA., contribuía ainda o facto de ter declarado ter alguns funcionários e alguns gastos, ainda que diminutos.
Este facto é preponderante, próprio de empresas utilizadas com a Intenção de dar credibilidade ao circuito económico, dificultando a deteção da utilização de faturas falsas pelos seus destinatários, para quem a CA. faturava serviços que, de maneira nenhuma, poderia ter prestado.
III - 2. Procedimento Inspetivo ao SP
Os procedimentos inspetivos à CA., permitiram concluir que a empresa não tinha estrutura empresarial que possibilitasse prestar os serviços que faturou aos seus pretensos clientes. Além disso, tais serviços também não foram pela CA. subcontratados pois, como se verificou, as faturas contabilizadas por esta como subcontratos de serviços relacionados com corte e costura são todas falsas.
Não existe, pois, qualquer evidência que leve a crer que a CA. tenha recorrido a terceiros para prestar os serviços que faturou, desde logo porque não tinha condições para efetuar o transporte de todos os bens sobre os quais teria efetuado os serviços, onde quer que os mesmos fossem realizados.
Constando a RJ. como destinatário de faturas emitidas pela CA., foram abertos procedimentos inspetivos ao SP aos períodos de 2015, 2016 e 2017.
No âmbito destes procedimentos inspetivos, a 2018-09-06 foi solicitado ao SP o acesso a informações e documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras previstas como tal no art 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 31712009, de 30 de outubro, e 24212012, de 7 de novembro, do SP, tendo o mesmo autorizado.
O sócio-gerente, JO., NIF (…), ouvido em declarações, reduzidas a termo, manteve as declarações prestadas no dia 15 de junho de 2018, no âmbito da ação inspetiva a JO. Lda, NIPC (…), da qual é também sócio-gerente, ao abrigo das ordens de serviço externas n.º 0120180…., 0120180… e 0120180….: “Relativamente à CA., conhece muito bem JF. , já trabalhava com ele há mais de 10 anos.
Recorria à CA. quando precisava, para corte e costura. O Sr. JF. dirigia-se às instalações da JO. Lda, carregava o material e entregava já pronto.
Conhecia as instalações da CA., que ficava em Y(...). Em 2016 deslocou-se às instalações da CA., em Y(…), que eram os fundos de uma casa.
Em determinada altura, alterou a morada para X(...). O Sr. JF. solicitou que alterasse a morada nas guias emitidas.
III-2.1. Prestação de Serviços da CA.
No âmbito dos procedimentos inspetivos efetuados ao SP, aos períodos de 2015, 2016 e 2017, foram identificadas as seguintes faturas emitidas pela CA. cujo gasto foi contabilizado na conta 6212 - Fornecimentos e Serviços - Subcontratos - Subcontratos - 23% e o respetivo IVA deduzido na conta 2432371 - Estado e Outros Entes Públicos - IVA - IVA Dedutível - Outros Bens e Serviços - Taxa Normal - Mercado Nacional, referentes à prestação de serviços de corte e costura faturados pela CA., nos seguintes montantes:
2015
[...]
Montante total – 111.417,22 €
Valor Tributável – 90.583,10 €
Valor IVA – 20.834,12 €
2016
[...]
Montante total – 52.890,00 €
Valor Tributável – 43.000,00 €
Valor IVA – 9.890,00 €
2017
[...]
Montante total – 11.752,65 €
Valor Tributável – 9.555,00 €
Valor IVA – 2.197,65 €
Relativamente às faturas emitidas:
1. Nas faturas foram identificadas as seguintes moradas, que não correspondem à sede da CA. ou a qualquer morada onde fosse exercida a atividade:
• Zona Industrial X(...)
• Rua (...), Y(...)
• Rodovia Y(...)
• Rua Y(...).
Naquelas datas, nenhuma morada correspondia à sede da CA., como se facilmente comprova pelo acesso público ao sítio do Ministério da Justiça (https://publicacoes.mj.pt). Além disso, também não correspondiam a local de exercício de atividade, pelos motivos supra referidos, a respeito das moradas da CA..
2. Foi identificado como local de carga e descarga “N/Morada” e “V/Morada”, o que significava que os bens teriam sido carregados na morada da CA. e descarregados na morada do SP.
3. Foi identificado como transporte “V/Viatura” como se o transporte tivesse sido efetuado pelo SP. No entanto, o transporte não poderia ter sido efetuado pelo SP nas instalações indicadas nos documentos, pelo facto de não corresponderem à sede da CA. ou a qualquer morada onde fosse exercida a atividade, tal como já indicado.
4. Os pagamentos das faturas foram efetuados através de cheques bancários:
Número DocumentoData de EmissãoMontante totalModo pagamentoData Mov.Ext.Banc.Data Valor Ext.Banc.Instituição
Bancária
Valor ChequeObs.
FAC A13/5512015-02-277.380,00Ch 787472532015-03-032015-03-03Montepio1.660,00a)
FAC A13/5512015-02-277.380,00Ch 813360112015-03-172015-03-17Montepio5.440,75a)
FAC A13/6262015-04-2711.070,00Ch 378601392015-05-072015-05-07BPI11.070,00a)
FAC A13/7922015-09-2932.979,38Ch 839881682015-10-012015-10-02Montepio32.979,38a)
FAC A13/8292015-10-2722.900,88Ch 839882242015-11-042015-11-04Montepio22.900,88a)
FAC A13/8672015-11-278.902,74Ch 839882242015-12-102015-12-10Montepio8.902,74a)
FAC 013/512015-11-309.630,90Ch 839882252015-12-102015-12-10Montepio9.630,90a)
FAC 013/562015-12-1818.553,32Ch 848325312015-12-282015-12-28Montepio18.553,32a)
FAC A13/9582016-02-259.840,00Ch 378602352016-03-022016-03-02BPI9.840,00a)
FACA13/1002016-04-188.610,00Ch 848326182016-04-292016-04-29Montepio8.610,00b)
FACA13/1122016-07-2521.525,00Ch 768114142016-07-262016-07-26BPI21.525,00a)
FACA13/1152016-08-0812.915,00Ch 476811972016-08-112016-08-11BPI12.915,00b)
FACA13/1542017-06-2811.752,65Ch 848326552017-07-052017-07-05Montepio11.752,65b)

valores não identificados nos extratos bancários da CA..
b) Valores identificados nos extratos bancários da CA., mas sem nenhum descritivo com indicação da origem, não sendo passivei afirmarmos que corresponda a pagamentos efetuados pelo SP.
(...)
IX- DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
O sujeito passivo foi notificado do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária para querendo, exercer o direito de audição no prazo de 25 dias, nos termos do art. 60.º da LGT e do art. 60.º do RCPITA, através do nosso ofício n.º 524.730, de 2018-10-03.
A 2018-10-30, o SP veio exercer o direito de audição, com o registo de entrada n.º 2018E00325…, através da sua advogada SF, sócia da sociedade de advogados SF, Sociedade de Advogados, SP, RL, NIPC (…). Em 2018-10-31 deu entrada com o registo n.º 2018E00326 um documento com indicação de alteração dos pontos 22 e 23 referente a documento anterior e a procuração em nome do SP.
Relativamente às faturas emitidas para o cliente TF., Lda, NIPC (…), o SP regularizou a sua situação tributária, conforme mencionado no Capitulo VI (cuja menção constava nos pontos 111-2.2. e 111-3.2. do Capítulo Ili do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária), substituindo as DP do IVA dos períodos de 2017102, 2017103 e 2017104, e procedeu ao pagamento do imposto respetivo.
Relativamente às restantes correções, o SP não concorda com as mesmas, tendo alegado o seguinte no exercício do direito de audição:
(...)
“13. No projeto de relatório de inspeção é referido que as faturas emitidas pela CA. Lda e registadas na contabilidade da Requerente são faturas falsas, uma vez que os serviços não poderiam ter sido prestados pela CA..
14. Ora, os serviços faturados pela CA. à Requerente foram serviços reais e efetivamente prestados pela CA..
15. A CA. e a Requerente mantiveram uma relação comercial durante muitos anos.
16. A Requerente, para cumprimento das suas encomendas, tem necessidade constante de recurso a subcontratos.
17. Nos períodos em questão recorreu ao fornecedor CA. e a outros.
18. E a faturação respeitante à CA. corresponde a serviços efetivamente prestados.
19. A CA. foi durante anos subcontratado da Requerente.
20. A CA. tinha trabalhadores, ao contrário do que é referido no projeto de relatório de inspeção.
21. E alguns desses trabalhadores passaram inclusivamente a trabalhar para a Requerente.
22. A título de exemplo, o trabalhador AS. foi admitido em 15-09-2015, e as trabalhadoras AL. e SF. também foram admitidas na sociedade RJ. Calçados, Lda.
23. E todos foram previamente trabalhadores da CA..
24. As faturas emitidas pela CA. eram reais, e os serviços foram efetivamente prestados pela sociedade CA..
25. A CA. era um subcontratado da Requerente que tinha preços competitivos e cumpria os prazos estipulados.
26. E não é por uma empresa ter problemas formais ou emitir alguns documentos que não correspondam a operações reais, que, de repente, toda a faturação é rotulada como falsa.
