Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00173/13.2BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/29/2025
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES
Descritores:IVA; DIREITO À DEDUÇÃO;
ARTIGO 20º, N.º 1 DO CIVA; SUJEITO MISTO;
FACTURAS "OBRAS PRÓPRIAS"; ISENTAS;
Sumário:
I. Nos termos do nº 1 do artigo 20º do código do IVA, para que seja possível o exercício do direito à dedução, é necessário que o imposto a deduzir tenha sido suportado em bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo, para a realização de operações sujeitos a imposto e dele não isentas.

II. Estando em causa operações cuja efectividade/materialidade não foi posta em causa pela AT, mas que foram sujeitas a dedução com menção de “Obras empreitada” quando dos documentos de suporte decorre que respeitam a “Obras próprias” e como tal isentas, está AT legitimada a colocar em causa a dedutibilidade do IVA.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A [SCom01...], Lda. (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 31-05-2024, que julgou improcedente a impugnação, por si intentada, contra a liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios dos períodos de Janeiro a Março e Outubro a Novembro de 2008, no montante global de €18.261,00, apontando erro de julgamento de facto e de direito, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(…)
I. Sem prejuízo de a Recorrente reiterar todo o anteriormente exposto em sede de petição inicial da impugnação judicial em apreço, importa salientar o seguinte:
II. Considerando que (i) a Recorrente admitiu que os desvios de gastos se trataram de um mero lapso de registo, e (ii) que a AT não questionou a materialidade dos gastos, tendo estes se compensado, a AT deveria ter procedido ao correto apuramento da situação tributária da Recorrente nesta matéria;
III. A AT apenas desreconheceu as despesas que foram indevidamente contabilizadas / imputadas para o período de 2008 e que diziam a outras obras e períodos, sem que tenha contabilizado para esse período as despesas que lhe diziam respeito;
IV. Ao não ter procedido assim, violou o princípio da imparcialidade (artigo 266º, n.º 2, da CRP e artigo 55º da LGT), o princípio do inquisitório (artigo 58º da LGT) e o princípio da descoberta da verdade material (artigo 6º do RCIPTA);
V. A Recorrente viu-se prejudicada pelo seu próprio lapso, pois, em sede de IRC, há um gasto que foi desconsiderado de um rendimento e um rendimento que não foi afeto a nenhum gasto, e, em sede de IVA, há uma despesa dedutível que foi desconsiderada por ter sido atribuída a uma operação isenta, mas há uma despesa elegível, a montante, que não foi considerada na operação com direito à dedução;
VI. Consequentemente, a liquidação adicional aqui em apreço acaba por padecer do vício de violação de lei, por desrespeito do princípio da imparcialidade (artigo 266º, n.º 2 da CRP e artigo 55º da LGT), do princípio do inquisitório (artigo 58º da LGT), do princípio da descoberta da verdade material (artigo 6º do RCPITA) e do princípio da neutralidade (artigo 1º, n.º 2, da Diretiva do IVA), pois a Recorrente não pôde deduzir o imposto suportado a montante relativamente às despesas que efetivamente suportou, dado que a AT apenas corrigiu a parte que lhe era favorável e não investigou quais as despesas efetivamente suportadas nesse período e paras as obras em causa que seriam dedutíveis;
VII. O Tribunal a quo deveria ter apreciado o facto de a dedução do IVA ter sido efetuada ao longo do ano de 2008, conforme prova documental apresentada pela Recorrente (Doc. 12 da p.i.) e não aquando do fecho de contas, como os Serviços de Inspeção Tributária concluíram;
VIII. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo e, por conseguinte, o pedido subjacente à impugnação judicial em apreço deve ser julgado procedente, com todas as consequências legais.
Pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, e, consequentemente, a impugnação judicial apresentada pela Recorrente deve ser julgada procedente, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã
JUSTIÇA!
Respeitosamente, Pede e Espera Deferimento.»
