Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02413/22.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/24/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:LUÍS MIGUEIS GARCIA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO;
URBANISMO;
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO; AUTORIA;
Sumário:
I) - Conforme art.º 4.º, n.º 5, do RJUE, “[e]stá sujeita a autorização a utilização dos edifícios ou suas fracções, bem como as alterações da utilização dos mesmos”.

II -Trata-se de sujeição “erga omnes”, inclusive sobre o arrendatário.

III - O art.º 98.º, n.º 1, d), do RJUE, pune como contraordenação a “ocupação de edifícios ou suas frações autónomas sem autorização de utilização ou em desacordo com o uso fixado no respetivo alvará ou comunicação prévia, salvo se estes não tiverem sido emitidos no prazo legal por razões exclusivamente imputáveis à câmara municipal”.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Recurso de contra-ordenações - Recursos jurisdicionais
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

[SCom01...], Sociedade Unipessoal, LDA (Rua ..., Parque Industrial ..., em ...) recorre do decidido pelo TAF de Braga, que julgou improcedente recurso de contra-ordenação por si interposto contra decisão proferida pela Vereadora da Câmara Municipal ..., em 31/10/2022, no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 1-107-2019, que lhe aplicou uma coima de €1.500,00 pela prática de contra-ordenação urbanística.

Conclui:

I – À Arguida não lhe pode ser imputada a persente infração uma vez assumir a natureza de mera arrendatária do espaço e não lhe caber a legalização ou o pedido do necessário Alvará de Utilização posto que a qualidade de Arguida é ilegítima e não cabe aqui a assunção dessa qualidade.
II - A utilização de edifícios ou das suas frações autónomas, é tida pelo RJUE como uma operação urbanística, que tem de ser precedida do necessário procedimento de controlo preventivo com vista a aferir se os edifícios podem ser afetos a determinado uso o que, a confirmar-se, é certificado através da correspondente autorização de utilização, dever que não recai sobre os arrendatários.
III - A infração punível a título de contraordenação, prevista no artigo 98.°, n.° 1, alínea d) do RJUE, constitui assim um meio de reação contra o desrespeito do dever de procedimento urbanístico ínsito no artigo 4.º - este é o ilícito - não tendo aquela norma sancionatória por si autonomia ou pode ser aferida independentemente desta.
IV - A Arrendatária in casu não era, ou é, o garante do cumprimento do dever legal tutelado pela norma do artigo 4.º, n.º 5 do RJUE, sob pena de violar-se o princípio da legalidade – artigo 2.º RGCO – e não o sendo não lhe pode ser dirigida sanção a respeito da violação daquela.
V- A responsabilidade pela obtenção de licenças de utilização recai sobre os proprietários, usufrutuários ou titulares de outro direito real de gozo, já não de titulares de direitos subjetivos obrigacionais onde se incluem os arrendatários o que se extrai da legitimidade a que alude o artigo 9.º do RJUE e da Portaria 113/2015 de 22-4.
VI - A disposição legal sancionatória, uma vez conexionada imperativamente com a que impõe uma certa injunção legal aos promotores do procedimento urbanístico devido para a aquisição da licença de utilização, visa responsabilizar a estes, designadamente se permitiram – e só os mesmos o poderiam fazer, salvo algum ilícito no uso que nesta sede não há fumus – a ocupação do imóvel sem aquela devida licença.
VII - A responsabilidade por cumprir a norma legal – a tida como violada (artigo 4.º, n.º 5 do RJUE) recai sobre o titular do dever legal (que não o arrendatário), que deve garantir que a propriedade está em conformidade com todas as exigências legais antes de a disponibilizarem para arrendamento, pois se aqueloutro tem a capacidade para a cumprir tem, também, para a violar, sendo o destinatário das sanções.
VIII - O critério de delimitação da autoria neste tipo de ilícito não é do domínio do facto, mas sim o da titularidade do dever.
