Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02550/14.2BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/02/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Hélder Vieira
Descritores:SUBSÍDIO DE DESEMPREGO; RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES; DESEMPREGO INVOLUNTÁRIO;
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO; DESPEDIMENTO COLECTIVO; EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO;
Sumário:
I — O Decreto-Lei nº 220/2006, de 03 de Novembro, veio estabelecer o regime jurídico de protecção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem e define as condições em que, mesmo nos casos de cessação do contrato por acordo entre a entidade empregadora e o trabalhador, se mantém o acesso ao subsídio de desemprego.
II — À míngua de norma legal sobre a possibilidade de arredondamento de fracções resultantes da aplicação do critério dos 25% a que alude a alínea a) do nº 4 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro, deve observar-se o critério mais favorável, tal como impõe o legislador no nº 5 do referido artigo 10º, in fine.
III — A observância dessa regra interpretativa do dever de observância do critério mais favorável, impõe, inerentemente, restringir-se o que é prejudicial e ampliar o que é favorável — odiosa restringenda, favorabilia amplianda —, sendo inviável restrição no alcance da referida norma legal que o legislador, exprimindo o seu pensamento em termos adequados, consignou como solução mais acertada em ordem à pretendida favorabilidade. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:RA & R, Ld.ª
Recorrido 1:nstituto da Segurança Social – Centro Distrital de Viana do Castelo (ISS)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Anular o acto impugnado
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
Recorrente: RA & R, Ld.ª
Recorrido: Instituto da Segurança Social – Centro Distrital de Viana do Castelo (ISS)
Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a identificada acção administrativa e absolveu o réu dos pedidos formulados, designadamente, o de anulação do acto administrativo impugnado relativo ao pagamento de prestações de desemprego por parte do demandante.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, do seguinte teor:
A) A alínea a) do nº 4 do artigo 10º do Dec. Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro, alterado pelo Dec. Lei nº 64/2012, de 15 de Março, permite, em sede de cessação do contrato de trabalho por acordo integrado em processo de redução de efectivos, que as empresas que empreguem até 250 trabalhadores sejam reservadas as cessações até três trabalhadores inclusive ou até 25% do quadro do pessoal em cada triénio;
B) As quotas são aferidas tendo em consideração o número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável;
C) O número de trabalhadores da recorrente para efeitos da aplicação do disposto na alínea a) do nº 4 do artigo 10º do Dec. Lei nº 220/2006 era de 13;
D) Da aplicação da norma em apreciação o número de trabalhadores a ter em conta seria de 3,25 (13x25%);
E) Do preâmbulo do diploma legal acima referido resulta que a preocupação do legislador foi a de garantir a viabilidade económica das empresas em dificuldade;
F) Não se vislumbra qualquer razão para fazer uma interpretação restritiva do que dispõe a alínea a) do número 4 do artigo 10º quanto ao resultado obtido da aplicação da percentagem de 25% sobre o quadro de pessoal da recorrente;
G) Cobra inteira justificação a aplicação, no caso em apreço, do brocardo “odiosa restringenda, favorabilia amplianda” o que nos conduz à interpretação mais favorável à empresa;
H) O arredondamento por defeito para apuramento do limite das cessações defendido pelo réu não tem qualquer apego à lei;
I) De resto é o próprio legislador que aponta a solução defendida pela recorrente ao impor expressamente o critério mais favorável no apuramento dos limites estabelecidos no nº 4 do artigo 10º como resulta inequivocamente do seu nº 5;
J) Tal desiderato só se consegue aplicando o critério mais favorável em sede de arredondamento;
K) Após a prolação da sentença recorrida a recorrente por mero acaso decorrente de encontro ocasional com o seu ex-trabalhador soube que este trabalha desde o dia 15 de Setembro de 2014 na União das Freguesias de Geraz do Lima (Santa Maria, Santa Leocádia e Moreira) e Deão;
L) Trata-se de facto superveniente subjectivo com relevância na presente acção;
M) O direito às prestações de desemprego cessa por motivos da situação laboral do desempregado – alínea b) do artigo 54º do Dec. Lei nº 220/2006;
N) Outra solução não poderia ser acolhida, sob pena do trabalhador enriquecer sem justa causa, recebendo prestações de desemprego trabalhando;
O) A obrigação que impende sobre a entidade patronal não tem natureza punitiva, mas antes a satisfação, na medida do necessário, das prestações de desemprego enquanto este perdurar;
P) Assim, quanto muito a recorrente só estaria obrigada a restituir ao réu as prestações por este satisfeitas até ao dia 14 de Setembro de 2014, último dia de desemprego do seu ex-trabalhador ADC;
Q) A douta decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação da lei, violando o disposto no nº 5 do artigo 10º do Dec. Lei 220/2006.
Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Ex.ªs deverá ser concedido total provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, declarando-se a anulação do acto administrativo relativa às prestações de desemprego exigidas à recorrente.
Se, porém, assim não for entendido, e tendo em conta o facto superveniente subjectivo alegado, o pagamento das prestações de desemprego só poderá ser exigido à recorrente com referência ao período de tempo de desemprego do ex-trabalhador ADC, como é de inteira e esperada JUSTIÇA.”.
*
O Recorrido não contra-alegou.
*
O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso, em termos que se dão por reproduzidos.
*
De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, que balizam o objecto do recurso (artigos 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 140º do CPTA), impõe-se determinar, se a tal nada obstar, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento na interpretação e aplicação do disposto no artigo 10º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro, (adiante DL 220/2006) alterado pelo Decreto-Lei nº 64/2012, de 15 de Março, designadamente as normas ínsitas na alínea b) do seu nº 4.
Cumpre decidir.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA
Consta da sentença recorrida:
«II. Factos (com interesse para a decisão a proferir):
1. JCL e JCR são gerentes da demandante, sociedade RA & R, Ld.ª (daqui em diante designada por RAR) – cfr. doc. nº 1 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
2. A sociedade RAR dedica-se à actividade de construção civil e obras públicas.
3. No ano de 2010, a RAR, face às dificuldades sentidas no mercado de construção civil, decidiu promover a reestruturação da empresa.
4. Para esse efeito, a RAR decidiu celebrar, com quatro dos seus funcionários, acordo de revogação de contrato de trabalho, com fundamento em extinção do posto de trabalho.
5. O primeiro acordo de revogação de contrato de trabalho foi celebrado entre a demandante e o seu trabalhador LMAC em 31 de Julho de 2013 – cfr. doc. nº 2 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
6. O segundo acordo de revogação de contrato de trabalho foi celebrado entre a demandante e o seu trabalhador ASB em 26 de Setembro de 2013 – cfr. doc. nº 3 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
7. O terceiro acordo de revogação de contrato de trabalho foi celebrado entre a demandante e a sua trabalhadora MLAL em 31 de Outubro de 2013 – cfr. doc. nº 4 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
8. O quarto acordo de revogação de contrato de trabalho foi celebrado entre a demandante e o seu trabalhador ADC em 10 de Janeiro de 2014 – cfr. doc. nº 5 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
9. Entre 10 de Janeiro de 2011 e 10 de Janeiro de 2014, a demandante tinha 13 (treze) trabalhadores a seu cargo.
10. Através do ofício nº 7598, com data de 29 de Janeiro de 2014, a Autora foi notificada pelo Diretor de Segurança Social, JEE, do Centro Distrital de Viana do Castelo, sendo-lhe exigida o pagamento de € 19.404,00 (dezanove mil quatrocentos e quatro euros), correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego reconhecido a ADC, com o seguinte fundamento: “Ter sido deferido o pagamento das prestações de desemprego no montante diário de 19,6 EUR (dezanove euros e sessenta cêntimos) por um período de 1080 dias, por ter havido cessação do contrato de trabalho por acordo e ter sido criada no trabalhador, acima identificado, a convicção de que se encontrava dentro do limite de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego, conforme consta na declaração de situação de desemprego entregue ao trabalhador, e tal não se verificou (nº4 do artigo 10º e artigo 63º do Decreto-Lei nº 220/2006).” – cfr. doc. nº 6 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
11. A Autora respondeu por escrito ao conteúdo da notificação sobredita nos termos do doc. nº 7 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
12. Em 8 de Agosto de 2014, a demandante foi notificada pela chefe da Equipa de Prestações e Contribuições – Núcleo de Prestações, da decisão do pagamento, por parte da RAR, de prestações de desemprego, com os seguintes fundamentos:
Tendo como data de referência a última data da cessação do contrato de trabalho – 2014-01-10, verifica-se que a EE tinha 13 trabalhadores no início do triénio, pelo que são consideradas as cessações do contrato de trabalho por acordo, nos termos do artigo referido até 3 trabalhadores. O número das quotas apenas é arredondado para a unidade seguinte quando é ultrapassada no cálculo dos 25% do quadro de pessoal, 0.5 da unidade.
