Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02895/14.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/14/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:OPOSIÇÃO;
REVERSÃO; CULPA;
ÓNUS DA PROVA;
Sumário:
I – Na reversão operada ao abrigo da alínea a) do nº 1, do artigo 24º da LGT, a culpa do gerente é presumida, cabendo a esta a prova do contrário.

II - O ato ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido, presumindo-se, ainda, que não atuou com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial do artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais

III - no caso especial do IVA - bem como nos impostos retidos na fonte -, a falta de pagamento dos tributos tem particular gravidade na medida em que se trata de impostos que resultam de um fluxo monetário na empresa que ao não serem entregues nos cofres do Estado, são «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objetivos» alheios à sua finalidade.

IV - Assim, quando a dívida exequenda respeite a IVA e a impostos retidos na fonte, como sucede no caso em análise, o revertido tem o especial ónus de justificar a razão do desvio do imposto que recebeu para entregar nos cofres do Estado e especificar os motivos que o impediram de reunir e entregar nos cofres do Estado o imposto em causa; ou seja, tem que alegar e demonstrar se não arrecadou, não chegando a dispor do montante do imposto, ou se o arrecadou, quais as circunstâncias muito excecionais que justificaram a sua falta de entrega ao Estado.

V - Como decorre do artigo 81º, nº1 e 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores/gerentes, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.

VI - Tal significa que o administrador de insolvência fica investido nas vestes de administrador de facto, assumindo a gestão da massa insolvente, tarefa que exerce pessoalmente (cfr. artigo 55º, nº 2, do CIRE), arcando ainda com a representação do devedor em todos os assuntos com carácter patrimonial que importem à insolvência, designadamente a cobrança dos créditos do insolvente sobre terceiros, vencidos e vincendos (excecionando-se a intervenção do devedor no próprio processo de insolvência, nos termos do artigo 223º e seg. do CIRE).

VII – Tendo sido declarada a insolvência da sociedade, com caráter pleno, antes do termo do prazo de pagamento das dívidas, não se presume a culpa do revertido, pois deixou de dispor da possibilidade de proceder ao pagamento das dívidas exequendas.

VIII - A nulidade da citação, porque não determina a extinção da execução fiscal, mas apenas a repetição do ato com cumprimento das formalidades omitidas, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, antes devendo ser arguida em primeira linha perante o órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável.

IX - Invocada a nulidade da citação em processo de oposição à execução fiscal, há que ponderar a possibilidade de convolação da petição inicial em requerimento dirigido à execução fiscal (cf. art. 97.º, n.º 3, da LGT e art. 98.º, n.º 4, do CPPT), possibilidade que, porque não é cindível a petição inicial, não existe nos casos em que nesta tenham sido também invocados fundamentos próprios da oposição à execução fiscal.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. O Exmº Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida em 28.03.2020 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgada procedente a oposição que «AA» deduziu à execução fiscal nº ...95 e apensos, contra ela revertida por dívidas no valor de € 9.107,06, na qual figura como devedora originária a sociedade “[SCom01...], Lda.

