Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00279/17.9BEMDL-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/16/2018
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PEDIDO INCIDENTAL DE LEVANTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO; ARTIGO 103º-A/2 E 4 DO CPTA
Sumário:
I-o Tribunal a quo norteou-se pela Doutrina e pelo entendimento seguido pela Jurisprudência em casos similares, qual seja, em termos simplistas:
-há uma questão que aqui se coloca porque no nº 2 se refere que a entidade demandada ou os contra-interessados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos;
-ou seja, não é só ser prejudicial, ou, à luz de uma ponderação de interesses prevalecer;
-aparentemente exige-se que tenha de ser gravemente prejudicial ou com consequências lesivas claramente desproporcionadas, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no nº 2 do artigo 120º do CPTA;
-e a questão que se coloca é a de saber se para o levantamento deste efeito suspensivo automático o legislador não pretendeu impor aqui um regime mais exigente. Isto é, não basta a simples ponderação de interesses, é necessário demonstrar, mais do que a prevalência do interesse público, que seria gravemente prejudicial e que a suspensão teria consequências claramente desproporcionadas;
-pode-se suscitar dúvidas porque o nº 4 do mesmo artigo refere: “O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento”, que é o critério do artigo 120º;
-no anteprojecto já existia este nº 4 e este nº 4 era um lapso, porque quando se via a parte das alterações introduzidas, quando foi republicado o nº 4 do artº 103º-B foi copiado por engano para o artº 103º-A;
-infelizmente, esse lapso não foi corrigido;
-ignorando-se esse nº 4 e tendo-se a noção de que, apesar de ser um critério de ponderação de interesses, não é o critério de ponderação geral;
-é um critério mais exigente, conforme desenvolvido nas peças processuais trazidas aos autos pelas partes. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:CID
Recorrido 1:SSLTC, Lda
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
CID, Ré na acção administrativa de contencioso pré-contratual em que é Autora SSLTC, Lda., ambas melhor identificadas nos autos, vem recorrer do Despacho proferido pelo TAF de Mirandela na parte em que conheceu do pedido incidental de levantamento do efeito suspensivo automático, em conformidade com o disposto no artigo 103º-A, nº s 2 e 4 do CPTA, indeferindo-o.

Alegando, concluiu:
Quanto à falta de concretização ou densificação do pedido:
1. Apesar de fundar a decisão na afirmação repetida de que a Ré e as contra-interessadas não alegaram nem densificaram de forma suficiente os factos necessários a que o tribunal pudesse conhecer do pedido incidental formulado e que pudesse ser proferida decisão diferente da que foi prolatada, o tribunal não proferiu despacho em conformidade com o disposto no artigo 590º, nº 4 do CPC.
2. Estabelece o artigo 7º do CPTA que para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.
3. Tal princípio processual, ali designado como de promoção do acesso à justiça, sublinha com veemência e reforça a ideia de que se o tribunal entende que as pretensões de tutela jurisdicional que lhe são apresentadas revelam insuficiente exposição, concretização ou densificação da matéria de facto que se reconduz à respectiva causa de pedir, em termos tais que o impedem de conhecer do mérito da pretensão, não pode deixar de agir no sentido de determinar que tal insuficiência seja suprida pelas partes.
4. A decisão recorrida violou, portanto, por erro de interpretação e de (não) aplicação o disposto no artigo 7º do CPTA e no artigo 590º, nº 4 do CPC, razão pela qual deve ser revogada e substituída por outra que com fundamento nessas normas adjectivas, e face ao entendimento expresso na decisão quanto à insuficiente exposição, concretização ou densificação da matéria de facto subjacente à causa de pedir incidental, determine à Recorrente e às contra-interessadas que supram a acusada insuficiência.
Quanto à inadmissibilidade de outra prova que a documental
5. O processo nos tribunais administrativos rege-se pela presente lei, pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, supletivamente, pelo disposto na lei de processo civil (art.º 1º do CPTA).Em princípio, e para atingir a verdade material, todas as provas são admissíveis. 6. O direito à prova surge no nosso ordenamento jurídico com assento constitucional, consagrado no art.º 20º da Lei Fundamental, como componente do direito geral à protecção jurídica e de acesso aos tribunais.
