Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00032/22.8BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/24/2025
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:LUÍS MIGUEIS GARCIA
Descritores:URBANISMO;
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO;
ARRENDATÁRIO;
Sumário:
I) – É de negar provimento ao recurso quando não triunfa apontado erro de julgamento.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

«AA» (Rua ..., ..., ..., ...), em acção administrativa por si intentada contra Município ..., na qual impugna acto do Vereador da Fiscalização do Município que determinou a cessação de utilização de edifício, interpõe recurso jurisdicional após o TAF de Penafiel ter julgado “a presente ação improcedente, e em consequência: - absolve-se a Entidade Demandada do peticionado.”.

Conclui:

1ª – Admitindo-se a faculdade de dispensa da audiência prévia face ao preceito contido no n.º 2 do art.º 87º – B do CPTA, quando o juiz tencionar conhecer no saneador, total ou parcialmente, do mérito da causa, certo é que a dispensa da audiência prévia só se justifica quando as questões de fundo tenham sido suficientemente discutidas pelas partes nos articulados e não subsistam dúvidas ou imprecisões sobre a matéria de facto, isto é, quando a decisão a proferir no saneador se revista de manifesta simplicidade.
2ª – O acto de dispensa de audiência prévia deve revestir a forma de despacho escrito e ser fundamentado, por força do disposto no n.º 1 do art.º 205º da CRP e do art.º 154º do CPC.
3ª – No caso sub iudicio, o tribunal a quo não proferiu despacho de dispensa da audiência prévia, justificativo e fundamentador da opção da dispensa desta diligência, no qual tenha sido invocado expressamente, e notificado às partes, o contexto que levou o tribunal à dispensa dessa formalidade processual.
4ª – Não foi proferido também qualquer despacho para audição ou consulta das partes sobre o propósito do tribunal dispensar a audiência prévia ou de prevenção das partes, de forma fundamentada, sobre as questões a solucionar ou sobre a projectada solução do litígio.
5ª – A decisão de dispensa da audiência prévia deve ser objecto do contraditório das partes, seja por irradiação geral do princípio do contraditório – n.º 3 do art.º 3º do CPC – seja por lhe assistir uma dimensão de agilização ou simplificação processual que pressupõe, necessariamente, a audição das partes – n.º 1 do art.º 6º do CPC e n.º 1 do art.º 7º do CPTA.
6ª – O facto de não ter sido convocada a audiência prévia, o facto de não ter sido promovida a audiência ou consulta das partes sobre o contexto que levou o tribunal a dispensar essa faculdade processual ou sobre quais as questões a solucionar e a intenção de decidir de mérito no saneador, e o facto de o saneador – sentença se constituir como uma verdadeira decisão-surpresa, com violação do princípio de contraditório previsto no n.º 3 do art.º 3º do CPC, constituem nulidade processual, nos termos do n.º 1 do art.º 195º do CPC, porque tal nulidade influi directamente no exame e decisão da causa.
7º - Por outro lado, a falta de audiência prévia e a violação pelo tribunal do dever de consulta sobre a sua dispensa e sobre o propósito da sua dispensa, implica que o saneador que, em sequência, foi proferido é ainda nulo por excesso de pronúncia, já que o tribunal conhece, então, de matéria que, nas circunstâncias de omissão do seu dever de consulta das partes, não pode conhecer – al. d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.
8ª – Quer a nulidade invocada na conclusão 6ª – porque coberta pelo saneador – sentença que de seguida se proferiu e de que ora se recorre – quer a nulidade invocada na conclusão anterior podem ser objecto de recurso perante o tribunal superior àquele que comete a nulidade. Razão por que pode e deve esse Venerando Tribunal conhecer e declarar as invocadas nulidades, com as consequências legais.
Sem prescindir:
9ª – Existe um erro, que levamos à conta de mero lapso, mas que, assim mesmo, deve ser corrigido, no facto dado como provado na al. c) devendo aí passar a constar que “o Autor e «BB» assinaram contrato pelo que deram de arrendamento à sociedade «AA» – Sociedade Unipessoal, Lda. para fins não habitacionais, o imóvel identificado em A)”.
10ª – O facto descrito na alínea F) encontra-se incorrectamente julgado e deve ser dado como não provado. O documento n.º 18 constante do processo administrativo junto ao processo cautelar n.º 785/21.0BEPNF, fls. 99 a 107 do SITAF e fls. 18 e seguintes do PA, impõe que sobre esse facto recaia a decisão de não provado.
A decisão que no entender do autor deve ser proferida – atento o conteúdo do referido documento n.º 18 – é a seguinte: “Em 23/02/2021 a Divisão dos Serviços Jurídicos e Fiscalização elaborou informação na qual se fez consignar que o autor ocupa o edifício em desacordo com o uso fixado na licença de utilização n.º 281/1991 – ocupação destinada a armazém, para efeitos de instauração de contra-ordenação”.
11ª – O facto descrito na alínea H) dos factos provados encontra-se incorrectamente julgado e deve ser dado como não provado.
O resumo que aí se faz do despacho proferido pela vereadora do urbanismo é incompleto. truncado e deturpa o verdadeiro sentido e alcance do despacho.
Deve, assim, dar-se por provado o próprio conteúdo de tal despacho, na sua integralidade, com a respectiva transcrição.
O facto da alínea H) deve passar a ter o seguinte teor e redacção:
“H) O requerimento mencionado em G) deu origem ao Processo nº AU – AUT 5/2021 e em 29.04.2021 foi proferido o seguinte despacho pela Vereadora do Urbanismo:
“- Manifesto a intenção de indeferir o pedido de alteração de utilização de acordo com os pareceres técnicos, que aqui dou por reproduzidos para todos os efeitos legais.
- Nos termos do artigo 121.º do CPA, fixo prazo de audiência prévia em 30 dias podendo o projeto de decisão de indeferimento ser revisto se, no mesmo prazo, o requerente vier corrigir/completar o pedido, segundo as desconformidades/deficiências apontados no parecer técnico.