1.2. A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 357 e ss. do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
1.5. Questões a decidir: as questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT) são as de aferir do erro de julgamento de facto (errada valoração) e erro de julgamento de direito em que incorreu o Tribunal a quo ao não ter considerado que ocorreu violação dos princípios do inquisitório, da descoberta da verdade material e da imparcialidade, ao não corrigir a situação fiscal a favor da empresa após detetar um lapso na imputação de despesas e, bem assim, ao não ter reconhecido o direito à dedução do IVA..
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 De facto
2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«A. A Impugnante é uma sociedade por quotas, constituída em 30.09.1996, com o CAE 41200 — "Construção de Edifícios — Residenciais e não residenciais", cuja actividade principal consiste, no essencial, na construção para venda e na prestação de serviços com inclusão de materiais, recorrendo quer a mão-de-obra própria, como à subcontratação de vários serviços a terceiros (fls. 35 do PA junto aos autos);
B. Nessa qualidade é um sujeito passivo de IRC, residente em território nacional, que exerce a título principal uma actividade comercial (certidão permanente da Impugnante a fls. 17 verso do PA e fls. 35 do PA junto aos autos);
C. Para efeitos de IVA, é um sujeito passivo misto, enquadrado no regime normal de periodicidade mensal, uma vez que, no exercício da sua actividade, efectua operações que apenas parcialmente conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, utilizando para efeitos de apuramento o denominado método da afectação real (fls. 35 do PA junto aos autos);
D. Em 30 de Outubro de 2012, a [SCom01...] foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária, através do Ofício n.º ...06, de 26 de Outubro de 2012, com o conteúdo que infra se reproduz (fls. 30-65 do PA):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
E. Em 04-12-2012, foi emitida a nota de cobrança de IVA de Janeiro de 2008, com o n.º ...908 no valor de 1925,08 € (doc. 1 junto com a petição inicial);
F. Em 04-12-2012, foi emitida a nota de cobrança de Juros compensatórios de Janeiro de 2008, com o n.º ...009 no valor de 356,11 € (doc. 2 junto com a petição inicial);
G. Em 04-12-2012, foi emitida a nota de cobrança de IVA de Fevereiro de 2008, com o n.º ...108 no valor de 2874,84 € (doc. 3 junto com a petição inicial);
H. Em 04-12-2012, foi emitida a nota de cobrança de Juros compensatórios de Fevereiro de 2008, com o n.º ...09 no valor de 522,04 € (doc. 4 junto com a petição inicial);
I. Em 04-12-2012, foi emitida a nota de cobrança de IVA de Março de 2008, com o n.º ...308 no valor de 942,29 € (doc. 5 junto com a petição inicial);
J. Em 04-12-2012, foi emitida a nota de cobrança de Juros compensatórios de Março de 2008, com o n.º ...409 no valor de 167,81 € (doc. 6 junto com a petição inicial);
K. Em 04-12-2012, foi emitida a nota de cobrança de IVA de Outubro de 2008, com o n.º ...508 no valor de 4422,92 € (doc. 7 junto com a petição inicial);
L. Em 04-12-2012, foi emitida a nota de cobrança de Juros compensatórios de Outubro de 2008, com o n.º ...09 no valor de 684,89 € (doc. 8 junto com a petição inicial);
M. Em 04-12-2012, foi emitida a nota de cobrança de IVA de Novembro de 2008, com o n.º ...708 no valor de 5528,87 € (doc. 9 junto com a petição inicial);
N. Em 04-12-2012, foi emitida a nota de cobrança de Juros compensatórios de Novembro de 2008, com o n.º ...809 no valor de 836,15 € (doc. 10 junto com a petição inicial);
Com interesse para a decisão da lide, não há factos que cumpra julgar não provados.
A convicção do Tribunal formou-se com recurso aos meios de prova indicados junto de cada facto dado como provado (documentos juntos aos autos e não impugnados pelas partes – cf. 362.º e ss. do CC).
