Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00593/15.8BEBRG |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 11/06/2015 |
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Tribunal: | TAF de Braga |
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Relator: | Esperança Mealha |
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Descritores: | PERDA DE MANDATO – CADUCIDADE DIREITO AÇÃO |
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Sumário: | I – Mostra-se caducado o direto de ação, quando a causa de pedir da perda de mandato radica em atos praticados no âmbito de procedimento de formação do contrato e entre tais factos e a propositura da ação em juízo decorreram mais de 5 anos. II – Os atos praticados em execução do contrato celebrado na sequência de tal procedimento (relativamente aos quais ainda não decorreram 5 anos) não constituem fundamento da ação, quando o autor não os caraterizou de modo a imputar-lhes um desvalor jurídico independente e autónomo das ilegalidades relacionadas com os atos praticados no procedimento de formação do contrato que esteve na sua origem.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
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Recorrente: | MINISTÉRIO PÚBLICO |
Recorrido 1: | JMMS |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Perda de Mandato (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte 1. Relatório O MINISTÉRIO PÚBLICO interpõe recurso jurisdicional da sentença do TAF de Braga que julgou improcedente a ação de perda de mandato intentada pelo Recorrente contra JMMS. O Recorrente apresentou alegações, onde conclui nos seguintes termos, que delimitam o objeto do recurso: - Considerou, a Mmº Juiz “à quo”, ao absolver o Réu da instância, julgar a exceção de caducidade do direito de ação totalmente procedente. - Ao mesmo tempo considerou a ação extemporânea relativamente aos factos que a fundamentam ocorridos até à celebração do contrato, inclusive, e improcedente quanto ao mais – execução do contrato. - Ficamos, assim e desde logo, na dúvida sobre o verdadeiro sentido da decisão no que se refere à extensão da exceção de caducidade do direito de ação, pois que se revela contraditória, atenta aquela formulação. - A decisão que considera procedente a exceção de caducidade abrange a ação em toda a sua extensão e materialidade fáctica? - Então porque considera, “Ainda que assim se não entenda, sempre se teria de considerar que a ação é extemporânea relativamente aos factos que a fundamentam ocorridos até à celebração do contrato, inclusive, e improcedente quanto ao mais – execução do contrato,” Se entendeu que não foram alegados factos que preenchessem a causa de pedir, então devia-o ter dito, julgando a petição inepta, ou notificando o Autor para corrigir ou rectificar a PI. - Não podia a Mmª Juiz decidir por um lado, a procedência de uma exceção de caducidade do direito de ação, absolvendo o Réu da instância e, ao mesmo tempo, considera, a ação improcedente quanto ao mais – execução do contrato. - Consideramos, assim, neste vector da decisão que ela sofre de contradição insanável e obscuridade, pois os fundamentos estão em oposição à decisão, o que determina a sua nulidade nos termos do art. 615º al c) do C P Civil. - Conclui a Mmª Juiz “a quo” que tais factos, referindo-se aos factos relativos “a manutenção em vigor do contrato ou, melhor, a não denúncia do contrato 15 dias antes do termo, e os pagamentos de honorários ocorridos entre 10.02.2010 e 31.01.2012, data de rescisão do contrato” não são verdadeiramente factos fundamentadores da ação, por considerar que notoriamente, a argumentação do Autor assenta na escolha do procedimento de ajuste direto, na decisão de contratar e na escolha de uma única entidade gerida pelos pais do Réu. - Porém tal raciocínio está, desde logo, viciado à partida, pois que notoriamente não é verdade que o Autor tenha procedido daquela forma. - Desde logo, porque, na exposição dos factos na petição inicial, não podia o Autor deixar de dar primazia à factualidade que dá inicio e vai determinar a celebração do contrato e, posteriormente à sua execução, sem que daí se possa retirar a conclusão abusiva, de que os factos relacionados com a execução do contrato não foram considerados de forma relevante e, mais do que isso, não se pretendeu englobá-los na alegação do elemento subjetivo, “dolo”. - Ora, basta atentar na formulação dos nºs 35º e 37º da petição inicial, para se verificar que a ênfase é dada tanto às