27. Mesmo quando a empresa CA. mudou a sua sede para X(...), ela continuou a trabalhar, a exercer a sua atividade.
28. E a prestar os seus serviços não só à Requerente como a muitas sociedades da zona de Y(...).
29. Que se prolongou pelos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017.
30. Na fiscalização à CA. a AT encontrou erros muitos dos quais no e-fatura, bem como outros factos na esfera da CA. respeitantes aos seus trabalhadores e contabilidade evidenciados no relatório de inspeção.
31. Ora, a requerente é totalmente alheia a erros e aos procedimentos da CA..
32. Sabe apenas que sempre encomendou os trabalhos e sempre os pagou.
33. Diz a AT que a CA. não tinha estrutura empresarial.
34. Ora, a estrutura que tinha permitiu-lhe continuar a aceitar trabalhos e a entregar as encomendas.”
(...)
O SP veio alegar que as faturas emitidas pela CA. não são falsas e correspondem a serviços verdadeiros que foram prestados e pagos, subcontratados para cumprimento das suas encomendas, mas não apresentou qualquer elemento comprovativo do referido.
Alegou ainda que a AT considerou todas as faturas emitidas pela CA. falsas, sem ter em conta que parte da faturação pode efetivamente corresponder a serviços prestados. Refere também que segundo a AT a CA. não tinha estrutura empresarial, mas a estrutura que tinha permitiu-lhe continuar a aceitar trabalhos e a entregar as encomendas
Tal como já mencionado, os procedimentos inspetivos à CA., permitiram concluir que a empresa não tinha estrutura empresarial que possibilitasse prestar os serviços que faturou aos seus pretensos clientes. Além disso, tais serviços também não foram pela CA. subcontratados pois, como se verificou, as faturas contabilizadas por esta como subcontratos de serviços relacionados com corte e costura são todas falsas.
Não existe, pois, qualquer evidência de que a CA. tenha recorrido a outras entidades, para lhe prestarem os serviços, como sejam comprovativos de pagamentos efetuados ou transporte de mercadorias para outros locais. Não tendo recorrido a terceiros para lhe prestarem os serviços, verificou-se que a própria CA. não tinha condições para realizar os serviços que faturou, relativos a serviços de corte e costura de milhares de pares de sapatos, uma vez que não tinha uma estrutura empresarial.
Sendo todas as faturas falsas, não poderia a AT considerar uma parte da faturação emitida a pretensos clientes como correspondente a serviços efetivamente prestados. Tal só poderia ocorrer, se a CA. tivesse contabilizado faturas (que não fossem falsas) relativas a gastos e perdas que lhe permitissem efetuar os serviços faturados. No entanto, os gastos e perdas contabilizados pela CA. (não documentados através da utilização de faturas falsas) são completamente insuficientes para a realização dos serviços por si faturados, como se verificou pela análise efetuada dos gastos. Acresce que, consultada a aplicação e-fatura, constatamos que a CA. não teve outros gastos.
Ainda assim, a AT desencadeou um Procedimento de Inspeção externo ao SP, a fim de averiguar se o mesmo havia adquirido os serviços faturados pela CA., tendo tido este a oportunidade, no respeito pelo princípio da colaboração, de demonstrar a hipotética veracidade das faturas em apreço. No entanto, o SP não apresentou qualquer prova da materialidade das operações.
O SP refere que quando a empresa CA. mudou a sua sede para X(...), ela continuou a trabalhar e a exercer a sua atividade.
Uma das moradas indicadas nas faturas emitidas pela CA. para o SP é a Zona Industrial, X(...). Esta morada nunca correspondeu à sede da CA., como facilmente se comprova pelo acesso público ao sítio do Ministério da Justiça (https://publicacoes.mj.pt), não havendo evidências de a CA. alguma vez ter exercido a sua atividade nesta localidade, pelos motivos já mencionados, a respeito das moradas da CAL EVA.
O próprio sujeito passivo, na pessoa do seu gerente, referiu em declarações reduzidas a termo que “Em determinada altura, alterou a morada para X(...). O Sr. JF. solicitou que alterasse a morada nas guias emitidas.”, de onde se depreende que o SP não conhecia as instalações em X(...) para poder afirmar que a CA. exerceu nesse local a sua atividade. Não conhecia, nem as poderia conhecer. Não corresponde à realidade a afirmação do SP de que “quando a empresa CA. mudou a sua sede para X(...), ela continuou a trabalhar e a exercer a sua atividade”.
Como já referido, o SP no exercício do direito de audição não apresentou qualquer comprovativo que demonstre a veracidade das operações, limitando-se a afirmar que as faturas correspondem a serviços verdadeiros e que a CA. tinha trabalhadores e estrutura para o fazer. (...)
No dia 2018-11-15 foram ouvidas em declarações, reduzidas a termo, as testemunhas apresentadas pelo SP, à exceção de MA. que não compareceu. No entanto, esta testemunha já havia sido ouvida no âmbito de procedimento inspetivo a um outro destinatário de faturas emitidas pela CA., pelo que anexa-se ao presente relatório o respetivo termo de declarações, evidenciando apenas as questões relativas à CA., omitindo a informação do destinatário em questão.
(...)
Dos testemunhos prestados, relativamente ao SP e à sua relação com a CA., salienta-se o seguinte:
, Todas as testemunhas indicaram como gerentes do SP, o Sr. J… e o Sr. R….
• Todas as testemunhas referiram que a atividade do SP corresponde ao corte, costura e acabamento de calçado.
• As testemunhas JU. e JM. referem que a RJ. Lda ou a JO. Lda tinham necessidade de recorrer a outras empresas para efetuar trabalhos de costura, tendo a primeira testemunha acrescentado também serviços de corte, e que eram as empresas subcontratadas que se deslocavam ao SP para carregar as matérias-primas e descarregar os artigos acabados. Este facto é divergente do indicado nas faturas emitidas pela CA., tendo em conta que as faturas indicam que o transporte de mercadorias foi efetuado pelo SP, nelas constando a indicação “V/Viatura”.
A testemunha AS. refere apenas que tem conhecimento que existem outras empresas a prestar serviços de corte e costura para o SP, porque lhe diziam do “corte” que a peça era cortada fora.
A testemunha MS. declarou não ter conhecimento sobre a subcontratação de outras empresas por parte do SP.
• As testemunhas AS. e MS. nunca viram o Sr. JF., sócio-gerente da CA., nas instalações do SP.
• As testemunhas JM. e JU. indicaram que a RJ. Lda ou a JO. Lda recorriam à CA. para serviços de costura, A segunda testemunha acrescentou também serviços de corte,
• A testemunha JM. tem conhecimento da CA. pelas guias de transporte, emitidas pelas funcionárias do escritório, que indicavam esse nome,
Conhecia o Sr. JF. de ir carregar os materiais às instalações do SP. Refere ainda que algumas vezes, quem carregava o material era um senhor que diziam ser o filho do S. JF., Segundo a testemunha “Isto aconteceu no início quando comecei a trabalhar para a RJ. LDA, em setembro de 2015, algumas vezes. Por volta de 2016 deixei de ver o Sr. JF. nas instalações da RJ. LDA e da JO. , Lda”.
• A testemunha JU. tem conhecimento da CA. por ouvir dizer, pelo responsável do armazém ou pelo patrão, que determinada obra era do “JF. da CA.”.
A testemunha referiu ainda que “Depois dos funcionários que tinham estado na CA., o M, a A. e a S., terem ido trabalhar para a JO. LDA, nunca mais a CA. trabalhou para nós porque fechou”. Da consulta das DMR’s entregues pela empresa JO. , Lda verifica-se que os trabalhadores referidos pela testemunha, começaram a trabalhar nessa empresa no início de 2016,
• Sobre o transporte das matérias-primas para a CA. e dos produtos acabados para o SP, a testemunha JM. declarou que era o Sr. JF. quem efetuava o transporte, pensa que numa carrinha cinzenta de 9 lugares, mas não se recorda de nenhum logotipo.
A testemunha JU. indicou que viu algumas vezes o Sr. JF. nas instalações do SP, a carregar o material e a descarregar o trabalho pronto.
• Todas as testemunhas indicaram não ter conhecimento das faturas emitidas pela CA. , Lda à RJ. , Lda.
As testemunhas JU. e JM. não foram trabalhadores da CA., tendo declarado relativamente ao seu gerente, funcionários e instalações que:
• o Sr. JF. era o patrão. A testemunha JU. refere que o Sr. JF. era o patrão, mas não sabe se era o gerente. A testemunha JM. pensa que o Sr. JF. era o patrão e o gerente.
• Não conheciam os funcionários. A testemunha JU. indicou que só conheceu o M., a A. e a S. depois de terem vindo trabalhar para a empresa JO. , Lda.
• Não conheciam as instalações da CA., mas pensam que era perto das instalações do SP, “a meio da reta quem vai para Y(...)”, acrescentou a testemunha JU..
• Não têm conhecimento se a CA. mudou de instalações.
As testemunhas AS., MS. e MA. foram trabalhadores da CA.:
• A testemunha AS., NIF (…), indicou ter trabalhado para a CA. a partir de abril de 2014 até fins de setembro ou início de outubro de 2015.
• A testemunha MS., NIF (…), indicou que começou a trabalhar na CA. em setembro de 2009 até setembro de 2015.
• A testemunha MA., NIF (…), pensa ter iniciado em 2011 e trabalhado até 2015, conforme declarações, reduzidas a termo, prestadas no âmbito do procedimento inspetivo a um outro destinatário de faturas emitidas pela CA., conforme referido anteriormente.
