Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00309/11.8BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/19/2015
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Esperança Mealha
Descritores:REDUÇÃO REMUNERATÓRIA – INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:A inconstitucionalidade das normas das Leis dos Orçamentos do Estado de 2011 e de 2012 que impuseram reduções remuneratórias aos servidores públicos e que, na presente ação, fundamentam o pedido de invalidação dos atos impugnados, deve, sem necessidade de mais desenvolvimentos, ser julgada improcedente pelas razões que constam, nomeadamente, do Acórdão n.º 396/2011 do Tribunal Constitucional, cuja decisão negativa, proferida em sede de fiscalização abstrata da constitucionalidade, estabelece uma “presunção de não inconstitucionalidade” que, no limite, é efetivada através da interposição de recurso de constitucionalidade (obrigatório para o Ministério Público) da decisão judicial que eventualmente a contrariasse, uma vez que é ao Tribunal Constitucional que cabe a última palavra nesta matéria. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JMCB
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte
1. Relatório
JMCB interpõe recurso jurisdicional do acórdão do TAF de Coimbra que julgou improcedente a ação administrativa especial que o Recorrente intentou contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, na qual pede a declaração de nulidade dos atos administrativos praticados pelo Réu enquanto aplicação das normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 8 e da alínea r) do n.º 9 do artigo 19.º da Lei nº 55-A/2010; a condenação do réu a restituir todas as quantias que descontou ou venha a descontar na sua remuneração, acrescidas de juros legais vencidos e vincendos até integral pagamento; e a condenação do mesmo Réu no pagamento de uma indemnização pelos danos morais sofridos.

O Recorrente apresentou alegações, onde conclui nos seguintes termos, que delimitam o objeto do recurso:
“I- O VALOR REFORÇADO DAS LEIS DE BASE. O VÍCIO DO ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE DIREITO. A VIOLAÇÃO DA NORMA QUE INTEGRA O NR. 3 DO ART. 112º DA CONSTITUIÇÃO. A VIOLAÇÃO DA NORMA QUE INTEGRA ALÍNEA D) DO ART., 89º DO REGIME DO CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS APROVADO PELA LEI 59/2008 DE 11.09.
1ª- O Acórdão recorrido enferma, salvo o devido respeito, do vício do erro nos pressupostos de direito, ao ter considerado na sua pág. 5 que a invocada questão da violação da norma que integra a alínea d) do art. 89º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei 59/2008 de 11.09 «fica prejudicada se improceder a da inconstitucionalidade» dos atos administrativos impugnados, uma vez que o não reconhecimento da inconstitucionalidade apontada a determinado(s) ato(s) administrativo(s), em nada prejudica a possibilidade de reconhecimento do vício de violação da lei ordinária assacado a esse(s) mesmo(s) ato(s) administrativo(s) .

2ª- Violou também o Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, a norma que integra o nr. 3 do art. 112º da Constituição, ao não ter levado em consideração o valor reforçado do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, dado tratar-se de uma Lei de Bases como a própria denominação indica (in casu «do regime e âmbito da função pública» - art. 165º 1. t) da Constituição), «traduzido na primariedade material e hierárquica» (Gomes Canotilho – Direito Constitucional , Ed. 1993, pág. 842) e ao dar prevalência às normas que integram os nr.s 1., 4. , 8. e 9. alínea r) do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 e nr. 1 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12 que determinaram a redução da remuneração mensal ilíquida do autor e demais trabalhadores do sector público por elas abrangidos .

3ª- Violou ainda o Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, a norma que integra a alínea d) do art. 89º do «Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas», segundo a qual «é proibido à entidade empregadora pública: d) diminuir a remuneração, salvo nos casos previstos na lei», ao ter dado o seu aval às reduções remuneratórias aplicadas ao recorrente pelo Ministério da Justiça e dado que à data da entrada em vigor da Lei do Orçamento Geral do Estado para 2011 não se previa na lei vigente qualquer situação de redução da remuneração total ilíquida mensal do autor ou de qualquer trabalhador com estatuto idêntico.

II- A VIOLAÇÃO DO DIREITO À RETRIBUIÇÃO DO TRABALHO EM CONCRETO, CONSAGRADO PELO ART. 59º 1. A) DA CONSTITUIÇÃO.

4ª- Se é verdade que «não consta da Constituição qualquer regra que estabeleça a se, de forma direta e autónoma, uma garantia da irredutibilidade dos salários», como se sustenta no Acórdão do Tribunal Constitucional nr. 396/2011 de 21.09, citado de forma concordante na pág. 10 do Acórdão recorrido, não é menos certo que a Constituição da República Portuguesa consagra no seu art. 59º 1. a) o direito à « retribuição do trabalho» em concreto (não em abstracto), que tem «natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias», gozando os salários « de garantias especiais» (art. 59º 3. da Constituição) .

5ª- A garantia da irredutibilidade dos salários é uma consequência do direito à «retribuição do trabalho» em concreto - nesse sentido se pronuncia também João Caupers da Fac. de Direito da Univ. Nova de Lisboa,in «State wars: a agonia do Estado de direito?, pág.1, disponível em http://www.fd.unl.pt/Anexos/3733.pdf , sustentando-se que «a Constituição garante o direito à retribuição do trabalho, em termos tais que se haverá, julgamos, de considerar inconstitucional a redução do salário. De resto, o princípio da irredutibilidade da retribuição está consagrado, há muito na legislação laboral geral (hoje no artigo 129.º, n.º1, alínea d), do Código do Trabalho)», não existindo pois qualquer disparidade entre os sectores público e privado quanto a esta matéria.

6ª- Se a Constituição da República Portuguesa consagrasse um direito à «retribuição do trabalho» em abstracto, como defende o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nr. 396/2011 de 21.09 (para o qual remete o Acórdão recorrido), ao sustentar que «uma coisa é o direito à retribuição, outra, bem diferente, é o direito a um concreto montante dessa retribuição» (pág. 11), de nada serviria a norma constitucional que integra a al. a) do nr. 1 do art. 59º .

7ª- Que a Lei Constitucional consagra o direito à «retribuição do trabalho» em concreto (e não em abstracto), resulta evidente desde logo da própria norma que integra a alínea a) do nr. 1 do art. 59º ao determinar que «todos os trabalhadores … têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna». Isto nada tem de abstracto, sendo bem concreto.