decisões consubstanciadas nos atos praticados “quer na formação do contrato, quer na sua execução”. - De todo o modo não é por se descreverem os factos de forma mais ou menos detalhada, com maior ou menor ênfase, que o seu conhecimento pode ser omitido. Se os factos foram alegados, o Tribunal não pode deixar de os conhecer e de lhes atribuir o relevo que lei lhes confere. - Se tal aconteceu, como parece transparecer da decisão da decisão final, apesar daquele “Ainda que assim se não entenda…”, a sentença incorre em nulidade por omissão de pronúncia nos termos do art. 615 al. d) do CPC. - Se a Mmª Juiz se pretendeu referir à forma mais detalhada como foi feita a exposição relativa à formação do contrato, é óbvio que tal não podia deixar de ser feito, uma vez que é nessa fase que está a força evidenciadora de toda atuação do Réu no sentido de favorecer a empresa de que são os únicos sócios os seus pais. Foi nessa fase que escolheu a empresa contratada, sabendo que seus pais eram os respectivos sócios, mantendo esse contrato em toda a fase da sua execução, na qual praticou atos relevantes de natureza administrativa e inseridos nesse procedimento contratual, atuando de forma deliberada e consciente, como se afirma na PI. - De facto, contrariamente ao defendido pela decisão em recurso, todos os factos alegados, quer os relativos à formação e celebração do contrato, quer à sua execução, inserem-se num procedimento administrativo e, como tal, todos fazem parte de um todo que não pode deixar de ser entendido na sua globalidade. Na verdade a lei refere-se não só a ato e contrato, mas também a procedimentos administrativos onde todo esse conjunto de atos podem, ou não, estar englobados, mas são certamente relevantes para o conhecimento da causa e, em suma, para al administração da justiça. - Não faria sentido analisar apenas os atos de execução do contrato, sem conhecer os factos que precederam e foram decisivos na celebração do mesmo contrato, pois que a situação resultaria incompreensível. - Não é por acaso que tanto a norma do art. 44º nº 1 do CPA, em vigor à data dos factos, como o art. 8º nº 2 da Lei 27/96 de 1/8, referem-se expressamente à intervenção em procedimento administrativo, ou ato ou contrato, donde resulta, em nosso entender, que, para além da atuação casuística, através de atos isolados, há que considerar a intervenção em procedimento administrativo, que nem necessita de ser traduzida em atos formalmente administrativos, mas apenas numa atuação de cariz meramente procedimental que, de alguma forma, possa evidenciar a violação dos valores que com essa impedimento a lei visou tutelar. - Esses valores não são mais do que os que resultam dos princípios da prossecução do interesse público, justiça e imparcialidade e da transparência, plasmados nas normas dos artigos 4º e 6 do CPA e 266 nº 2 da CRP, que com a atuação do Réu, em todas as vertentes daquele procedimento, inclusive a executiva se mostram violados. - Importa reter que o art. 44º n 2 do CPA, apenas se excluem dos casos se impedimento enumerados nas alíneas do nº 1, ao atos de mero expediente, designadamente os certificativos. - Ora, de forma alguma se podem considerar os atos que autorizam os pagamentos efectuados em execução do referido contrato de atos de mero expediente ou, como se refere na sentença: “Estando em vigor o contrato, o pagamento dos honorários era uma obrigação legal”, e, como tal, “A conduta do Réu de execução, cumprimento do contrato não é subsumível à previsão do mencionado art. 8º da Lei 27/96.”. - Parece resultar, pois, da sentença em crise, que os atos praticados na execução do contrato, não se inserem em procedimento administrativo, não são atos administrativos, nem se referem a contractos. - Porém, da simples leitura dos documentos juntos com a PI (doc. 11, Anexo de fls 19 a 45) resulta que cada autorização de pagamento é dada por despacho devidamente identificado em cada um dos documentos, onde se refere “Autorizado o pagamento por despacho”, seguindo-se a data respectiva. - Como nos parece evidente, este ato é, sem qualquer dúvida, um ato administrativo, com eficácia externa e dotado de toca a lesividade. - Em situação semelhante, o STA tem entendido que os atos de processamento de vencimento são verdadeiros actos administrativos, vide Acórdão do STA de 22/11/11, in Proc. nº 547/11, in bases do ITIJ. “I – Os atos de processamento de vencimentos dos funcionários públicos são verdadeiros atos administrativos, isto é, consubstanciam decisões, ao abrigo de normas de direito público, que produzem efeitos jurídicos, numa situação individual e concreta (art. 120.