IX - Não impende sobre a aqui Recorrente qualquer obrigação legal, prévia de fiscalização ou de verificar a compatibilidade da licença de utilização, cabendo ao proprietário que cede o gozo do arrendado, isso sim, saber para o qual se destina e se tal é compatível.
X - Se o tipo legal da infração em causa não prevê, ademais e expressis verbis, quem seja o infrator, não é menos verdade que daí não se pode concluir, por si só, que pode ser qualquer pessoa ou presumir que o seja, devendo interpretar-se a norma de acordo com a sua devida inserção material e substantiva.
XI - O telos do artigo 4.º, n.º 5 do RJUE é dirigido a quem tenha legitimidade para requerer a operação urbanística que impõe a aferição da sua conformidade mediante a chancela da licença respetiva, sob pena de violar os princípios da legalidade e da tipicidade os artigos1.º e 2.º do RGCO.
XII - A interpretação conjugada do artigo 4.º, n.º 5 e 98.º, n.º 1, alínea d) do RJUE, no sentido de poder ser sancionado quem não tem o dever ou legitimidade para proceder à operação urbanística, viola os princípios da tipicidade, da legalidade e do estado de direito que se extraem dos artigos 2.º, 29.º, n.º 1 e 266.º, n.º 2 da CRP, logo é inconstitucional.
XIII - A interpretação conjugada do artigo 4.º, n.º 5 e 98.º, n.º 1, alínea d) do RJUE no sentido que o tipo legal da infração em causa não prevê que o infrator corresponda necessariamente ao titular do direito a requerer a alteração do uso fixado no alvará, mas antes ao ocupante, viola os princípios da tipicidade, da legalidade e do estado de direito que se extraem dos artigos 2.º, 29.º, n.º 1 e 266.º, n.º 2 da CRP, logo é inconstitucional.
XIV - A atuação da autarquia é até abusiva quando, simultaneamente, age no sentido da responsabilidade ou legitimidade para a obtenção da licença não serem da Arguida, como aqui se invoca, mas sanciona esta.
XV - Sempre se imporia o funcionamento da parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 98.º do RJUE, ou seja, que se verifica contraordenação salvo se os alvarás não tiverem sido emitidos no prazo legal por razões exclusivamente imputáveis à câmara municipal.
XVI - Certo é que considerando a conduta da arrendatária e o seu desconhecimento da adequação da licença existente mencionada no seu contrato ao que seria o gozo do arrendado, e porque não lhe é imposto legalmente o dever de averiguação prévia atendendo até o princípio da confiança, deveria beneficiar a este título do princípio in dubio pro reo.
XVII - Não sendo de absolver a Arguida sempre havia que considerar a atenuação especial da pena nos termos do artigo 9.º do RGCOC o que a Autoridade Administrativa. ~
XVIII - Afora o acima dito caberia considerar-se a aplicação da pena de admoestação.
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O Mº Pº junto desta instância deu parecer concluindo que “o presente recurso não merece provimento”.
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A entidade Administrativa opinou pela manutenção da decisão recorrida.
