Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02018/10.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/08/2013
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:ABONO FALHAS
IRN-IP
LOJAS CIDADÃO.
Sumário:1 . O abono para falhas é um suplemento ou acréscimo remuneratório atribuído em função de uma particularidade específica da prestação de trabalho, que se traduz no manuseamento de dinheiro, caracterizando-se e justificando-se como um subsídio destinado a indemnizar funcionários e agentes pelas despesas e riscos inerentes a tal manuseamento que é susceptível de gerar falhas contabilísticas em operações de tesouraria.
2 . O direito ao abono para falhas exige que:
- o trabalhador, titular da categoria de assistente técnico, ocupe posto de trabalho que se reporte às áreas de tesouraria ou cobrança; e,
- que esse posto de trabalho envolva a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos; e ainda que
- que tais funções sejam assim descritas no mapa de pessoal.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Norte
Recorrido 1:Instituto dos Registos e Notariado, IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:
I
RELATÓRIO
1 . O SINDICATO dos TRABALHADORES da FUNÇÃO PÚBLICA do NORTE, em representação das suas associadas RB(…), PB(…) e MF(…) (todas assistentes técnicas a exercer funções na Loja do Cidadão do Porto), inconformado, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão do TAF do Porto, datado de 20 de Março de 2012, que julgou improcedente a acção administrativa especial, instaurada contra o INSTITUTO dos REGISTOS e NOTARIADO, IP, onde pedia a anulação do despacho do Presidente do IRN, I.P., de 16/12/2009, que, concordando com a Informação PC 94/2009 - SAJRH, indeferiu o pedido de percepção, no ano de 2009, do abono para falhas, requerido, entre outros, pelas representadas do recorrente, supra identificadas.
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2 . Nas suas alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
"a) o recorrente intentou ação administrativa especial tendo em vista não só a anulação do despacho do Sr. Presidente do Instituto agora recorrido, como também obter a condenação do recorrido a reconhecer às suas representadas o direito à perceção do abono para falhas desde 8 de Julho de 2009; e que, em consequência de tudo isto, o recorrido fosse condenado em quantum correspondente ao abono para falhas desde então;
b) verifica-se a ocorrência in casu de todos os pressupostos de reconhecimento do direito;
c) todavia os titulares desse direito são integralmente alheios a incumprimentos avulsos, por ação ou omissão, da Administração Pública;
d) para além do mais o entendimento que fundamenta a decisão sub judicio é marcadamente redutor e restritivo, e constrange injustificadamente e de modo irrazoável o princípio da tutela jurisdicional efetiva - art° 2o do C. P. T. A. e art° 20° e n° 4 do art° 268° da C. R. P.;
e) deve numa palavra a sentença recorrida ser revogada, condenando-se o recorrido nos peticionados termos,
assim se fazendo a esperada Justiça".
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3 . Notificadas as alegações, apresentadas pelo recorrente, supra referidas, veio o recorrido Instituto dos Registos e Notariado, IP apresentar contra alegações que assim concluiu (corrigindo-se a respectiva numeração, atenta a duplicação do ponto 8):
"1 - Nos termos do art.º 1.º do DL n.º 4/89 de 6 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 276/98 de 11 de Setembro e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, em cada departamento ministerial a aferição do direito ao “abono por falhas” é determinado por despacho conjunto do respectivo membro do governo e dos responsáveis pelas áreas das finanças e da administração pública.
2 - Para tanto foi emitido regulamento constante do despacho n.º 15409/2009, de 30 de Junho, do Ministro do Estado e das Finanças (publicado no DR 2.ª série, n.º 130 em 8 de Julho de 2009) relativo às condições para o reconhecimento do direito ao abono para falhas.