º CPA), quanto às questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade de unilateralidade decisória.”, no mesmo sentido o Acórdão do STA Pleno do CA in Proc.544/06 de 2008/04/10 c Ac do STA de 14/5/96, no sentido da caracterização de ato administrativo, apesar da sua prática traduzir o cumprimento de obrigação legal. - A douta sentença, ao considerar, na situação concreta e dada como provada, que a atuação do Presidente da Câmara, ao autorizar os pagamentos relacionados com a execução do contrato, não se enquadra no art. 8º nº 2 da Lei 27/96 de 1/8, pelo facto de que, estando em vigor o contrato, o pagamento de honorários se enquadra no cumprimento de uma obrigação legal, incorre em erro de julgamento. - Na verdade, atenta a matéria de facto dada como provada, toda a materialidade da atuação do Presidente da Câmara em desrespeito da norma que o impede de intervir nos actos e procedimento administrativos em que efetivamente interveio, se encontra evidenciada nos autos. - Temos, assim, que ao decidir como decidiu, pela irrelevância da atuação do Presidente da Câmara durante a fase de execução do contrato e pela inconsideração da sua atuação em procedimento administrativo, julgando verificada a exceção de caducidade do direito de ação e, em consequência, absolvendo o Réu da instância, o Mmº Juiz elaborou em erro na apreciação da matéria de facto, violando o disposto no arts. 8º nº 2 da Lei n.° 27/96 de 1/8, 44º do CPA, 266 nº 2 da CRP, 607º nºs 2 do C. P. Civil. - Pelo que deverá a sentença recorrida ser declarada nula ou, caso assim não se entenda, deverá ser revogada e em seu lugar proferida outra onde se julgue a ação procedente e, em consequência, se declare a perda do mandato que o R exerce na Câmara Municipal do mesmo Município de CB * O Recorrido contra-alegou no sentido da improcedência do recurso, não tendo apresentado conclusões.O tribunal recorrido proferiu despacho, sustentando a inexistência das nulidades apontadas pelo Recorrente. *** 2. Factos2.1. A decisão recorrida deu como assentes os seguintes factos: 1- O Réu JMMS foi eleito Presidente da Câmara Municipal de CB, do mesmo Município, nas eleições autárquicas de 11.09.2009, ocupando o primeiro lugar da lista mais votada para aquele órgão – cfr. doc. 1 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 2- Nas eleições autárquicas de 29.09.2013 assumiu de novo o cargo de Presidente da Câmara Municipal de CB, do mesmo Município – cfr. doc. 2 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 3- Por despacho de 06.11.2009 do Presidente da Câmara Municipal de CB, aqui Réu, foi determinada a abertura de um procedimento de ajuste direto com vista à contratação da prestação de serviços em regime de avença de “consultadoria nas áreas das finanças, economia e gestão, que coadjuve o Presidente e os Serviços de Gestão e Finanças na elaboração e acompanhamento do PPI e do Orçamento, prestação e relatório de contas, bem como que articule a execução do PPI e Orçamento com os diversos serviços municipais”, pelo prazo de 12 meses - cfr. doc. 3 (anexos fls. 1 a 3) junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 4- Por ofício de 09.11.2009, assinado pelo Presidente da Câmara Municipal de CB, foi convidada a empresa “ CP – Agrofloresta, Turismo e Serviços, Lda.” a apresentar proposta para a adjudicação cfr. doc. 4 (anexos fls. 4 a 6) junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 5- A referida empresa apresentou proposta a 10.11.2009 - cfr. doc. 5 (anexos fls. 7 a 10) junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 6- A prestação de serviço foi adjudicada por despacho de 11.11.2009 do Vice - Presidente da Câmara Municipal ICGS - cfr. doc. 7 (anexos fls. 12) junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 7- O contrato foi outorgado a 15.01.2010 pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal, em representação do Município, e pelo gerente da adjudicatária ATMS, com efeitos reportados a 11.11.2009 - cfr. doc. 9 (anexos fls. 15 a 17) junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 8- Foi acordado que o contrato tem o prazo de doze meses e considera-se prorrogado por iguais e sucessivos períodos de tempo, salvo se 15 dias antes do seu termo ou de qualquer das suas prorrogações for denunciado por qualquer das partes. 