7. Considerado o disposto no art.º 292º do CPC a admissibilidade das provas em quaisquer incidentes inseridos na tramitação de uma causa apenas conhece os limites expressamente estabelecidos no art.º 294º do mesmo Código.
8. A decisão recorrida determinou que a única prova admissível dos factos alegados é de natureza documental, sem que contudo tenha indicado nenhuma norma ou princípio jurídico que o justificasse.
9. As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido têm que ser fundamentadas (art.º 154º, nº 1 do CPC) e tal fundamentação reveste-se da dupla dimensão de ter de o ser de facto e de direito, desde logo porque é ao princípio da legalidade que estão subordinadas todas as decisões judiciais.
10. A falta de especificação dos fundamentos de direito da decisão determina sua nulidade (art.º 615º, nº 1, al. b) do CPC), invalidade processual que expressamente se invoca.
11. Independentemente de tal nulidade, a decisão recorrida violou por erro de interpretação e (não) aplicação o disposto nos artigos 292º e 294º a contrario do CPC, aplicáveis ex vi art.º 1º do CPTA, bem como o direito à prova, consagrado constitucionalmente princípio constitucional enquanto componente do direito geral à protecção jurídica e de acesso aos tribunais a que se refere o artigo 20º da CRP, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que determine a produção da demais prova indicada pela aqui Recorrente isto é, a inquirição da testemunha por si arrolada.
Sem prescindir:
Quanto à escassa e insuficiente alegação e prova apresentada:

■ Primeira questão: nulidade da sentença
12. A decisão recorrida conheceu do mérito da questão incidental suscitada; tal decisão configura uma verdadeira sentença, por ter por objecto, um incidente que, embora processado nos autos, apresenta a estrutura de uma causa (cfr. art.º 152º, nº 2 do CPC).
13. As sentenças têm necessariamente que ser fundamentadas e, na exposição dos fundamentos, deve discriminar os factos que julga provados e não provados analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (art.º 94º, nº 3 do CPTA).
14. A sentença que conheceu do mérito da pretensão incidental deduzida pela aqui Recorrente e a julgou improcedente, não contém a discriminação de quaisquer factos provados e não provados, não contendo portanto a especificação dos fundamentos de facto que a justificam.
15. Tal sentença é nula (art.º 615º, nº 1, al. b) do CPC), invalidade processual que expressamente se invoca.

■ Segunda questão: ainda a nulidade da sentença
16. A sentença recorrida, na sua fundamentação, afirma ao mesmo tempo o seguinte, de forma contraditória,
“Pelo que, não cumprindo a R. (nem as Contra-interessadas) com o seu ónus de alegação e prova da factualidade que invoca(m) em esteio da sua pretensão de levantamento do efeito suspensivo automático, encontra-se o Tribunal impedido de efectuar uma análise concreta e objectiva sobre os prejuízos que alega(m) decorrerem daquele levantamento para o interesse público e demais interesses envolvidos (nomeadamente das Contra-interessadas, adjudicatárias, cada uma, de dois dos quatro lotes concursados).”
E:
Ora, nada disto vem demonstrado ou sequer invocado nos presentes autos. O que tem por consequência a impossibilidade de o Tribunal concluir se a delonga decorrente da tramitação do presente processo e o atraso que dela decorre para a execução do contrato concursado terá as invocadas consequências ao nível do financiamento comunitário que a R. alega.
E:
Com efeito, atendendo ao alegado pela R. e pelas Contra-interessadas, conclui o Tribunal que as invocadas consequências para o interesse público não são imperiosas nem gravemente prejudiciais.
17. Ou seja, o tribunal a quo conclui que não pode concluir e conclui que afinal pode mesmo concluir, dizendo que dizer que os factos alegados não lhe permitem conhecer do mérito e contraditoriamente dizendo o contrário e decidindo mesmo do mérito da pretensão eivando-a de ambiguidade e obscuridade;
18. A sentença é também por isso nula (art.º 615º, nº 1, al. c) do CPC), porque viciada por contradição entre os fundamentos e a decisão e por contradição intrínseca à própria fundamentação, que lhe confere ambiguidade e obscuridade que a tronam, nessa medida, ininteligível.

■ Terceira questão: a suficiência dos factos alegados e da prova produzida
19. A Autora, aqui recorrida, na Petição Inicial, não alegou que para si adviesse algum prejuízo caso fosse proferida decisão de levantamento do efeito suspensivo automático, em conformidade com o disposto no artigo 103º-A, nºs 2 e 4 do CPTA.