1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença, datada de 28.03.2020, que julgou a oposição procedente, extinguindo em consequência, o PEF nº ...95 e apensos, revertido contra a Oponente.
II. Para assim ter decidido, o douto Tribunal a quo, considerou que as dívidas exequendas (cerca de 2/3 do valor em causa) venceram-se dentro dos seis meses que antecederam a insolvência, que a insolvência foi requerida por unanimidade pela gerência da executada, que a insolvência foi declara fortuita e, por último, em dezembro de 2008, três meses antes da insolvência e antes de algumas das dívidas exequendas se vencerem, a executada possuía bens no valor de € 89.504,25.
III. A Fazenda Pública entende que a douta sentença ora recorrida ao julgar procedente a presente oposição à execução fiscal sofre de errada interpretação dos factos e consequente aplicação da lei.
IV. A reversão contra a ora Oponente, foi efetuada com assento no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
V. De cuja letra resulta uma presunção de responsabilidade subsidiária, por parte do revertido, na falta de pagamento dos impostos, cujo prazo terminou durante a sua gestão.
VI. É assim ao responsável subsidiário que compete demonstrar que a devedora principal não tinha meios para pagar os impostos devidos, mas também que a inexistência desses meios não se deveu a qualquer conduta que lhe seja imputável e censurável.
VII. Não incumbindo à Administração Tributária levar ao processo, quaisquer meios de prova da censurabilidade da conduta ou da responsabilidade pela falta de pagamento, mas sim ao revertido.
VIII. À AT incumbe demonstrar que o revertido foi efetivamente gerente de fato da devedora principal, no período em causa, o que foi efetuado e nem sequer foi contestado.
IX. Assim, salvo o devido respeito por melhor entendimento, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que a Oponente conseguiu demonstrar que a devedora principal não tinha meios para pagar os impostos devidos, e que a inexistência desses meios não se ficou a dever a qualquer conduta que lhe seja imputável e censurável.
X. Partindo de regras elementares de vivência comum temos como seguro que no exercício das suas funções os gerentes têm o dever de administrar a empresa de modo a que esta subsista e cresça, devendo cumprir os contratos celebrados, pagar as dívidas da sociedade e cobrar os seus créditos.
XI. Pelo que, tornava-se necessário que a Oponente provasse que a falta de cumprimento da obrigação de pagamento das dívidas exequenda foi de todo alheia à sua vontade.
XII. O que passaria pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censurável da Oponente.
XIII. Quanto à demonstração da falta de meios, resulta que a mesma não ocorreu, ou seja, atento o alegado pela Oponente, em dezembro de 2008 a devedora originária possuía bens no montante de € 89.500,00.
XIV. Aliás, é a própria Oponente que o confessa, quando no ponto 17 da petição inicial refere que a executada sempre dispôs de património e direitos de valor mais que bastantes para pagar tais montantes.
XV. Ou seja, atento o acabado de referir, somos a concluir que a Oponente não procedeu ao pagamento das dívidas fiscais por não ter meios para tal, mas, alegadamente, por uma opção de gestão.
XVI. Sendo que a maior parte das dívidas vencidas anteriormente à insolvência são dívidas de IVA, IS e IRS (retenção na fonte), ou seja, a falta de pagamento destes impostos em concreto tem particular gravidade na medida em que se trata de impostos que resultam de um fluxo monetário na empresa que ao não serem entregues nos cofres do Estado, são «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objetivos» totalmente alheios à sua finalidade.
XVII. Ou seja, do alegado pela ora Oponente não só não ilide a presunção de culpa como acaba por admitir que o pagamento só não foi efetuado porque assim decidiu.
XVIII. Ora, para ilidir a presunção de culpa é necessário a alegação de medidas concretas que demonstrem a diligência empreendedora do gestor (ainda que infrutífera) em face das adversidades a que a devedora originária alegadamente ficou exposta.
XIX. No entanto, como resulta da leitura da petição inicial a Oponente limitou-se a referir que o inadimplemento daquelas obrigações fiscais não se deveu à culpa ou negligência grosseira da Oponente, mas antes às contingências de mercados/económico-financeiras.
XX. Assim, sendo a grande parte das dívidas provenientes de IVA e IRS (retenção na fonte), ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.
XXI. Haverá, isso sim, que demonstrar que a falta desse pagamento não lhe foi imputável, o que passa pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento e que tal falta se não deve a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor.
XXII. Sendo que a dúvida relativamente à verificação da culpa da Oponente, pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceu funções de gestão, terá de ser sempre valorada contra a Oponente.
XXIII. Deveria assim a Oponente, para elidir a presunção de culpa que sobre si impende à luz do nº 1 da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT conseguir convencer o Tribunal, através de prova positiva e direta, da não verificação do facto presumido (culpa).
XXIV. Ou seja, através de factos que permitam demonstrar que o exercício da sua gerência foi prudente e adequado às circunstâncias concretas, não tendo existido qualquer relação causal com a falta de pagamento das dívidas.
XXV. Nada tendo alegado e demonstrado a Oponente factos concretos de que a sua gerência foi prudente, sendo que a apresentação à insolvência mais de um ano após o vencimento das dívidas ora exigidas, demonstra que a Oponente não foi capaz de afastar a presunção de culpa que sobre si impendia.
XXVI. Importa, por último, referir que distintamente do que ocorre com a qualificação de uma insolvência como culposa, a qualificação daquela como fortuita não traduz qualquer juízo de mérito da conduta (culposa ou não) do gerente mas, tão só, um juízo de que não foram apurados factos que determinassem que nesse sentido (culposo) fosse averiguada a conduta do responsável pela atividade comercial da insolvente.
XXVII. Assim, a sentença recorrida face à factualidade apurada errou ao entender que a Oponente logrou demonstrar que a falta de pagamento dos tributos não é imputável à sua atuação.
XXVIII. Ressalvado o devido respeito pelo douto Tribunal “a quo”, que é muito, é manifesto que ao decidir no sentido em que o fez, fez errado julgamento dos fatos, impondo-se, Senhores Desembargadores, como é de Justiça, a revogação da sentença prolatada.
XXIX. E em sua substituição, a emanação de douto Acórdão, que declarando improcedente a oposição deduzida, mantenha na ordem jurídica a reversão efetuada.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por outra que que julgue improcedente a oposição deduzida, com o que farão Vossas Excelências, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA.»