8ª- «O quantum salarial não pode ser um valor abstracto, deve antes ser considerado, em concreto» - Guilherme Fonseca , Juiz-Conselheiro Jubilado, Tribunal Constitucional e Supremo Tribunal de Justiça, em Parecer que se junta, subordinado ao título «O Orçamento do Estado para 2012 e os trabalhadores do sector público (redução remuneratória e suspensão de direitos)» - pág. 5, disponível em http://resistir.info/portugal/oe_2012_parecer.html .

9ª- Mesmo que assim se não entendesse, sempre se teria de levar em consideração que o Tribunal Constitucional admite que a irredutibilidade salarial «poderá resultar do respeito pelo princípio da proteção da confiança e porventura, ainda, do princípio da igualdade» - Ac. do TC nr. 187/2013 de 22.04, ponto 24 do Sub-Capítulo 6. - Violação do direito à retribuição.

III- O VÍCIO DO ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE DIREITO AO TER-SE CONSIDERADO QUE AS LEIS DO ORÇAMENTO TÊM VALOR REFORÇADO.

10ª- Sustenta-se, salvo o devido respeito, erradamente na pág. 21 do Acórdão recorrido que «a Lei que aprova o orçamento é uma lei reforçada nos termos do artigo 112º nº 3 da CRP». Ora as leis do Orçamento Geral do Estado não são subsumíveis à previsão do nr. 3 do art. 112º da Constituição, não sendo leis de valor reforçado , visto que não são «leis orgânicas», não são «leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços», nem são «pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas», enfermando por isso o Acórdão de 28.10.2013 do vício do erro nos pressupostos de direito, tendo por conseguinte sido violada pelo tribunal a quo, através do Acórdão recorrido, a norma que integra o nr. 3 do art. 112º da Constituição da República Portuguesa .

11ª- Se as leis do orçamento fossem de per si leis de valor reforçado, não necessitaria o legislador ordinário de afirmar expressamente, como afirmou, no nr. 11 do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 e no nr. 16 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12 que « o regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa prevalecendo sobre quaisquer outras normas especiais ou excepcionais , em contrário », não sendo por isso que a lei do Orçamento passa a gozar de valor reforçado em confronto com uma lei de bases de sentido contrário, pela simples e linear razão de que a lei ordinária não se sobrepõe à lei constitucional, bem pelo contrário, a ela se subordinando.

12ª- Mas ainda que se entendesse que a Lei do Orçamento é uma lei reforçada e se admitisse (ainda que por hipótese meramente académica) que estaríamos perante duas leis de idêntico valor reforçado, deveria sempre prevalecer o da norma que integra a alínea d) do art. 89º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei 59/2008 de 11.09, quando confrontada com as normas que determinaram a redução da remuneração ilíquida mensal do autor e demais trabalhadores por elas abrangidos (as que integram os nr.s 1., 4. , 8. e 9. alínea r) do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 e o nr. 1 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12), pelo facto de ser constitucional a que proíbe a redução remuneratória e inconstitucionais as que determinam uma tal redução, pelas razões apontadas nos art.s 10º a 13º da petição inicial de 26.04.2011, nos art.s 6º, 7º e conclusões 2ª e 3ª das alegações de 27.05.2013 e nas presente alegações .

IV- A INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS QUE INTEGRAM OS NR.S 1., 4., 8. E 9. ALÍNEA R) DA LEI 55-A/2010 DE 31.12 E O NR. 1 DO ART. 20º DA Lei 64-B/2011 DE 30.12.

13ª- No caso sub judice está em apreço a legalidade ou ilegalidade dos atos administrativos que procederam à redução da remuneração total ilíquida mensal que o autor vinha auferindo até Dezembro de 2010, em aplicação do disposto no art. 19º 1., 4., 8. e 9. alínea r) da Lei 55-A/2010 de 31.12 e no nr. 1 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12, ou seja, durante os anos completos de 2011 e 2012, tendo em consideração que a redução remuneratória em causa teve início reportado a 1.01.2011, que teve lugar a ampliação do pedido feita através do art. 46º e conclusão 6ª das alegações de 27.05.2013 e que o autor está aposentado com efeito a partir de 1.01.2013 (como se invocou e se fez prova nas alegações de 27.05.2013 – art. 46º e doc.s então juntos aos autos).

14ª- As normas que integram os nr.s 1., 4. , 8. e 9. alínea r) do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 e o nr. 1 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12, violam
a) o princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa;
b) o princípio da confiança inerente ao princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2º da Constituição ;
c) a norma que integra o nr. 1 do art. 19º da Constituição ;
d) a norma que integra o nr. 2 do art. 105º da Constituição ;
e) a norma que integra a alínea d) do art. 199º da Constituição, excepto quanto à sua aplicação aos trabalhadores que exercem funções na Assembleia da República ;
f) as normas que integram os nr.s 1 e 3 do art. 105º e o nr. 1 do art. 106º da Constituição ;
g) o dever de cumprir a tarefa fundamental do Estado de « promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo » art.º 9º d) da Constituição ;
h) a norma que integra o nr. 1 do art. 16º da Constituição ;
i) a incumbência prioritária do Estado de « promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável », consagrada na alínea a) do art. 89º da Constituição ;
j) a norma que integra o art. 1º da Constituição, segundo a qual «Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana»;
k) o princípio da proporcionalidade (que emana do princípio da proteção da confiança consagrado no art. 2º da Constituição) na sua vertente da necessidade ou exigibilidade , conforme é aliás reconhecido na sentença proferida pelo TAF de Loulé em 21.02.2013 – pág. 64 (doc.2 ) e no Acórdão proferido pelo TAF do Porto em 4.06.2012 – pág. 44 (doc. 3), decisões judiciais que se juntam por não se encontrarem publicadas e que reconhecem também a violação do princípio da igualdade pelas normas de redução remuneratória sindicadas , entre as quais se incluem as do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 .

IV. 1. A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE, CONSAGRADO NO ART. 13º 1. DA CONSTITUIÇÃO
15ª- O Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, viola o princípio da igualdade consagrado no art. 13º 1. da Constituição da República Portuguesa, ao não ter reconhecido que os actos administrativos de redução remuneratória impugnados violam tal princípio ao aplicarem normas inconstitucionais, tendo em consideração que as supra referidas normas (que integram os nr.s 1., 4. , 8. e 9. alínea r) do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 e o nr. 1 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12) se aplicam a apenas alguns dos trabalhadores da administração pública e do sector público empresarial do Estado (os que auferem «remunerações totais ilíquidas mensais … de valor superior a Euros 1500») e não a todos, de forma equitativa, não sendo por elas abrangidos os trabalhadores do sector privado, gerando assim uma injustificada e injustificável discriminação de tratamento .