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Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
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Os factos:
1) Em 06/12/2018, a Recorrente fez dar entrada, nos serviços do Município ..., de uma comunicação prévia a que foi atribuído o n.º E/64802/2018, apresentada ao abrigo do artigo 4.º do Regime Jurídico de Acesso e Exercício de Actividades de Comércio, Serviços e Restauração, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16/01, relativamente à utilização do edifício sito na Rua ..., Parque Industrial ..., em ..., ..., indicando como CAE “45200, manutenção e reparação de veículos automóveis, motociclos e ciclomotores” (cfr. doc. n.º 1 junto com a p.i., inserido a fls. 96 Sitaf e fls. 131 do processo de contraordenação);
2) Com data de 06/12/2018, por «AA», na qualidade de engenheiro técnico civil, foi elaborado um “termo de responsabilidade de avaliação acústica para autorização ou alteração de edifício”, relativamente ao edifício “Pavilhão Industrial sito na Rua ..., ..., ..., ...”, cujo teor se dá aqui por reproduzido na íntegra, naquele termo tendo declarado, além do mais, que, “pela análise do relatório de ensaio, os resultados obtidos configuram a satisfação dos respectivos requisitos regulamentares” (cfr. doc. n.º 2 junto com a p.i., inserida a fls. 1 a 67 Sitaf);
3) Com data de 01/01/2019, os serviços da Divisão de Gestão Urbanística e Espaço Público do Município ... elaboraram a INFORMAÇÃO n.º I/395/2019, “relativamente à incompatibilidade existente entre a actividade a exercer e o uso previsto no alvará de utilização, indicando o modo de legalização das desconformidades verificadas, para instrução de medidas para reposição da legalidade urbanística conforme o previsto no artº 102º-A do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação” (cfr. fls. 18 do processo de contra-ordenação);
4) À data de 22/02/2019, a Recorrente era arrendatária do edifício sito na Rua ..., Parque Industrial ..., em ..., ... (por confissão, artigo 9.º da p.i., inserida a fls. 1 a 67 Sitaf);
5) À data de 22/02/2019, aquele edifício encontrava-se a ser utilizado pela Recorrente no exercício da sua actividade comercial de “formação, consultoria, venda de peças automóveis e reparação automóvel”, mais especificamente, de remanufactura ou recondicionamento das caixas automáticas dos automóveis (por confissão, artigos 2.º a 6.º da defesa escrita constante de fls. 17 e 18 do processo de contra-ordenação, inserido a fls. 1 a 67 Sitaf);
6) A Recorrente exerce a sua actividade comercial com o CAE principal 45200, “manutenção e reparação de veículos automóveis, motociclos e ciclomotores” (cfr. informação a fls. 2 do processo de contraordenação, inserido a fls. 1 a 67 Sitaf);
7) O alvará de utilização n.º 295/04, emitido pelo Presidente da Câmara Municipal ..., em 29/09/2004, para o edifício a que se alude em 4), apresenta como tipo de utilização autorizada: “armazém” (cfr. fls. 13 do processo de contraordenação, inserido a fls. 1 a 67 Sitaf);
8) Os serviços de fiscalização do Município ... elaboraram uma participação, em 22/02/2019, com o n.º ...19, constatando que a actividade da Recorrente não era compatível com o uso previsto no alvará de utilização de armazém (cfr. fls. 2 do processo de contra-ordenação, inserido a fls. 1 a 67 Sitaf);
9) No seguimento daquela participação, foi instaurado e correu termos o processo de contra-ordenação n.º 1-107-2019 (cfr. processo de contraordenação integrado nos autos, inserido a fls. 1 a 67 Sitaf);
10) Notificada para exercer o direito de audiência, a Recorrente fê-lo, em 23/04/2019 e alegou, além do mais, que “desconhecia que o alvará existente era desadequado à actividade exercida e que, após a fiscalização de 22/02/2019, fez dar entrada de um processo junto do Município com vista à regularização da situação” (cfr. fls. 7 e 8 do processo de contra-ordenação, inserido a fls. 1 a 67 Sitaf);
11) Em data não concretamente determinada, os serviços da Divisão de Gestão Urbanística e Espaço Público do Município ... elaboraram uma INFORMAÇÃO, com seguinte PROPOSTA (cfr. doc. n.º 1 junto com a p.i., inserido a fls. 96 Sitaf):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
12) Em 31/10/2022, no âmbito do processo de contraordenação n.º 1-107- 2019, a Vereadora da Câmara Municipal ... proferiu DECISÃO, que aqui se dá por reproduzida na íntegra e da qual consta, além do mais, o seguinte (cfr. fls. 130 a 133 do processo de contra-ordenação, inserido a fls. 1 a 67 do Sitaf):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
13) Até à data da decisão a que se alude em 12), não foi efectuada qualquer alteração à autorização de utilização mencionada em 7) (cfr. pág. 131 do processo de contra-ordenação);
14) A Recorrente não tem antecedentes contra-ordenacionais no Município ... (cfr. pág. 131 do processo de contra-ordenação).
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A apelação:
O tribunal “a quo” julgou o «recurso de impugnação judicial totalmente improcedente e, em consequência, mantenho a decisão de aplicação da coima recorrida».