20. Pelo seu lado, a aqui Recorrente alegou com constitutivos da sua causa de pedir, os factos acima transcritos, constantes dos artigos 50º a 81º da sua Contestação.
21. Se o concurso visa a concretização das operações de cadastro de infraestruturas existentes nos sistemas em baixa de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais dos concelhos de Alijó, Armamar, Freixo de Espada à Cinta, Mesão Frio, Moimenta da Beira, Murça, Penedono, Peso da Régua, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião, São João da Pesqueira, Sernancelhe, Tabuaço, Tarouca e Torre de Moncorvo ao abrigo da operação POSEUR-03-2012-FC-000106 [Elaboração do cadastro das infra-estruturas de água e saneamento em baixa no Douro] do Programa Operacional da Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos, a fim de permitir que tais Municípios atinjam o "Índice de conhecimento infraestrutural e gestão patrimonial" igual ou superior a 40, que é condição necessária para que qualquer dos 15 municípios que fazem parte desta operação possa apresentar candidaturas ao POSEUR para operações relacionadas com o ciclo urbano da água (abastecimento de água e/ou drenagem de águas residuais), dado o requisito de elegibilidade imposto pela alínea b) do nº 1 do artigo 98.º do Regulamento Específico do POSEUR, os factos alegados, supra transcritos, que na sua essência decorrem do próprio concurso e da regulamentação publicada em Portaria, constitui concretização suficiente dos factos necessários para se poder avaliar da natureza ou dimensão do risco de prejuízo e do prejuízo que a não colocação em marcha do procedimento pré-contratual determina de forma necessária.
22. E o facto de este concurso interessar quinze municípios e de ter o valor total de 3.284 874,35€, permite, em si mesmo, ponderar o prejuízo relativo dos interesses em jogo, especialmente quando a Autora, aqui Recorrida, não invocou que para si decorresse algum prejuízo.
23. Os factos alegados pela Recorrente que se devem ter por provados são suficientes, mesmo sem a produção da prova testemunhal arrolada, para que se julguem verificados todos os pressupostos de que depende a possibilidade de levantamento do efeito suspensivo dado que conduzem a que, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultarão da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.
24. A decisão recorrida violou, pois, por ostensivo erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 103º-A, nº 4 e 120º, nº 2 do CPTA, devendo ser revogada e substituída por outra que determine tal levantamento.
JUSTIÇA

A Autora contra-alegou, sem conclusões, finalizando:
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso e confirmado o despacho recorrido,
Como é de Direito e de Justiça!

O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
Está posto em causa o despacho com este discurso jurídico fundamentador, na parte que ora releva:
“Nas contestações que apresentaram em juízo, a R. e as Contra-interessadas requereram o levantamento do efeito suspensivo automático respeitante ao acto adjudicatório, nos termos previstos no art. 103º-A do CPTA.
Examinado, no seu conjunto, o teor daqueles pedidos, constata-se que o fundamento convocado em esteio da pretensão que agora se aprecia se reconduz à necessidade de assegurar o financiamento comunitário da operação em que se encontra integrada a prestação de serviços concursada.
Com efeito, alegam que o concurso ora em apreço está inserido no âmbito da candidatura efectuada pela R. ao «POSEUR – Programa Operacional de Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos» (em diante apenas designado por «POSEUR») para execução do cadastro das infra-estruturas existentes nos sistemas em baixa de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais dos concelhos de Alijó, Armamar, Freixo de Espada à Cinta, Mesão Frio, Moimenta da Beira, Murça, Penedono, Peso da Régua, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião, São João da Pesqueira, Sernancelhe, Tabuaço, Tarouca e Torre de Moncorvo – operação «POSEUR-03-2012-FC-000106», regulada nos termos da Portaria n.º 57-B/2015, de 27 de Fevereiro. Sendo que, a execução do cadastro daquelas infra-estruturas visa permitir àqueles quinze Municípios que integram a R. atingir um índice de conhecimento infra-estrutural e gestão patrimonial igual ou superior a 40 pontos, o que constitui condição necessária e incontornável para a apresentação de quaisquer candidaturas ao «POSEUR» para operações relacionadas com o ciclo urbano da água (abastecimento de água e/ou drenagem de águas residuais).