- Notifique-se o requerente do presente despacho, do parecer e da informação técnica que fundamentam a decisão bem como de que decorrido o prazo da audiência prévia, e caso esta fique deserta, ou seja se não forem apresentados esclarecimentos e corrigidas as deficiências indicadas no prazo de 30 dias, o projeto de decisão transformar-se-à automaticamente em decisão definitiva de indeferimento da pretensão sendo o processo encerrado e remetido à Divisão de Serviços Jurídicos e Fiscalização para os fins convenientes.
- Notifique-se o requerente da informação e para, no prazo de 60 dias, submeter a licenciamento para eventual legalização as obras de alteração efectuadas.
(…)”
- Cfr. fls. 27 a 31 do PA.” (sublinhado nosso).
12ª – Por terem interesse para a correcta e justa decisão da causa e por os elementos documentais constantes dos autos e dos processos administrativos assim o imporem, devem ser dados como provados todos os factos identificados pelas letras L), M), N), O), P), Q), R), S), T), U), V), X), Z), AA), AB), AC) e AD) do n.º 6 das presentes alegações, com a redacção proposta para cada um deles em cada uma dessas alíneas e com base nos meios probatórios indicados em cada uma delas.
13ª – Decorre das normas legais contidas nos n.ºs 2 e 3 do art.º 109º e nos n.ºs 3,4 e 5 do art.º 92º que, na óptica do legislador, o destinatário da medida de cessação de utilização de edifício em desconformidade com o uso previsto na autorização existente, ou o uso deste para fim diferente daquele que está previsto na autorização existente, deve ser o seu efectivo ocupante ou utilizador.
14ª – Em verdade é o ocupante e utilizador efectivo do edifício que comete a infracção urbanística de utilizar ou afectar o edifício a fim diverso do previsto no alvará de utilização.
15ª – O conceito normativo de ocupante – embora não legalmente definido – não se concentra necessariamente no proprietário do edifício ocupado, podendo concentrar-se noutros titulares de outros direitos reais ou pessoais de gozo sobre o edifício ocupado sem alvará de autorização ou em desconformidade com o uso nele prescrito, como sejam o usufrutuário, o comodatário, o titular do direito de uso e habitação, o arrendatário ou qualquer outro titular de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou até, finalmente, o ocupante que não disponha de qualquer direito sobre o edifício.
16ª – É o efectivo ocupante do edifício sem alvará de utilização ou em desconformidade com o uso nele previsto que é o infractor urbanístico e, assim, só este pode e deve figurar como destinatário da ordem de cessação da utilização do edifício, para efeitos do disposto no art.º 109º.
17ª – No caso vertente, por via da celebração do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, entre o aqui recorrente, como senhorio, e a sociedade «AA» – Sociedade Unipessoal, Lda., como arrendatária, ocorreu uma separação entre o domínio do edifício – que ficou na esfera jurídica do recorrente e de sua mulher – e o respectivo gozo ou uso – que foi transferido para a sociedade.
18ª – É a sociedade «AA» – Sociedade Unipessoal, Lda. que desenvolve no edifício aqui em causa a sua actividade social de oficina de carpintaria e, assim, é ela que efectivamente ocupa, goza e frui do edifício em desconformidade com o uso previsto na autorização de utilização.
19ª – Assim, só ela pode ser a destinatária da ordem de cessação de utilização vertida no acto impugnado, porque só ela – e já não o autor – é o efectivo infractor urbanístico, sob pena de, a não se entender assim, se violar não só o art.º 109º, como também os art.ºs 1305º, 1311º e 1022º do Cód. Civil, bem como o princípio da unidade do sistema jurídico.
20ª – Contra oque fica dito não se argumente que, para o efeito de identificar correctamente o infractor urbanístico, tanto faz notificar o recorrente como a sociedade, porquanto aquele é o único sócio e gerente desta.
21ª – A tese constante da sentença, sumariada na conclusão antecedente, faz tábua rasa da distinção legal das personalidades jurídicas do recorrente e da sociedade e olvida que o instituto da unipessoalidade considera a sociedade como uma pessoa jurídica societária, autónoma e distinta da do seu sócio e gerente, susceptível de direitos e deveres, dotada de personalidade jurídica e património próprios, com interesses e objectos próprios, todos diferentes dos do seu único sócio e gerente.
22ª – Provado o contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado entre o recorrente, como senhorio, e a sociedade, como arrendatária, nas distintas esferas jurídicas e na titularidade de um e outra entrou um acervo de direitos e deveres que a cada um deles, reciprocamente, vincula e que só por um ou outro devem ser exercidos e cumpridos. É a lei que assim o prevê e o impõe e tal não pode ser contrariado pelo acto impugnado ou pela sentença recorrida.
23ª – Nem do texto do acto impugnado, nem do teor do ofício de notificação, nem mesmo dos processos administrativos, se percepciona a mais ténue referência à sociedade como destinatária da ordem de cessação de utilização do edifício, sendo certo que é ela, e apenas ela, a ocupante e utilizadora do edifício, como decorre do facto provado na alínea E) dos factos provados.
24ª – Da notificação também se não infere a mais leve referência a que essa notificação tem como destinatário o cidadão «AA», na qualidade de único sócio e gerente da «AA» – Sociedade Unipessoal, Lda..
25ª – A ordem de cessação de utilização, tem, pois, como efectivo destinatário o recorrente – que não é infractor urbanístico – quando o certo é que devia e só podia ter como destinatária a sociedade, porque é ela a efectiva ocupante do imóvel em causa e, assim, é ela a efectiva infractora urbanística, verificando-se, assim, um erro na identificação do infractor urbanístico, erro esse juridicamente relevante.