→ De conclusões I a XVI a recorrente censura o que na decisão recorrida discorreu sob “i) Da legitimidade ou da qualidade/imputabilidade da Arguida”.
Vejamos.
Do artigo 4.º/5 do RJUE resulta que “[e]stá sujeita a autorização a utilização dos edifícios ou suas fracções, bem como as alterações da utilização dos mesmos”; uma autorização permissiva; como resulta do artigo 62.º do RJUE, “1 - A autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas na sequência de realização de obra sujeita a controlo prévio destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projeto de arquitetura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do respetivo procedimento de controlo prévio, assim como a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis, podendo contemplar utilizações mistas. 2 - No caso dos pedidos de autorização de utilização, de alteração de utilização ou de alguma informação constante de licença de utilização que já tenha sido emitida, que não sejam precedidos de operações urbanísticas sujeitas a controlo prévio, a autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas destina-se a verificar a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis, bem como a idoneidade do edifício ou sua fração autónoma para o fim pretendido, podendo contemplar utilizações mistas.”.
A recorrente, arrendatária, no âmbito da sua actividade de “manutenção e reparação de veículos automóveis, motociclos e ciclomotores”, mais especificamente, de remanufactura ou recondicionamento das caixas automáticas dos automóveis, quando o alvará de utilização (alvará de utilização n.º 295/04) permitia, apenas, que o edifício fosse utilizado para armazém, fez outra utilização do locado; observe-se que não está aqui em causa matéria específica da liberdade no exercício da actividade, que, possa até ela existir, não invalida as exigências urbanísticas (DL 10/2015, de 16/01 – art.º 3º, n.º 2).
O artigo 98.º/1/d) do RJUE prevê que a “ocupação de edifícios ou suas frações autónomas sem autorização de utilização ou em desacordo com o uso fixado no respetivo alvará ou comunicação prévia, salvo se estes não tiverem sido emitidos no prazo legal por razões exclusivamente imputáveis à câmara municipal” constitui uma contra-ordenação, punida pelo n.º 4 do mesmo artigo, com coima que, no caso das pessoas coletivas, pode variar entre €1.500,00 e €250.000,00.
Podemos ter como pacífica a desconformidade de utilização para com o identificado alvará de utilização n.º 295/04, tipo-legal-objectivo contra-ordenacional.
A recorrente rejeita que se lhe possa ser imputada autoria.
«Uma consideração do direito das contra-ordenações como ordenamento sancionatório minimamente congruente com a ideia de Estado material impõe o seu funcionamento no domínio contra-ordenacional e deve, enfim, determinar a inconstitucionalidade, por directa violação do princípio jurídico-constitucional da culpa, de qualquer norma que implique uma responsabilização contra-ordenacional por facto de outrem ou um qualquer tipo de responsabilidade contra-ordenacional objectiva» («BB» – “Crimes e Contra-ordenações: da cisão à convergência material / ensaio para uma recompreensão da relação entre o direito penal e o direito contra-ordenacional”, pág. 834).
Mas é preocupação que no caso não assombra; “[...] no domínio contraordenacional, não são automaticamente aplicáveis os princípios que regem a legislação penal, designadamente no que toca às exigências da autoria do ato-tipo para efeito de incriminação” (Ac. Trib. Const. n.º 561/2011, de 22/11/2011); neste domínio, a imputação de um facto a um agente tem por referente legal e dogmático um conceito extensivo de autoria de matriz causal (cfr. Ac. deste TCAN, de 25-11-2022, proc. n.º 222/21.0BEBRG;mesmo que a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependam de certas qualidades ou relações especiais do agente e estas só existam num dos comparticipantes” - art.º 16º do RGCO).
Entende a recorrente que a obtenção de licenças de utilização recai sobre os proprietários, usufrutuários ou titulares de outro direito real de gozo, sendo que na sua qualidade de arrendatária não será garante do cumprimento do dever legal tutelado pela norma do artigo 4.º, n.º 5, do RJUE.