Verificadas as DMR’s entregues pela CA., para os períodos de 2015 a 2017, apurou-se que:
• AS., NIF (…), foi funcionária da CA. de janeiro a setembro de 2015.
• MS., NIF (…), foi funcionária da CA. de janeiro a setembro de 2015.
• MA., NIF (….), foi funcionário da CA. em janeiro de 2015.
Relativamente à CA., as três testemunhas supra identificadas declararam o seguinte:
• Indicaram como gerente da CA. o Sr. JF..
• As testemunhas AS. e MS. referiram que deixaram de trabalhar para a CA. porque o Sr. JF. disse que ia encerrar a empresa. Segundo o testemunho de AS. “Na altura, fins de setembro ou início de outubro, o Sr. JF. fez uma reunião com todos os trabalhadores e disse que ia encerrar a empresa pois já estava de bem na vida e que já não precisava daquilo e que “já não tinha paciência”.”
Segundo o testemunho de MS. “O Sr. JF. em setembro de 2015 mandou os trabalhadores embora porque disse que ia fechar”.
A testemunha MA. saiu da CA. para prestar assistência à mulher, que se encontrava doente.
• Indicaram que as instalações da CA. eram em (...), perto da Rua (…), na parte de baixo da casa onde o Sr. JF. vivia.
• Quanto ao número de funcionários, os números indicados variaram entre 10 e 15.
• Quantos às máquinas industriais que a CA. tinha para laboração, os números variaram entre 3 a 4 balancés no corte e na costura entre 10 a 20 máquinas. A testemunha AS. indicou que nem todas as máquinas estavam ocupadas, pois a CA. tinha mais máquinas que trabalhadores.
• Não têm conhecimento se a CA. mudou de instalações depois de terem deixado de trabalhar lá.
A testemunha AS. quando questionada se tinha conhecimento se a CA. mudou de instalações, disse o seguinte: “O Sr. JF. disse que ia fechar e que ia ser controlador de qualidade “La Redoute.”
A testemunha MS. sobre a mesma questão afirmou que “Não sabe. Só sabe que os funcionários foram todos embora porque o Sr. JF. disse que ia fechar. Foram para o fundo de desemprego até dezembro de 2015 e de seguida fui trabalhar para a JO. , Lda. Na altura em que estavam com o fundo de desemprego, o Sr. JF. deslocou-se connosco, comigo, com a AS., com o Sr. MIe com aJA, à JO. , Lda para falar com o Sr. JO. e a D. JA, para conseguirem emprego na JO. , Lda.”
Quanto à testemunha MA., disse que “Depois de ter saldo, uma vez que tinha contacto com o Sr. JF., pois ajudava-o a limpar o jardim da casa, o Sr. JF. disse que ia “suspender a firma” e não que a ia fechar. Isto aconteceu há dois anos e meio, três anos. Disse que ia “suspender a firma” e que ele, o Sr. JF., ia para controlador de uma firma.”
• Indicaram que quem dava as ordens e instruções sobre o trabalho a executar eram o Sr. JF. e a D.EA, esposa do Sr. JF..
• Questionados sobre quem efetuava os transportes da matéria-prima para a CA. e dos produtos acabados para os clientes, a testemunha MA. referiu que normalmente quem efetuava o transporte dos materiais para os clientes era o Sr. JF.. E questionado sobre quantas e quais viaturas tinha a CA., referenciou que tinha uma carrinha de marca de 9 lugares, o carro do Sr. JF. e um carro de cada um dos filhos.
A testemunha AS. pensa que quem efetuava o transporte dos materiais para os clientes era o Sr. JF., pois não costumava ver pessoas de fora. Quanto ao número de viaturas da CA. refere que havia uma carrinha branca pequena e o Sr. JF. tinha um carro e a D.EA tinha outro.
A testemunha MS. não sabe como era efetuado o transporte e refere que a CA. tinha uma carrinha, branca ou cinza.
Estes testemunhos levam a crer que a partir de outubro de 2015 a CA. deixou completamente de exercer atividade, pelo que estes testemunhos em nada abonam a favor do SP, uma vez que em causa estão também faturas emitidas pela CA. ao SP em 2016 e 2017, que o SP alegou como verdadeiras. Além disso, as testemunhas que trabalharam para a CA., afirmaram que os filhos e a nora do sócio-gerente JP. não trabalhavam na CA., o que diminui ainda mais o número de funcionários que a CA. tinha ao seu dispor. (...)”
- Cf. cit. RIT junto com a PI e constante dos PA.’s, incorporados no SITAF.
30. Por ofício, datado de 28.11.2018, com o n.º 524.9546, a AT comunicou à Mandatária da Impugnante o teor do RIT, a que se alude em 24), de cujo teor se extrai, entre o mais, o seguinte:
“(...) Exm.º(s) Senhor(es)
Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 62.º do RCPITA, do Relatório de Inspeção Tributária, que se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada.
Das correções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indireta, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar. (...)
Anexo: Relatório com 32 folha(s) + DVD.
Junta Notas de diligência n.º NDO2018…, NDO20…, NDO2018…. (...)”.
– Cf. ofício, de fls. 9 dos P.A.’s, incorporados no SITAF.
31. Por ofício, datado de 28.11.2018, com o n.º 524.9547, a AT comunicou à Impugnante o teor do RIT, a que se alude em 24), de cujo teor se extrai, além do mais, o seguinte:
“(...) Exm.º(s) Senhor(es)
Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 62.º do RCPITA, do Relatório de Inspeção Tributária, que se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada.
Das correções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indireta, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar. (...)
Anexo: Relatório com 32 folha(s) + DVD.
Junta Notas de diligência n.º NDO2018…, NDO2018…, NDO2018 (...)”.
Cf. ofício, de fls. 12 dos P.A.’s, incorporados no SITAF.
32. Em 29.11.2018, a Mandatária da Impugnante recebeu o ofício referido no ponto 30) – Cf. comprovativo de recepção postal, de fls. 10 dos P.A.’s.
33. Em 29.11.2018, a Impugnante recebeu o ofício referido no ponto 31) – Cf. comprovativo de recepção postal, de fls. 13 dos P.A.’s.
34. Na sequência do procedimento inspectivo a que se alude no ponto 11), foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IVA de 2015, 2016 e 2017:
L.A. n.º 25939325 de 1502M no valor de € 1.380,00,
L.A. n.º 25939327 de 1504M, no valor de € 2.070,00,
L.A. n.º 25939329 de 1509M, no valor de € 6.166,88,
L.A. n.º 25939330 de 1510M, no valor de € 4.282,28,
L.A. n.º 25939331 de 1511M, no valor de € 3.456,64,
L.A. n.º 25939332 de 1512M, no valor de € 3.469,32,
L.A. n.º 25939333 de 1603M, no valor de € 1.840,00,
L.A. n.º 25939334 de 1604M, no valor de € 1.610,00,
L.A. n.º 2 25939335 de 1607M, no valor de € 4.025,00,
L.A. n.º 25939336 de 1608M, no valor de € 2.415,00,
E a L.A. n.º 25939345 de 1706M, no valor de € 2.197,75 - Cf. liquidações juntas com a PI como docs 04 a 21 do processo principal (pag. 150/167 do SITAF), cujo teor se tem por reproduzido.
35. Na sequência do mesmo procedimento inspectivo a que se alude em 11), foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IRC incluindo Juros compensatórios:
Liquidação n.º 2018 8310006554, de 2015, no valor de € 22.418,20;
Liquidação n.º 2018 8310006575, de 2016, no valor de € 10.068,79, e
Liquidação n.º 2019 8510002075, de 2017, no valor de € 2.178,15 Cf. Liquidações juntas com a petição inicial do processo n.º /20.2BEBRG, sob docs. 4 a 12, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
36. Em 02.04.2019 o Serviço de Finanças de Y(...) emitiu uma Declaração escrita donde decorre que, no âmbito de sete processos de execução fiscal foram aplicados créditos de IVA, levando à extinção dos mesmos – Cf. doc. 67 junto com a PI do processo apenso, cujo teor se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais.
37. Em 11.04.2019 a Impugnante apresentou reclamação graciosa quanto às liquidações adicionais de IVA e IRC e JC, referidas nos pontos anteriores – Facto não controvertido; Cf. fls. 536/551 do PA incorporado no SITAF.
38. Por Despacho datado de 25.10.2019 o Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de G….indeferiu a reclamação graciosa referida no ponto anterior com base nos fundamentos seguintes:
“(...)
Verifica-se também no RIT página 50 que as testemunhas MA., AS. e MS. foram funcionários da CA., conforme a seguinte transcrição:
“As testemunhas AS., MS. e MA. foram trabalhadores da CA.:
• A testemunha AS., NIF (...), indicou ter trabalhado para a CA. a partir de abril de 2014 até fins de setembro ou início de outubro de 2015.
• A testemunha MS., NIF (...), indicou que começou a trabalhar na CA. em setembro de 2009 até setembro de 2015.
• A testemunha MA., NIF (...), pensa ter iniciado em 2011 e trabalhado até 2015, conforme declarações, reduzidas a termo, prestadas no âmbito do procedimento inspetivo a um outro destinatário de faturas emitidas pela CA., conforme referido anteriormente.