3 – De facto, nos mapas de pessoal do IRN IP, “Loja do Cidadão” elaborados e aprovados para o ano de 2009, não consta a caracterização do posto de trabalho nos termos consignados em despacho;
4 - Sendo tal caracterização relevante, havendo que identificar os trabalhadores detentores da categoria de assistente técnico em serviço nas Lojas do Cidadão, com eventual direito ao suplemento “abono para falhas”, uma vez que este direito não é de aferição automática como muito bem salientaram as recorrentes nem de atribuição genérica.
5 - Efetivamente, conforme resulta da douta sentença e do Despacho 15409/2009, 30.06 é necessário que o trabalhador, titular de categoria de assistente técnico ocupe posto de trabalho que se reporte às áreas de tesouraria ou cobrança;
6 - E que o posto de trabalho envolva a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos e que tais funções, sejam assim descritas no mapa de pessoal.
7 – Concluindo, as recorrentes não reúnem as condições de atribuição do “Abono para falhas”, devido ao facto de os postos de trabalho não estarem caracterizados nos mapas de forma a identificar a actividade e a quem pertence a responsabilidade pelo manuseamento e guarda de dinheiros públicos (cfr.art. 5.º, n.º 1 al. A) da LVCR).
8 - E isto resulta das características específicas (face a outros serviços públicos) da organização interna dos serviços do IRN, I.P,, que se espelha no atendimento num único ato, designado por Atendimento Presencial Único. Daí que se verifique que todos os trabalhadores das Lojas do Cidadão, cobram e têm à sua guarda dinheiros públicos.
9 – Assim, o Despacho 16.12.2009, do Presidente foi proferido em estrita vinculação legal, tendo as situações dos trabalhadores das Lojas do Cidadão relativamente à atribuição do abono para falhas, sido objecto de um tratamento igual entre os seus pares.
10 – Por sua vez, assumindo o abono para falhas a natureza meramente compensatória do risco inerente ao manuseamento de valores, o mesmo não se destina a remunerar a quantidade, natureza ou qualidade do trabalho, pelo que o despacho ora impugnado, não viola o artigo 59.º, n.º 1 al. a) da CRP, segundo o qual para trabalho igual salário igual.
11 - Não está, ainda, em causa o princípio da igualdade tal como não está o princípio da tutela jurisdicional efectiva, invocada pelas recorrentes e comprová-lo está, precisamente, a instauração do presente processo.
12 - A atender-se a pretensão das recorrentes, estar-se-ia, aí sim, a violar o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, pois ter-se-ia de proceder de forma igual relativamente às dezenas /centenas de trabalhadores das Lojas do Cidadão, uma vez que todos eles manuseiam numerário.
13 - Pelo que assim, entendendo, se considera não merecer censura a decisão jurisdicional recorrida".
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4 . O M.º P.º, notificado nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 146.º do CPTA, pronunciou-se, fundamentadamente, nos termos que constam de fls. 164/165, pela negação de provimento ao recurso, sendo que, notificada essa pronúncia às partes, nada disseram.
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5 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na decisão recorrida:
1) As RA são assistentes técnicas do mapa de pessoal do Instituto de Registos e Notariado, IP, a exercer funções junto do Gabinete de Apoio ao Registo de Automóveis, na loja do Cidadão do Porto.
2) São funções das RA, designadamente a recepção, análise e apresentação informática de processos de registo automóvel, serviços pelos quais cobram os emolumentos devidos.
3) As associadas do A, assistentes técnicas do mapa de pessoal do IRN, I.P., em exercício de funções na Loja do Cidadão do Porto, apresentaram em 26.10.2009, requerimento que subscreveram conjuntamente com outros trabalhadores das Lojas do Cidadão de Aveiro, Braga, Setúbal e Viseu, em que questionavam o IRN,I.P., sobre a atribuição do abono para falhas (fls. 1 a 3 do PA).
4) Em 9.02.2010, reiteraram o pedido de pronúncia sobre o direito à atribuição do abono para falhas (fls. 13 a 25 do PA).