Mas é.
A própria recorrente aponta (o) caminho: “O critério de delimitação da autoria neste tipo de ilícito não é do domínio do facto, mas sim o da titularidade do dever”.
Ora, o que está em causa na conduta contra-ordenacional pela qual a recorrente foi sancionada refere-se a uma utilização que não é a autorizada; utilização que deve conformar-se com aquela que se encontra vigente; o dever que se impõe a cada momento é o ditado pelo que nesse tempo se encontra estabelecido; que se impõe independentemente de eventual cogitação quanto a quem recaia dever ou poder de “obtenção de licenças de utilização”; a ressalva constante de lei (“salvo se estes não tiverem sido emitidos no prazo legal por razões exclusivamente imputáveis à câmara municipal”) está claramente afastada quando ao tempo considerado não há qualquer falta exclusivamente imputável à câmara municipal que assim conforte, ultrapassando carecida falta de alvará de autorização de (alteração de) utilização que concederia eficácia, título cuja emissão é sempre dependente de requerimento, mesmo quando ultrapassado prazo para apreciação, até nos casos de comunicação prévia.
Ao contrário do suposto na construção lógica da recorrente, a utilização do locado segundo o que se encontra estabelecido a dado momento impõe-se-lhe, por vinculação urbanística “erga omnes” (emana «natureza “real” do título urbanístico»Atas do II Congresso de Direito do Urbanismo, por «CC» / “Direito do Urbanismo, perspectivas práticas: um par de questões, um múltiplo de respostas”, «DD» e «EE», pág. 245); e de forma imperativa, a que repugna derrogação por efeito de interposição de uma via negocial privada, obrigacional e de eficácia inter-partes; sem que transmute numa “obrigação legal, prévia de fiscalização ou de verificar a compatibilidade da licença de utilização” o que se coloca no plano negocial quando ao objecto e qualidades do imóvel.
Sem mínima afectação dos princípios da tipicidade, da legalidade e do estado de direito; não é por o dever se impor ao arrendatário que surtem violados; o contrário, vinculando apenas os titulares reais e já não o arrendatário, é que atentaria, pelo defraudar, excluindo da vinculação à utilização definida sujeitos beneficiários da “ocupação de edifícios ou suas frações autónomas”, destinatários da norma sem distinção [“não parece que o tipo contraordenacional cit. distinga entre dono do imóvel edificado ou mero ocupante utilizador do mesmo. O agente desta infração pode ser qualquer pessoa, desde que utilizadora do edifício. O que resulta do tipo legal citado é que ninguém pode utilizar um edifício sem que este tenha autorização de utilização. Nada mais, nada menos. E este elemento objetivo do tipo verifica-se no caso em apreço.” – Ac. do TCAS, de 18-06-2020, proc. n.º 231/19.0BESNT; “A ordem de cessão de utilização do edifício prevista no artigo 109º RJUE tem carácter real no sentido em que visa o edifício e, consequentemente, pretende vincular todos os seus actuais e potenciais utilizadores, a qualquer título – cfr., neste sentido, o acórdão do TCAN, de 15.02.2019, no âmbito do processo nº 01334/12.7BEPRT].
Nem tais princípios são atingidos por uma interpretação inconstitucional, pois as razões que a recorrente avança para tanto - “poder ser sancionado quem não tem o dever ou legitimidade para proceder à operação urbanística” e “o tipo legal da infração em causa não prevê que o infrator corresponda necessariamente ao titular do direito a requerer a alteração do uso fixado no alvará, mas antes ao ocupante” - são ao caso vazias de aplicação ou relevância nos pressupostos nelas implicadas; a conduta sancionada apenas reclama cumprimento do estatuto urbanístico vigente - não contende com qualquer iniciativa a uma operação urbanística -, sujeição passível de ser observada por a quem se impõe, como um arrendatário, o qual, se acaso de confiança abalada, por razão do negócio, por aí se confina de repercussão de tutela.