26ª – Ao considerar como destinatário da ordem de cessação de utilização o recorrente, a sentença violou, além do art.º 109º e das demais normas legais já citadas na conclusão 19ª, o art.º 266º, n.º 1, da CRP, que impõe que a Administração prossiga o interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, o que implica o respeito pelos direitos do recorrente que lhe são reconhecidos pelo direito civil e que os art.ºs 3º, n.º 1, e 4º, ambos do CPA, mandam também acatar.
27ª – Dado que a ordem de cessação de utilização consubstancia uma verdadeira sanção punitiva que se abate sobre o seu destinatário, e considerando também que resulta do processo instrutor que foi instaurado ao recorrente processo de contra-ordenação, o acto administrativo impugnado viola ainda o princípio da intransmissibilidade das penas, previsto no art.º 30º, n.º 3, da CRP, na medida em que a ordem de cessação de utilização não pode ser desligada da sanção a aplicar no processo contra-ordenacional. Se o infractor urbanístico é a sociedade, é esta que deve ser destinatária da ordem de cessação de utilização e é sobre ela que deverá recair a responsabilidade contra-ordenacional; não sobre o seu sócio e gerente, enquanto pessoa singular.
O campo de aplicação do n.º 3 do art.º 30º da CRP não se confina, como se sabe, aos casos penais, sendo o princípio que consagra aplicável, designadamente, a todas as decisões administrativas de natureza punitiva e sancionatória.
28ª – Conforme determina a al. a) do n.º 1 do art.º 151º do CPA, do acto administrativo deve constar a indicação da autoridade que o pratica e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista. Do mesmo passo, o n.º 1 do art.º 48º do CPA estipula que o órgão delegado ou subdelegado deve mencionar essa qualidade no uso da delegação ou subdelegação.
29ª – Do texto do acto impugnado não consta a menção de que o mesmo é praticado no uso de poderes delegados. Razão por que aquele acto administrativo viola o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 151º e os n.ºs 1 e 2 do art.º 48º, ambos do CPA e é inoponível ao recorrente por força do n.º 4 do art.º 60º do CPTA.
30ª – A ilegalidade assinalada na conclusão anterior não é sanada por no ofício através do qual se faz a notificação constar a menção “Por delegação de competências do Exmo. Senhor Presidente da Câmara”.
Esta última menção não esclarece, com objectividade e clareza, quais os efectivos poderes delegados de que o autor do acto impugnado faz uso ao proferilo, é ambígua e obscura àcerca do objecto e do âmbito dos poderes delegados de que se faz uso.
Uma menção equívoca, ambígua ou obscura dos poderes delegados ou subdelegados, e respectivo âmbito, que são usados pelo autor do acto gera a invalidade do acto. Por outro lado, a ininteligibilidade do documento que transmite o teor do acto também gera a invalidade do mesmo.
31ª – O poder de ordenar a cessação de utilização prevista no art.º 109º é da competência do presidente da câmara municipal, pelo que o acto impugnado, sendo da autoria do vereador, está ferido de incompetência relativa, por invasão da competência do presidente da câmara.
32ª – O acto impugnado ao determinar que “será promovido o despejo administrativo, nos termos das disposições combinadas nos art.ºs 109º, n.º 2, e 92º, ambos do RJUE”, se incumprida a ordem no prazo fixado, viola o disposto no n.º 2 do art.º 109º e 92º, e padece de vício de incompetência relativa por invasão da competência própria da câmara municipal, que se não mostra ter sido delegada no presidente da câmara ou subdelegada por este no vereador autor do acto.
33ª – Sustenta a decisão recorrida que, uma vez verificada uma situação de ilegalidade urbanística consistente na utilização de um edifício sem autorização de utilização ou em desconformidade com o fim previsto no alvará de autorização, resta à Administração, apenas e só, diligenciar no sentido de repor a legalidade urbanística, agindo então no exercício de poderes estritamente vinculados, porque sujeito ao princípio da legalidade previsto no art.º 3º do CPA.
34ª – Não se ignora nem se questiona que, verificada uma situação de ilegalidade urbanística, é dever da Administração adoptar as medidas necessárias a sua restauração e integração. Designadamente, verificado que certo prédio se encontra ocupado e a ser afecto a fim diverso do previsto no alvará de utilização, é dever da Administração adoptar as medidas necessárias à reposição da legalidade urbanística assim violada.
35ª – Todavia, a ordem de cessação da utilização de edifícios ou fracções não se impõe, sem mais e de imediato, como a única medida a ser utilizada pela Administração para restaurar e tutelar a legalidade urbanística, antes tem de ser considerada como uma medida de último recurso, ou como uma medida de ultima ratio, para a reposição da legalidade urbanística, só devendo ser ordenada quando não subsistam quaisquer dúvidas razoáveis sobre a possibilidade ou susceptibilidade de legalização da ocupação concretizada, pois está-se perante um afloramento do princípio constitucional da proporcionalidade, plasmado no art.º 18º, n.º 2, da CRP, e reafirmado, ao nível da actividade administrativa, no n.º 2 do art.º 266º da CRP e no art.º 7º do CPA, que impõem que não sejam infligidos sacrifícios aos cidadãos quando não existam concretas e identificadas razões de interesse público que os possam justificar.
36ª – Daí que se tenha por assente que, quer a demolição de obras ilegais, quer – como aqui interessa particularmente – a cessação da utilização de edifícios ou fracções, têm de ser consideradas como um último recurso para a reposição da legalidade urbanística, só devendo ser ordenadas, seja a primeira, seja a segunda, quando não subsistam dúvidas razoáveis sobre a possibilidade de legalização, tudo em prol do princípio da proporcionalidade – nos seus corolários dos princípios da necessidade e da adequação – protector do equilíbrio entre o interesse público e os direitos e interesses legítimos dos particulares.