Atendendo que foram deferidos 4 processos de desemprego, nos termos do nº 4 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 220/2006, um ultrapassa a quota disponível, nomeadamente o processo do ex-trabalhador: - 1…9 – ADC.
Por ter havido cessação do contrato de trabalho por acordo e ter sido criada no trabalhador, acima identificado, a convicção de que se encontrava dentro do limite de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego, conforme consta na declaração de situação de desemprego entregue ao trabalhador, foi-lhe deferido o pagamento das prestações de desemprego.”. - cfr. doc. nº 8, junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
*
Inexistem outros factos que cumpra dar como provados ou não provados, com interesse para a decisão a proferir.
*
II.2 – DO MÉRITO DO RECURSO
Na petição inicial, a Autora havia suscitado a questão a dirimir assim, designadamente:
“A questão de direito a que o presente caso diz respeito fixa-se em saber o que acontece aos casos em que a multiplicação da percentagem de 25% prevista na alínea a) do número 4 do artigo 10º artigo 10º do DL nº 220/2006, de 3 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 64/2012, de 15 de Março, ao número de trabalhadores da empresa, tem como resultado um valor superior À unidade. (…) a exponente teve treze trabalhadores a seu cargo (…) Aplicando a percentagem de 25% ao quadro de pessoal da demandante tem-se como resultado 3,25. A questão que ora se levanta é precisamente a de saber, perante o resultado obtido na operação, qual o número de trabalhadores que deverá ser considerado, se 3 ou 4. (…)”.
A questão releva no âmbito do pedido de anulação do acto administrativo proferido, em 08-07-2014, pelo Director do Núcleo de Prestações, comunicado pelo ofício número 55649, com data de 8 de Agosto de 2014 e que lhe exigiu o pagamento de € 19.404,00 (dezanove mil quatrocentos e quatro euros), correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego reconhecido ao seu antigo trabalhador, ADC, com fundamento no facto de a cessação do contrato de trabalho por acordo estar fora do limite de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego, nos termos do nº4 do artigo 10º e artigo 63º do Decreto-Lei nº 220/2006.
O entendimento do Réu e ora Recorrido era o de que, em síntese, a cessação do contrato de trabalho por acordo, neste caso, estava fora do limite de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego.
Isto porque, tendo 13 trabalhadores no início do triénio e atendendo que foram deferidos 4 processos de desemprego, nos termos do nº 4 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 220/2006, o número das quotas seria de 3,25 e, portanto, não ultrapassaria 25% do quadro de pessoal, porque se impunha o arredondamento para os 3, uma vez que ”o número das quotas apenas é arredondado para a unidade seguinte quando é ultrapassada, no cálculo dos 25% do quadro de pessoal, 0,5 da unidade”.
A sentença recorrida, em breve discurso ineloquente, concluiu pela improcedência da acção.
Vejamos, tendo presente que jura novit curia (nº 3 do artigo 5º do CPC).
O Decreto-Lei nº 220/2006, de 03 de Novembro, veio estabelecer o regime jurídico de protecção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem.
Tal como se retira do seu preâmbulo, são definidas com rigor as condições em que, mesmo nos casos de cessação do contrato por acordo entre a entidade empregadora e o trabalhador, se mantém o acesso ao subsídio de desemprego, pois o sistema de protecção social não deve continuar a suportar os custos decorrentes de todas as situações de acordo entre trabalhadores e empresas.