5) As pretensões então formuladas, assim como as das associadas do A., foram objecto de análise na Informação PC nº 94/2009-SAJRH, a qual mereceu despacho de concordância do Presidente do IRN, I.P., de 16.12.2009 e na qual se concluiu, em suma, não terem os requerentes direito no ano de 2009, à percepção do abono para falhas nos termos requeridos. (fls. 4 a 26 do PA)
6) Do referido despacho de 16.12.2009, foram as assistentes técnicas MF(…), PS(…) e RB(…), notificadas, respectivamente, pelos ofícios 532, 540 e 543 todos de 9.02.2010, do qual tomaram conhecimento através da Coordenadora-Geral da Loja do Cidadão do Porto, em 9.04.2010, 29.03.2010 e 12.04.2010 (fls. 30 a 32 do PA).
7) Pelo ofício nº 697, de 7.05.2010, o Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Norte dirigiu ao IRN, I.P., exposição formulada em nome e representação dos seus associados na Loja do Cidadão do Porto - sem contudo especificar os trabalhadores associados que representava -, em que requeria que fosse revista e reconsiderada a decisão constante do despacho ora posto em crise (fls. 39 a 41 do PA).
8) Tal exposição foi objecto de análise na Informação PC 94-C/09, de 11.06.2010, sobre a qual foi exarado despacho de concordância do Presidente do IRN, I.P., de 15.06.2010 e foi notificada ao Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Norte, em 15.07.2010, portanto, posteriormente à data da entrada em Tribunal da p.i. (fls. 48 e 49 do PA).
9) Todos os trabalhadores do IRN, I.P. que exercem funções nas Lojas do Cidadão manuseiam numerário decorrente da cobrança dos serviços prestados aos utentes, designadamente pelos pedidos de emissão de certidões, cópias certificadas de registos, taxas pela emissão e substituição do Cartão do Cidadão, entre outros.
10) Não foi aprovado mapa de pessoal do R. onde conste a caracterização das funções exercidas pelas RA.

2 . MATÉRIA de DIREITO
No caso dos autos, as questões a decidir objectivam-se em determinar se, na situação vertente, a decisão do TAF do Porto incorreu em erro de julgamento, mostrando-se violado o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
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O abono para falhas é um suplemento ou acréscimo remuneratório atribuído em função de uma particularidade específica da prestação de trabalho, que se traduz no manuseamento de dinheiro, caracterizando-se e justificando-se como um subsídio destinado a indemnizar funcionários e agentes pelas despesas e riscos inerentes a tal manuseamento que é susceptível de gerar falhas contabilísticas em operações de tesouraria (cfr. Dr. João Alfaia, in “Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público”, II, 1988, págs. 872 e 873; Dr. Paulo Veiga e Moura in “Função Pública”, 1º. vol., 2ª edição, pág. 345; Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 123/96 in: DR II Série, de 24/03/1998).
Ora, o que se discute nos autos é se as representadas do recorrente, porque trabalhadoras da administração pública do quadro do IRN-IP, a exercerem funções nos serviços de Registo Automóvel da Loja do Cidadão do Porto, por manusearem ou guardarem valores, numerários, títulos ou documentos, deveriam ser ou não abonadas do referido "abono para falhas", que, para o ano de 2009, foi fixado em € 86,29 (art.º 9.º da Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de Dezembro).
A decisão judicial recorrida, depois de exposto o quadro legal - Dec. Lei 4/89 de 6 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 276/98 de 11 de Setembro e pela Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro e do despacho n.º 15409/2009, de 30 de Junho, do Ministro de Estado e das Finanças (publicado no Diário da República 2ª série, nº 130 em 8 de Julho de 2009) relativo às condições para o reconhecimento do direito ao abono para falhas - entendeu que inexistia o reclamado direito ao abono para falhas, pois que --- divergindo do entendimento do recorrente que não levava em devida consideração os requisitos legalmente exigíveis (pois que, em vez de alternativos, são cumulativos) ---, relativamente à carreira geral de assistente técnico - como é o caso das representadas pelo recorrente -, é exigido que:
- o trabalhador, titular da categoria de assistente técnico, ocupe posto de trabalho que se reporte às áreas de tesouraria ou cobrança; e,
- que esse posto de trabalho envolva a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos; e ainda que
- que tais funções sejam assim descritas no mapa de pessoal.