37ª – Os termos dos art.ºs 102º e 109º, invocados na sentença recorrida e no acto impugnado, só estabelecem para o município a vinculação legal quanto à tutela e à restauração da legalidade urbanística. Não mais do que isso.
38ª – Quanto aos meios para conseguir esse desiderato da restauração e tutela da legalidade urbanística, o legislador conferiu ao município uma ampla margem de discricionariedade, como claramente resulta do termo “pode” usado no art.º 109º.
39ª – No caso vertente, o recorrente desencadeou – quer de motu proprio, quer porque para tanto foi notificado em execução do despacho transcrito na alínea H) dos factos provados – junto do município um procedimento administrativo para legalização da utilização do edifício como local destinado a instalação de indústrias do tipo 3 que deu origem ao Proc. n.º 5/2021 – AUT – Alteração de Utilização, conforme artigo 18º da petição e alínea G) dos factos provados, tendo a CCDR – N emitido já parecer datado de 05/04/2022 de aceitação da alteração de utilização proposta, embora condicionada ao cumprimento das recomendações da APA.
40ª – Em 08/06/2022, dando seguimento ao referido parecer da CCDR – N e às condicionantes dele constantes, impostas pela APA, o autor/recorrente fez registar nos serviços municipais competentes, requerimento, instruído com os necessários documentos, peticionando a legalização não só das obras realizadas no passado, como também, da utilização concretizada do edifício como local destinado a armazém e indústria tipo 3, estando agora o município a apreciar os pedidos de legalização formulados em tal requerimento, apresentado já no seguimento daquele que vem citado na alínea G) dos factos provados.
41ª – Existe, assim, alternativa séria, consistente e actual à cessação de utilização e é possível concluir, com um forte grau de probabilidade, que a utilização concretizada é susceptível de ser legalizada. Assim, impõe-se à Administração que use o seu poder discricionário quanto à oportunidade da ordem de cessação de utilização e quanto à possibilidade de fixar um prazo intertemporal alargado, até que se complete o procedimento de legalização desencadeado pelo recorrente.
42ª – Concluindo: não pode a Administração proferir o acto impugnado, antes devendo conceder ao ocupante um período transitório e provisório de ocupação do edifício com a utilização actual até que, em definitivo, conclua pela susceptibilidade ou insusceptibilidade da legalização requerida.
43ª – De resto, resulta com clareza do art.º 102º – A que quando for possível asseverar – como é no caso vertente – que é possível assegurar a conformidade das operações urbanísticas ilegais com as normas legais e regulamentares em vigor, a câmara municipal não pode decidir-se pela imediata execução da medida sancionatória, antes deve notificar os interessados para a legalização das operações urbanísticas ilegais, fixando para o efeito um prazo razoável.
44ª – Se, por um lado, a Vereadora do Urbanismo notificou o recorrente para legalizar e lhe deu prazo, e até prorrogou o prazo inicialmente concedido, contraditoriamente, o autor do acto impugnado, fazendo tábua rasa da notificação anteriormente referida e sem cumprimento do art.º 102º – A, proferiu ordem de cessação imediata da utilização do edifício, com o consequente e imediato encerramento do estabelecimento industrial que nele funciona.
45ª – Como o autor/recorrente já deu início ao procedimento de legalização da utilização concretizada e como a CCDR – N e a APA já deram parecer favorável, condicionado, estando embora a Administração vinculada à restauração da legalidade urbanística, não está vinculada quanto à oportunidade de executar de imediata a ordem de cessação que só deverá ser executada se, a final, o procedimento de legalização vier a ser indeferido e se concluir pela impossibilidade de legalização da utilização concretizada.
46ª – O acto impugnado deve ser anulado.
47ª – Decidindo como decidiu, a sentença em recurso violou o disposto nos art.ºs 102º – A e 109º, bem como o princípio da proporcionalidade, em todos os seus corolários, consagrado no n.º 2 do art.º 266º da CRP e no art.º 7º do CPA, bem como o n.º 1 do art.º 266º da CRP, pelo que deve ser revogada, com a consequente anulação do acto impugnado.

Sem contra-alegações.
*
A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta foi notificada nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, emitindo parecer no sentido de não provimento do recurso.
Respondido.
*
Dispensando vistos, cumpre decidir.
*
Factos, julgados como provados pelo tribunal “a quo”:
A. A 26/12/1991, a Entidade Demandada emitiu a licença n.º 281/91, autorizando o uso como armazém do prédio urbano composto de casa de ..., andar e logradouro, sito no lugar ..., Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz urbana com o artigo 570 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...36/..., (provado por documento – cfr. doc. 2 do requerimento inicial processo cautelar n.º 785/21.0 BEPNF, fls. 25 a 76 do SITAF).
B. A 22/06/2020, o Autor e «BB» adquiriram o imóvel descrito em A. (provado por acordo – facto alegado no artigo 1.º da petição inicial, confirmado no artigo 2.º da contestação. Fls. 6 a 27 e 38 a 52 do SITAF).
C. A 1/07/2020, o Autor e «BB» assinaram contrato, pelo qual tomam de arrendamento à sociedade «AA» – Sociedade Unipessoal, Lda. para fins não habitacionais, o imóvel identificado em A. (provado por documento – cfr. doc. 4 do requerimento inicial processo cautelar n.º 785/21.0 BEPNF, de fls. 25 a 76 do SITAF).
D. O Autor é único sócio e gerente da sociedade comercial «AA» – Sociedade Unipessoal, Lda. (provado por documento – cfr. doc. 2 do requerimento inicial processo cautelar n.º 785/21.0 BEPNF, de fls. 25 a 76 do SITAF).
E. A «AA» – Sociedade Unipessoal, Lda. desenvolve atividade de carpintaria no imóvel descrito no facto A. (provado por confissão – artigo 13.º da petição inicia, fls. 6 a 27 do SITAF).