9- Foi promovida a publicação da contratação no Portal BASE dos contratos públicos a 14.01.2010 - cfr. doc. 10 (anexos fls. 18) junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 10- As autorizações de pagamento dos honorários, com periodicidade mensal, no valor de 56.847,50 euros foram assinadas pelo Presidente da Câmara Municipal - cfr. doc. 11 (anexos fls. 19 a 45) junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 11- O contrato manteve-se em vigor até à rescisão por mútuo acordo, formalizada em 31.01.2012, com efeitos a 01.02.2012 - cfr. doc. 11 (anexos fls. 46 e 47) junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 12- A petição inicial que originou os presentes autos foi entregue neste Tribunal no dia 10.02.2014 – cfr. fls. 2 dos autos. * 2.2. Retificação de lapso de escritaNo ponto 12. da matéria de facto, acima transcrito, refere-se a data de “10.02.2014” como sendo a data de entrada da ação. Contudo, resulta do comprovativo de entrega da petição inicial, constante de fls. 2 dos autos, que a ação deu entrada em tribunal em 10.02.2015 (e não em “10.02.2014”). Mais se verifica que a referência, nos factos provados, ao ano de “2014”, constitui um mero lapso de escrita, uma vez que o tribunal recorrido deu como provado tal facto com base no documento de fls. 2 (que contém referência expressa à data de “10.02.2015”) e foi essa a data de 2015 que teve em consideração na decisão, referindo-se expressamente à data correta – 10.02.2015 – na fundamentação de direito, para concluir pela caducidade do direito de ação. Acresce que o próprio Recorrente não questiona que a data de entrada da petição seja a que consta dos autos e foi tida em consideração pela decisão recorrida (apesar do apontado lapso de escrita), ou seja, 10.02.2015. Assim, impõe-se rectificar o lapso de escrita constante da sentença recorrida, passando o ponto 12. dos factos provados a ter a seguinte redação: 12- A petição inicial que originou os presentes autos foi entregue neste Tribunal no dia 10.02.2015 – cfr. fls. 2 dos autos. *** 3. Nulidades da sentençaO Recorrente Ministério Público imputa à sentença recorrida uma nulidade por contradição insanável e obscuridade dos seus fundamentos (artigo 615.º/c) do CPC), por entender que a decisão é contraditória quando julga procedente a exceção de caducidade do direito da ação, absolvendo o réu da instância e, simultaneamente, considera a ação improcedente quanto ao demais. A sentença recorrida foi proferida em ação especial para declaração de perda de mandato, intentada pelo Ministério Público, aqui Recorrente, nos termos da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto (Lei da Tutela Administrativa). Da leitura da sentença recorrida retira-se que foi entendido que os “factos atinentes à intervenção do Réu em procedimento e celebração de contrato” eram os factos “verdadeiramente fundamentadores da ação”, por se considerar que a argumentação do Autor para sustentar o pedido de declaração de perda de de mandato assentava na “escolha do procedimento de ajuste direto, na decisão de contratar, na decisão de convidar uma única empresa, detida e gerida pelos pais do Réu”; e que, quanto a estes factos (todos ocorridos até à data da celebração do contrato – 15.01.2010) já tinham decorrido mais de 5 anos aquando da entrada da ação em juízo (em 10.02.2015), pelo que havia caducidade do direito de ação, nos termos do artigo 11.º/4 da Lei n.º 27/96, nos termos do qual as ações de perda de mandato só podem ser propostas no “prazo de 5 anos após a ocorrência dos factos que as fundamentam”. Mais considerou a sentença recorrida que os factos posteriores à celebração do contrato, ou seja, os referentes à sua execução, embora se contivessem dentro do citado prazo de 5 anos não constituíam fundamento da ação de perda de mandato. E a seguir acrescentou o seguinte: “Não se entendendo dessa forma, afigura-se-nos que sempre se teria de concluir que tais factos não consubstanciam a previsão do nº 2 do art. 8º do DL 27/96 porquanto, não estando já em discussão – face ao decurso de mais de cinco ano - o despacho de abertura do procedimento de ajuste direto e o convite único à empresa “CP” nem tão pouco a celebração do contrato – no qual não interveio o Presidente da CM mas o Vice-Presidente -, resta-nos o cumprimento do contrato. (...)A conduta do Réu de execução, cumprimento do contrato não é subsumível à previsão do mencionado art. 8º da Lei 27/96. Estando em vigor o contrato, o pagamento dos honorários era uma obrigação legal. Por sua vez, a manutenção do contrato, a não denúncia do contrato no prazo