Verificadas as DMR’s entregues pela CA., para os períodos de 2015 a 2017 apurou-se que:
• AS., NIF (...), foi funcionária da CA. de janeiro a setembro de 2015.
• MS., NIF (...), foi funcionária da CA. de janeiro a setembro de 2015.
• MA., NIF (...), foi funcionário da CA. em 2014 em janeiro de 2015.”
Nos procedimentos inspetivos foram efetuadas as seguintes correções em sede de IRC;(...)
Dos argumentos apresentados pela reclamante importa desde logo salientar que os intervenientes neste tipo de operações, tentam que a aparência documental seja a mais aproximada possível da que existe nas operações reais. Por isso, não faltam no universo das “faturas falsas” os respetivos “contratos” nem as faturas preenchidas com todos /ou quase) os elementos que a lei exige, emitem-se “recibos”, cheques (normalmente, mas nem sempre, descontados ao balcão), para que toda a aparência com as operações reais seja mantida. Note-se que o fenómeno da “faturação falsa” é, muitas vezes, acompanhado pela preocupação em documentar todo o circuito de pagamento através de cheques de forma a que se estabeleça a exata correspondência entre a fatura e o meio de pagamento.
Neste caso concreto, há que realçar que os serviços de inspeção tributária (SJT) fizeram notar o facto de os pagamentos das faturas foram efetuados através de cheques bancários tendo-se verificado as seguintes situações conforme mapa que se segue;
a) Valores não identificados nos extratos bancários da CA..
b) Valores identificados nos extratos bancários da CA., mas sem nenhum descritivo com indicação da origem, não sendo possível afirmar que corresponda a pagamentos efetuados pela reclamante.
Não procede, assim, o argumento da reclamante de que as operações em causa são reais por existir a emissão de cheques, e estes constarem nos extratos bancários para pagamento do valor das faturas.
Como bem refere a reclamante, o n. º 1 do artigo 75.º da LGT enuncia a presunção (ilidível) da veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes estendida aos seus elementos de apoio.
No entanto, ela cessa no caso da existência de indicias sérios de que as operações escrituradas não se realizaram, ora tendo os SIT provado a existência de indicias fundados de que tais operações não são verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas.
Quer isto dizer a presunção cessa quando, embora estando a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexatidões, ou haja indicias fundados de que, apesar da sua correta organização, não reflete a matéria tributável efetiva.
Cabe nesta previsão, claramente, o caso de a contabilidade, impecavelmente organizada, se avaliada do ponto de visto técnico-contabilístico, no entanto incluir operações não efetuadas, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto refletirem, na verdade, não tiveram lugar.
E, aqui, a lei não exige senão indicias fundados, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente refletem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protetor da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respetivos suportes, face àqueles fundados indicias.
Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das faturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
Com efeito, os elementos recolhidos em sede inspetiva - com apoio em fiscalizações com origem em terceiros, fornecedores da reclamante - vão, inequivocamente, num sentido claro: o de que o fornecedor em causa, não dispunha de capacidade logística ou empresarial para a realização das operações em causa, conforme se retira da leitura do relatório final de inspeção (RIT) nomeadamente de folhas 19 a 30.(...)
A reclamante alega que as testemunhas JM. e JU., trabalhadores da reclamante que disseram conhecer o Sr. JF. por este se deslocar às instalações da Reclamante para ir buscar as materiais, já que a reclamante recorria á CA. para serviços de corte e costura, quando não tinha capacidade suficiente de produção, no entanto nada refere sobre o factos das duas testemunhas AS. e MS. nunca terem visto o Sr. JF. nas instalações da reclamante conforme se verifica na página 48 do RIT e que consta em auto de declarações. “As testemunhas AS. e MS. nunca viram o Sr. JF. nas instalações do SP.”
Acresce o facto das duas testemunhas já terem sido funcionárias da CA. e terem saldo dessa empresa em setembro de 2015. Tendo estas testemunhas referido que deixaram de trabalhar para a CA. porque o SR JF. disse que ia encerrar a empresa, conforme se verifica pelas seguintes citações: “Segundo o testemunho de AS. “Na altura, fins de setembro ou início de outubro, o Sr. JF. fez uma reunião com todos os trabalhadores e disse que ia encerrar a empresa pois já estava de bem na vida e que já não precisava daquilo e que ‘Já não tinha paciência”.
“Segundo o testemunho de MS. “O Sr. JF. em setembro de 2015 mandou os trabalhadores embora porque disse que ia fechar”. (pág.50 do RIT).
Da análise efetuada aos testemunhos a IT verificou conclui o seguinte “Saliente-se ainda que as testemunhas, que trabalharam para a CA., e que afirmaram que esta deixou de funcionar definitivamente a partir de outubro de 2015, nunca viram JP. nas instalações da JO. , Lda e da RJ. , Lda.
Os trabalhadores que nunca trabalharam na CA., afirmaram que viram JP. e por vezes um senhor que se intitulava seu filho, a carregar material, mas apenas associaram o nome CA. devido às Guias de Transporte que eram emitidas. Além disso, a partir de 2016 não se recordam de ter visto JP..
Verifica-se que estes não tinham conhecimento direto de trabalhos pretensamente executados pela CA., pois o conhecimento a respeito desta empresa era apenas indireto, conforme o que lhes diziam.
Ainda que o SP pretenda fazer crer, através do testemunho dos funcionários indicados, que pelo menos até outubro de 2015 a CA. exerceu atividade e que as faturas por esta emitidas são verdadeiras, verificamos que o conhecimento das testemunhas é extremamente vago tendo em conta os carregamentos que deveriam ser feitos se as faturas correspondessem à realidade. Na verdade, a CA. emitiu faturas para as empresas JO. , Lda e RJ. , Lda quase todos os meses, de vários milhares de sapatos, não tendo capacidade de os prestar os serviços mencionados, tendo em conta o que já fora referido.
As testemunhas não têm conhecimento direto sobre a CA. e sobre os serviços que pretensamente prestava.”
Sendo a análise efetuada pela IT das páginas 47 a 52 do RIT adequada e que se subscreve na Integra por não nos merecer qualquer reparo.
Alega a reclamante nas verbas 34 e 36 que ainda que a CA. tenha emitido faturas falsas a outras entidades, facto que desconhece, pelo menos parte das faturas são verdadeiras como é o caso das faturas emitidas à reclamante, no entanto e de acordo com o apurado pela inspeção sendo todas as faturas contabilizadas por esta como subcontratos de serviços relacionados com o corte e costura, falsas, não poderia a AT considerar uma parte da faturação emitida e pretensos clientes como correspondentes a serviços efetivamente prestados. Tal só poderia ocorrer, se a CA. tivesse contabilizado faturas (que não fossem falsas) relativas a gastos e perdas que lhe permitissem efetuar os serviços por si faturados. No entanto, os gastos e perdas contabilizados pela CA. (não documentados através da utilização de faturas falsas) são insuficientes para a realização dos serviços por si faturados.
A reclamante em sede de procedimentos inspetivos não apresentou qualquer prova da materialidade das operações da prestação se serviços efetuados pela CA., não tendo tentado reconstruir o circuito económico e financeiro que tem subjacente os serviços que constavam nas faturas emitidas pela CA..
Indicando, por exemplo o mencionado nas páginas 52 e 53 do RIT que aqui se transcreve:
(...)
Da análise aos argumentos invocados pela mandatária da reclamante no direito de audição refere-se o seguinte:
1-Do alegado no ponto 3 da petição relativamente à prova testemunhal, não foi sobrevalorizada parte do testemunho de AS. e MS., e desvalorizados totalmente os testemunhos de JU. e JM., o que foi dito foi que, embora a mandatária referisse apenas o testemunho de JU. e JM., na petição da reclamação, existiam as outras testemunhas que não corroboravam o alegado pela reclamante, tendo, no entanto, em sede de proposta de decisão desta reclamação graciosa, sido subscrita na Integra a análise efetuada pela inspeção Tributária nas páginas 47 a 52 do RIT, por não nos merecer qualquer reparo, conforme transcrição da proposta de decisão que se segue “ Da análise efetuada aos testemunhos a IT verificou conclui o seguinte “Saliente-se ainda que as testemunhas, que trabalharam para a CA., e que afirmaram que esta deixou de funcionar definitivamente a partir de outubro de 2015, nunca viram JP. nas instalações da JO. , Lda e da RJ. , Lda. Os trabalhadores que nunca trabalharam na CA., afirmaram que viram JP. e por vezes um senhor que se intitulava seu filho, a carregar material, mas apenas associaram o nome CA. devido às Guias de Transporte que eram emitidas. Além disso, a partir de 2016 não se recordam de ter visto JP.. Verifica-se que estes não tinham conhecimento direto de trabalhos pretensamente executados pela CA., pois o conhecimento a respeito desta empresa era apenas indireto, conforme o que lhes diziam.
Ainda que o SP pretenda fazer crer, através do testemunho dos funcionários indicados, que pelo menos até outubro de 2015 a CA. exerceu atividade e que as faturas por esta emitidas são verdadeiras, verificamos que o conhecimento das testemunhas é extremamente vago tendo em conta os carregamentos que deveriam ser feitos se as faturas correspondessem à realidade. Na verdade, a CA. emitiu faturas para as empresas JO. , Lda e RJ. , Lda quase todos os meses, de vários milhares de sapatos, não tendo capacidade de os prestar os serviços mencionados, tendo em conta o que já fora referido.