16ª- É absolutamente disparatada e inequivocamente inconstitucional por violar o art. 13º 1. da Constituição, a justificação apresentada pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão nr. 396/2011 de 21.09 e a que se alude de forma concordante na pág. 15 do Acórdão de que ora se recorre, para a sua decisão de não considerar violado o princípio da igualdade, segundo a qual « quem recebe por verbas públicas não está em posição de igualdade com os restantes cidadãos, pelo que o sacrifício adicional que é exigido a essa categoria de pessoas – vinculada que ela está, é oportuno lembrá-lo, à prossecução do interesse público – não consubstancia um tratamento injustificadamente desigual » e mais caricato ainda é tal tese ter confirmada por magistrados de carreira do TAF de Coimbra, ao contrário do que aconteceu nos TAF de Loulé e Porto, como já foi referido .

17ª- - Segundo aquela tese do Tribunal Constitucional, perfilhada pelo Acórdão recorrido, os trabalhadores da administração pública e do sector público empresarial do Estado são «filhos de um Deus menor» pois têm de suportar um «sacrifício adicional» por receberem «por verbas públicas» (deve ter a ver com a cor do dinheiro) e por estarem vinculados à prossecução do interesse público, tendo assim o tribunal constitucional inventado um novo ónus para os trabalhadores do sector público, tal como inventou a inconstitucionalidade a prazo no Acórdão nr. 353/2012 de 5.07 (inequivocamente inconstitucional por violador da norma que integra o nr. 4 do art. 282º da Constituição) .

IV. 2. A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONFIANÇA, INERENTE AO PRINCÍPIO DO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO, CONSAGRADO NO ART. 2º DA CONSTITUIÇÃO.

18ª- O Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, viola o princípio da confiança, «ínsito no princípio do estado de direito democrático» e consagrado no art. 2º da Constituição da República Portuguesa, ao não ter reconhecido que os atos administrativos de redução remuneratória impugnados violam tal princípio ao aplicarem normas inconstitucionais, tendo em consideração que as supra referidas normas (que integram os nr.s 1., 4., 8. e 9. alínea r) do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 e o nr. 1 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12) alteram um elemento fundamental do «estatuto funcional típico» (a remuneração total ilíquida mensal) em que assenta o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei 59/2008 de 11.09.

19ª- A retribuição é caracterizada (e muito bem) no supra-citado Parecer do Conselheiro Guilherme Fonseca «como um direito fundamental, aproveitando do regime constitucional próprio dos direitos fundamentais, em toda a sua extensão, tanto nos aspectos materiais desse regime, como na sua dimensão orgânica (arts. 59º nº 1, a), e 2 a), 18º, nº 1º e 165º, nº 1, b), da CRP). E sobreleva também o aspecto garantístico, com o significado de verdadeiro comando para o Estado (arts. 9º, d), e 81º, a), da CRP)» - pág. 4 .

20ª- É o próprio Acórdão recorrido que reconhece na sua pág. 18, ao citar de forma concordante o Acórdão do Tribunal Constitucional 396/2011 de 21.09, que «o quase contínuo passado de aumentos anuais dos montantes dos vencimentos, na função pública, legitima uma expectativa consistente na manutenção, pelo menos, das remunerações percebidas e a tomada de opções e a formação de planos de vida assentes na continuidade dessa situação», acrescentando que as reduções então introduzidas, «na medida em que contrariam a normalidade anteriormente estabelecida pela atuação dos poderes públicos, nesta matéria, frustram expectativas fundadas.

21ª- - A redução da remuneração total ilíquida mensal, que vinha sendo auferida pelo autor e por todas as pessoas abrangidas pelo nr. 9 do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 e pelo nr. 1 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12, viola as suas legítimas expectativas, implicando « uma mudança na ordem jurídica, e consequentemente, nas situações de facto daqueles sujeitos, de forma irrazoável e inesperada, com a qual os funcionários em causa não podiam nem deviam contar» - Parecer nr. 16/92 da Procuradoria Geral da República, citado no Acórdão do Trib. Const. nr. 141/2002 de 9.04, tendo por isso sido violado o princípio da confiança inerente ao Estado de Direito Democrático, consagrado no art. 2º da Constituição .

22ª- O Tribunal Constitucional admite também que a irredutibilidade salarial «poderá resultar do respeito pelo princípio da proteção da confiança e porventura, ainda, do princípio da igualdade» - Ac.s do TC nr. 386/2011 de 11.09 e 187/2013 de 22.04, ponto 24 do Sub-Capítulo 6. - Violação do direito à retribuição.

23ª- A alteração introduzida pelo legislador ao determinar as reduções remuneratórias em causa é, manifestamente «inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações e situações» e que até assenta no princípio da não redutibilidade remuneratória a que supra se aludiu.

24ª- Com a redução remuneratória em apreço é posta em causa a própria honra e dignidade dos visados que, tal como sucedeu e sucede com o autor, passaram a ter dificuldade em saldar os seus compromissos financeiros que criaram «tendo em conta a perspectiva de continuidade do “ comportamento estadual “», como foi alegado no art. 40º das alegações de 27.05.2013 e resulta do doc. 7 que as acompanha, o que é agravado pelos cortes que se sucederam nos subsídios de férias e de Natal (de que é exemplo a sobretaxa extraordinária sobre subsídio de Natal, criada pela Lei n.º 49/2011, de 7 de Setembro) , pela sobretaxa de IRS e pela alteração dos escalões do IRS, pondo em causa o seu direito «à retribuição do trabalho…de forma a garantir uma existência condigna» (art. 59º 1. a) da Const.), o que vai muito para além do assegurar de um mínimo de subsistência .

25ª- O Acórdão recorrido, citando de forma concordante o Acórdão do Tribunal Constitucional nr. 396/2011 de 21.09 utiliza o «desequilíbrio orçamental» e a «dívida soberana portuguesa» como argumentos para justificar o defraudar das legítimas expectativas dos visados pelas reduções remuneratórias em causa, que são também credores do Estado e o favorecimento dos credores internacionais em detrimento dos demais credores do Estado, o que é perfeitamente inadmissível, pela simples razão de que o autor tem tanto a ver com a dívida pública do Estado Português, quanto este tem a ver com as suas dívidas, ou seja, nada .

26ª- No sentido da inconstitucionalidade das reduções remuneratórias no sector público apontam os Acórdãos do Tribunal Constitucional nr.s 11/83, 10/84, 17/84, 86/84, 89/94, 93/84, 303/90 e 141/2002.