Mais referem que a candidatura efectuada pela R. ao «POSEUR», na qual se integra o procedimento concursal em apreço nestes autos, tem um valor total de EUR 3.284.874,35, dos quais EUR 2.675.250,00 correspondem à dotação para a elaboração do cadastro, EUR 307.500,00 para a aquisição de ortofotomapas, EUR 209.997,35 para a aquisição de aplicações de gestão da informação levantada e EUR 92.127,00 para fiscalização, coordenação de segurança e assistência técnica ao concurso do cadastro.
Referem também que a R. já recebeu sucessivos alertas (em 05/01/2017, 12/04/2017, 16/05/2017, 31/08/2017 e 11/09/2017) por parte da Autoridade de Gestão do programa em causa para o necessário cumprimento de prazos de execução e que, presentemente, a execução financeira do programa encontra-se abaixo do previsto.
Em suma, sustentam que a não concretização das operações de cadastro implica, por um lado, o atraso da execução financeira do programa, decorrente da impossibilidade de apresentação de outros pedidos de pagamento, uma vez que as restantes despesas contempladas na candidatura (as já referidas aquisições de ortofotos, aplicações de gestão da informação e serviços de assistência técnica) dependem da execução dos trabalhos de cadastro; por outro, a manutenção dos Municípios em causa num índice de conhecimento infra-estrutural e gestão patrimonial inferior a 40, inviabilizando, assim, que qualquer dos 15 Municípios possa apresentar candidaturas ao «POSEUR» para operações relacionadas com o ciclo urbano da água; e, por outro lado ainda, a redução ou cancelamento do financiamento comunitário aprovado para a operação em causa.
Concluindo, desta forma, que os prejuízos financeiros directos para os Municípios que a R. representa, tendo em conta a dimensão dos projectos em causa e do valor do financiamento comunitário a eles inerente, serão muito elevados, causando graves prejuízos para o interesse público e tornando mesmo inexequíveis aqueles projectos, o que redundará numa afectação das populações beneficiárias das acções relacionadas com o ciclo urbano de água.

*
Notificada a A. daqueles pedidos de levantamento do efeito suspensivo do acto de adjudicação impugnado nestes autos de contencioso pré-contratual, a mesma apresentou, em 10/10/2017, a sua resposta, pugnando pela manutenção daquele efeito.
Argumenta, por um lado, que a R. não logra provar que os interesses susceptíveis de serem lesados com a manutenção do efeito suspensivo são superiores aos interesses que podem resultar do levantamento desse efeito e, por outro, que os prejuízos alegados pela R., por genéricos e meramente eventuais, não são demonstrativos de que a gravidade da sua paralisação é superior à gravidade que decorre do risco de a A. ser a adjudicatária.
Com efeito, refere que a alegação trazida aos autos pelas Contra-interessadas não concretiza quais os factos susceptíveis de demonstrar qualquer prejuízo grave decorrente do período de tempo necessário ao julgamento da presente acção.
E, relativamente aos fundamentos convocados pela R., aduz que as aquisições de ortofotomapas, de aplicações de gestão da informação e de serviços de assistência técnica não carecem de ser efectuadas apenas após a realização do cadastro e que o atraso na apresentação de pedidos de pagamento contemplando a despesas previstas na candidatura não tem por consequência directa e imediata o cancelamento do financiamento.
Conclui referindo que a execução material do contrato é susceptível de conduzir à impossibilidade absoluta de vir a celebrar o contrato com a R. em caso de procedência do pedido, o que, por si só, traduz um grave prejuízo para si, determinante da manutenção do efeito suspensivo automático do acto de adjudicação, pois as suas receitas são, na grande maioria, obtidas através da celebração de contratos públicos e, no concurso em apreço, está em causa uma perda de receita de EUR 1.044.329,44, podendo gerar acrescidas dificuldades de tesouraria e de incumprimento de obrigações salariais, e até mesmo ao despedimento de pessoal. Invoca, assim, uma situação de facto consumado altamente lesiva para si, geradora de prejuízos de muito difícil reparação, caso venha a ser decretado o levantamento do efeito suspensivo.