O demais alegado não foi nem julgado provado nem não provado por ser conclusivo, matéria de direito, ou não relevar para a decisão da causa. Insere-se aqui o ponto 28 da petição, porque, como veremos, a própria Impugnante admitiu no ponto 16 que o tratamento das facturas a que se refere o ponto 2.A do relatório de inspecção teria sido um erro de registo. Em segundo lugar, que a Impugnante tenha ou não deduzido IVA ao longo do período não é relevante face ao enquadramento da obra como construção para venda, como veremos da fundamentação jurídica que se segue.
Em terceiro lugar, acresce ainda ao exposto que do documento 12 junto à petição não se poderia retirar conclusão favorável à Impugnante, porque o documento é um documento interno da Impugnante, referente a (aparentemente) duas obras não identificadas, nem sendo possível identificar qual o cliente para o qual as referidas obras estavam a ser construídas - a única factualidade susceptível de infirmar o raciocínio seguido no procedimento inspectivo.»
2.2. De direito
In casu, a [SCom01...] Ld.ª. insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgando a impugnação que deduzira das liquidações adicionais de IVA do período de janeiro, fevereiro, março, outubro e novembro de 2008, a julgou improcedente.
Para assim decidir, o Tribunal a quo considerou que a AT cumpriu integralmente o seu dever de investigação e descoberta da verdade material e que a [SCom01...] não tinha direito à dedução do IVA sobre despesas corrigidas, pois estas foram imputadas a obras próprias (sem direito à dedução), e não a obras de empreitada (com direito à dedução).
Em sede de enquadramento factual, atentemos que a Recorrente para efeitos de IVA, no ano de 2008 encontrava-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, pelo exercício da actividade de “construção de edifícios (residenciais e não residenciais)”, trata-se de um sujeito passivo misto, em que o método de dedução de imposto que adoptou, foi o da afectação real de todos os bens e serviços (vide intens A. a C. do probatório).
A Recorrente foi alvo de uma acção inspectiva, de âmbito geral ao exercício de 2008, no decurso da mesma foram detectadas situações que deram origem a correções aritméticas, tendo sido apurado que devido a imputação de custos a obras divergentes das que constam nas respectivas facturas emitidas pelos fornecedores, deduziu indevidamente IVA no valor de €15.694,00, vide relatório de inspecção item D. do probatório).
Decorrente daquelas correções aritméticas efectuadas em sede de IVA, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA naquele mesmo valor, acrescidas de juros compensatórios, objecto da presente impugnação.
O recurso mostra-se estruturado em dois segmentos, um atinente à da violação dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material pela Autoridade Tributária e, um outro, no erro de julgamento em que incorreu a AT e o Tribunal a quo ao confirmar a negação do direito à dedução do IVA por si em sede de despesas relacionadas com obras de empreitada.
Em sede do primeiro argumento, alega que o pedido de elementos e esclarecimentos da AT em 28 de maio de 2012 se destinava apenas a suportar a correção da matéria tributável com base no desvio de custos, afirmando que a mesma "não se destinava verdadeiramente a imputar as despesas suportadas com as obras de empreitadas, permitindo, deste modo, a dedução do IVA suportado com essas despesas (inputs)". Que o que ocorreu foi um "lapso na imputação de custos suportados com obras próprias (sem direito a dedução) para obras de empreitadas (com direito a dedução)". Mais sustenta que, tendo a AT realizado a correção a favor do Estado em sede de IRC pelo desvio, "tinha legalmente a obrigação de imputar as despesas suportadas (inputs) com as obras de empreitadas e, assim, permitir a dedução do imposto nelas suportado" e de que AT "nunca discutiu a veracidade e a substância económica das despesas e, portanto, as obras de empreitadas tiveram necessariamente despesas". Violando com tal actuação e ao não corrigir a favor da Recorrente o princípio da imparcialidade (artigo 266º, n.º 2 da CRP e artigo 55º da LGT) do princípio do inquisitório (artigo 58º da LGT), do princípio da descoberta da verdade material (artigo 6º do RCPITA) e do princípio da neutralidade (artigo 1º, n.º 2, da Diretiva do IVA).