IV. 3. A VIOLAÇÃO DO DEVER DE CUMPRIR A TAREFA FUNDAMENTAL DO ESTADO DE PROMOVER O BEM-ESTAR E A QUALIDADE DE VIDA DO POVO – ART. 9º DA CONSTITUIÇÃO E A INCUMBÊNCIA PRIORITÁRIA DO ESTADO DE PROMOVER O AUMENTO DO BEM-ESTAR SOCIAL E ECONÓMICO E DA QUALIDADE DE VIDA DAS PESSOAS EM ESPECIAL DAS MAIS DESFAVORECIDAS, NO QUADRO DE UMA ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, CONSAGRADA NA ALÍNEA A) DO ART. 89º DA CONSTITUIÇÃO.

27ª- A significativa redução remuneratória adicionada ao notório e brutal aumento da carga fiscal em Portugal, traduz-se numa «afectação que pode equivaler a uma expropriação/apropriação pública da retribuição/remuneração… Portanto, um verdadeiro esbulho» (Parecer do Conselheiro Guilherme Fonseca- doc. 1 anexo, pág. 6), o que é a antítese do dever de cumprir a tarefa fundamental do Estado de «promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo» art.º 9º d) da Constituição e da incumbência prioritária do Estado de «promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável», consagrada na alínea a) do art. 89º da Constituição, dever e incumbência essa que os actos administrativos impugnados violam, violando o acórdão recorrido, salvo o devido respeito, as normas que consagram tais dever e incumbência, ao não ter concluído pela violação de tais normas pelos actos administrativos impugnados.

IV. 4. A VIOLAÇÃO DA NORMA QUE INTEGRA O NR. 1. DO ART. 16º DA CONSTITUIÇÃO.

28ª- Segundo o Parecer da autoria do Conselheiro Guilherme Fonseca, que o recorrente subscreve integralmente, o «princípio da irretratabilidade dos salários» resulta também de «instrumentos internacionais a que Portugal está adstrito, como sejam, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de 16 de Dezembro de 1966, cujo art. 7º reconhece o direito a uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores um salário equitativo e uma "existência decente para eles próprios e para as suas famílias", e o Tratado de Lisboa, que, no Título X, relativo à política social, proclama o objectivo da "melhoria das condições de vida e de trabalho" dos trabalhadores, com adesão à Carta Social Europeia, assinada em Turim, em 18 de Outubro de 1961, e à Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 1989» - pág. 7, daí concluindo que «à luz do art. 16º, nº 1, da CRP…se possa afirmar que o princípio da irretratabilidade do salário é vinculativo para o legislador do OE. E, não sendo ele respeitado, como não foi, pelas normas questionadas do OE, padecem estas de inconstitucionalidade material, por violação daquela norma do art. 16º, nº 1, da CRP» - pág.s 7 / 8.

IV. 5. A VIOLAÇÃO DA NORMA QUE INTEGRA O NR. 1 DO ART. 19º DA CONSTITUIÇÃO.

29ª- O Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, viola a norma que integra o nr. 1 do art. 19º da Constituição, ao não ter reconhecido que os actos administrativos de redução remuneratória impugnados violam tal norma, ao aplicarem normas inconstitucionais, tendo em consideração que as supra-referidas normas (que integram os nr.s 1., 4. , 8. e 9. alínea r) do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 e o nr. 1 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12), ao determinarem uma redução remuneratória sem limite temporal (que se mantém na presente data), suspenderam o direito do autor e demais pessoas por elas abrangidas à não redutibilidade dessa remuneração, sem que tivesse sido declarado o estado de sítio ou de emergência «na forma prevista na Constituição» .

IV. 6. A VIOLAÇÃO DA NORMA QUE INTEGRA O NR. 2 DO ART. 105º DA CONSTITUIÇÃO.

30ª- O Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, viola a norma que integra o nr. 2 do art. 105º da Constituição, ao não ter reconhecido que os actos administrativos de redução remuneratória impugnados violam tal norma, ao aplicarem normas inconstitucionais, tendo em consideração que as supra-referidas normas (que integram os nr.s 1., 4. , 8. e 9. alínea r) do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 e o nr. 1 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12) integram um Orçamento que foi elaborado sem que se tivesse tido em conta « as obrigações decorrentes de lei ou contrato », in casu , a obrigação de não diminuir a remuneração dos trabalhadores abrangidos pelo Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei 59/2008 de 11.09, que resulta da alínea d) do seu art. 89º , não assistindo razão ao tribunal ao quo ao sustentar na pág. 21 do Acórdão recorrido que o nr. 2 do art. 105º da Constituição se não opõe a « alterações a quaisquer contratos, inclusive os contratos de trabalho para exercício de funções públicas », o que constitui ainda uma intolerável violação do princípio pacta sunt servanda .

IV. 7. A VIOLAÇÃO DA NORMA QUE INTEGRA A ALÍNEA D) DO ART. 199º DA CONSTITUIÇÃO.

31ª-O Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, viola a norma que integra a alínea d) do art. 199º da Constituição, excepto quanto à sua aplicação aos trabalhadores que exercem funções públicas na Assembleia da República, ao não ter reconhecido que os actos administrativos de redução remuneratória impugnados violam tal norma, ao aplicarem normas inconstitucionais, tendo em consideração que as normas que integram os nr.s 1., 4. , 8. e 9. alínea r) do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 e o nr. 1 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12 são parte integrante de uma lei da Assembleia da República, não sendo competência da Assembleia da República, mas sim do Governo, no exercício de funções administrativas « dirigir os serviços e a atividade da administração direta do estado, civil e militar , superintender na administração indireta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma », verificando-se pois a usurpação dos poderes do Governo por parte da Assembleia da República, (excepto quanto aos trabalhadores que exercem funções públicas na Assembleia da República), o que deveria ter conduzido o Ministério da Justiça e demais Ministérios e empresas do sector público empresarial do Estado a não aplicar tais normas de redução remuneratória .

IV. 8. A VIOLAÇÃO DAS NORMAS QUE INTEGRAM OS NR.S 1. E 3. DO ART. 105º E NR. 1 DO ART. 106º DA CONSTITUIÇÃO.

32ª- O Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, viola as normas que integram os nr.s 1 e 3 do art. 105º e nr. 1 do art. 106º da Constituição, ao não ter reconhecido que os actos administrativos de redução remuneratória impugnados violam tais normas, ao aplicarem normas inconstitucionais, tendo em consideração que a redução da «remuneração total ilíquida mensal» consagrada pelas normas que integram os nr.s 1., 4. , 8. e 9. alínea r) do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 e o nr. 1 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12, não só não constitui um acto de «discriminação das receitas e despesas do Estado» (art. 105º 1. a)), como não é limitada ao período de um ano, contrariando assim o «princípio da anualidade orçamental» que deve presidir à elaboração do orçamento e que está consagrado no nr. 1 do art. 106º da Constituição .