A autarquia agiu “no sentido da responsabilidade ou legitimidade”, precisamente sancionando a recorrente; e possa até entender que outros agentes também a tenham, isso não verte em abuso.
Navegando pelas mesmas águas: Ac. deste TCAN, de 25-10-2024, proc. n.º º 873/23.9BEAVR.
→ De conclusão XVII a XVIII a recorrente censura o que na decisão recorrida, respectivamente, discorreu sob “ii) Da Admoestação” e “iii) Da atenuação especial da coima”.
Cfr. Ac. do STA, de 17-06-2020, proc. n.º 0432/18.8BELRA:
A questão do preenchimento (ou não) dos requisitos para (eventual) aplicação, à arguida, da pena de admoestação, impõe, na atuação do tribunal de recurso, a necessidade de, tal como sucede nos casos em que se tenha de ajuizar sobre a verificação (ou não) dos requisitos legais da dispensa e/ou da atenuação especial da(s) coima(s), levar a cabo, concretizar, juízos sobre a gravidade da infração e o grau da culpa, do agente, na prática da mesma, atividade equivalente ao tratamento/julgamento de questões factuais, na medida em que os aludidos juízos têm de ser inferidos de factos materiais, apreciados segundo a livre convicção do julgador e em conjugação com as regras da experiência comum, não requerendo o apelo à interpretação ou aplicação de quaisquer regras de direito.
Nesta apreciação não tem esta instância razões para formular juízo que se distancie do que foi decidido e colocado em crise.
Sobre tudo a recorrente, sem desenvolver alicerce crítico, limita-se à discordância.
Não faz despertar erro de julgamento, que também não se evidencia.
No primeiro ponto, depois de lembrar termos do artigo 51.º do RGCO (“1. Quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação. 2. A admoestação é proferida por escrito, não podendo o facto voltar a ser apreciado como contraordenação.”), o tribunal “a quo” ponderou que ainda que a Recorrente tenha actuado apenas de forma negligente (mas “sem circunstâncias ou elementos que possam fundamentar um juízo de censurabilidade que se afaste daquele que corresponde ao grau médio para situações idênticas”), a contra-ordenação que praticou não assume reduzida gravidade.
Tem destaque que «A gravidade de uma infração é determinada pela gravidade da ilicitude pressuposta pelo legislador» (Ac. do STJ de fixação de jurispr. n.º 6/2018, DR de 14/11, proc. n.º 215/15.7T8ACB.C1-A. S1, de 26/09/2018).
E de encontro vai o que se observou na decisão recorrida:
«Conforme resulta do conteúdo normativo do artigo 98.º do RJUE, verifica-se que o legislador previu diferentes molduras sancionatórias consoante o tipo de comportamento contraordenacional tipificado nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 98.º do RJUE, fazendo corresponder à infracção tipificada na alínea d) do n.º1 uma das mais pesadas sanções, cuja coima, no caso de pessoa colectiva, como é a Recorrente, varia entre um mínimo de €1.500,00 e um limite máximo de €250.000,00. Embora não seja a mais elevada das coimas [no caso das alíneas a), b) e r), a coima pode ascender a €450.000,00, em caso de pessoa colectiva] é das mais elevadas [outras coimas máximas se encontram fixadas em €200.000,00, €100.000,00 e € 10.000,00, em caso de pessoa colectiva].
O diferente quadro sancionatório assim estabelecido revela o diferente grau de ilicitude previsto pelo legislador em relação às várias infracções urbanísticas previstas, ou seja, a distinta gravidade dos comportamentos puníveis como contraordenação.
No sentido apontado, escreveu-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, 14/02/2020, no processo n.º 00439/18.5BEAVR, que:
“[e]ste escalonamento, em abstrato, da moldura sancionatória, traduz uma opção do legislador quanto aos termos em que devem ser punidos e reprimidos os comportamentos que, porque reprováveis, configuram contraordenação, e são reflexo natural da gradação da infração em função do respetivo grau de ilicitude”.».