As testemunhas não têm conhecimento direto sobre a CA. e sobre os serviços que pretensamente prestava.”
Sendo a análise efetuada pela IT das páginas 47 a 52 do RIT adequada e que se subscreve na íntegra por não nos merecer qualquer reparo.
2. Do alegado nos pontos 4 a 22 do direito de audição, no que se refere aos conhecimentos das testemunhas, reitera-se o já referido na proposta de decisão e no ponto antecedente.
3. Do alegado nos pontos 8 e 9 do direito de audição, relativamente à não notificação da reclamante e da mandatária para a inquirição das testemunhas gerar uma irregularidade e um vício no procedimento inspetivo, reitera-se o já referido na proposta da decisão.
4. Do alegado no ponto 23, referente à prova da materialidade das operações (em que a reclamante juntou as faturas, as guias de transporte, extratos de conta corrente e extratos de contas bancárias e testemunhas supra -indicadas), remete-se para o RIT e para o já referido na informação da reclamação, não acrescentando a reclamante nada de novo.
5. A reclamante, nos pontos 24 e 25 protesta juntar, em 10 dias, um relatório técnico que, alegadamente, comprovaria que a produção no período em questão foi feita com recurso à subcontratação, e, em concreto, com recurso ao fornecedor CA., tendo a mandatária da reclamante remetido, em 2019-10-11, uma exposição alegar que o referido relatório não se encontra concluído e que não se procederá à sua junção nesta fase.
6. No ponto 27 e 28 alega que foram desconsideradas faturas e serviços reais prestados a empresas pelo facto do prestador alegadamente ter emitido faturas falsas a certas entidades. Remete-se, de novo, para o RIT e para o já referido na informação da reclamação, não acrescentando a reclamante nesta sede nada de novo.” - cf. decisão da reclamação graciosa junta com a PI e fls. 505 a 514 dos P.A.’s, incorporados no SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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B) FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão a proferir, não se provou:
A) Os serviços de corte e costura de calçado descritos nas facturas emitidas nos anos de 2016 e 2017 a que alude o ponto 5) foram prestados pela CA. à impugnante;
B) A CA. alterou a sede da empresa para X(...), continuando a laborar
C) Entre 2016 e 2017 a estrutura que a CA. detinha permitia-lhe aceitar e entregar encomendas de corte e costura de calçado.
Relativamente a outros pontos de facto alegados na(s) PI(s), ora são conclusivos, repetitivos ou contêm meras considerações de direito por isso não se responde.
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C) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A decisão da matéria de facto provada efectuou-se com base no exame dos documentos que constam dos autos dos Processos n.º 187/20.6BEBRG e n.º 189/20.0BEBRG e dos Processos Administrativos (PAs) incorporados no SITAF, consoante se anota em cada ponto do probatório, concatenados com a posição da FP e da Impugnante nos seus articulados.
Para sedimentar a sua convicção quanto aos factos dados como assentes nos pontos (…) 7 (…) e 8, o Tribunal atendeu, substancialmente, aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Impugnante, nos termos que infra se passarão a enunciar.
Vejamos, então.
Conforme se cristalizou no probatório, a Impugnante está colectada pela actividade de fabricação de calçado (facto provado 1 (…)), dedicando-se essencialmente à montagem de calçado, necessitando de subcontratar os serviços de corte e costura (facto provado 2)).
O depoimento das testemunhas foi, quanto aos pontos acima referidos, no essencial, credível (desde logo por se verificar que as asserções de umas eram, depois, corroboradas pelas de outras, mas também por serem, estas, pessoas que conheciam directamente o âmago da actividade da Impugnante, porque lá trabalharam), nomeadamente porque os depoimentos foram prestados essencialmente por trabalhadores da impugnante que haviam trabalhado em 2015 na CA., verificando-se que as asserções de umas eram, depois, corroboradas pelas de outras, tratando-se de pessoas que conheciam directamente a actividade da Impugnante e da fornecedora CA., designadamente por terem trabalhado em ambas.
Afirmaram com convicção qual era em concreto, a actividade da Impugnante, explicando que consistia, no fundamental, na montagem de sapatos para a fabricação de calçado (facto provado 2)).
Para fundar a sua convicção quanto a esta factualidade, o Tribunal atendeu essencialmente aos depoimentos prestados pelas testemunhas MA. (que trabalha para a Impugnante, e trabalhou para a empresa CA. entre 2010 e 2015), AS. (a testemunha trabalha para a Impugnante desde o ano de 2017 e trabalhou para a CA. entre 2014 e 2015) e JM. (a testemunha trabalha para a Impugnante desde o ano de 2015).
No que tange às testemunhas que exercem funções na Impugnante importa referir que, quando questionadas, foram peremptórias na afirmação de que a actividade da Impugnante consistia na montagem de calçado/sapatos, na sua “industria” de fabricação de calçado e bem assim da necessidade de recorrer à subcontratação para o corte e costura de calçado (que depois a impugnante completava por via de montagem).
Com base nos depoimentos prestados (justamente aquelas que detinham conhecimento direto relativamente à actividade da Impugnante e às suas instalações), o Tribunal ficou esclarecido e convicto de que a Impugnante não dispunha de maquinaria industrial que permitisse a execução interna de todas as fases do fabrico do calçado que antecediam a montagem do mesmo (o dito corte e costura de calçado), daí a necessidade de recorrer a terceiros, consoante afirmaram as mesmas testemunhas.
Dos depoimentos destas testemunhas, que exerceram ou exercem funções na indústria do calçado [na CA. até ao ano de 2015 e posteriormente para a Impugnante] foi referido terem conhecimento directo da maquinaria, da estrutura empresarial bem como do giro da indústria, quer da CA. em 2015 onde exerceram funções, quer da Impugnante onde laboram após a saída da CA. por volta de 2015.
Foi com base nestes depoimentos que o Tribunal ficou elucidado de que, pelo menos em 2015, a Impugnante subcontratou a CA. para efectuar determinado tipo de serviços que aquela, não conseguia executar “dentro de portas”, como o sejam o corte e a costura de componentes de calçado. A este respeito, a testemunha JM., que depôs com razão de ciência (por ser empregado de armazém na Impugnante desde o ano de 2015), com segurança, assertividade e elevado detalhe (respondeu às questões colocadas sem hesitações, tendo sempre informado o Tribunal quando lhe eram feitas perguntas relativamente às quais não tinha conhecimento directo), afirmou que a Impugnante subcontratou a CA. e que era esta quem carregava e descarregava as matérias-primas. Disse, ainda, saber que era a CA. a empresa subcontratada pela Impugnante, pois chegou a “ir à porta” [das instalações da Impugnante] levar matéria-prima ao sócio-gerente da CA. e que havia guias de transporte com o nome CA..
Foi, também, determinante, quanto a este conspecto, o depoimento da testemunha MA., que trabalhou na CA. entre 2010 e 2015. A testemunha, de um modo espontâneo (característica que, aliás, foi transversal a todo o seu depoimento) afirmou que sabia que a CA. efectuava serviços para a Impugnante.
Perante esta asserção, o Tribunal confrontou-o com fotografias dos sapatos produzidos pela CA. à Impugnante (veja-se os documentos, designadamente as fotografias, juntas aos autos apresentados pela testemunha JO., e aceites pelo Tribunal, no decurso da audiência de discussão e julgamento), tendo a testemunha reconhecido o modelo de sapato como sendo serviço prestado pela CA., no período em que trabalhou naquela empresa (2015).
Também a testemunha AS. (que, como se referiu, foi trabalhadora da CA. nos anos de 2014 e 2015 e que em 2017 passou a trabalhar para a Impugnante exercendo funções de corte e costura na fabricação de calçado em ambas as sociedades) afirmou que a CA. prestava serviços de corte e costura.
Perante esta afirmação o Tribunal confrontou-a com fotografias dos sapatos produzidos pela CA. à Impugnante (veja-se os documentos, designadamente as fotografias, juntas aos autos apresentados pela testemunha JO., e aceites pelo Tribunal, no decurso da audiência de discussão e julgamento), tendo a testemunha reconhecido o modelo de sapato como sendo serviço prestado pela CA., no período em que trabalhou naquela empresa (2015).
O Tribunal atendeu, com particular relevo, ao depoimento prestado pelas sobreditas testemunhas, não só pela espontaneidade e desenvoltura das declarações, mas também por se tratar de antigos funcionários da CA. que, desde há vários anos, não têm relações profissionais com essa empresa. Nesse seguimento, esta Instância considerou o depoimento prestado pelas testemunhas, além de esclarecedor, assaz isento e descomprometido com o desfecho da presente acção.
Por outro lado, ainda, e no que tange a 2015, a própria testemunha arrolada pela FP, RM. (inspector Tributário) avançou que em 2015 alguma actividade da CA. existia, embora entendesse que não a totalidade de todos os trabalhos/operações vertidas na totalidade das facturas.