IV. 9. A VIOLAÇÃO DA NORMA QUE INTEGRA O ART. 1º DA CONSTITUIÇÃO.

33ª- Dá-se por reproduzido o que se alega na conclusão 24ª, acrescentando-se apenas que os actos administrativos impugnados violam também a norma que integra o art. 1º da Constituição, segundo a qual «Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana», norma essa que, salvo o devido respeito, é violada também pelo Acórdão recorrido ao não reconhecer que tais actos violam a Constituição da República Portuguesa.

IV. 10. A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE (QUE EMANA DO PRINCÍPIO DA PROTECÇÃO DA CONFIANÇA CONSAGRADO NO ART. 2º DA CONSTITUIÇÃO) NA SUA VERTENTE DA NECESSIDADE OU EXIGIBILIDADE.

34ª Dá-se por reproduzida quanto à matéria relativa à violação do princípio da proporcionalidade na sua vertente da necessidade ou exigibilidade, tudo quanto vem afirmado nas páginas 55 a 64 – ponto d) do Capítulo «V. O Direito» - da douta sentença de 21.02.2013 do TAF de Loulé, proferida no processo nr. 286/11.5BELLE (doc. 2 anexo) e bem assim o sustentado, no mesmo sentido e de forma quase idêntica, nas pág.s 38 a 44 do douto Acórdão de 4.06.2012 do TAF do Porto, proferido no processo nr. 1356/11.5BEPRT (doc. 3 anexo).

V- A NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA.

35ª- Não se pronunciou o tribunal a quo sobre a alegada inconstitucionalidade dos atos administrativos impugnados por aplicação de normas inconstitucionais, concretamente das normas que integram os nr.s 1., 4. , 8. e 9. alínea r) do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 e o nr. 1 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12, quanto à violação do disposto no nr. 1 do art. 19º , na alínea d) do art. 199º, nos nr.s 1 e 3 do art. 105º e no nr. 1 do art. 106º da Constituição, apesar de ter aludido na pág. 2 do Acórdão recorrido a essas questões como tendo sido invocadas pelo autor, pelo que é tal Acórdão nulo por omissão de pronúncia, devendo o tribunal de recurso proceder à apreciação de tais questões atento o disposto no art. 95º 1. do CPTA e 615º 1. d) do CPC, ex vi art. 1º do CPTA, conhecendo do facto e do direito – art. 149º 1. do CPTA .”

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O Recorrido contra-alegou, concluindo o seguinte:

“1. As questões objeto da presente ação foram já apreciadas pelo Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 396/2011, de 21 de setembro, que decidiu “não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 19.º, 20.º e 21.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011)”.

2. Sobre os vícios imputados à Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2012, pronunciou-se igualmente o Tribunal Constitucional e o juízo de não inconstitucionalidade proferido sobre a medida de redução remuneratória constante da LOE para 2011 é plenamente válido para as normas correspondentes da Lei do OE para 2012.

3. Diferente apenas foi o juízo valorativo que o Tribunal Constitucional emitiu sobre as normas constantes dos artigos 21.º e 25.º da Lei nº 64-B/2011, tendo declarado, com força obrigatória geral, a sua inconstitucionalidade, mas com produção de efeitos a partir de 2013.

4. As normas legais que impõem a redução do vencimento e subsídio não atentam contra o invocado, mas inexistente, princípio constitucional da intangibilidade e irredutibilidade salarial.

5. A redução remuneratória não corporiza a possibilidade de lesão irreversível de um direito fundamental, maxime do direito à retribuição do trabalho; restringe-se apenas o direito concreto do trabalhador a determinado volume salarial, mas não o salário em si mesmo.

6. A possibilidade de redução dos vencimentos é motivada por razões de relevante interesse e necessidade públicos, associadas à grave crise orçamental e às dificuldades com que o Estado Português se depara para atenuar o desequilíbrio orçamental e ainda dar cumprimento às obrigações internacionais a que se vinculou.

7. O princípio da reserva do possível pode limitar a aceitação de qualquer princípio de não retrocesso social perante a excecionalidade da situação motivada por circunstâncias particularmente graves e exigentes.

8. Também assim foi decidido no Ac. do TC que tem vindo a ser analisado, o n.º 396/2011.

9. Não se verifica qualquer inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, por, ao que se invoca, se introduzir uma discriminação entre trabalhadores públicos e privados, sem qualquer base material que o justifique.

10. O princípio da igualdade é um princípio e, por isso, apenas exige uma medida de melhor grau de igualdade possível, de acordo com as normas contrárias que o limitam. Este princípio não impede a criação de desigualdades, apenas o impede quando não haja norma contrária que justifique uma determinada medida razoável de desigualdade.

11. No presente caso, a desigualdade em causa justifica-se por ser necessário equilibrar as contas públicas e diminuir as despesas a realizar através do erário público.

12. A criação dessa medida razoável de desigualdade apenas pode ser feita através da adoção de um critério adequado para essa desigualdade; ou seja, apenas se pode utilizar um critério de seleção dos destinatários da medida «desigualitária» que, de alguma forma, seja adequado à finalidade pretendida com essa medida. Ora, critério da entidade empregadora é, evidentemente, o critério adequado, tendo em conta aquela finalidade da desigualdade.

13. E, mais uma vez, assim decidiu o TC, no Ac. 396/2011.

14. Não se verifica igualmente qualquer inconstitucionalidade material por violação do princípio da confiança.

15. Não é absolutamente vedada ao legislador a emissão de normas orçamentais que consagrem uma redução remuneratória. Em cada caso haverá que “proceder a um justo balanceamento entre a proteção das expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador”.

16. Só quando a regulação implicar, nas relações e situações jurídicas já antecedentemente constituídas, uma “alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição daquelas relações e situações” é que pode haver violação daquele “mínimo de certeza e segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de direito” (Acórdão 304/2001), o que, manifestamente, não se verifica no caso sub judice.

16. Na elaboração do OE para 2011 e 2012 ocorrem insofismáveis razões de interesse público que justificam, abundantemente, a medidas de redução salarial.

17. Impõe-se, ainda, ter em consideração que os direitos económico-sociais estão sujeitos à reserva do possível. Com efeito, face à escassez de recursos e à multiplicidade de necessidades sociais, cabe ao Estado efetuar escolhas, estabelecendo critérios e prioridades, já que “ninguém é obrigado a coisas impossíveis” (ad impossibilita nemo tenetur).