F. Em 23/02/2021, a Divisão dos Serviços Jurídicos e Fiscalização elaborou participação na qual consta que o prédio é utilizado em desacordo com o uso determinado na licença n.º 281/1991 (provado por documento – cfr. doc. 18 do processo administrativo junto ao processo cautelar n.º 785/21.0 BEPNF, fls. 99 a 107 do SITAF).
G. A 24/03/2021, o Autor requereu a alteração do uso do prédio identificado em A. de “armazém” para “armazém e indústria tipo 3” (provado por documento –. cfr. doc. 18 do processo administrativo junto ao processo cautelar n.º 785/21.0 BEPNF, fls. 99 a 107 do SITAF).
H. A 29/04/2021, a Entidade Demandada comunicou ao Autor a intenção de indeferimento do requerimento identificado em G. e fixou o prazo de 30 dias para “(…) corrigir/completar o pedido, sanando as desconformidades/deficiências (…)” (provado por documento – doc. 25 do requerimento inicial processo cautelar n.º 785/21.0 BEPNF, fls. 25 a 76 do SITAF).
I. A 04/10/2021, o Autor requereu à Entidade Demandada a suspensão dos prazos procedimentais, visto ter solicitado parecer sobre a legalização das obras realizadas no imóvel identificado em A. à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (provado por documento – doc. 27 da petição inicial, fls. 25 a 76 do SITAF).
J. A 28/09/2021, o Vereador de Fiscalização Urbanística proferiu despacho com, nomeadamente, o seguinte conteúdo:
Atento a que ao abrigo das disposições combinadas dos artigos 102.º al. g) e 109.º do RJUE a cessação da utilização com o mencionado fim de oficina de carpintaria, do prédio urbano sito em ..., ..., inscrito na matriz sob o art.º 570.º, porquanto, conforme licença de utilização n.º 281/1991 a tal prédio apenas lhe pode ser dado o uso de armazém, e uma vez que a execução da cessação da utilização se concretiza com a cessação da atividade que se encontra em laboração, determino que o visado seja notificado para, em 20 dias uteis, proceder à execução da ordem de cessação da utilização. Mais determino que da notificação deve constar que, caso não proceda ao encerramento da referida utilização, tal facto constitui crime de desobediência, nos termos das disposições combinadas dos artigos 100.º n.º1 do RJUE e 348.º do Código Penal, bem como, será promovido o despejo administrativo, nos termos das disposições combinadas nos artigos 109.º n.º 2 e 92.º, ambos do RJUE”. (…)
(provado por documento – Cfr. processo administrativo fls. 189 – 214 do SITAF).
K. A decisão referida foi notificada ao autor por ofício de 28.10.2021 sendo indicado que o Vereador da Fiscalização decidia «por delegação de competências do Exmo. Sr. Presidente da Câmara» (P.A. II, junto no processo cautelar);
*
A apelação.
Questão prévia.
O recorrido, entrementes, “requerer a admissão e consideração do presente, bem como, do documento supra rreferido, sito a fls. 112 a 115 do Processo administrativo que corre termos no Recorrido com o número 140/2022 – LE - EDI, atualizado à data de 21/10/2022, onde o recorrente peticiona a legalização das obras realizadas e a alteração do uso de armazém para armazém e indústria tipo 3.”, documento que designa de «DECISÃO GLOBAL DESFAVORÁVEL, expedida pela CCDR - N em 11/10/2022, no âmbito consulta das entidades da Administração Central, em razão da localização, prevista no artigo 13.º - A do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, relativamente à pretensão da Recorrente no procedimento de legalização que corre termos no Recorrido com o número 140/2022 – LE - EDI, documento este que atualiza a conclusão formulada pelo Recorrente sob o número 39.º, ou seja, quando invoca que a C CDR – N já emitiu “parecer datado de 05/04/2022 de aceitação da alteração de utilização proposta, embora condicionada ao cumprimento das recomendações da APA.».
Dispõe o artigo 651.º, n.º 1, do CPC, que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”; por sua vez o artigo 425.º do mesmo diploma prevê que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”,
Da conjugação lógica entre o art. 651º, nº 1 e o art.º 425º, do CPC, resulta que a junção de documentos na fase de recurso, pode ser admitida, mas a título excecional, dependendo da alegação e da prova pelo interessado nessa junção, da impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, ou o julgamento de primeira instância ter introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
Ora, o que o recorrido opõe em contrário à inadmissibilidade de junção - convocando a apontada normatividade - não procede; a alegação do requerente está imbuída da novidade do documento, objectivamente novo na sua emissão; donde, encontrada superveniência, pelo menos essa justificação, não será por via de oposição a esse motivo que poderá ancorar inadmissibilidade.
Equitativamente sem maior atenção ao tema, que não deixa de se estender aos próprios documentos que o recorrido juntou em recurso.
O foco de interesse encontra-se no que se segue.
Conclusões 1ª a 8ª.
Configura nulidade “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva” (art.º 195º, nº 1, do CPC).
Nenhuma razão assiste ao recorrente no ponto.
O que o recorrente apelida de excesso, seria um inoportuno desvio.
Mas que não ocorre, e sem comportar surpresa.
Desde logo, aplica-se o rito do CPTA, que não dita uma prévia notificação quanto à possibilidade de dispensa de audiência prévia (cfr. Ac. deste TCAN, de 17-12-2021, proc. n.º 525/19.4BEPNF).
“A normação vertida na al. b) do n.º 1 do art.º 87.º A e n.º 2 do art.º 87.º B, ambos do C.P.T.A., na versão operada pela Lei nº. 118/2019, de 17.09., permite, sem mais, a dispensa da audiência prévia pelo juiz, sem necessitar da notificação prévia das partes com vista a uma eventual audiência prévia potestativa, como o possibilitaria o n.º 4 do art.º 87.º B do C.P.T.A.” - Ac. deste TCAN, de 20-12-2022, proc. n.º 00641/21.2BEPNF.
Por outro lado.