de 15 dias antes do seu termo não constitui uma intervenção em procedimento administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem.” Finalmente, afirma a sentença recorrida o seguinte: “Em suma, é nosso entendimento que a presente ação é extemporânea, porquanto decorreram mais de cinco anos entre os factos que verdadeiramente a fundamentam e a sua interposição. Ainda que assim se não entenda, sempre se teria de considerar que a ação é extemporânea relativamente aos factos que a fundamentam ocorridos até à celebração do contrato, inclusive, e improcedente quanto ao mais – execução do contrato.”; para depois concluir, no segmento decisório: “Em face do exposto, julgo verificada a exceção de caducidade do direito de ação e, em consequência, absolvo o Réu da instância”. Dos trechos transcritos extrai-se, com mediana clareza, que o fundamento da decisão foi a caducidade do direito de ação (por terem passado mais de 5 anos sobre os factos que foram considerados serem o fundamento da ação), sendo essa mesma caducidade que determinou a absolvição do Réu da instância. De resto, esta é a única decisão tomada na sentença recorrida (a única constante do segmento decisório e resultante da respetiva fundamentação) e para esse efeito a decisão recorrida partiu de duas premissas: primeiro, que os únicos factos fundamentadores do pedido de perda de mandato eram os ocorridos antes da celebração do contrato, relativamente aos quais fora ultrapassado o prazo de 5 anos para a propositura da ação; e, segundo, que os factos posteriores à celebração do contrato, relativos à sua execução (sobre os quais ainda não tinha decorrido tal prazo) não eram fundamento da ação e, por isso, não podiam obstar à sua intempestividade. Ou seja, a decisão tomada no acórdão recorrido é apenas uma: a de julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação, com os fundamentos acima referidos. É verdade que o tribunal também teceu considerações sobre a bondade dos fundamentos da ação, caso a mesma tivesse como fundamento os atos posteriores à celebração do contrato; contudo, fê-lo a título de mero obiter dictum ou de considerações a latere, ou seja, levantando hipótese diversa daquela que deu como demonstrada (lembre-se que considerou que tais factos não eram fundamento da ação), raciocinando a título de mera hipótese, como resulta claro das expressões utilizadas no texto da sentença recorrida (“Não se entendendo dessa forma...”; “Ainda que assim se não entenda...”). Dito de outro modo, o tribunal só analisou a bondade dos fundamentos da ação a título retórico, para a hipótese (que considerou não verificada) de tais factos poderem ser tidos como fundamento da ação. Pelo que se conclui pela inexistência da apontada contradição ou obscuridade. O Recorrente também imputa à sentença recorrida uma nulidade, por omissão de pronúncia (artigo 615.º/d) do CPC), por alegadamente ter omitido o conhecimento de factos alegados, nomeadamente, nos artigos 35.º e 37.º da petição, relativos à execução do contrato. Como já vimos, o tribunal debruçou-se sobre tais factos (relativos à execução do contrato), contudo, considerou que os mesmos não vinham alegados como fundamento da ação. Assim sendo, a questão suscitada pelo Recorrente não consubstancia uma verdadeira omissão de pronúncia, mas antes uma discordância quanto ao sentido da decisão que considerou que os factos relativos à execução do contrato (que o Recorrente entende constarem dos citados artigos da petição) não tinham sido invocados como fundamento da ação. Trata-se, por isso, de questão a apreciar em sede de erro de julgamento, mostrando-se improcedente a alegada omissão de pronúncia. * 4. Erro de julgamentoAlega o Recorrente que o tribunal errou, quando considerou não terem sido invocados factos relativos à execução do contrato como fundamento da ação. Percorrida a petição inicial, verifica-se que o Recorrente imputa ao Recorrido um conjunto de atuações que reputa ilegais e entende terem sido destinadas a retirar vantagens patrimoniais, para si ou terceiros, consubstanciadas nos seguintes factos, elencados na sentença recorrida: - despacho de 06.11.2009 do Presidente da Câmara Municipal a determinar a abertura de um procedimento de ajuste direto; - ofício de 09.11.2009, assinado pelo Presidente da Câmara Municipal, a convidar a empresa “ CP” a apresentar proposta; - despacho de adjudicação de 11.11.2009, assinado pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal ICGS; - outorga do contrato a 15.01.2010 pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal, em representação do Município; - manutenção do contrato em vigor até 31.01.2012; - assinatura de autorizações de pagamento dos honorários, com periodicidade mensal, no valor de 56.847,50 euros, pelo Presidente da Câmara Municipal de Janeiro de 2010 a Janeiro de 2012. Além disso, no artigo 35.