1.3. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4. O DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer com o seguinte teor:
«(…)
A questão central suscitada em sede de alegações terá a ver com a elisão da presunção de culpa do gerente no facto de a empresa ter deixado de cumprir as suas obrigações fiscais previstas, do artigo 24º nº 1 al. b) da LGT.
O tribunal considerou que a oponente fez prova de que não foi por sua culpa que o património da devedora originária deixou de ser suficiente para pagamento das suas dívidas fiscais baseando essencialmente a sua decisão no facto de a primitiva devedora se ter apresentado à insolvência quando se apercebeu da dificuldade em cumprir a suas obrigações fiscais, mas refere mais do que isso que já depois de estarem vencidos alguns dos impostos em causa era detentora de património suficiente para o seu pagamento.
Aliás, como refere a recorrente
“Quanto à demonstração da falta de meios, resulta que a mesma não ocorreu, ou seja, atento o alegado pela Oponente, em dezembro de 2008 a devedora originária possuía bens no montante de € 89.500,00.
Aliás, é a própria Oponente que o confessa, quando no ponto 17 da petição inicial refere que a executada sempre dispôs de património e direitos de valor mais que bastantes para pagar tais montantes.

Assim, sendo a grande parte das dívidas provenientes de IVA e IRS (retenção na fonte), ao gerente que exercia funções na data em que deveria ter sido entregue o imposto não basta, em sede de oposição à execução fiscal, alegar que a empresa atravessava dificuldades económicas provocadas por motivos exógenos, que ele se esforçou por ultrapassar, e que foi um gestor diligente.

Deveria assim a Oponente, para elidir a presunção de culpa que sobre si impende à luz do nº 1 da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT conseguir convencer o Tribunal, através de prova positiva e direta, da não verificação do facto presumido (culpa).
Ou seja, através de factos que permitam demonstrar que o exercício da sua gerência foi prudente e adequado às circunstâncias concretas, não tendo existido qualquer relação causal com a falta de pagamento das dívidas.
Nada tendo alegado e demonstrado a Oponente factos concretos de que a sua gerência foi prudente, sendo que a apresentação à insolvência mais de um ano após o vencimento das dívidas ora exigidas, demonstra que a Oponente não foi capaz de afastar a presunção de culpa que sobre si impendia.
Como resulta da douta sentença o tribunal considerou que não foi culpa da oponente que deixaram de ser pagas as quantias em dívida com o fundamento em que ela geriu a empresa como um bónus pater familiae.
A oponente tinha o ónus de trazer aos autos factos que permitissem demonstrar que a sua actuação não foi idónea, segundo um juízo de causalidade adequada, à ocorrência da citada insuficiência patrimonial que levou ao incumprimento, o que logrou fazer.
Cremos que a oponente demonstrou que geriu a empresa executada com a diligência adequada e necessária a preservar o seu património social, agindo com a diligência própria de um bonus pater familiae.
Aqui volvidos, temos pois, que a oponente conseguiu afastar a presunção de culpa sobre si incidente, o que terá de ser valorado a seu favor, determinando, por conseguinte, a sua ilegitimidade na instância executiva quanto ao tributo em execução.
Mas tal como resulta da disposição legal não será apenas isso que afasta a presunção prevista no ario 24º nº 1 al. b) da LGT o oponente terá de provar as diligências que realizou para que as obrigações tributárias em causa fossem cumpridas, agindo como um gestor diligente, não bastando em nosso entender o facto de se apresentar à insolvência, para se afastar a presunção de culpa, quando as dívidas em causa já se encontravam vencidas havia muito tempo.
E para fundamentar esta nossa conclusão importa citar o Acórdão deste Tribunal nº 219/17.9BEPRT onde expressamente vem referido …para ilidir a presunção legal de culpa, deverá o oponente alegar os factos relevantes demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais factores externos no desenvolvimento da actividade social.
E nestes autos não só não foram indicados quaisquer actos concretos de iniciativa do gerente/oponente como o tribunal se bastou com a alegação apresentação à insolvência e a conclusão de que toda a situação foi consequência da crise de 2007/2008.
Assim e concordando, por inteiro, com os termos apresentados em sede de recurso pela Fazenda Pública, é nosso parecer que o recurso deve ser declarado procedente.
(…)».
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao concluir que a Recorrida ilidiu a presunção de culpa que sobre si incide.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«1- A oponente foi nomeada gerente na sociedade executada, [SCom01...], LDA, – Cf. fls. 14, verso e 16 do PEF.
2- A sociedade [SCom01...], LDA, foi declarada insolvente em 13.03.2009, no âmbito do Processo nº ..8/0...TYVNG, do ... Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia – Cf. Doc. 3 junto cm a PI.
3- A insolvência referida no ponto anterior foi requerida pela sociedade executada por deliberação da gerência– Cf. fls. 13/14 do PEF.
4- A insolvência referida em 02) foi declarada fortuita em Maio de 2009 – Cf. Doc. 4 junto com a PI.
5- Em 07.09.2009, no âmbito do processo n.º ..8/0...TYVNG, do ... Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, foi declarada a insolvência da oponente – Cf. Doc. 4 junto com a PI.
6- Em 23.07.2010 foi conferida exoneração do passivo restante à opoente no âmbito da insolvência referida no ponto anterior Cf. Doc. 6 junto com a PI.
7- Contra a sociedade [SCom01...], LDA, foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) nº ...95 e apensos, pelo Serviço de Finanças ..., para cobrança coerciva da quantia exequenda de € 9.107,06 respeitante a IRS (Retenção na fonte), I.S, IVA e IRC de 2008, com juros – Cf. Fls. 06 do PEF e fls. 36 do processo físico cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
8- As datas limite de pagamento das quantias exequendas referidas em 07) ocorreram entre:
Março e Novembro de 2008 e Janeiro de 2009 o IRS;
Março de 2008 o IS;
Em Maio e Agosto de 2008 o IVA;
Em 26.08.2009 o IRC – Cf. fls. 06 do PEF.
9- Em 12.12.2013, o Chefe de Finanças ... proferiu um despacho a determinar a reversão da execução fiscal referida em 07) contra a oponente – Cf. fls. 28/30 do PEF apenso, cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e fls. 37 do processo principal.
10- Em 2014, o Serviço de Finanças ... remeteu à oponente um oficio, “Citação (Reversão)”, a comunicar a reversão da execução fiscal contra si – Cf. fls. 31/34 do PEF apenso cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
11- A oponente recebeu o oficio referido em 10) em 22.01.2014Cf. fls. 35 do PEF apenso e 37 do processo principal.
12- Em Dezembro de 2008 a sociedade referida em 01) tinha bens/imobilizado no valor de € 89.504,25 – Cf. Balancete junto a fls. 14/15 do processo físico.
*
FACTOS NÃO PROVADOS:
Com interesse para a decisão a proferir, inexistem.
*
MOTIVAÇÃO:
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico dos documentos juntos aos autos pela oponente e FP, assim como do PEF remetido pelo Serviço de Finanças.
Foi análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, sedimentou a convicção do Tribunal quanto aos factos dados como Provados – Cfr. art. 74º LGT, 76º nº 1 LGT e art. 362º e ss do CC.».