Certo é que “Pode ser dispensada a audiência prévia quando existam todos os elementos pertinentes para uma decisão de mérito, conhecendo-se imediatamente do pedido - n.º 2 do art.º 87.º A do CPTA” (Ac. deste TCAN, de 08-10-2021, proc. n.º 176/21.3BEVIS).
«I-Com a nova redação conferida ao n.º2 do artigo 87.º-B do CPTA, pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, passou a prever-se a possibilidade de o juiz do processo dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas a facultar às partes a discussão de facto, nas situações em que tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.» (Ac. deste TCAN, de 02-07-2021, proc. n.º 263/19.8BEPNF).
Essa dispensa, que é do poder discricionário do juiz, pode ter fórmula tabelar, e no caso resulta implícita no despacho que expressamente foi lavrado em antecedente, e na mesma data, ao “saneador-sentença” sob recurso, no qual se consignou «Em face dos elementos constantes nos autos, o Tribunal considera estarem reunidos os pressupostos necessários para se pronunciar sobre o mérito da causa ao abrigo do artigo 88.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).».
Conclusões 9ª a 12ª.
O tribunal “a quo” fixou como provado que: «C. A 1/07/2020, o Autor e «BB» assinaram contrato, pelo qual tomam de arrendamento à sociedade «AA» – Sociedade Unipessoal, Lda. para fins não habitacionais, o imóvel identificado em A. (provado por documento – cfr. doc. 4 do requerimento inicial processo cautelar n.º 785/21.0 BEPNF, de fls. 25 a 76 do SITAF).».
Mas tem o recorrente razão em propor diferente redacção: “C. O Autor e «BB» assinaram contrato pelo que deram de arrendamento à sociedade «AA» – Sociedade Unipessoal, Lda. para fins não habitacionais, o imóvel identificado em A)”.
Na referida prova documental (“CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS COM PRAZO CERTO”), figuram como primeiros outorgantes o requerente e esposa e como segunda outorgante «AA» – Sociedade Unipessoal, Lda, em que “(…) os Senhorios dão de arrendamento à Inquilina, e esta toma de arrendamento o prédio urbano (…)” (cláusula segunda).
Fica, pois, alterado o julgamento feito.
No sentido agora assinalado, e com a redacção avançada pelo recorrente.
O qual entende também que o facto descrito na alínea F) se encontra incorrectamente julgado e deve ser dado como não provado.
Remete para documento n.º 18 constante do processo administrativo junto ao processo cautelar n.º 785/21.0BEPNF, fls. 99 a 107 do SITAF e fls. 18 e seguintes do PA.
O que se encontra fixado é «F. Em 23/02/2021, a Divisão dos Serviços Jurídicos e Fiscalização elaborou participação na qual consta que o prédio é utilizado em desacordo com o uso determinado na licença n.º 281/1991 (provado por documento – cfr. doc. 18 do processo administrativo junto ao processo cautelar n.º 785/21.0 BEPNF, fls. 99 a 107 do SITAF).».
O documento tem o seguinte teor (extracto):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Nada impõe em tirar distinto julgamento.
Sob H) ficou fixado que «H. A 29/04/2021, a Entidade Demandada comunicou ao Autor a intenção de indeferimento do requerimento identificado em G. e fixou o prazo de 30 dias para “(…) corrigir/completar o pedido, sanando as desconformidades/deficiências (…)”(provado por documento – doc. 25 do requerimento inicial processo cautelar n.º 785/21.0 BEPNF, fls. 25 a 76 do SITAF).»
O recorrente entende que se encontra incorrectamente julgado e que deve ser dado como não provado.
Aduz que o “resumo” que aí se faz do despacho proferido pela vereadora do urbanismo é incompleto, truncado e deturpa o verdadeiro sentido e alcance do despacho, e que deve, assim, dar-se por provado o próprio conteúdo de tal despacho, na sua integralidade, com a respectiva transcrição:
- Manifesto a intenção de indeferir o pedido de alteração de utilização de acordo com os pareceres técnicos, que aqui dou por reproduzidos para todos os efeitos legais.
- Nos termos do artigo 121.º do CPA, fixo prazo de audiência prévia em 30 dias podendo o projeto de decisão de indeferimento ser revisto se, no mesmo prazo, o requerente vier corrigir/completar o pedido, segundo as desconformidades/deficiências apontados no parecer técnico.
- Notifique-se o requerente do presente despacho, do parecer e da informação técnica que fundamentam a decisão bem como de que decorrido o prazo da audiência prévia, e caso esta fique deserta, ou seja se não forem apresentados esclarecimentos e corrigidas as deficiências indicadas no prazo de 30 dias, o projeto de decisão transformar-se-à automaticamente em decisão definitiva de indeferimento da pretensão sendo o processo encerrado e remetido à Divisão de Serviços Jurídicos e Fiscalização para os fins convenientes.
- Notifique-se o requerente da informação e para, no prazo de 60 dias, submeter a licenciamento para eventual legalização as obras de alteração efectuadas. (…)”.
Não se acolhe a razão avançada para a pretendida modificação, pois do dito “resumo” não vemos que fique comprometido correcto juízo; sem prejuízo - como também o fazemos para a precedente afirmação - de o total do contexto narrativo - sempre possível de tomar em conta, mesmo não vindo nesse total vertido no probatório - poder coadjuvar no alcance interpretativo.
Por último, aponta o recorrente que “Por terem interesse para a correcta e justa decisão da causa e por os elementos documentais constantes dos autos e dos processos administrativos assim o imporem, devem ser dados como provados todos os factos identificados pelas letras L), M), N), O), P), Q), R), S), T), U), V), X), Z), AA), AB), AC) e AD) do n.º 6 das presentes alegações, com a redacção proposta para cada um deles em cada uma dessas alíneas e com base nos meios probatórios indicados em cada uma delas.”.