*
Vistas as posições das partes, chega o momento de apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 103º-A do CPTA “a impugnação de actos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do acto impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado”, acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito que, “no caso previsto no número anterior, a entidade demandada e os contra-interessados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no n.º 2 do artigo 120º”.
Por seu turno, o n.º 4 daquele artigo determina que “o efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento”.
Do exposto resulta que o levantamento do efeito suspensivo automático depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) alegação e prova de grave prejuízo para o interesse público ou de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos;
b) ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade.
Quanto ao requisito enunciado sob a alínea a), cumpre esclarecer que, face ao estatuído no art.º 103º-A, n.º 2, do CPTA, acima transcrito, conjugado com o art.º 342º, n.º 1, do Código Civil (CC), recai sobre o réu o ónus de alegar e provar que o diferimento da execução do contrato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, ou seja, que os interesses susceptíveis de serem lesados com a manutenção do efeito suspensivo são superiores aos interesses que podem ser lesados com o levantamento desse efeito [neste sentido, veja-se, na jurisprudência, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14/07/2016 (proc. n.º 13444/16); e, na doutrina, RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, A tutela “cautelar” ou provisória associada à impugnação da adjudicação de contratos públicos, CJA, n.º 115, pág. 24].
Não basta, portanto, como referiu já o Tribunal Central Administrativo Sul, em Acórdão proferido em 24/11/2016 (proc. n.º 13747/16), a existência de mera prejudicialidade para o interesse público, nem a existência de apenas consequências lesivas desproporcionadas, na medida em que o legislador terá, ele mesmo, necessariamente ponderado a possibilidade da existência de um prejuízo desse tipo (não qualificado) e não o afastou do alcance do efeito suspensivo.
No que tange ao requisito constante da alínea b), e face ao disposto no art. 103º-A n.os 2, in fine, e 4 do CPTA, pode-se concluir que, como explica RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA [ob. cit., pp. 23 e 24], “A ideia do legislador parece, portanto, como decorre da parte final do preceito, fazer depender a manutenção ou levantamento do efeito suspensivo de um juízo de ponderação de interesses ou, talvez mais correctamente, de um juízo de ponderação de danos, colocando-se num prato da balança os danos ou prejuízos causados com a manutenção do efeito suspensivo (normalmente, mas não necessariamente, correspondentes a danos causados aos interesses do lado da entidade demandada e/ou do adjudicatário) e no outro os danos ou prejuízos causados com o levantamento do efeito suspensivo (normalmente, mas não necessariamente, correspondentes a danos causados à esfera de interesses do demandante), sendo que só deverá decidir-se neste último sentido, levantando-se o efeito suspensivo, quando aqueles primeiros (danos com a manutenção) forem superiores, no contexto global do caso concreto, aos segundos (danos com o levantamento).” [sentido seguido já pelo referido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul 14/07/2016 (proc. n.º 13444/16)].
Em síntese, e como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, “ao exigir um grave prejuízo para o interesse público ou uma clara desproporção das consequências lesivas para outros interesses envolvidos (aqui se incluindo os interesses do adjudicatário), o preceito faz depender o levantamento do efeito suspensivo automático do preenchimento de pressupostos exigentes, no que diz respeito aos danos que podem resultar da manutenção do efeito suspensivo: a regra é o efeito suspensivo automático, que só deve ser levantado em circunstâncias particularmente exigentes”, sublinhando e reforçando a ideia de que “o juiz só pode levantar o efeito suspensivo quando, na comparação do peso relativo dos interesses em presença, conclua que os danos dele decorrentes para o interesse público ou para os interesses dos contrainteressados seriam consideravelmente superiores àqueles que podem advir para o impugnante da celebração e execução do contrato, não sendo, assim, suficiente que o tribunal verifique que os danos que, para os interesses contrapostos aos do impugnante, resultariam da manutenção do efeito suspensivo sejam apenas superiores àqueles que, para o impugnante, podem resultar do seu levantamento” [Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª edição, Almedina, 2017, pp. 843 a 844 (anotação 4. ao art.º 103º-A)].
Feito o enquadramento, vejamos, em concreto, o caso dos autos.