18. Por isso mesmo, tem-se considerado como limite à efetivação dos direitos económico-sociais a suficiência dos recursos públicos, pelo que, em situações de crise económica e financeira como a atual, a reserva do possível legitima restrições à efetivação dos direitos económico-sociais, com redução dos seus beneficiários ou montantes pecuniários, desde que assegurado um conteúdo mínimo a esses mesmos direitos, como seja o de uma existência condigna

19. No mesmo sentido, decidiu o TC, no AC. 396/2011.

20. Inexiste qualquer violação do princípio da proporcionalidade, que o recorrente reconduz ao princípio da confiança, pelas razões já expostas.

21. Ao apreciar argumentação semelhante, o TC, no Ac. 396/11, afastou qualquer inconstitucionalidade, com fundamentos semelhantes aos aqui invocados.

22. As normas de redução remuneratória não contrariam o art. 105º, nº2 da CRP, pois o que desta norma resulta é que o orçamento deve ter as rubricas de despesa devidamente preenchidas para se poderem satisfazer os compromissos que, por lei ou contrato, foram previamente assumidos.

23. Não diz o artigo 105.º, n.º 2, da Constituição que não se pode definir na lei do orçamento o montante dessas despesas ou, com outro alcance, que a lei do orçamento não pode alterar o montante das despesas que resultam de lei ou contrato anterior (o que, dependendo dos casos, pode ou não ter consequências indemnizatórias).

24. O comando jurídico que decorre do n.º 2 do artigo 105.º só estaria posto em causa se, tendo alterado os montantes dos vencimentos e pensões, a lei do orçamento não cabimentasse as verbas necessárias para que os mesmos fossem efetivamente processados e pagos, o que não aconteceu.

25. Não sofrendo as Leis n,º 55-A/2010 e n.º 64-B/2011 de qualquer das inconstitucionalidades apontadas, mostram-se igualmente isentos de tais vícios os atos administrativos que procedem à sua aplicação.”

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O Ministério Público não emitiu parecer.
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2. Factos
A decisão recorrida deu como assentes os seguintes factos:
1 - No dia 14/Outubro/2010 o Governo, em Conselho do Ministros, aprovou, para ser submetida à Assembleia da República, uma “Proposta de Lei” sobre o “Orçamento do Estado para 2011”.

2 - Em 15 de Outubro de 2010 foi publicada no “Diário da Assembleia da República”, II Série A, nº 16, a sobredita proposta de Lei, sob o seguinte sumário: “Proposta de lei nº 42/XI (2ª) — Orçamento do Estado para 2011”.

3 - O Capitulo III da “Proposta de Lei nº 42/XI (2) — Orçamento do Estado para 2011” tinha a epígrafe “disposições relativas a trabalhadores do sector público”.

4 - O “Diário do Assembleia da República”, II Série A, nº 16, de 15 de Outubro de 2010 não contém qualquer convite às associações sindicais para se pronunciarem sobre a normação a editar e inscrita no Capítulo III da referida “Proposta de Lei 42/XI (2ª) — Orçamento do Estado para 2011”.

5 - No dia 20/Outubro/2010 teve lugar uma reunião plenária da Assembleia da República e nesse mesmo dia a Mesa da Assembleia da República deu conta aos Senhores Deputados da entrada e admissão da “Proposta de Lei nº 42/XI (2ª) - Orçamento do Estado para 2011” e da sua “baixa à 5ª e demais comissões” (cf. “Diário da Assembleia da República”, I Série, nº 16, de 21/Outubro/2010).

6 - Nesse mesmo dia 20 de Outubro de 2010 foram, no “Boletim do Trabalho e Emprego”, nº 5, Separata, publicadas para apreciação pública “normas constantes da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2011 com incidência nos trabalhadores com relação jurídica de emprego regulada pelo Código do Trabalho”.

7 - O prazo de apreciação pública fixado no Boletim do Trabalho e Emprego foi de vinte dias “a contar da data da sua publicação”.

8 - No “Diário da Assembleia da República”, 29, Separata, de 27 de Outubro de 2010, foi submetido à apreciação pública o Capítulo III da “Proposta de Lei n9 42/XI (2ª) — Orçamento do Estado para 2011”.

9 - O prazo para a pronúncia das associações sindicais representativas dos trabalhadores destinatários era aí fixado de 27 de Outubro a 15 de Novembro de 2010.

10 - Em 3 de Novembro de 2010 a Assembleia da República discutiu e votou na generalidade a “Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2011”, nela incluído o capítulo III: “disposições relativas a trabalhadores do sector público”.

11 A 3 de Novembro a proposta de Lei baixou à comissão de Orçamento e Finanças da AR onde foi discutida na especialidade nos dias 24, 25 e 26 seguintes, tendo sido aprovada em votação final global neste último dia.

14 - No DR 1ª série de 31/12/2010 foi publicada a Lei do Orçamento para 2011, Lei nº 55-A/2010 de 31/12, integrada por aquele capítulo III e, neste, pelo artigo 19º nºs 1 e 4 a).

15 - O Ministério da Justiça, pela Direção Geral dos Serviços Prisionais, processou e pagou o vencimento do Autor acima identificado, relativo a Janeiro de 2011 e os seguintes, daí em diante, com a redução quantitativa de 8%, conforme docs 2 a 4 da PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido.


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3. Direito
Nas suas extensas alegações o Recorrente apenas suscita, verdadeiramente, três questões: i) nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia; ii) erro de julgamento quanto à inconstitucionalidade das normas do artigo 19.º, n.ºs 1, 4, 8 e 9, alínea r), da Lei n.º 55-A/2010 (Orçamento do Estado para 2011) e do artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 64-B/2011 (Orçamento do Estado para 2011), que determinam a ilegalidade dos atos administrativos que procederam à redução da remuneração total ilíquida mensal que o autor vinha auferindo até Dezembro de 2010; e iii) erro de julgamento na parte em que o acórdão recorrido considerou prejudicada a questão da ilegalidade de tais normas face à improcedência da sua invocada inconstitucionalidade e na parte em que considerou que a lei do orçamento de Estado é uma lei de valor reforçado.

O Recorrente imputa ao acórdão recorrido uma nulidade por omissão de pronúncia, por alegadamente não se ter pronunciado sobre certos fundamentos de inconstitucionalidade das citadas normas. Sem razão, porém.