Mas, porque a caracterização das funções que as representadas do recorrente exercem na Loja do Cidadão, não constam de mapa de pessoal, não lhes poderia ser abono o requerido abono.
Como se refere na decisão recorrida ".... o abono para falhas, não é, de atribuição genérica a qualquer trabalhador que manuseia numerário.
Ora, dos mapas de pessoal do IRN, I.P., elaborados e aprovados para o ano de 2009, não consta a caracterização dos postos de trabalho nos termos consignados no despacho em apreço, de forma a permitir identificar os trabalhadores detentores da categoria de assistente técnico em serviço nas Lojas do Cidadão com eventual direito ao suplemento “abono para falhas” ao abrigo do Dec.-Lei nº 4/89 e nos termos consignados no referido Despacho.

Em suma, o que sucede é que inexistindo qualquer violação do Dec.-Lei nº 4/89, de 6 de Janeiro (alterado pelo Dec.-Lei nº 276/98, de 11 de Setembro e pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro) bem como das normas constantes do Despacho nº 15409/2009, de 30.06, o certo é que estamos perante uma omissão por banda da entidade pública com competência para aprovar mapa de pessoal que defina os postos de trabalho que, reportando-se às áreas de tesouraria ou cobrança, envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos.

Uma vez que apenas a Entidade Pública para tanto competente poderá aprovar o mapa de pessoal que caracterize as funções exercidas pelos trabalhadores, só então se poderá apurar se as funções exercidas pelas RA se enquadram dentro dessa caracterização.

Sendo certo que, atenta a data do despacho que regulamenta a matéria (30 de Junho de 2009), a dilação na definição de uma condição de reconhecimento do suplemento remuneratório em causa poderá originar responsabilidade civil da Administração".


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Ora, o recorrente - atentas as suas alegações - não contesta o entendimento vertido na decisão do TAF do Porto, antes assinala a inércia da administração em estabelecer, no respectivo mapa de pessoal, a devida caracterização do trabalho a desenvolver, nomeadamente o manuseamento de dinheiros públicos.
E é essa omissão "legislativa" que o recorrente convoca para que este TCA altere o entendimento da 1.ª instância.
Porém, se inércia existe por parte da administração em fixar os conteúdos concretos das funções específicas, em sede de mapa de pessoal, dos diversos trabalhadores da Loja do Cidadão, tal apenas pode importar a eventual condenação do Estado, por omissão "legislativa", que não a concessão do requerido abono para falhas quando inexistem os requisitos legalmente exigíveis, sendo certo e insofismável - que nem sequer o recorrente contesta - que o simples manuseamento/guarda de dinheiros públicos importe a concessão do abono para falhas.
E nem a alegada violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva importa decisão diversa, pois que nem sequer o mesmo está em causa.
As funcionárias em questão, representadas pela sua estrutura sindical não deixaram de exercitar contenciosamente os seus direitos, o que os presentes autos bem evidenciam, podendo, ainda, pelos meios processuais adequados, actuar contra a omissão da administração, de molde a que, eventualmente, possam preencher os requisitos necessários para obter os seus desideratos - percepção do abono para falhas.
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Deste modo, inexiste razão suficiente para alterar a decisão da 1.ª instância.
III
DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e, consequentemente, manter o acórdão recorrido.
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Encargos pelo recorrente - art.º 4.º, ns. 1, al. f) e 6 do RCP.
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Notifique-se.
DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art.º 138.º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil, “ex vi” do art.º 1.º do CPTA).
Porto, 8 de Fevereiro de 2013
Ass.: Antero salvador
Ass.: Rogério Martins
Ass.: João Beato