Todavia, tal ocorre, como ali se lê, “sem prejuízo, contudo, da consideração de situações específicas de verdadeira reestruturação das empresas, com vista a garantir a sua viabilidade económica, e, assim, dos postos de trabalho em causa”.
Ora, dispõe o nº 1 do artigo 10º do DL 220/2006: Consideram-se desemprego involuntário, para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo anterior, as situações de cessação do contrato de trabalho por acordo, que se integrem num processo de redução de efectivos, quer por motivo de reestruturação, viabilização ou recuperação da empresa, quer ainda por a empresa se encontrar em situação económica difícil, independentemente da sua dimensão. (nosso sublinhado).
E dispõe o seu nº 4:
4 - Para além das situações previstas no n.º 2 são, ainda, consideradas as cessações do contrato de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, nos termos seguintes:
a) Nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores inclusive ou até 25% do quadro de pessoal, em cada triénio;
b) Nas empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até 62 trabalhadores inclusive, ou até 20% do quadro de pessoal, com um limite máximo de 80 trabalhadores em cada triénio.
O nº 5 reza:
5 - Os limites estabelecidos no número anterior são aferidos por referência aos três últimos anos, cuja contagem se inicia na data da cessação do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável. (nosso sublinhado).
Por fim, para o que ora importa considerar, dispõe o seu artigo 63º, sob a epígrafe «Responsabilidade pelo pagamento das prestações»:
Nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, de que a empresa se encontra numa das situações previstas no n.º 2 do artigo 10.º ou de que se encontram preenchidas as condições previstas no n.º 4 do mesmo artigo e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego. (nosso sublinhado).
Ora, se nos termos deste artigo 63º o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, então afigura-se ser de concluir que a favorabilidade de critério a aplicar, a que alude o nº 5 do artigo 10º, in fine, se reporta às situações de cessação do contrato de trabalho por acordo, que se integrem num processo de redução de efectivos, quer por motivo de reestruturação, viabilização ou recuperação da empresa, quer ainda por a empresa se encontrar em situação económica difícil, independentemente da sua dimensão, tal como vertido no nº 1 desse artigo 10º.
Neste âmbito, são consideradas como desemprego involuntário as cessações de contrato de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento colectivo ou extinção do posto de trabalho, com os limites seguintes: (i) nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, as cessações que abranjam até 3 trabalhadores, inclusive, ou até 25% do quadro de pessoal em cada triénio; (ii) nas empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores, as cessações que abranjam até 62 trabalhadores, inclusive, ou até 20% do quadro de pessoal, com um limite máximo de 80 trabalhadores em cada triénio.
Estes limites são aferidos por referência aos três últimos anos, cuja contagem se inicia na data da cessação do contrato, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável. O Réu e ora Recorrido, pelo acto impugnado e sua defesa em juízo, entende que o resultado, quando fraccional, da aplicação da percentagem de 25% a que alude a alínea a) do nº 4 do referido artigo 10º deve ser arredondado para cima quando atingir o meio ponto (0,5), e, sendo inferior, como no caso dos autos (0,25 acima das 3 unidades), deve ser arredondado para baixo.
Para tanto, não invoca suporte legal, que, de resto, não se vislumbra normativamente plasmado, nem outro fundamento, como também, sem explicação, não faz uso do princípio de favorabilidade de critério ínsito no nº 5 daquele artigo 10º, in fine.
A sentença sob recurso parece acolher tal posição, mas em termos que, quiçá por lapsus calami, não se mostram assertivos.
Ora, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3 do artigo 9º do CC). Como tal, à míngua de norma sobre a possibilidade de arredondamento de fracções resultantes da aplicação do critério dos 25% a que alude a alínea a) do nº 4 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 220/2006, mas sabendo-se da sua inevitabilidade aritmética no contexto do critério em causa, deve observar-se o critério mais favorável, tal como impõe o legislador no nº 5 do referido artigo 10º, in fine.
A observância dessa regra interpretativa do dever de observância do critério mais favorável, impõe, inerentemente, restringir-se o que é prejudicial e ampliar o que é favorável — odiosa restringenda, favorabilia amplianda —, sendo inviável restrição no alcance da referida norma legal que o legislador, exprimindo o seu pensamento em termos adequados, consignou como solução mais acertada em ordem à pretendida favorabilidade.