E se assim foi relativamente a 2015, desde já adiantamos que, o Tribunal não ficou convencido quanto ao recurso à subcontratação à CA. nos anos de 2016 e 2017 porque as testemunhas que trabalharam até ao ano de 2015 (inclusive) para a CA. afirmaram que após essa data deixaram de trabalhar na CA., que cessara actividade, tendo ido para outros locais trabalhar quando a CA. “cessou”, nomeadamente para a impugnante, tendo a testemunha JM., por diversas vezes repetido ao Tribunal que via o “Sr JF. da CA.” (JF.) por volta de 2015/2016 (ou seja, após ter deixado de trabalhar na CA. em 2015 e começar a trabalhar na impugnante), e depois de ter “fechado” por essa altura (2015/2016) nunca mais o viu lá, o que, levou, em conjunto com o demais (de que mais adiante daremos conta), a dar como não provado o vertido em A) e C) dos factos considerados Não provados.
A outro passo, nenhuma testemunha ouvida foi sequer capaz, como mais adiante se explicará, de esclarecer como era a estrutura a empresa CA. após alegada mudança de instalações para X(...), pois ninguém conheceu, viu, etc. E, a única pessoa que se deslocou X(...) com o fito de conhecer o alegado novo local de instalações (até porque estava referenciado em algumas das facturas da CA.) foi o Sr Inspector tributário, …..RG(1ª testemunha da AT) que afirmou sem qualquer hesitação que as mesmas não existiam após se ter lá deslocado.
De resto, a testemunha AS. afirmou que, a partir do ano de 2015, a CA. ficou sem funcionários. E, apesar da CA. apenas ter cessado formalmente em 2017, o Tribunal não se convenceu que depois de 2015 tivesse laborado para a impugnante ou para outrem.
Na verdade, o Tribunal não se convenceu que depois de 2015, ou noutra qualquer data posterior a este ano, a CA. estivesse a laborar noutro local, nomeadamente em X(...), para a Impugnante. E, se assim fosse, os preços que se mantiveram (consoante foi avançado pelo pelo ex gerente da impugnante) teriam necessariamente de ser diferentes, aumentando, em virtude do seu transporte que agora em vez de estar reduzido a menos de 1 Km (distância da sede da Impugnante em (…) e da CA. em Y(...)) passou a distar mais de 90 Km (Desde (…)/Y(...), para as alegadas novas instalações da CA. em X(...)), o que encarece os custos dos produtos e seu preço final.
Ora, informa a experiência comum da vida que, uma empresa que desloca a sua actividade para outra localidade que dista dos seus clientes uma distância significativa, cerca de 90 Kilometros (de (...)-(...) Y para X(...)), a ter ocorrido, e disso o Tribunal não se convenceu, necessariamente teria de aumentar o valor cobrado pelos seus serviços na medida em que as deslocações, enquanto custos, encarecem o valor dos mesmos que tem necessariamente de ser repercutidos. E, pese embora, no depoimento de JS. (representante legal da Impugnante à data dos factos em discussão nos presentes autos) avançar ao Tribunal que esse aumento não ocorreu e tudo se manteve inalterado, o que não nos convenceu, assim como não nos convenceu que tenham existido fornecimentos posteriores ao ano de 2015, ano a partir do qual a CA. cessou sua actividade, consoante afirmado, em sintonia, pelos ex-trabalhadores da CA. que saíram nesse ano de 2015, precisamente porque a empresa/CA. ia “fechar”, tendo-se o Tribunal convencido que pelo menos após aquele ano a CA. cessou de facto a sua actividade produtiva (apesar de formalmente o ter feito em 2017, consoante decorre dos documentos juntos aos autos), embora na Segurança Social ainda tenha havido evidências de inscrição de trabalhadores, familiares do seu gerente “JF.”, em nome da CA..
O Tribunal estranha, ainda, o facto de, no seu depoimento, o representante legal da impugnante afirmar que, até ao ano de 2015, deslocava-se com regularidade à sede da CA. sita em Y(...) e, após aquela data, nunca mais voltou às instalações da CA. e, ainda assim assegurar que continuava a recorrer aos seus serviços (da CA.) depois de 2015, sem nunca ter sequer sido discutido um eventual aumento de preço face à maior distancia das “novas” instalações (cerca de 90 Km) e os inerentes custos de deslocação, desconhecer o número de trabalhadores após aquela altura na CA., as “novas” instalações, etc, o que tudo traduz, a par de uma total ausência de racionalidade económica no que tange aos custos, uma ausência de credibilidade no que tange a fornecimentos após 2015, como seja em 2016 e 2017, os quais ninguém presenciou. De facto nenhum dos depoimentos se reportou as ditas novas instalações em (…) em 2016 e 2017, às máquinas, trabalhadores, etc, cujos depoimentos aqui trazidos foram totalmente omissos.
De resto não podemos deixar de atentar ao facto das facturas posteriores a 2015 continuarem a identificar as instalações da CA. como sendo em (...) [cf. facturas FAC A13/958 e FAC A13/1009 juntas como docs. 43 e 44 da P.I. no processo principal], altura em que, segundo as testemunhas, a CA. já, alegadamente, laborava em X(...).
Em suma, a existência de “outra CA.”, depois de cessar actividade em Y(...), como afirmaram os seus ex- trabalhadores (ouvidos pelo Tribunal), ficou por demonstrar e, por assim ser, também não se convenceu o Tribunal dos fornecimentos vertidos nas facturas posteriores a 2015, como sejam as de 2016 e 2017 que, ninguém conseguiu sequer avançar ao Tribunal ter visto carregamentos de mercadoria, entregas, tipo de estrutura, maquinaria, etc.
Deste modo, e quanto aos factos ocorridos nos anos de 2016 e 2017, o Tribunal não relevou desde logo o depoimento de parte acima referido, o qual manifestou revolta perante a acção inspectiva de que foi alvo, sendo, ainda assim, assertivo quanto aos factos ocorridos em 2015 (o que foi secundado, como se disse supra, por outras testemunhas), apresentando inclusive facturas da CA. e fotos de calçado por ela produzido, referentes ao ano de 2015, evidenciando já, um conhecimento algo detalhado acerca do produto ali feito, assim como da estrutura comercial da CA. sita em Y(...), mercê das deslocações mensais à mesma. Porém, incompreensivelmente, afirma que a CA. terá deslocado a sua atividade para X(...), mas não mais se tendo lá deslocado (sem apresentar uma razão para tal), o que, juntamente com o demais já enunciado, nos levou a concluir pela inexistência das subcontratações de corte e costura de calçado a que se reportam as facturas de 2016 e 2017 identificadas no ponto 05) do probatório.
Em suma: - De um modo geral, todos os depoimentos conseguiam de modo mais ou menos detalhado referir que nas instalações de Y(...) ocorreram os fornecimentos até ao ano de 2015, inclusive, ou seja até ao “fecho” da CA., daí em diante (de 2015 em diante). Contudo, quanto aos fornecimentos posteriores a 2015, como seja em 2016 e 2017, nenhuma prova foi trazida, a não ser a emissão de facturas, que naqueles anos de 2016 e 2017 tivesse efectivamente sido feitas operações de corte e costura na CA., desde logo noutras instalações (em X(...)) que ninguém, ouvido em sede de inquirição de testemunhas, lograsse sequer identificar, descrever, conhecer ou presenciar, etc, sendo que, os trabalhadores da CA. em 2015, agora da Impugnante, afirmavam que desde 2015 a CA. cessou e por isso foram trabalhar para outros locais, nomeadamente para a impugnante.
Assim, e com base nesta análise articulada do que foi dito pelas testemunhas, que detinham conhecimento directo quanto à actividade desenvolvida pela CA. em 2015, mas também relativamente às suas instalações e equipamentos, assim como conheciam o giro da própria impugnante, o Tribunal convenceu-se de que a Impugnante, no exercício da sua actividade, se dedica, fundamentalmente, à actividade de montagem de sapatos para fabricação de calçado, e de que no ano de 2015 recorreu, para o corte e costura, a outras empresas, nomeadamente a CA., tendo, por isso, dado como provados os factos enunciados nos pontos (…) 5) e (…).
Esta Instância firmou a sua convicção quanto aos factos dados por assentes nos pontos 7, 8 e 9 (…) a partir da apreciação crítica e articulada da prova documental junta aos autos, nomeadamente os P.A.s, concatenada com o depoimento das testemunhas MA., AS. e JM., que seguiram todas o mesmo sentido, como se verá, e que, como vimos recordando, em 2015 trabalharam na CA..
Como supra referido, estas testemunhas exerceram ou exercem funções na indústria do calçado [na CA. em 2015 e posteriormente para a Impugnante] e têm conhecimento directo da maquinaria, da estrutura empresarial bem como do giro da indústria quer da CA. quer da Impugnante, que deram conta ao Tribunal com algum detalhe, identificando as máquinas, veículos, etc ali existentes no tempo em que laboravam na CA. em 2015.
A testemunha JM. (por ser empregado de armazém na Impugnante desde o ano de 2015), depôs com segurança e assertividade afirmando que a Impugnante subcontratou a CA. e que era esta quem carregava e descarregava as matérias-primas. Disse, ainda, saber que era a CA. a empresa subcontratada pela Impugnante, pois chegou a “ir à porta” [das instalações da Impugnante] levar matéria-prima ao sócio-gerente da CA., identificando as carrinhas em que se deslocava e referindo serem duas, e, ainda, que havia guias de transporte com o nome CA.
Foi, também, determinante, quanto a este conspecto, o depoimento da testemunha MA., que trabalhou na CA. entre 2010 e 2015 referindo saber que a CA. efectuava serviços de corte e costura para a Impugnante e identificando as carrinhas nas quais o representante legal da CA. se deslocava.