Ora analisadas as conclusões “I a VI” verificamos que não se insurge com a sentença, mas antes com a inspecção e correções realizadas pela AT, elas mais não são do que uma renovação das invalidades imputadas às mesmas em sede de impugnação judicial.
A recorrente faz renascer argumentos que exercitou na sua petição de impugnação e suscita novamente as mesmas questões, mas, não o faz de modo a imputar à sentença, neste segmento erro de julgamento. Aliás como disso dá nota na sua conclusão I.
Ora, dispõe o artigo 627.º, n.º 1, do CPC que: “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recurso”.
Quer isto dizer que o recurso constitui o principal instrumento de impugnação de decisões judiciais, permitindo a sua reapreciação por um tribunal de categoria hierarquicamente superior.
O recurso tem assim por objeto a alteração total ou parcial da decisão recorrida que pressupõe que tenha incorrido em erro de julgamento, lato sensu, no qual o recorrente deve identificar as questões decididas e que pretende ver reapreciadas para o que deve enunciar e concretizar o que de errado fez a decisão recorrida.
O recurso, maxime, as conclusões, tem que conter os fundamentos que justifiquem a alteração ou anulação da decisão recorrida; fundamentos traduzidos no enunciação de verdadeiras questões de direito ou de facto cujas respostas interfiram com o teor da decisão, sem olvidar a identificação clara e precisa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo.
Com efeito, o recurso, nas conclusões “I a VI” não desfere qualquer ataque à decisão recorrida, quer em sede de julgamento de facto, quer em sede de erro de julgamento de direito, impossibilitando que este Tribunal ad quem reaprecie ou análise o que quer que seja em matéria de questões que comportam a decisão de que recorre.
Remetendo-se a Recorrente nestas conclusões para o que já havia suscitado na impugnação e sobre a qual se pronunciou a sentença, sem atacá-la, improcede também este segmento do recurso.
Mais discorda a Recorrente, da sentença no que respeita ao direito de dedução de IVA que lhe viu ser negado por força das correções impostas, referindo que admite que as despesas corrigidas pela AT foram, por lapso, erro de registo, por si imputadas a obras próprias, não conferindo, nesse caso, direito à dedução, contudo o que não aceita é que as mesmas não tenham sido imputadas pela AT, o que estava subjacente ao invocado direito de deduzir, a despesas relacionadas com as obras de empreitada, que gozam do direito à dedução. Este direito "deveria ter sido concretizado pela AT mediante o seu exercício do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material".
Mais considera que o Tribunal a quo não podia negar o direito à dedução sobre as obras de empreitada, pois estas "existiriam e suportaram, necessariamente, despesas", o que viola o princípio da neutralidade em sede de IVA (artigo 1º, n.º 2 da Diretiva do IVA) e a dedução do IVA deveria ter sido apreciada conforme a prova documental (Doc. 12 da p.i.) que demonstra que foi efetuada ao longo de 2008, e não apenas ao fecho de contas, como concluiu a AT.
A questão colocada no recurso, algo confusa, ao contrário do que se pretende dar a entender, continua na saga dos argumentos que empreendeu na impugnação à volta da negação do direito à dedução do IVA, que logrou da parte do Tribunal a quo o seguinte discurso:
« Em primeiro lugar, o que se apurou em sede inspectiva e foi objecto dessa correcção foi a afectação de um determinado conjunto de custos, e não a ocorrência dos custos.
A Impugnante é um sujeito passivo misto de IVA, ou seja, que pratica actividades sujeitas a IVA e actividades isentas. Por isso, não pode deduzir IVA que tenha suportado relativamente a actividades isentas, nos termos do art. 9.º/30 do CIVA isto vem dito no intróito do Relatório de Inspecção):
Estão isentas do imposto:
30) As operações sujeitas a imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis;
Isto aplica-se à construção que a Impugnante faz para vender.