Não apenas o tribunal recorrido analisou exaustivamente a problemática da (in)constitucionalidade das normas em causa, como é certo que os múltiplos fundamentos que o autor/Recorrente invocou para fundamentar a arguida inconstitucionalidade não constituem questões autónomas que o tribunal devesse apreciar, mas antes argumentos para fundamentar uma única questão: a da inconstitucionalidade das citadas normas. Como tem sido reiteradamente salientado na jurisprudência, “Só há nulidade, por omissão de pronúncia, quando o tribunal não conheça de questões que devesse apreciar, e não também quando omita o tratamento de razões ou argumentos esgrimidos pelas partes.” (Acórdão do STA, de 25.07.2012, P. 027/12).

Ou seja, “[C]onhecer uma questão não significa debater todos os argumentos ou razões utilizados pelas partes para sustentar a sua posição. Se a metodologia de abordagem adoptada pelo tribunal para conhecer da questão não conduzir à necessidade de apreciação deste ou daquele argumento, ou razão, apresentado pelas partes, isso não porá em causa a suficiência da pronúncia.” (cfr. Acórdão do STA, de 26.02.2015, P. 0844/14). Sublinhe-se, ainda, que a fiscalização da constitucionalidade das normas está reservada ao Tribunal Constitucional, apenas cabendo aos tribunais (incluindo aos tribunais administrativos) apreciar a inconstitucionalidade de uma norma na estrita medida em que se imponha recusar a sua aplicação ao caso concreto, por infração à Constituição (cfr. artigo 204.º). No caso vertente, o tribunal recorrido, tendo concluindo que não havia fundamento constitucional para recusar a aplicação das normas ao caso em apreço, e consequentemente, tendo concluído pela não ilegalidade dos atos administrativos impugnados na ação (atos esses que, relembre-se, são o objeto da ação), não omitiu decisão sobre qualquer questão que devesse conhecer.

Em segundo lugar, o Recorrente retoma (e em certa medida amplia) os múltiplos fundamentos de inconstitucionalidade que já havia arguido contra as normas do artigo 19.º, n.ºs 1, 4, 8 e 9, alínea r), da Lei n.º 55-A/2010 (Orçamento do Estado para 2011) e do artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 64-B/2011 (Orçamento do Estado para 2011), que, no seu entender, determinam a ilegalidade dos atos administrativos que procederam à redução da remuneração total ilíquida mensal que o autor vinha auferindo até Dezembro de 2010.
O acórdão recorrido afastou a alegada inconstitucionalidade das citadas normas e, consequentemente, julgou improcedente a invocada invalidade dos atos que as aplicaram, em síntese apertada, por considerar que ao caso é aplicável a jurisprudência fixada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 396/2011 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 17 de Outubro de 2011), que decidiu não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 19.º, 20.º e 21.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011), ou seja, das normas que operaram uma redução das remunerações dos trabalhadores do sector público, entre 3,5% e 10%. Salientou o acórdão recorrido que os fundamentos de inconstitucionalidade invocados pelo Autor/Recorrente já tinham sido, na sua generalidade, apreciados e julgados improcedentes no citado Acórdão do Tribunal Constitucional, que nessa parte secundou, transcrevendo partes da respetiva fundamentação; e, no demais, decidiu pela improcedência do único fundamento de inconstitucionalidade aí não apreciado e que o aqui Autor suscitou, consistente na violação do artigo 105.º/2 da CRP (preceito que obriga o Orçamento do Estado a ter “em conta as obrigações decorrentes da lei ou de contrato”, aqui incluídas as relações de emprego público).

Não se vislumbra qualquer erro no assim decidido que, pelo contrário, merece inteira adesão. Assim, à semelhança do que entendeu o acórdão recorrido, é inteiramente aplicável ao caso em apreço a jurisprudência fixada pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente naquele Acórdão n.º 396/2011, pois apesar de as pronúncias de não inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional não surtirem de lege um efeito preclusivo da discussão da inconstitucionalidade das normas legais (cfr. artigos 279.º e 282.º da CRP), o certo é que esta decisão negativa, proferida em sede de fiscalização (sucessiva) abstrata da constitucionalidade, “estabelece uma presunção de não inconstitucionalidade” (v. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., 998).

Pelo que se mostra improcedente a invocada inconstitucionalidade das normas em questão, pelas razões amplamente expressas no citado Acórdão n.º 396/2011, do Tribunal Constitucional, que analisou a questão à luz, entre outros, dos parâmetros constitucionais do direito à retribuição; do direito à participação na elaboração da legislação do trabalho; dos princípios da confiança, da igualdade e da proporcionalidade e do Estado de Direito democrático, concluindo da forma sumariada que se segue:
I - A norma do artigo 19.º, bem como as normas que determinam reduções remuneratórias do sistema retributivo dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público (n.ºs 1 dos artigos 20.o e 21.o) têm natureza orçamental, sendo de lhes aplicar o correspondente regime de vigência anual.
II – (...)
III - Não pode ignorar-se que as reduções remuneratórias estabelecidas na Lei do Orçamento do Estado de 2011 têm como objectivo final a diminuição do défice orçamental para um valor precisamente quantificado, de acordo com um programa calendarizado por etapas anuais, contratualizado, através de memorandos, com a Comissão Europeia e o FMI, o que leva a dar como praticamente certa a renovação de medidas de idêntico conteúdo, para vigorar nos anos correspondentes aos da execução do programa.
IV - Essa previsível duração plurianual de medidas com este alcance não põe em causa o seu carácter transitório, não se visionando, no momento atual, qualquer base normativa que objectivamente permita dar por assente que as reduções remuneratórias perdurarão indefinidamente.
V - Sendo discutível que as normas impugnadas, ainda que consagrando reduções remuneratórias, possam ser qualificadas como "legislação do trabalho", para efeitos de participação das organizações de trabalhadores na sua elaboração, a verdade é que, in casu, foi dado cumprimento ao dever de audição ou de consulta a essas organizações, que tiveram oportunidade de se pronunciarem, em moldes constitucionalmente adequados, pelo que é de concluir não ter havido, nesta matéria, qualquer vício formal de procedimento.

Além disso, o Tribunal Constitucional voltou a pronunciar-se pela não inconstitucionalidade de idênticas normas, constantes da Lei de Orçamento do Estado de 2103, no Acórdão n.º 187/13, onde, além do mais, decidiu não declarar a inconstitucionalidade das normas do artigo 27.º da Lei n.º 66-B/2012 (que manteve a redução salarial imposta aos servidores públicos pelo terceiro ano consecutivo).