Ponderada a argumentação esgrimida por ambas as partes, verifica-se que a questão crucial a sopesar consubstancia-se no impacto que a inexecução do serviço posto a concurso pela R., e que tem por objecto a “elaboração do cadastro das infraestruturas existentes nos sistemas em baixa de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais dos concelhos de Alijó, Armamar, Freixo de Espada à Cinta, Mesão Frio, Moimenta da Beira, Murça, Penedono, Peso da Régua, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião, São João da Pesqueira, Sernancelhe, Tabuaço, Tarouca e Torre de Moncorvo”, terá no co-financiamento comunitário solicitado pela R. no âmbito do «POSEUR», no qual se encontra inserido o serviço concursado.
Comece por referir-se que, contrariamente ao defendido pela R., não tem o Tribunal como notória e inequívoca a gravidade do prejuízo para o interesse público da falta de execução do serviço concursado.
Com efeito, não vem minimamente densificada nos pedidos de levantamento do efeito suspensivo formulados por três intervenientes processuais (pela R. e pelas duas Contra-interessadas) a necessidade imperiosa de executar o contrato concursado, senão apenas apontando alertas enviados pela Autoridade de Gestão do «POSEUR».
Esmiuçados os termos da invocação da prevalência do interesse público feito pela R. – pois que foi a única que se dedicou a uma densificação da sua alegação, ao passo que as Contra-interessadas se ficaram por meras alegações abstractas, totalmente destituídas de uma verdadeira concretização factual da prejudicialidade da manutenção do efeito suspensivo, considerando, desde logo, que era sobre elas que impendia o ónus, não só de alegação, mas também de prova desses factos [cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14/07/2016 (proc. n.º 13444/16)] –, resulta que não vem provado, ou sequer invocado, o prazo de execução do programa em que se encontra integrado o serviço concursado, quais os limites temporais a que se encontra limitada a R. na execução da sua candidatura formulada ao «POSEUR», em que data assinou o termo de aceitação (porquanto é a data que marca o início da execução da operação) e quais as condicionantes do apoio comunitário abrangido pela operação «POSEUR-03-2012-FC-000106».
Ora, nada disto vem demonstrado ou sequer invocado nos presentes autos. O que tem por consequência a impossibilidade de o Tribunal concluir se a delonga decorrente da tramitação do presente processo e o atraso que dela decorre para a execução do contrato concursado terá as invocadas consequências ao nível do financiamento comunitário que a R. alega.
Ademais, pese embora dos autos resulte, efectivamente, que o R. candidatou-se à operação «POSEUR-03-2012-FC-000106» [cf. documento n.º 01 junto aos autos pelo R. com a contestação], facto que nem sequer vem contestado pela A., a verdade é que dos autos não resultam, como deveria, os termos concretos dessa operação, quer relativamente ao seu financiamento, quer em termos de execução da mesma.
Com efeito, os únicos elementos carreados para os autos pela R. relativamente à operação que, na sua alegação, constitui o fundamento central da grave prejudicialidade para o interesse público do levantamento do efeito suspensivo, são meras comunicações da Autoridade de Gestão do «POSEUR» para a R. com alertas para o cumprimento de prazos [cf. documentos n.os 02, 04, 05 e 06 juntos aos autos com a contestação]. Todavia, de tais comunicações não é perceptível, nem é dedutível, qualquer elemento relativo ao cronograma de execução da operação de financiamento comunitário donde o Tribunal possa inferir que o contrato concursado e ora sub specie carece de execução imediata e que, caso tal não aconteça, as consequências para a R. e para o interesse público serão precisamente aquelas que invoca.
Concretizando o que vem de ser referido, das comunicações enviadas pela Autoridade de Gestão do «POSEUR» para a R., e que integram os já referidos documentos n.os 02, 04, 05 e 06 juntos por esta com a sua contestação, apenas se retira de relevante a referência feita pela Autoridade de Gestão com o seguinte teor: “No caso das entidades que eventualmente não cumpram com o envio desta previsão atual e com base em dados reais, no prazo fixado, ficam vinculadas perante a Autoridade de Gestão do POSEUR à execução, em 2017 e 2018, da totalidade da previsão a 31-dez-2017 e a 31-dez-2018 que apresentaram nas suas candidaturas sem qualquer actualização, sendo penalizadas no final de cada um dos anos pelos desvios que se vierem a verificar entre o executado e as previsões constantes da candidatura submetida, nos termos anteriormente mencionados”.