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Do erro de julgamento de direito
A Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo, por entender, em síntese resumida, que a Recorrida não provou a falta de meios da SDO para pagamento das dívidas exequendas, nem as diligências que encetou com vista à recuperação da sociedade, o que era necessário para sustentar a conclusão, alcançada pelo Tribunal a quo, no sentido de que foi ilidida a presunção de culpa da revertida.
Vejamos, antes do mais, a fundamentação jurídica que sustenta a sentença sob escrutínio, na parte recorrida:
«Defende a oponente que não teve culpa na insuficiência de bens da executada para solver o pagamento das quantias exequendas, vencidas em 2008 (entre Março e Novembro) e Agosto de 2009.
A reversão contra o oponente operou à luz do artigo 24º nº 1 al. b) da LGT, normativo que consagra uma presunção de culpa da gerente (ora oponente) na gestão empregue e que à mesma cabe afastar, contrariamente aquilo que sucede com o regime da culpa consagrado no artigo 24º nº 1 al. a) em que cabe já à FP provar a culpa do gestor sem beneficiar da mesma presunção que decorre da al. b).
Vejamos.
Para a apreciação desta questão, importa analisar o artigo 24.º da L.G.T., donde decorre que:
1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas, são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e subsidiariamente entre si:
a) pelas dívidas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação,
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”
Consultando os factos provados, constatamos que as dívidas exequendas respeitam a IRC, IRS, IS e IVA de 2008, com vencimento entre Março e Novembro de 2008, Janeiro e Agosto de 2009 (Cf. ponto 07) e 08) dos factos provados), ou seja, vencidas, a grande maior parte (cerca de 2/3 do valor em causa) dentro dos seis meses que antecedem a insolvência.
Informam ainda os autos que a insolvência foi requerida por unanimidade pela gerência da executada, que na altura cabia à oponente consoante a mesma admite (Cf. ponto 03) dos factos provados).
O probatório dá ainda noticia que a insolvência foi declarada fortuita (Cf. ponto 04) dos factos provados).
Evidência ainda o probatório que, em Dezembro de 2008, três meses antes da insolvência e antes de algumas das dívidas exequendas se vencerem, a executada possuía bens no valor de € 89.504,25 (Cf. pontos 07) 08) e 12) dos factos provados).
A maior parte da dívida venceu-se nos seis meses que antecede a insolvência da executada, sendo que algumas são contemporâneas com a insolvência, respeitando todas elas respeitam ao período de 2008. Vale isto para dizer que o probatório não dá noticia de um acumular de passivo por parte da executada, o qual se centrou (no que tange às dívidas tributárias) a alguns meses do ano 2008.
Retira-se do probatório que, quando a executada sentiu dificuldades, a “gerência” deliberou unanimemente requerer a sua insolvência, tendo inclusive apresentado um plano para sua recuperação (conforme se extrai da sentença da sua insolvência a que alude o probatório).
Ou seja, evidencia o probatório que com o nascer das dívidas exequendas, individualmente de pequenos montantes (em média, cerca de € 200,00 cada), não houve um acumular sucessivo de passivos, cujos valores eram (individualmente) reduzidos, e logo que se apercebeu a executada de não conseguir solver as dívidas fiscais, requereu a sua insolvência, dando, de um modo geral, cumprimento ao dever legal imposto pelo artigo 20º do CIRE.
Com efeito, decorre daquele art. 20º do CIRE que o devedor pode pedir a sua insolvência desde que se verifique (entre outros): “ Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses de dívidas de algum dos seguintes tipos: I) Tributárias; (…)”
Ora, foi exactamente o que foi feito pela oponente.
Quando viu que não conseguia pagar as dívidas fiscais de 2008, algumas vencidas em data contemporânea com a insolvência, tratou de requerer a sua insolvência, evitando acumulação de dívidas fiscais e uma maior frustração dos seus credores universais.
De resto, a par desta gestão tida, sabemos que também a crise conhecida pela generalidade das pessoas em 2008 e nos anos seguintes, anotada pela oponente, não favoreceu o panorama a que estavam votadas a maioria das empresas, de que a executada não foi excepção, tendo, por isso a sua insolvência sido qualificada como fortuita por isso mesmo.
Depois, como se disse já, o valor vencido com mais de seis meses é pouco maior que 3.000,00, incluindo juros.
Não se vislumbra, de todo o exposto, que a gestão tida pela oponente até à insolvência em Março de 2009, seja de censurar. Como se viu, logo que as dificuldades acresceram tomou medidas de recuperação sem deixar acumular passivos junto da AT anos seguidos, etc, donde, não podermos concluir que quando esteve investido no cargo de gerente e as dívidas se venceram a oponente tivesse empregue uma gestão “danosa”.