Além desta actividade, a Impugnante também presta serviços com inclusão de materiais, recorrendo tanto a trabalhadores seus como a subcontratação (v. intróito do Relatório), o que se subsume ao objecto social de Construção de Imóveis, Reabilitação e Recuperação urbana.
A Inspecção considerou que a Impugnante passou os seus custos indevidamente da actividade isenta para a actividade sujeita, a fim de poder deduzir os custos que suportou na construção daqueles imóveis. Mas relativamente aos imóveis que a Impugnante constrói para vender, esta não pode deduzir o IVA que suportou, nos termos do art. 20.º do CIVA:
1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
Quando a Impugnante diz que «a AT deveria ter averiguado quais as operações a montante que conferiam o direito à dedução naquelas operações que a AT desconsiderou», tal é uma impossibilidade. As operações a montante não dão direito a dedução porque a actividade a que se destinaram é uma actividade isenta de IVA – isenção que a Impugnante não coloca em causa em ponto algum, nem alega de qualquer forma que aqueles imóveis estavam a ser construídos para um terceiro, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços.
Em segundo lugar, não há quaisquer gastos a considerar face à correcção efectuada e que, relembramos, a Impugnante admitiu tratar-se de um “erro de registo”.
Quando a Impugnante constrói imóveis para venda, aplica-se a norma contabilística e de relato financeiro 18 (Inventários), e os custos que a Impugnante incorre ao construir esses imóveis são capitalizados no valor do inventário (ou seja, do imóvel em construção). Só se apura um eventual prejuízo no momento da venda, quando e se a Impugnante vendesse os imóveis a um preço inferior ao do custo (v. NCRF 18, p. 34-35). Em termos contabilísticos, não há reconhecimento de nenhum gasto do período na altura de construção – apenas no momento da venda do imóvel.
Quando a Impugnante executa contratos de empreitada, ou seja, faz obras para terceiro, aplica-se a NCRF 19 (Contratos de construção). Nestes casos, os custos que a Impugnante tivesse com a execução do contrato eram logo reconhecidos contabilisticamente como gastos do período, nas condições elencadas nos parágrafos 22 e ss. da NCRF 19.
A Impugnante, quando passou os custos com esses imóveis da conta 31 para a conta 61 (ponto 2.A do RIT) em 31-12-2008, aumentou os seus gastos do período no valor das obras e diminuiu o seu inventário.
Considerando esta tratar-se de um erro de registo, e a AT de um desvio, deve corrigir-se, no caso, diminuindo o valor dos gastos na contabilidade e aumentando o valor dos inventários.
Não há, por isso, qualquer gasto a considerar.»
Vejamos.
De acordo com o relatório de inspeção tributária que esteve na base das liquidações impugnadas
“... em sede de IVA,
Desvio de custos
Em resultado da imputação de custos a obras divergentes das que contam das respectivas facturas emitidas pelos fornecedores, conforme referido no ponto III.2.A deste projecto, o sujeito deduziu indevidamente o IVA de algumas facturas, infringindo o disposto no n.º1 do art.º 20º, do Código do IVA, o que se traduziu na falta de entrega de Imposto nos cofres do Estado, no valor de € 15.694,00, infringindo o disposto no art.º 27º do mesmo diploma.”.
E, é referido no ponto III.2.A do relatório que “... o sujeito passivo imputou custos a obras divergentes das que constam das respectivas facturas emitidas pelos fornecedores , e até dos autos elaborados pela própria empresa, no valor total de € 1.559.177,40 (Anexo 3), conforme se resume no quadro seguinte:
(...)
Conforme desenvolvido no ponto II.#.B deste projecto, o sujeito passivo foi notificado para apresentar esclarecimentos. Por escrito, o sujeito passivo apenas respondeu (ponto 16.º) que “... parece tratar-se de um erro de registo”.