Assim, em cada triénio, nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores e para os fins em causa, em face da alternativa fornecida pela lei, ou se consideram as cessações de contrato de trabalho até 3 trabalhadores inclusive ou até 25% do quadro de pessoal. Donde, se, pela aplicação do critério dos 25%, se alcançar um resultado superior a 3, deve esse critério dos 25% ser observado, por ser um critério mais favorável (nº 5 do artigo 10º, in fine) às situações de cessação do contrato de trabalho por acordo, que se integrem num processo de redução de efectivos, quer por motivo de reestruturação, viabilização ou recuperação da empresa, quer ainda por a empresa se encontrar em situação económica difícil, independentemente da sua dimensão (nº 1 do artigo 10º).
Nesse sentido e no presente caso, a conclusão é a de que o critério dos 25% é mais favorável (nº 5 do artigo 10º) do que o limite de 3, ainda que por fracção da unidade. E porque a fracção de trabalhador não existe como unidade ou subunidade material, não pode afastar-se a aplicação de um critério que é aritmeticamente mais favorável e o legislador optou por uma percentagem (25%), com necessário risco do fraccionamento, como vimos (nº 3 do artigo 9º do CC), com base num entendimento restritivo sobre arredondamento da fracção não previsto legalmente, eliminando assim a vantagem conferida pela aplicação desse critério e que, como tal, viola a norma que impõe o dever de o observar.
Ora, esta vantagem fraccional, qual seja — o legislador aceita-a implícita e necessariamente, mas não distingue, logo, ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus —, não pode deixar de traduzir-se na admissibilidade de 1 trabalhador.
Ademais, operando a aritmética das soluções normativas em causa, resulta o seguinte: Segundo o critério da consideração das cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores inclusive, nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, verifica-se que apenas naquelas que empreguem até 12 trabalhadores é que resulta mais favorável a consideração das cessações do contrato de trabalho até 3 trabalhadores — (100 x 3) / 25 = 12 — e a partir desse número de trabalhadores (13, 14, 15… até aos 250) prevalece como mais favorável o critério dos 25% do quadro de pessoal.
Como paralelo interpretativo e de exemplificação, idêntico fenómeno se passa com a solução ínsita na alínea b) do nº 4 daquele artigo 10º, para empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores, em que são consideradas as cessações de contrato de trabalho até 62 trabalhadores inclusive. Neste caso, apresenta-se como mais favorável as cessações do contrato de trabalho até 62 trabalhadores nas empresas com quadro de pessoal até 310 trabalhadores — (100 x 62) / 20 = 310 —, pois acima desse número já o critério dos 20%, ali consignado, se apresenta como mais favorável, embora aqui, como dispõe a norma, com um limite máximo de 80 trabalhadores em cada triénio. O que significa que, havendo mais de 400 trabalhadores — 400 x 20% = 80 —, reconduz-se ao limite máximo de 80 trabalhadores por triénio; a variação do número de trabalhadores resultante da favorabilidade do critério da percentagem ocorre entre os 310 e os 400 trabalhadores, inclusive, e acima deste número reconduz-se ao limite máximo de 80.
Termos em que, prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão, não pode manter-se a decisão sob recurso que, assim, é revogada.
Como tal, por violação das supra identificadas normas legais, na interpretação e com os fundamentos acima expostos, também o acto impugnado deve ser anulado.
Quanto às custas, sabendo-se que as custas abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte — artigos 529º, nº 1, do CPC e 3º, nº 1, do RCP — e que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é paga apenas pela parte que demande — artigos 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC, e 6º, nº 1, do RCP —, é de concluir, em face do disposto nos artigos 7º, nº 2, do RCP e 37º, nº 4, da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril, que o recorrido que não contra-alegue não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça. Todavia, quanto às custas, será responsável se ficar vencido, nos termos gerais — artigo 527º do CPC.
***
III.DECISÃO
Os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e anular o acto impugnado.
Custas pelo Recorrido, nos termos supra exarados.
Notifique e D.N..
Porto, 02 de Fevereiro de 2018
Ass. Hélder Vieira
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Joaquim Cruzeiro