De resto, o fundamento da norma aplicável à situação trazida, (art. 24º nº1 al. b) da LGT) tem na mira influenciar e incentivar o cumprimento voluntário das obrigações fiscais pelos responsáveis, enquanto manifestação do princípio da colaboração, da pontualidade e da boa fé.
Prende-se tal normativo com a necessidade de maximizar a garantia do efectivo cumprimento das obrigações tributárias, possuindo um carácter sancionatório com cariz preventivo ou repressivo, impedindo que o gerente ou administrador no exercício das suas funções cumpra premeditadamente outras obrigações, descurando as tributárias, sancionado condutas dolosas ou negligentes na gestão do património da sociedade com vista à dissipação do mesmo. Mas, como se vê do exposto, não é esta a situação que nos é trazida.
Não cremos que, in casu, a falta de fundos da sociedade executada para efectuar o pagamento das quantias se deva a qualquer omissão ou comportamentos censurável da imputável à gestão da oponente.
A oponente tinha o ónus de trazer aos autos factos que permitissem demonstrar que a sua actuação não foi idónea, segundo um juízo de causalidade adequada, à ocorrência da citada insuficiência patrimonial que levou ao incumprimento, o que logrou fazer.
Cremos que a oponente demonstrou que geriu a empresa executada com a diligência adequada e necessária a preservar o seu património social, agindo cm a diligência própria de um bonus pater familiae.
Aqui volvidos, temos pois que a oponente conseguiu afastar a presunção de culpa sobre si incidente, o que terá de ser valorado a seu favor, determinando, por conseguinte, a sua ilegitimidade na instância executiva quanto ao tributo em execução.».
Como bem se refere na sentença recorrida, o artigo 24º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu nº 1.
A primeira, correspondente à sua alínea a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva - culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no artigo 74º, nº 1, da LGT, pelo que cabe à AT alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.
A segunda, constante da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. Neste caso, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário.
A presunção em causa deriva da consagração do dever de boa prática tributária, constante do artigo 32º da LGT, que prevê “(…) um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (…) - dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos” – cfr. Isabel Marques da Silva, «A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 132. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.
Sendo que, se tal prova não tiver sido feita, ou se subsistirem dúvidas quanto à não imputabilidade da falta de pagamento do imposto, a oposição não poderá proceder nesta parte.
Tratando-se de uma presunção legal de culpa, ela só pode ser ilidida mediante a prova do contrário (artigo 350º, nº 2 do Código Civil). Não basta a mera contraprova destinada a tornar duvidosa a sua culpa (artigo 346º do Código Civil) exigindo-se, antes, a demonstração de que a situação de inexistência/insuficiência se ficou a dever exclusivamente a fatores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um bonus pater familiae no sentido de evitar essa situação (cfr., entre outros, os Acórdãos deste TCA Norte, de 09/02/2012 e de 06/04/2006, proferidos no âmbito dos processos n.º 00415/05.8BEBRG e n.º 00021/02 – PORTO, respetivamente).
Para ilidir a presunção legal de culpa, deverá o oponente alegar os factos relevantes e demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais fatores externos no desenvolvimento da atividade social.
Contudo, para afastar a presunção, não exige a lei o sucesso total dessas diligências em evitar o encerramento da sociedade, ou da constituição das dívidas, pois nem tudo é previsível ou controlável e não cabe aos tribunais avaliar o mérito técnico da gestão desenvolvida pelos gerentes nem as capacidades inatas ou técnicas que cada sujeito é portador.
O que se exige é tão-só o empenho e atividade dedicada do gestor no pagamento dos créditos fiscais e/ou na preservação do património que há de, a final, garantir o seu pagamento, pois o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários – artigos 50º, nº 1 LGT e 601º do Código Civil.
E se, porventura, esse pagamento se tornar impossível, que o gestor demonstre, pelo menos, ter feito tudo o que estava ao seu alcance para que os créditos fiscais não fossem defraudados.
Esta exigência é o que se reputa de «condição mínima» para «desculpabilizar» a falta de pagamento de qualquer imposto, sem distinguir as repercussões e características próprias de cada um – cfr. Acórdão do TCAN, de 18/09/2014, proferido no âmbito do processo n.º 1126/06.2BEBRG.