O recorrente não desenvolve qualquer discurso argumentativo que projecte esse interesse, que também não vislumbramos.
Até pelo que infra resulta.
Pelo que não resulta aditamento.
Conclusões 13ª a 27ª.
Na decisão recorrida ponderou-se:
«O Autor refere que foi identificado como destinatário do ato de cessação de utilização do edifício, conquanto que quem usa, frui e explora é a sociedade comercial «AA» – Sociedade Unipessoal, Lda., enquanto pessoa jurídica autónoma.
A Entidade Demandada, quanto à causa de pedir invocada, refere que “(…) embora a notificação do A. «AA» possa ser interpretada numa dupla vertente - na qualidade de gerente e proprietário do prédio – a omissão da notificação da sociedade comercial unipessoal, por quotas, arrendatária do prédio, para cessação da utilização do prédio, fundamentado em ser a pessoa que efetivamente efetua a utilização do mesmo, não constitui qualquer irregularidade que afete a validade do ato/notificação em causa, uma vez que, o seu principal representante foi validamente notificado”.
Vejamos.
A inquilina do imóvel é uma sociedade unipessoal por quotas. Esta tipologia social caracteriza-se, como o nome indica, por ter apenas um único sócio (artigo 270.º-A do Código das Sociedades Comerciais).
Resulta dos factos A. e E. da matéria de facto provada que a atividade de carpintaria é exercida pela a sociedade «AA» – Sociedade Unipessoal, Lda., e que o Autor é sócio único e gerente da mesma, o que faz com que o Autor não seja um mero senhorio.
No procedimento administrativo, a notificação não é condição de validade ou eficácia do ato, mas apenas condição de oponibilidade. Ou seja, os efeitos de um ato administrativo não podem ser oponíveis aos particulares sem a sua prévia notificação (artigo 155.º e 160.º do CPA).
Além disso, refira-se que quem dirigiu o pedido de alteração do uso do imóvel foi o Autor em nome pessoal e não a sociedade.
Todavia, sendo o Autor, incindivelmente, também gerente da sociedade, ao lhe ser dirigida a notificação, esta considera-se validamente efetuada, por ser este quem tem a representação da sociedade e ter poder legal e de facto para cessar a utilização do edifício (artigo 163.º do Código Civil).
Em consequência, o ato a impugnar não padece da invalidade que lhe é imputada.».
Sobre o ponto, antecedente aresto deste TCAN em providência cautelar (Ac. de 09-06-2022, proc. n.º 785/21.0BEPNF), ponderou:
«Sendo o requerente «AA» co-proprietário (com a mulher) das instalações, imóvel em causa e nessa qualidade outorgado o Contrato de Arrendamento, como primeiro outorgante, à sociedade ”«AA», Sociedade Unipessoal, L. da” – cfr. alínea G) dos factos provados - , todas as notificações que lhe são endereçadas são eficazes.
Aliás, foi sempre ele, pessoa singular, que se dirigiu aos serviços da CM de ... e instaurou a presente providência.
Foi ele, pessoa singular, proprietário, que autorizou, como consta do Contrato referido, a Sociedade de que é único sócio, a utilizar indevidamente – sem licença de utilização – as instalações arrendadas para fins não permitidos – actividade carpintaria, diferente de armazém.
Finalmente, é ele e só ele que, como proprietário e único representante da sociedade unipessoal, pode e deverá dar execução a ordem de cessação da utilização das instalações para fina industriais – carpintaria».
O recorrente aponta que é a sociedade unipessoal que ocupa, goza e frui do imóvel, que o ocupa.
Faz vincar a distinção de esferas jurídicas, como se só a sociedade pudesse ser destinatária por ser ela a ocupante.
Acontece que mesmo se assim a suceder, não logra aí encontrar-se uma qualquer invalidade; «A ordem de cessão de utilização do edifício prevista no artigo 109º RJUE tem carácter real no sentido em que visa o edifício e, consequentemente, pretende vincular todos os seus actuais e potenciais utilizadores, a qualquer título.» (Ac. TCAN, de 15-02-2019, proc. n.º 01334/12.7BEPRT), e - com o cuidado de distinção de que as medidas de reposição da legalidade (matéria aqui em causa) não se confundem com a faculdade sancionatória da Administração em matéria urbanística - não deixa a vinculação legal do proprietário de existir por dispor da coisa em arrendamento.
De todo o modo, não tem alimento de base, mesmo a seguir-se sua perspectiva.
A notificação não sai(ria) prejudicada na sua eficácia: foi efectuada no Autor, que é (também) representante societário, umbilical e concomitantemente adquirindo notícia.
Estando em causa - e para o caso - tutela urbanística, surte deslocada convocação de princípio de intransmissibilidade das penas.; qual pena e que transmissão?
Conclusões 28ª a 32ª.
O recorrente retoma sem novidade o que a decisão recorrida resolveu e que não nos merece censura, perante inequívocos termos positivados em lei:
«A competência consiste num complexo de poderes funcionais conferidos por lei ou por regulamento a um órgão para atuar, decidir ou deliberar sobre determinada matéria ou assunto, sendo irrenunciável e inalienável. A competência pode ser própria ou delegada, a primeira resulta da lei ou regulamento, a segunda advém do ato de delegação de poderes (artigo 36 n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo - CPA).
Os pressupostos para que seja possível a delegação de poderes, em termos formais, são 3: i. a autorização legal prévia; ii. existência de dois órgãos da mesma pessoa coletiva ou pessoa coletiva distinta; iii. e ainda, haver o ato de delegação propriamente dito (artigo 44.º do CPA).
O presente dissídio reside em saber quais as competências do presidente da câmara e da câmara municipal, previstas no artigo 109 n.º 1 e 2 do RJUE, e se podem ser delegadas no vereador.