Tendo sido identificadas pelo menos 71 facturas cuja classificação foi rasurada, e estando as notas de lançamento internas de transferência de valores das subcontas da conta 31 para as subcontas da conta 61 à data de 2008-12-31 também rasuradas, pode-se concluir que esta alteração terá sido efectuada aquando do fecho das contas.
Estas irregularidades não afetam directamente o valor total dos custos em virtude de se compensarem. Contudo, como têm implicações no custo imputado a cada obra, vão influenciar os custos imputados quer ao exercício de 2008 quer aos exercícios seguintes, por via da valoração das existências finais (coluna 7 do quadro de “Imputação de custos às obras – 2008”, Anexo 2).
O desvio de custos de obras próprias para obras de empreitadas teve como consequência a dedução indevida do IVA das respectivas faturas, infringindo o disposto no n.º1 do artigo 20º do Código do IVA, conforme se descrimina no quadro seguintes: (....) valor IVA ... 15.694,00.”. (destacados nossa autoria)
Em suma, não se suscitando a questão do método utilizado pela Impugnante, e não sendo controvertido que estamos perante obras de carácter plurianual, no caso dos autos, como decorre do relatório de inspeção, os SIT analisando a contabilidade da Impugnante e a documentação de suporte verificaram que determinados documentos de suporte de custos incorridos no exercício de 2008 foram imputados a obras divergentes das que constam das respetivas faturas emitidas pelos fornecedores e dos autos elaborados pela própria empresa, no valor total de € 1.559.177,40, ou seja, constataram os SIT que faturas e autos no valor de € 1.482.074,59, ali respeitantes à obra ¯Obra 1...‖, foram imputados os respetivos custos a outras sete obras que não aquela e que faturas respeitantes à obra ¯Linha D’Ouro‖ no valor de € 74.068,45, foram imputados os respetivos custos a outras três obras que não aquelas e ainda no valor de € 3.034,36, respeitantes à obra ¯Obra 2...‖, foram imputados os respetivos custos a outra obra que não aquela (cfr. capitulo III. 2.A do RIT, item 4) do probatório).
Tal aferição de desvio de custo entre obras não é contrariada pela Recorrente [SCom01...], ou seja, não alega ou infirma que efetivamente, tal como apurado pelos SIT, foram imputados custos incorridos no exercício de 2008, a obras divergentes das que constam das respetivas faturas emitidas pelos fornecedores, no valor de € 1.559.177,40. E, concomitantemente, também não o faz, relativamente, ao conjunto de situações que derivada dessa constatação conduziu à não de dedução de IVA de dez facturas, conforme quadro inserto no ponto III.2.A do RIT.
O que sempre a Recorrente, em sede de inspecção e nos presentes autos sustenta é que se tratou de um “lapso de registo” o que causa admiração quando pelos SIT foram “identificadas pelo menos 71 faturas cuja classificação foi rasurada, e estando as notas de lançamento internas de transferência de valores das subcontas da conta 31 para as subcontas da conta 61 à data de 2008-12-31 também rasuradas”.
Mais se diga, que se limita a Recorrente a invocar que a AT deveria ter corrigido a montante e não só a jusante, ou então inibir-se de efetuar a correção, uma vez que como alega, as obras de 2008 pela sua dimensão têm certamente gastos que não foram relevados pela AT, pois não procedeu à relevação contabilística dos gastos de períodos anteriores, dos gastos a montante, devia ter reconstituído a montante todo o período de 2008, não o tendo feito, não deu cumprimento ao princípio do inquisitório e da verdade material e do principio da tributação pelo lucro real.