Como a figura da culpa só tem sentido quando reportada a omissões ou ações específicas (cfr. Sofia de Vasconcelos Casimiro, in “A responsabilidade dos Gerentes, Administradores e Directores pelas Dívidas Tributárias das Sociedade Comerciais”, Almedina, 2000, pp. 129), esses factos têm de passar, necessariamente, pela alegação de medidas concretas que demonstrem a diligência empreendedora do gestor (ainda que infrutífera) em face das (diversas) adversidades a que a atividade ficou exposta.
Em suma, o ato ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não atuou com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial do artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade – cfr., entre muitos, o Acórdão do TCA Norte, de 23/11/2011, proferido no processo n.º 00972/09.0 BEVIS.
Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável (cfr., entre outros, Acórdãos do STA, de 12/03/2003, in recurso n.º 1209/02, de 11/07/2012, in recurso n.º 824/11, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e ss. e Isabel Marques da Silva, in A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.).
Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la reiteradamente no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida.
Assim, demonstrada que seja a falta de pagamento ou de entrega da dívida tributária por parte da sociedade originária devedora, recairá sobre o gestor o ónus da prova da falta de culpa por tal facto, sendo certo que a lei impõe a quem exerça funções de administração em pessoas colectivas ou entes fiscalmente equiparados «o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas» (artigo 32.º da LGT).
Acresce dizer que, no caso especial do IVA - bem como nos impostos retidos na fonte -, a falta de pagamento dos tributos tem particular gravidade na medida em que se trata de impostos que resultam de um fluxo monetário na empresa que ao não serem entregues nos cofres do Estado, são «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objetivos» alheios à sua finalidade.
O «desvio» da destinação do IVA recebido, não pode deixar de indiciar um comportamento especialmente censurável, considerando que neste tipo de imposto, a fatura ou documento equivalente constitui como que um cheque sobre o Estado (cfr. Acórdão do TCAS de 26-10-2010, recurso nº 04170/10 III: -No IVA e na medida em que a factura ou documento equivalente constitui como que um cheque sobre o Estado o legislador adoptou medidas apertadas para evitar a fraude fiscal nelas se filiando o artigo 35.° n.° 5 do CIVA que exige determinados formalismos (formalidades "ad substantiam" cujo incumprimento acarreta a invalidade destes documentos) que a recorrente não cumpriu pois nos documentos tem que constar a espécie de serviço prestado já que conforme a sua natureza a taxa do imposto também é diferente.).
Como escreve Saldanha Sanches, «…No caso do IVA, a existência desse fluxo financeiro cria um forte indício de comportamento censurável que só em casos muito particulares pode ser objecto de uma demonstração de ausência de culpa por parte dos particulares. É uma demonstração difícil, mas não impossível, uma vez que a empresa não é o fiel depositário da quantia cobrada. Embora tenha o dever de entregar as quantias cobradas na aplicação do IVA no prazo previsto pela lei, a empresa pode considerá-las como uma receita normal, cabendo-lhe a devida diligência para que o pagamento seja feito. Pode haver justificação, pela verificação de um facto imprevisto e razoavelmente imprevisível, para que a entrega se não tenha verificado» (Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, pp. 274).
Ora, quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem a censurabilidade indiciada, sob pena de não conseguir afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.
Assim, quando a dívida exequenda respeite a IVA e a impostos retidos na fonte, como sucede no caso em análise, o revertido tem o especial ónus de justificar a razão do desvio do imposto que recebeu para entregar nos cofres do Estado e especificar os motivos que o impediram de reunir e entregar nos cofres do Estado o imposto em causa; ou seja, tem que alegar e demonstrar se não arrecadou, não chegando a dispor do montante do imposto, ou se o arrecadou, quais as circunstâncias muito excecionais que justificaram a sua falta de entrega ao Estado.
Em suma, em caso de reversão de dívidas provenientes de IVA e impostos retidos na fonte, a alegação do revertido tem que se reportar ao concreto montante exequendo, referindo os factos excecionais que o levaram a “desviar” o imposto que devia entregar nos cofres do Estado, bem como as circunstâncias factuais que o impediram de proceder a tal entrega.