Também a testemunha AS. (que, como se referiu, foi trabalhadora da CA. nos anos de 2014 e 2015 e que em 2017 passou a trabalhar para a Impugnante exercendo funções de corte e costura na fabricação de calçado em ambas as sociedades) afirmou que a CA. prestava serviços de corte e costura.
Perante esta afirmação o Tribunal confrontou-a com fotografias dos sapatos produzidos pela CA. à Impugnante (veja-se os documentos, designadamente as fotografias, juntas aos autos apresentados pela testemunha JO., e aceites pelo Tribunal, no decurso da audiência de discussão e julgamento), tendo a testemunha reconhecido o modelo de sapato como sendo serviço prestado pela CA., no período em que trabalhou naquela empresa.
O Tribunal atendeu, com particular relevo, ao depoimento prestado pelas sobreditas testemunhas, não só pela espontaneidade e desenvoltura das declarações, mas também por se tratar de antigos funcionários da CA. que, desde há vários anos, não têm relações profissionais com essa empresa. Nesse seguimento, esta Instância considerou o depoimento prestado pelas testemunhas, além de esclarecedor, assaz isento e descomprometido com o desfecho da presente acção, desde logo no que tange aos fornecimentos subcontratados em 2015, à maquinaria e giro comercial da CA. naquele período de 2015 onde a CA. laborava em (...)/Y(...), sendo este ((...)) o único local indicado e conhecido pelas testemunhas (que ali trabalharam), o qual vai também indicado nas facturas de 2015 (embora existam facturas de 2016 que continuam a mencionar a localização em (...) da CA.).
Relativamente ao número de trabalhadores na CA. em 2015, além da informação da Segurança Social constante dos autos que refere a existência de 12 trabalhadores declarados em 2015, o Tribunal, apoiando-se nos depoimento das testemunhas que foram trabalhadores da CA., acima identificados, convenceu-se que naquele ano de 2015 a CA. tinha entre 10 a 15 trabalhadores, numero esse que em 2016 se reduziu a 4 e em 2017 a 3, o que não está questionado pela impugnante, sendo estes trabalhadores de 2016 e 2017, inscritos como tal na Segurança Social, familiares dos corpos representativos da CA. (Ponto 10) dos Factos Provados).
Quanto aos pontos 8) e 9) do probatório foi igualmente determinante o depoimento das testemunhas que trabalharam na CA. em 2015, acima referidas e devidamente identificadas, o que, conjugadamente com outros depoimentos deram conta ao tribunal que pelo menos em 2015 a CA. utilizava duas viaturas para transportar e carregar mercadorias, usualmente pelo “Sr JF.” da CA.. E, o mesmo se diga relativamente à maquinaria existente, pelo menos em 2015, na CA., cujo relato foi trazido pelas mesma testemunhas, ex trabalhadores da CA. e, por isso, conhecedores da maquinaria para a fabricação dos componentes/corte/costura de calçado que ali se desenvolveu.
Relativamente aos factos dados como não provados em A), B) e C), respeitantes à prestação dos serviços descritos nas facturas emitidas nos anos de 2016 e 2017 pela CA.; que a CA. alterou a sede da empresa para X(...) e continuou a laborar bem como que entre 2016 e 2017 a estrutura que a CA. detinha lhe permitia aceitar e entregar encomendas, a Impugnante não logrou produzir prova capaz de convencer o Tribunal acerca do alegado naqueles pontos vertidos na PI.
Com efeito, as facturas apresentadas e a que alude o probatório, apesar de emitidas e até registadas na contabilidade, não convenceram o Tribunal de que os serviços tenham sido efectivamente prestados tendo sido transportados para as instalações da Impugnante e pagos os respectivos valores.
É verdade que foram juntos cheques para demonstrar o pagamento, e afirmado pela testemunha JO., que foi sócio-gerente da Impugnante, que esses cheques tinham sido por ele entregues, no entanto manifestou que desconhecia o destino desses cheques.
A par disso, não obstante a testemunha JO. afirmar que após 2015 continuou a encomendar serviços à CA. não convenceu o Tribunal dessa necessidade até porque contratou pelo menos quatro funcionários da CA. cujas funções consistiam, precisamente, no corte e costura.
Das testemunhas ouvidas, nenhuma delas foi capaz de afirmar que a Impugnante continuasse a subcontratar serviços de corte e costura à CA. após o ano de 2015 tendo, inclusive, a testemunha AS. referido que a CA. ficou sem funcionários naquele ano.
Ora, decorre ainda do RIT que as facturas emitidas nos anos de 2016 e 2017 indicam como sede da CA. moradas que não correspondem ao local de exercício de actividade desta, nomeadamente X(...) (fato provado 29)), não tendo sido juntas aos autos qualquer prova que contrariasse esta informação.
De resto, o Tribunal apenas se convenceu que a única actividade desenvolvida pela CA. (apesar da falta de licença) se situou em (...), e nenhuma prova foi trazida, designadamente testemunhal que relatasse uma actividade noutro local que não em (...), como ocorreu com os serviços subcontratados em 2015, os únicos que convenceram o Tribunal de ter ocorrido.
Ainda quanto às facturas emitidas pela CA., a testemunha trazida AF., contabilista da Impugnante à data dos factos, afirmou que a contabilidade da Impugnante estava “em ordem”, embora não se recordasse de alguma vez ter visto recibos da CA., no entanto e no que tange à materialidade das operações, nada sabia.
No que respeita às demais testemunhas, nomeadamente RJ. [consultor no Calçado desde 1996], RO. [empresário de calçado desde 2005, sendo proprietário da empresa “SA.” que tinha relações comerciais com a Impugnante] e JA. [empresário de calçado desde 2005, sendo proprietário da empresa “JM., Lda” que tinha relações comerciais com a Impugnante], o Tribunal não valorou o seu depoimento pois nada sabiam em concreto acerca da materialidade das operações descritas nas facturas, bastando-se o seu depoimento em descrever as suas relações comerciais com a fornecedora aqui em causa, que passaram por procedimentos inspectivos semelhantes mas, desde logo a testemunha RM., não tinha conhecimento directo dos factos em causa nos presentes autos afirmando, nada sabia quanto às subcontratações de corte e costura, sendo consultor da “empresa JO. Pereira”, que partilha o mesmo espaço da Impugnante; a testemunha RO. afirmou nunca se ter deslocado às instalações da sociedade CA. tendo o seu depoimento sido orientado pela revolta que sentida por ter tido um procedimento inspectivo por facturação falsa com a mesma emitente e tendo pago IVA e IRC; quanto ao depoimento de JA., afirmou apenas ter tido relações comerciais com a Impugnante, conhecia a CA. (referindo que a empresa CA. tinha as suas instalações em (...) e sabia que em 2015 deslocou a sua actividade para X(...) mas nunca lá foi), sem no entanto possuir qualquer conhecimento acerca dos factos em discussão na situação em causa.
Ora, o assim referido, não permitiu, com efeito, ao Tribunal convencer-se nem ficar esclarecido (pelo contrário) que as facturas em discussão nos autos, de 2016 e 2017, correspondessem a subcontratações de corte e costura para calçado feitos pela impugnante à CA..
Foi análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, sedimentou a convicção do Tribunal quanto aos factos dados como Provados e Não provados cf. artigo 74º LGT, 76º nº 1 LGT e artigo 362º e ss do CC.».

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Do ónus da prova da AT
Conforme supra enunciado, por razões de ordem lógica e porque a resposta a esta questão pode tornar inútil a apreciação do erro de julgamento de facto igualmente suscitado neste recurso, vamos começar por analisar se a AT observou o ónus probatório que sobre si impedia.
Como é sabido, nos casos da denominada “faturação falsa” não está em causa a correção formal da contabilidade, mas sim a substancial. A circunstância de as operações se encontrarem documentadas (fatura, recibo, comprovativo dos meios de pagamento, etc.) e terem sido devidamente inscritas na contabilidade faz presumir a existência da operação, todavia, tal presunção deixa de operar, nomeadamente, se a contabilidade ou escrita do contribuinte revelar indícios fundados de que não reflete ou impede o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75º, nº 1, da Lei Geral Tributária).
Logo, se a AT recolher indícios sérios, e objetivos de que os documentos de suporte, ainda que formalmente corretos, não refletem uma verdadeira transação (seja relativamente aos sujeitos, objeto, datas, valores, meios de transporte utilizados, etc.), cessa a presunção de veracidade das operações constantes de tais documentos.
Constitui jurisprudência pacífica, reiterada e uniforme que quando a liquidação adicional tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, compete à Administração Tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua atuação. Dito de forma diversa, assentando o juízo da Administração Tributária na consideração de que as operações a que se referem as faturas reputadas falsas não correspondem à realidade, terá de demonstrar a existência de indícios sérios e fundados de que as operações naquelas descritas foram simuladas. Feita essa prova, cabe ao contribuinte o ónus da prova de que as operações económicas que estiveram subjacentes à dedução do imposto se realizaram.
Importa, contudo, referir que a administração tributária não tem de fazer a prova direta da simulação, i.e., a prova dos pressupostos exigidos pela lei civil para que se verifique a simulação (cf. artigo 240º do Código Civil), sendo suficiente a prova indireta, ou seja , a prova de “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” (cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Coimbra, 1972, pág. 154). Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, in A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311.