No segundo ponto, viu que o artigo 9.º, n.º 2, do RGCO prevê que se o erro sobre a ilicitude for censurável ao infractor, a coima pode ser especialmente atenuada, mas também observou que só seria de a operar restrita às seguintes situações típicas, ausentes do caso: (1) o erro sobre a existência e os limites de uma causa de justificação ou de exclusão da culpa, e (2) ao erro sobre a validade da norma.
Compulsado o RGCO verifica-se que a lei prevê a atenuação especial da coima nos casos de erro sobre a ilicitude (art.º 9º, n.º 2), tentativa (art.º 13.º, n.º 2) e cumplicidade (art.º 16.º, n.º 3).
Importa trazer aqui à colação o erro sobre a proibição também conhecido por erro sobre a ilicitude ou sobre a punibilidade, o qual ocorre quando o agente, muito embora tenha conhecimento do tipo objetivo, isto é, do facto na sua materialidade, não o tem relativamente ao seu desvalor jurídico, por falta de conhecimento/consciência da proibição.
Conforme salientam «FF» e «GG» (in “Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, Almedina, 2009, pág. 39), ao agente falta a consciência da ilicitude por pensar que o facto é permitido em virtude de um erro, isto é, o agente devido a erro não tem conhecimento/consciência da punibilidade do facto, ou seja, da norma proibitiva que contraordenacionaliza o facto; erro de proibição (direto), previsto na segunda parte do número 2, do art. 8.º do RGCOC, erro em que o agente pensa, sem mais, que o facto é lícito, porquanto desconhece a norma proibitiva.
Mais referem tais autores que, ocorrerá, ainda, erro sobre a proibição quando o agente muito embora não ignore a norma proibitiva, julga que a mesma se não encontra em vigor, ou a tenha interpretado incorretamente e por esta razão a considere inaplicável.
Aqui se contempla o erro sobre a ilicitude ou erro de permissão, também denominado de erro de proibição indireto, o qual ocorre quando o agente, muito embora tenha conhecimento do tipo e do seu inerente desvalor, erra sobre a intervenção de uma norma permissiva, isto é, supõe existir uma norma de justificação, quando ela na realidade não existe, ou, existindo, está aquém da sua suposição, no sentido de que a conduta do agente não é por ela abrangida – vide, cit. autores e obra, pág. 43; mencionando Jescheck, in Tratado de derecho penal - parte general (4.ª edição-1993), pág. 417; o agente supõe, por erro, a existência de uma causa de justificação (que julga) reconhecida pelo ordenamento jurídico (erro sobre a existência), ou ignora os limites jurídicos de uma causa de justificação (que julga) reconhecida (erro sobre os limites); ao agente falta a consciência da ilicitude, falta essa alicerçada na falsa ou equívoca suposição de uma norma permissiva; trata-se pois de um erro de proibição indireto, na medida em que o agente não pensa, sem mais, que o facto é lícito.
A este erro de permissão ou de proibição indireto respeita o definido no art.º 9º do RGCO (“Erro sobre a ilicitude”):
1 - Age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável.
2 - Se o erro lhe for censurável, a coima pode ser especialmente atenuada.
Ora, é vincadamente afirmativo que no caso não se descortina - dentro do elenco das circunstâncias que se encontram apuradas - que a recorrente tenha agido, e ainda que em erro censurável, sem consciência da ilicitude do facto.
Logo, sem respaldo para que nos termos da invocada norma do RGCO possa a coima ser especialmente atenuada.
Nem mesmo, de índice a essa possibilidade, ou - a admitir-se - autonomamente pressupondo lançar mão, por respaldo da atenuação especial nos termos do artigo 72.º do Código Penal.
«A atenuação especial resultante da acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção corresponde a uma válvula de segurança do sistema, que só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais, em que a imagem global do facto resultante da actuação da (s) atenuante (s) se apresenta com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.» (Ac. do STJ de fixação de jurispr. n.º 13/2015, DR de 15/10, proc. n.º 990/10.5T2OBR.C3-A.S1, de 09/09/2015).
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.
Porto, 24 de Janeiro de 2025.

Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Catarina Vasconcelos