º da petição (invocado nas alegações de recurso), o Autor/Recorrente faz uma referências genérica à ilegalidade dos atos praticados “quer na celebração do contrato, quer na sua execução”. No entanto, retira-se dos fundamentos invocados ao longo de toda a petição (causa de pedir da ação) que a atuação ilegal que é imputada ao autarca é a da sua intervenção na escolha do procedimento de contratação (ajuste direto) e a sua intervenção na indicação da entidade a convidar para celebrar o contrato – isso mesmo decorre literalmente do artigo 37.º da petição (também mencionado no recurso). Ou seja, tal como vem configurada a ação, os atos de execução do contrato surgem apenas como atos consequentes do ato de celebração do contrato e da anterior escolha de um procedimento por ajuste direto e da escolha da entidade que foi convidada para o mesmo, sendo estes os atos que são configurados como intervenções ilegais que alegadamente visavam a obtenção de vantagens patrimoniais para o próprio ou para a empresa convidada. Mas em momento algum do articulado se caraterizam suficientemente os atos de execução acima referidos (de manutenção do contrato em vigor até 31.01.2012 e de assinatura de autorizações de pagamento dos honorários) para deles se extrair uma atuação ilícita que se pudesse considerar independente e autónoma do procedimento de formação do contrato que esteve na sua origem. Pelo contrário, a ilegalidade que lhes é imputada (a ilegalidade das intervenções na execução do contrato) resulta sempre da ilegalidade imputada aos atos que estiveram na sua origem, ou seja, os da escolha do procedimento e da entidade selecionada para o mesmo. Repare-se que caso assim se não entendesse (i.e. caso se pudesse permitir que a presente ação prosseguisse apenas com fundamento em atos praticados na sequência dos atos que são reputados ilegais), estar-se-ia a alargar artificialmente o prazo de propositura da ação, o qual, como é sabido conta-se da ocorrência dos factos que a fundamentam (e não dos factos consequentes destes ou subsequentes a estes). Pelo que não pode deixar de se concluir, como fez a sentença recorrida, que a causa de pedir da ação de perda de mandato radica nos atos praticados pelo Réu no âmbito do procedimento de formação do contrato, que culminou com a sua celebração (datada de 15.01.2010), e que entre tais factos e a propositura da ação em juízo (em 10.02.2015) decorreram mais de 5 anos, mostrando-se caducado o direito de ação. Por fim, alega o Recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de interpretação do artigo 8.º/2 da Lei n.º 27/96, quando entendeu que a atuação do presidente da Câmara, consubstanciada nas autorizações de pagamentos relacionados com a execução do contrato, correspondia ao cumprimento de uma obrigação legal, excluída do âmbito daquele preceito. Ou seja, invoca que a sentença errou na apreciação da matéria de facto, em violação dos artigos 8.º/2 da Lei n.º 27/96, 44.º do CPA, 266.º/2 da CRP e 607.º/2 do CPC, quando concluiu pela irrelevância da atuação do presidente da Câmara na fase de execução do contrato e, em consequência, julgou verificada a exceção de caducidade do direito de ação. Como já foi referido no ponto anterior, a decisão recorrida não emitiu qualquer pronúncia de fundo sobre o mérito da ação, mas apenas salientou, a título retórico ou de mero obiter dictum, que os factos relativos à execução do contrato eram insuscetíveis de se incluir na previsão 8.º/2 da Lei n.º 27/96, no caso hipotético (hipótese que começou por afastar perentoriamente) de se vir a considerar que tais factos relativos à execução do contrato constituíam fundamento da ação de perda de mandato. Como tal, não cabe ao tribunal de recurso sindicar um juízo meramente hipotético, alinhavado na sentença recorrida a título incerto e que não constituiu ratio decidendi da decisão tomada (que, repete-se, foi apenas a de julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação). *** 5. DecisãoPelo exposto, acordam em: a) Retificar o ponto 12. dos factos provados, nos termos supra referidos; b) Negar provimento ao recurso. Sem custas (artigo 4.º/1-a) do RCP). Porto, 06.11.2015 |