A AT tem, pois, o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a desconsiderar as faturas contabilizadas (in casu, que a levou a considerar determinadas prestações de serviços como simuladas), factualidade essa que tem de ser suscetível de afastar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente em sede tributária), só, então, passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações comerciais se realizaram.
Tais indícios podem colher-se junto da escrita e contabilidade de quem arquivou e relevou contabilisticamente os documentos em causa, como colher-se junto de elementos externos à mesma, nomeadamente mediante cruzamento de informação, sendo que, só perante esses concretos indícios, essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade da escrita do sujeito passivo, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que as transações/operações ali descritas efetivamente se realizaram.
A AT não precisa de demonstrar a falsidade das faturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos-índice que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem simuladas, pois, de contrário, seria praticamente impossível atingir o objetivo legal de tributação do rendimento real e de combate à fraude fiscal.
Feita que seja essa prova pela AT, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a deduzir os gastos ou o IVA que deduziu, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois, neste caso, o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação. Assim, cessada a presunção de veracidade da escrita do contribuinte, passa a competir-lhe o ónus de provar que as operações questionadas efetivamente se realizaram, comprovando os custos que veio a deduzir em sede de IRC e o IVA que deduziu.
Importa, pois, que atentemos nos elementos recolhidos em sede inspetiva, de molde a determinar se, in casu, AT logrou reunir, como lhe é exigível, indicadores suficientes e demonstrativos de que às faturas contabilizadas pela Recorrente, emitidas pela fornecedora “CA.”, não subjazem as operações que nelas se descrevem, ou seja, se os elementos indiciários apontados pela AT permitem inferir, com um grau de probabilidade elevada, a simulação das operações subjacentes à respetiva emissão.
Nesta matéria, a sentença recorrida sintetizou os indícios apontados pela AT do seguinte modo:
«(…), do RIT, em que vai expressa a fundamentação quanto aos indícios da simulação em que se esteou a AT, colhe-se que os SIT fizeram diligencias junto da CA. (fornecedora), tendo em conta o procedimento inspectivo que foi alvo aos exercícios de 2013 até 2017, em que foi analisada a sua contabilidade (designadamente a demonstração de resultados de 2013 a 2017, fluxos de pagamentos em numerário, essencialmente), o número de trabalhadores (que eram 9 em 2015 e em 2016 e 2017, eram 4 e 3 familiares, respectivamente), os consumos de electricidade (que baixaram de cerca de 9.000,00 em 2013 para 578,00 em 2017), consulta à Camara Municipal de Y(...) (em que se constatou que as instalações não tinham licença para a alegada actividade desenvolvida), foi feita a circularização a todos os fornecedores que supostamente teriam emitido as facturas contabilizadas pela CA., e cujo NIF corresponde a um sujeito passivo constante do cadastro da AT, concluindo nos períodos de 2013 a 2017, a CA. contabilizou 959 faturas, que não foram comunicadas na aplicação e-fatura pelos supostos fornecedores e que dizem respeito a 416 supostos emitentes diferentes, fi ainda analisada a estrutura da CA. de modo a concluírem que não tinha capacidade para os fornecimentos contabilizados, etc.
Além de todos indícios relatados no RIT acerca daquilo que foi feito junto da CA., apropriando-se a AT do resultado da acção inspectiva feita aos exercícios económicos de 2013 a 2017 (identificado no RIT), foram ainda colhidos indícios juntos da impugnante.
(…)
Os SIT também fizeram diligências junto da impugnante, ao contrário daquilo que a impugnante apregoa. Tudo consoante se vê do ponto III.2 do RIT, sob epigrafe “III – 2. Procedimento Inspetivo ao SP, onde se colhe o seguinte:
“(...)
Constando a RJ. como destinatário de faturas emitidas pela CA., foram abertos procedimentos inspetivos ao SP aos períodos de 2015, 2016 e 2017.
No âmbito destes procedimentos inspetivos, a 2018-09-06 foi solicitado ao SP o acesso a informações e documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras previstas como tal no art 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 31712009, de 30 de outubro, e 24212012, de 7 de novembro, do SP, tendo o mesmo autorizado.
O sócio-gerente, JO., NIF (...), ouvido em declarações, reduzidas a termo, manteve as declarações prestadas no dia 15 de junho de 2018, no âmbito da ação inspetiva a JO. Lda, NIPC (...), da qual é também sócio-gerente, ao abrigo das ordens de serviço externas n.º 0120180…, 0120180… e 0120180…: “Relativamente à CA., conhece muito bem JF. , já trabalhava com ele há mais de 10 anos.
Recorria à CA. quando precisava, para corte e costura. O Sr. JF. dirigia-se às instalações da JO. Lda, carregava o material e entregava já pronto.
Conhecia as instalações da CA., que ficava em (...). Em 2016 deslocou-se às instalações da CA., em (...), que eram os fundos de uma casa.
Em determinada altura, alterou a morada para X(...). O Sr. JF. solicitou que alterasse a morada nas guias emitidas.”
Ainda quanto às diligências feitas junto da impugnante para sustentar a simulação das facturas, o ponto 111-2.1 do RIT, sob titulo de “Prestação de Serviços da CA.”, decorre um inúmero de diligências feitas pelos SIT para desconsiderar as facturas de 2015, 2016 e 2017 aqui em crise, através da identificação das facturas, do seu valor, diferentes moradas indicadas que não correspondiam à sede da CA. ou a qualquer morada onde fosse exercida a actividade (Zona Industrial X(...); Rua Y(...); Rodovia (…) Y(...) e Rua Y(...)), para concluírem que nas datas das facturas emitidas à impugnante nenhuma morada correspondia à sede da CA..
Colhe-se ainda daquele ponto do RIT que foram identificados os locais de carga de descarga como tendo sido carregados na morada da fornecedora e descarregados na impugnante e que estava identificada, como transporte “V/Viatura”, como se o transporte tivesse sido efectuado pelo SP, mas que aquele transporte não poderia ter sido efetuado pelo SP nas instalações indicadas nos documentos, pelo facto de não corresponderem à sede da CA. ou a qualquer morada onde fosse exercida a actividade.
Foram ainda analisados os pagamentos pela impugnante, com referencia a cada factura, montante, os cheques, data dos mesmos, e o valor dos cheques, com referência daqueles não foram contabilizados nos extractos bancários da CA. (todas as facturas de 2015, a factura de 25.02.2016 e de 25.07.2016), assim como os valores que estava identificados nos extractos bancários da CA., mas sem nenhum descritivo com indicação da origem, não sendo passível a AT afirmar que correspondam a pagamentos efectuados pelo SP (designadamente das Facturas de 18.04.2016, 08.08.2016 e a Factura de 2017).».
Pese embora a Meritíssima Juiz a quo tenha considerado os indícios apontados pela AT como fortes e seguros, a nosso ver não o são, desde logo e por carecerem de coerência, pois não se percebe a razão pela qual AT sempre insistiu em que a “CA.” só poderia exercer a sua atividade no local da sua sede e não em qualquer outro como, por exemplo, em (...). Afinal de contas, era ali que as testemunhas por si ouvidas e cujos depoimentos foram relatados em resposta ao direito de audição disseram que aquela fornecedora laborava.
Conhecendo a AT a morada completa da habitação dos sócios da fornecedora em causa e perante o teor daqueles depoimentos, não se compreende que não tenha empreendido uma simples deslocação àquele local; assim se dissipariam quaisquer dúvidas sobre se ali era, ou não, exercida alguma atividade; se existiam, ou não, as maquinarias que alguns dos inquiridos disseram estar lá presentes, se existia, ou não, ligação a energia elétrica que permitisse o exercício da atividade e, na afirmativa, quem era o titular do contrato de fornecimento respetivo.
Já no que respeita às diligências efetuadas junto da Recorrida, não conseguimos apreender em que medida podem evidenciar, sequer indelevelmente, a inexistência das operações em causa. Não há notícia de algo ter sido averiguado quanto à viatura da sociedade Recorrida que terá feito transporte de mercadorias da fornecedora para a “RJ.”; nada se apurou na contabilidade desta que sugira a falta de pagamento das faturas emitidas pela “CA.”. Em suma, junto da Recorrida, nada se apurou que sustente a suspeição de falsidade das operações tituladas pelas faturas emitidas pela “CA.”.
Ocorre, portanto, um défice instrutório no âmbito do procedimento inspetivo, em violação dos princípios do inquisitório e da verdade material, consagrados nos artigos 58º da LGT e 6º do RCPITA, que inquina os atos subsequentes, pois todos os demais indícios só ganham relevo no pressuposto de que a atividade da fornecedora não era exercida porque, sendo-o, não passam de meras irregularidades, insuficientes para evidenciar a inexistência das operações tituladas pelas faturas emitidas pela “CA.”.
Nesta conformidade, impera concluir que a AT não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia e, nessa medida, a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que lhe vem imputado, devendo ser revogada, com a consequente anulação das liquidações ainda em crise, restando prejudicado o conhecimento da outra questão suscitada.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e julgar a impugnação procedente na parte restante, anulando as liquidações de IVA e IRC dos anos de 2016 e 2017, bem como os respetivos juros compensatórios.

Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias, por nelas sair totalmente vencida, que, porém, não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou (artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC).

Porto, 31 de março de 2022

Maria do Rosário Pais - Relatora
José Coelho - 1.º Adjunto
Irene Isabel das Neves - 2.ª Adjunta