Ora, pese embora por razões distintas, tendo em conta o que supra expusemos quanto à especial exigência de alegação e prova quando sejam revertidas dívidas provenientes de IVA e impostos retidos na fonte, temos de concordar com a Recorrente no sentido de que a factualidade provada não é apta a ilidir a presunção de culpa que impende sobre a Recorrida.
Note-se que as dívidas em causa respeitam a IRS retido na fonte, dos períodos de fevereiro, março, abril maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e dezembro de 2008, cujos prazos de pagamento voluntário terminaram entre 20/03/2008 e 22/01/2009, IVA dos 1º, 2º e 3º trimestres de 2008, com limite de pagamento em 15/05/2008, 18/08/2008 e 17/11/2008, Imposto de selo, com data limite de pagamento em 20/03/2008 e IRC de 2007 e 2008, com datas limite de pagamento de 08/09/2008 e 26/08/2009.
Nenhum dos factos provados permite perceber por que razões a sociedade devedora originária “desviou” o IVA, IRS e Imposto de Selo retidos na fonte – que correspondem a 85% das dívidas exequendas - e não conseguiu reunir o correspondente valor para o entregar nos cofres do Estado.
Tem, pois, razão a AT quando refere que, possuindo a SDO meios financeiros bastantes para pagamento das dívidas exequendas, é censurável o comportamento da Recorrente de não os efetuar, especialmente porque não indica razões válidas para tal omissão, particularmente no que respeita aos impostos retidos na fonte e ao IVA, conforme já se viu.
O mesmo não podemos afirmar no que respeita ao IRC do ano de 2008, com pagamento voluntário até 26/08/2009, uma vez que a SDO foi declarada insolvente, com caráter pleno, por sentença datada de 13/03/2009, na qual foi nomeado um administrador da insolvência.
Ora, «(…) como decorre do artº.81, nºs.1 e 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores/gerentes, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência (cfr.Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Quid Juris, 2006, I volume, pág.338 e seg.).
Tal significa que o administrador de insolvência fica investido nas vestes de administrador de facto, assumindo a gestão da massa insolvente, tarefa que exerce pessoalmente (cfr.artº.55, nº.2, do C.I.R.E.), arcando ainda com a representação do devedor em todos os assuntos com carácter patrimonial que importem à insolvência, designadamente a cobrança dos créditos do insolvente sobre terceiros, vencidos e vincendos (excepcionando-se a intervenção do devedor no próprio processo de insolvência, nos termos do artº.223 e seg. do C.I.R.E.).
Assim, ficando os gerentes, directores ou administradores da sociedade privados dos poderes de gestão/direcção/administração por mero efeito da sentença de declaração de insolvência, não pode conceber-se, de modo algum, que após essa data ocorra uma situação de direcção de facto por parte dos elementos designados no respectivo registo comercial.
Na verdade, perante a amplitude de poderes e funções que o administrador de insolvência passa a assumir, contrai também a responsabilidade sobre as dívidas tributárias vencidas após a declaração de insolvência (cfr.artº.172, nº.3, C.I.R.E.; Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Quid Juris, 2006, I volume, pág.585), que por ele não sejam pagas na data dos respectivos vencimentos.» - cfr. acórdão do TCA Sul de 27/09/2018, proferido no processo 1592/14.2BESNT e disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/2aa55226bccc21c28025831900361693.
Nesta perspetiva das coisas, não é possível presumir a culpa da Recorrida pela falta de pagamento destas dívidas, porquanto já não estava na sua disponibilidade o poder de as pagar, caso em que a reversão só poderia operar ao abrigo da aliena a), do nº 1, do artigo 24º da LGT.
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Na petição inicial a Recorrente invocou a nulidade da citação, por não indicar quais os tributos em execução, nem o período a que respeitam, não lhe tendo sido remetidos os títulos executivos.
Esta questão não foi apreciada na sentença recorrida, por ter sido considerada prejudicada em face do entendimento de que a oposição devia proceder, por ter sido provada a falta de culpa da revertida.
Uma vez que, nesta sede, não se confirma o assim decidido, importa agora analisar a apontada questão, em conformidade com o que dispõe o artigo 665º, nº 2 do Código de Processo Civil, sem necessidade de prévia audição das partes, uma vez que já tomaram posição sobre esta matéria.
Pois bem, como é uniformemente entendido, a nulidade da citação, porque não determina a extinção da execução fiscal, mas apenas a repetição do ato com cumprimento das formalidades omitidas, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, antes devendo ser arguida em primeira linha perante o órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável.