Ora, como se constata, em causa estão custos do exercício de 2008, custos esses que como foram imputados a obras de construção distintas do que revelavam os documentos de suporte, e estando nós perante atividade a respeitar o artigo 19.º do CIRC permitido pelo n.º 5 do artigo 18.º do mesmo Código, não vemos desde logo como tais desvios de custos efetuados no exercício de 2008 pela Impugnante e retificados pela AT para as concretas obras a que diziam respeito poderiam afetar os custos dos anos anteriores por referência a cada obra, mas outrossim só visualizamos, tal como decorre do RIT, que tais custos (uma vez que não foi colocada em causa a sua efetividade), apenas influenciariam os custos imputados às obras quer no próprio exercício de 2008, quer aos exercícios seguintes, por via da valorização das existências finais do ano de 2008.
Desde logo porque estamos perante um procedimento inspectivo relativo ao exercício de 2008, e os desvios de custos foram apurados por relação a custos incorridos pela Recorrente no exercício de 2008, pelo que a AT ao corrigir a correcta imputação à obra a que efectivamente respeitava, no exercício de 2008, ao contrário do que invoca a Recorrente, foi apurada a sua situação tributária, pelo que não se vislumbra como ter a AT obrigação de verificar a situação dos gastos de anos anteriores quando não eram esses que estavam em causa.
É que não se impunha a AT, como parece fazer crer a Recorrente, que aquela tivesse que ir para além do que aquilo que a contabilidade lhe transmitia, nomeadamente, o vertido na facturação em causa, não tendo sido accionada qualquer rectificação de erro por parte da [SCom01...] não lhe assiste qualquer “legitimidade” em apelar para a situação os princípios convocados, designadamente o princípio da neutralidade do IVA. Estamos perante facturação de 2008 que a AT não coloca em causa como incorridos, mas apenas que contabilisticamente foram imputados a obras distintas das que respeitavam, o que determina que naqueles situação aludidas foram incorrectamente consideradas a obras de empreitada (que conferem dedução ao IVA) quando deveriam ter sido em obras próprias (que estão isentas), situação aliás que a própria Impugnante assume e não contraria ou infirma.
Destarte, o Doc. 12 a que alude a Recorrente, o qual não consta da factualidade vertida, não logra infirmar o exposto, pois do mesmo não discorre a prova que lhe estava assacada de que lhe assistia o direito a deduzir o imposto suportado com as despesas relacionadas com as obras de empreitada, que gozam do direito à dedução conforme sustenta, por via dos elementos que a lei exige.
Pois que, nos termos do nº 1 do artigo 20º do código do IVA, para que seja possível o exercício do direito à dedução, é necessário que o imposto a deduzir tenha sido suportado em bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo, para a realização de operações sujeitos a imposto e dele não isentas. Nesta fase, de imputação directa, faz-se uma alocação directa dos inputs às actividades económicas a que se destinam, deduzindo-se a totalidade do IVA se esse input for consumido numa actividade que concede direito à dedução ou não se deduz qualquer parcela de IVA, caso a actividade em que esse input é consumido não confira esse direito. Trata-se, portanto, de uma regra de tudo ou nada, que deverá ser levada tão longe quanto tecnicamente for possível, como forma de obter resultados mais rigorosos e neutros sem distorções.
Assim por todo o exposto, improcede o recurso, sem necessidade de mais considerações, sendo de confirmar a sentença recorrida que julgou a impugnação improcedente.

2.3. Conclusões
I. Nos termos do nº 1 do artigo 20º do código do IVA, para que seja possível o exercício do direito à dedução, é necessário que o imposto a deduzir tenha sido suportado em bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo, para a realização de operações sujeitos a imposto e dele não isentas.
II. Estando em causa operações cuja efectividade/materialidade não foi posta em causa pela AT, mas que foram sujeitas a dedução com menção de “Obras empreitada” quando dos documentos de suporte decorre que respeitam a “Obras próprias” e como tal isentas, está AT legitimada a colocar em causa a dedutibilidade do IVA.
3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente.
Porto, 29 de maio de 2025
Irene Isabel das Neves
(Relatora)
Graça Valga Martins
(1.ª Adjunta)
Cristina da Nova
(2.ª Adjunta)