Por outro lado, no Acórdão n.º 353/12, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 21.º e 25.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012) e, ao abrigo do disposto no artigo 282.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, determinar que os efeitos desta declaração de inconstitucionalidade não se apliquem à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13. º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012. Contudo, como sublinhou o Acórdão do Pleno da Secção do CA do STA, de 15.10.2015, P. 0438/14, “se a declaração de inconstitucionalidade restringiu a produção dos efeitos da norma inconstitucional apenas para futuro, os Tribunais têm de respeitar essa limitação ainda que o pedido de anulação do ato com fundamento em inconstitucionalidade tenha sido anterior àquela declaração e o processo ainda se encontre pendente.

Tudo isto para concluir que a questão da inconstitucionalidade das normas questionadas pelo Recorrente foi já decidida e julgada improcedente pelo Tribunal Constitucional nos citados arestos, inteiramente aplicáveis ao caso em apreço, que aqui se reiteram e para cujos fundamentos se remete, em confirmação do, aliás, já decidido pelo acórdão recorrido.

Da mesma forma, a invocada inconstitucionalidade por pretensa violação do artigo 105.º/2 da CRP é manifestamente improcedente, desde logo, porque, como bem salienta o Recorrido, “o comando jurídico que decorre do n.º 2 do artigo 105.º só estaria posto em causa se, tendo alterado os montantes dos vencimentos e pensões, a lei do orçamento não cabimentasse as verbas necessárias para que os mesmos fossem efetivamente processados e pagos, o que não aconteceu.

Em suma, improcede a invocada inconstitucionalidade das citadas normas dos Orçamentos do Estado de 2011 e de 2012 que impuseram reduções remuneratórias aos servidores do Estado, no essencial, pelas razões que constam da citada jurisprudência do Tribunal Constitucional, não cabendo aqui, e para além do que já foi dito, rebater detalhada e exaustivamente todos os argumentos de inconstitucionalidade que o Recorrente entendeu invocar ao longo da ação e acrescentar em sede do presente recurso, atendendo aos poderes dos tribunais administrativos em sede de apreciação da constitucionalidade e ao objeto da presente ação administrativa especial, que como já foi amplamente referido, não são (nem poderiam ser) as normas legais reputadas inconstitucionais, mas os atos administrativos que as aplicaram.

Em terceiro lugar, o Recorrente aponta ao acórdão recorrido um erro de julgamento, por ter considerado prejudicada a questão da ilegalidade de tais normas face à improcedência da sua invocada inconstitucionalidade.

Efetivamente, o acórdão recorrido considerou que a causa de pedir da ação se reconduz à inconstitucionalidade, por vários motivos, das normas do artigo 19.º, n.ºs 1, 4, 8 e 9, alínea r), da Lei n.º 55-A/2010, na medida em que são estas normas o fundamento da redução salarial individualmente estatuída pelo processamento dos vencimentos do Autor relativos a Janeiro e meses seguintes de 2011. Mais frisou que a questão de ilegalidade suscitada pelo Autor – consubstanciada designadamente na violação do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas –, fica prejudicada se improceder a invocada inconstitucionalidade, uma vez que tudo se reconduz a esta.

Não se vislumbra qualquer erro no assim decidido. Pois as questões suscitadas pelo Recorrente reconduzem-se, na verdade, a uma única, ainda que colocada em planos diversos: a da (in)admissibilidade de o legislador aprovar reduções remuneratórias dos trabalhadores do sector público. Ora, para a apreciação da validade desta opção legislativa, tomada em sede de lei do Orçamento de Estado, não constitui parâmetro adequado uma outra lei, situada no mesmo plano infraconstitucional, sendo certo que já se concluiu que as normas em causa não infringem a Constituição. Neste contexto, perde relevância a questão de saber se o tribunal recorrido errou quando afirmou que a lei do Orçamento é uma lei de valor reforçado, sendo certo, ainda, que o fez a título de mero obiter dictum, sem relevância para o sentido da decisão.

***
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 19.11.2015
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Helena Ribeiro
Ass.: Rogério Martins - vencido, conforme declaração que segue:

“Voto vencido este acórdão pelas razões que passo a expor:
A realidade veio a demonstrar que os cortes cegos nos vencimentos da Função Pública - que em termos substantivos, de expropriação sem qualquer compensação, e da retórica jurídica usada, em particular o interesse nacional, em nada se distingue, excepto quanto aos visados, das nacionalizações pós-25 de Abril -, não só não são necessários para o equilíbrio das contas públicas e para a diminuição da dívida pública como têm agravado o desequilíbrio e a dívida, baixando o PIB para níveis negativos históricos e fazendo subir a dívida também para valores record, o que não é minimamente compensado por descidas momentâneas das taxas de juros (conforme se pode ver nas páginas oficiais da empresa que gere a dívida nacional, o IGCP (http://www.igcp.pt/) e do INE (https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpgid=ine_main&xpid=INE), com dados confirmados este ano.
Em todo o caso, para além dos resultados, há opções políticas que deitam por terra o argumento da necessidade: não há dinheiro para honrar os compromissos do Estado para com os seus servidores mas já há para apoiar a banca em relação à qual o Estado não assumiu qualquer compromisso de apoio e desenvolve uma actividade lucrativa de risco. Não estando feita em qualquer documento oficial uma previsão minimamente rigorosa dos impactos na economia e no Orçamento do Estado desse apoio a uma actividade lucrativa privada, em detrimento, necessariamente, dos compromissos do Estado para com os seus servidores.
São, portanto, violados os princípios e as normas constitucionais da proporcionalidade, necessidade, da igualdade e do direito à remuneração nas sucessivas leis do orçamento que serviram de base a cada um dos concretos cortes nos vencimentos.
Não bastando a iniquidade da medida, cega e negativamente discriminatória precisamente para quem serve o Estado, para a afastar a sua aplicação, face ao disposto no artigo 8º, n.º2, do Código Civil, já a inexistência, comprovada, do fundamento objectivo invocado para a sua criação, o equilíbrio das contas públicas, é fundamento bastante para afastar as normas em causa e, logo, afastar a sua aplicação a cada caso concreto, com fundamento na inconstitucionalidade.
As sucessivas declarações de não inconstitucionalidade, com alteração de sentidos de voto, por parte do Tribunal Constitucional, para além de não serem vinculativas para os demais tribunais, podem e devem ser agora reponderadas face à constatação do insucesso da espoliação parcial dos vencimentos da Função Pública quanto ao fim visado, dito público.
Aderindo à tese das decisões de primeira instância invocadas pelo recorrente, daria provimento ao recurso e declararia a invalidade dos actos impugnados, de processamento de vencimento, com as reduções previstas na lei ordinária.

Porto, 19.11.2015

(Rogério Martins)