Invocada a nulidade da citação em processo de oposição à execução fiscal, há que ponderar a possibilidade de convolação da petição inicial em requerimento dirigido à execução fiscal (cf. artigo 97º, nº 3, da LGT e artigo 98º, nº 4, do CPPT), possibilidade que, porque não é cindível a petição inicial, não existe nos casos em que nesta tenham sido também invocados fundamentos próprios da oposição à execução fiscal.
No caso, não se justificava, sequer, ponderar a convolação do processo para requerimento dirigido ao OEF, porquanto estavam invocados outros fundamentos, próprios do processo de oposição e que se impunha apreciar.
Ante o que vem considerado, impera concluir que, na parte recorrida, a sentença deve ser confirmada quanto ao IRC do ano de 2008 e revogada quanto ao demais ali apreciado, julgando-se a oposição apenas parcialmente procedente, quanto ao mencionado imposto, devendo prosseguir a execução para cobrança das demais dívida exequendas.
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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – Na reversão operada ao abrigo da alínea a) do nº 1, do artigo 24º da LGT, a culpa do gerente é presumida, cabendo a esta a prova do contrário.
II - O ato ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido, presumindo-se, ainda, que não atuou com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial do artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais
III - no caso especial do IVA - bem como nos impostos retidos na fonte -, a falta de pagamento dos tributos tem particular gravidade na medida em que se trata de impostos que resultam de um fluxo monetário na empresa que ao não serem entregues nos cofres do Estado, são «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objetivos» alheios à sua finalidade.
IV - Assim, quando a dívida exequenda respeite a IVA e a impostos retidos na fonte, como sucede no caso em análise, o revertido tem o especial ónus de justificar a razão do desvio do imposto que recebeu para entregar nos cofres do Estado e especificar os motivos que o impediram de reunir e entregar nos cofres do Estado o imposto em causa; ou seja, tem que alegar e demonstrar se não arrecadou, não chegando a dispor do montante do imposto, ou se o arrecadou, quais as circunstâncias muito excecionais que justificaram a sua falta de entrega ao Estado.
V - Como decorre do artigo 81º, nº1 e 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores/gerentes, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.
VI - Tal significa que o administrador de insolvência fica investido nas vestes de administrador de facto, assumindo a gestão da massa insolvente, tarefa que exerce pessoalmente (cfr. artigo 55º, nº 2, do CIRE), arcando ainda com a representação do devedor em todos os assuntos com carácter patrimonial que importem à insolvência, designadamente a cobrança dos créditos do insolvente sobre terceiros, vencidos e vincendos (excecionando-se a intervenção do devedor no próprio processo de insolvência, nos termos do artigo 223º e seg. do CIRE).
VII – Tendo sido declarada a insolvência da sociedade, com caráter pleno, antes do termo do prazo de pagamento das dívidas, não se presume a culpa do revertido, pois deixou de dispor da possibilidade de proceder ao pagamento das dívidas exequendas.
VIII - A nulidade da citação, porque não determina a extinção da execução fiscal, mas apenas a repetição do ato com cumprimento das formalidades omitidas, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, antes devendo ser arguida em primeira linha perante o órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável.
IX - Invocada a nulidade da citação em processo de oposição à execução fiscal, há que ponderar a possibilidade de convolação da petição inicial em requerimento dirigido à execução fiscal (cf. art. 97.º, n.º 3, da LGT e art. 98.º, n.º 4, do CPPT), possibilidade que, porque não é cindível a petição inicial, não existe nos casos em que nesta tenham sido também invocados fundamentos próprios da oposição à execução fiscal.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
a) revogar a sentença na parte respeitante às dívidas provenientes de IVA, IRS e Imposto de Selo retidos na fonte, bem como IRC do ano de 2007, julgando-se a oposição improcedente nesta parte;
b) manter a sentença na parte relativa ao IRC do ano de 2008, com a presente fundamentação.

Custas a cargo da Recorrente e da Recorrida, na proporção de, respetivamente, 15% e 85%, em ambas as instâncias, nos termos dos artigos 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, as quais não incluem, para esta última, a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou e sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Porto, 14 de novembro de 2024

Maria do Rosário Pais – Relatora
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 1ª Adjunta (em substituição)
Vítor Domingos de Oliveira Salazar Unas – 2º Adjunto