O artigo referido tem o seguinte teor:
1 - Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 281/99, de 26 de julho, o presidente da câmara municipal é competente para ordenar e fixar prazo para a cessação da utilização de edifícios ou de suas frações autónomas quando sejam ocupados sem a necessária autorização de utilização ou quando estejam a ser afetos a fim diverso do previsto no respetivo alvará.
2 - Quando os ocupantes dos edifícios ou suas frações não cessem a utilização indevida no prazo fixado, pode a câmara municipal determinar o despejo administrativo, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 92.º”.
Resulta do artigo que o presidente da câmara é competente para aplicar a cessação de utilização de edifício ou de suas frações autónomas quando sejam ocupados sem a necessária autorização de utilização ou quando estejam a ser afetos a fim diverso do previsto no respetivo alvará.
Para aferir da suscetibilidade de delegação de poderes importa considerar o artigo 36.º n.º 2 da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro que prevê a distribuição de funções e atribui a possibilidade de o Presidente da Câmara Municipal delegar ou subdelegar competências as suas competências nos Vereadores.
Assim, a norma referida habilita que o Presidente da Câmara Municipal delegue o poder para praticar o ato de cessação de utilização do edifício no Vereador.
A fim de sustentar o referido, atentemos ao facto do RJUE já ter sido alterado posteriormente à redação da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, não tendo o legislador previsto norma expressa de exclusão do poder para delegar.
Contrariamente, ao que acontece no caso do artigo 197.º n.º 4 e 6 da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, em que o legislador excluiu expressamente a possibilidade de delegação de poderes do Presidente da Câmara.
Portanto, o artigo 36.º n.º 2 da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro habilita o Presidente da Câmara Municipal a delegar, em regra, os seus poderes nos Vereadores.
Quanto ao despejo e posse administrativa importa esclarecer que o ato de cessação não determina a posse administrativa, mas apenas a indica como cominação em caso de incumprimento voluntário do determinado, ou veja-se o teor transcrito do ato “(…) deve constar que, caso não proceda ao encerramento da referida utilização, tal facto constitui crime de desobediência, nos termos das disposições combinadas dos artigos 100.º n.º1 do RJUE e 348.º do Código Penal, bem como, será promovido o despejo administrativo, nos termos das disposições combinadas nos artigos 109.º n.º 2 e 92.º, ambos do RJUE”.
Além disso, e sempre se dirá que, o n.º 2 do artigo 109.º atribui competência à Câmara Municipal para determinar o despejo administrativo, contudo tal competência é igualmente delegável no seu presidente e subdelegável por este no vereador do respetivo município (no mesmo sentido, acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte- TCA Norte de 19/02/2021, processo n.º 01692/20.0BEBRG, acessível em www.dgsi.pt).
E repare-se que no caso em apreço o ofício de notificação da decisão impugnada expressamente indica que o Vereador exercia competência delegada pelo Presidente da Câmara Municipal. Portanto, o autor não pode vir sequer invocar desconhecer que a competência em causa era exercida no âmbito de delegação de competências. Com esta indicação que consta do ofício de notificação, foi dado cumprimento ao disposto nos artigos 48.º, n.º 1 e 151.º, n.º 1, al. a) do CPA.
Mas repare-se que, de qualquer forma o n.º 2 do artigo 48.º do CPA prevê que a ausência dessa indicação “não afeta a validade do ato”. Portanto, o exercício de poderes delegados sem a indicação expressa dessa qualidade não constitui fundamento de ilegalidade do ato administrativo proferido.
Em consequência, não procede esta causa de pedir.».
Conclusões 33ª a 47ª.
O recorrente verte censura conquanto o tribunal “a quo” apenas se teria movido dentro de uma óptica de estrita vinculação legal, não sopesando hipótese de “legalização” já encetada.
Mas não é assim.
Na decisão recorrida expressamente se admitiu que “o princípio da proporcionalidade é uma condição negativa da legalidade da atuação administrativa, mesmo no campo da atuação vinculada”.
E sopesou-se:
«Na aplicação dos testes/subprincípios da proporcionalidade devemos mencionar que a adequação e necessidade são ponderados de forma abstrata. Ou seja, e quanto à adequação, diga-se que a cessação da utilização de um edifício utilizado para fim diverso do autorizado é uma medida apropriada para fazer cessar a ilegalidade urbanística. Quanto à necessidade, na ponderação das medidas possíveis de aplicar ao caso, a cessação da causa de ilegalidade é exigível para alcançar o fim.
Quanto à ponderação ao último teste, o do sentido restrito, é necessário olha para a factualidade do caso em concreto.
Vejamos.
A exigência de controlo prévio quanto ao uso a dar aos edifícios visa salvaguardar a segurança e salubridade na utilização dos mesmos. Resulta da matéria de facto provada que o uso que está a ser dado ao edifício é de indústria de carpintaria
A atividade de indústria, em especial carpintaria está sujeito a riscos distintos do mero armazenamento.
É do conhecimento geral que a carpintaria envolve maquinaria de corte e alisamento, manuseamento de químicos e produtos de tratamento da madeira, ruídos, o que comporta riscos, quer para os trabalhadores, quer para vizinhos.
O risco da atividade industrial é minorado com a imposição de normas de segurança das instalações, a verificar pela entidade demandado no processo de alteração do uso, tal como previsto no artigo 63.º e ss. do RJUE.
Diga-se ainda que o Tribunal não ignora o facto de o Autor já ter desencadeado o procedimento de alteração de utilização do edifício, contudo o mero impulso procedimental não garante que estejam preenchidos os requisitos legais para desenvolver a atividade de forma segura.
Em face do exposto, resulta que a medida aplicada não viola o princípio da adequação, necessidade e indispensabilidade.».
O armamentário esgrimido em recurso não tem condão de demonstrar erro de julgamento quanto a este juízo.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente.
Porto, 24 de Janeiro de 2025.

Luís Migueis Garcia, por redistribuição
Alexandra Alendouro
Celestina Caeiro Castanheira