Dos autos resulta ainda que a R., em resposta à primeira daquelas comunicações de alerta enviadas pela Autoridade de Gestão, e mais concretamente face ao acima transcrito, enviou a esta entidade um mapa de previsão de execução da operação, referente aos anos de 2017 e 2018, aludindo aos pedidos de pagamento que iria apresentar em cada período de pagamento. Porém, analisado aquele mapa, é imperceptível a que se refere cada pedido de pagamento: se à execução do contrato concursado, destinado à elaboração do cadastro das infra-estruturas existentes nos sistemas em baixa de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais dos concelhos que integram a R., se à aquisição de ortofotomapas, se à aquisição de aplicações de gestão da informação ou se à aquisição de serviços de assistência técnica, e qual a imputação desses pagamentos a cada um desses encargos.
Acresce a isto que a R. alega, mas não concretiza, por que razão é que aquelas aquisições que tem previstas no âmbito da operação co-financiada estão dependentes da prévia execução dos trabalhos de elaboração do cadastro das infra-estruturas e não poderão ser executadas, senão prévia, pelo menos concomitantemente com aquela.
É que, mais uma vez se refere, os termos da execução da operação «POSEUR-03-2012-FC-000106» não estão cabalmente descritos nos autos e, muito menos, provados. Repare-se que é desconhecido nestes autos qual o prazo máximo de execução da operação co-financiada, o que relevaria sobejamente para a análise a efectuar, pois as consequências para a R. e para o interesse público que defende são totalmente díspares consoante o fim esteja próximo ou não, com a inerente perda ou redução de co-financiamento. Além do que, são também desconhecidos os termos de financiamento e de execução daquela operação.
Desnecessário é referir que, pretendendo o levantamento do efeito suspensivo automático do acto adjudicatório, cabia à R. e às Contra-interessadas, além da devida concretização factual, ao nível da alegação, do circunstancialismo subjacente ao concurso em apreço e à operação de co-financiamento comunitário a ele associada e das consequências lesivas para o interesse público e para os interesses das próprias Contra-interessadas da manutenção daquele efeito, a devida e inevitável concretização factual, ao nível probatório, no sentido de dotar os autos do devido acervo documental necessário à prova do que – embora parcamente – alegam. Sublinhe-se que a prova a produzir seria sempre necessariamente documental.
Pelo que, não cumprindo a R. (nem as Contra-interessadas) com o seu ónus de alegação e prova da factualidade que invoca(m) em esteio da sua pretensão de levantamento do efeito suspensivo automático, encontra-se o Tribunal impedido de efectuar uma análise concreta e objectiva sobre os prejuízos que alega(m) decorrerem daquele levantamento para o interesse público e demais interesses envolvidos (nomeadamente das Contra-interessadas, adjudicatárias, cada uma, de dois dos quatro lotes concursados).
Por conseguinte, face à escassa e insuficiente alegação e prova apresentada, não conclui o Tribunal que seja imperiosa a necessidade da R. de recolocar em marcha o procedimento pré-contratual, celebrando o respectivo contrato, por forma a que as adjudicatárias possam iniciar os serviços contratados para assegurar os prazos de execução com que se terá vinculado no âmbito do «POSEUR».
Repare-se que, como expressamente definiu o legislador, para que seja levantado o efeito suspensivo automático necessário é que o diferimento da execução do acto seja gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (cf. 103º-A, n.º 2 do CPTA).
E, como bem referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, “para a obtenção do levantamento do efeito suspensivo, não é suficiente a invocação abstrata pelos requerentes de prejuízos genéricos, sendo antes exigível a demonstração em concreto dos danos que a manutenção do efeito suspensivo acarreta para o interesse público ou os interesses privados relacionados com a adjudicação, para o que haverá que atender à natureza do contrato que é objeto do procedimento pré-contratual, à sua efetiva importância para a satisfação de necessidades coletivas, ao período de tempo que previsivelmente decorrerá até ao julgamento da ação e, se for caso disso, à situação em que se encontra a execução do contrato e as prestações e investimentos já realizados.” [ob. cit., pág. 845 (anotação 4. ao art.º 103º-A)].
Ora, se como já se deixou referido não vem provada, ou sequer concreta e circunstanciadamente alegada, a grave prejudicialidade para o interesse público do diferimento da execução do acto de adjudicação, e nem a natureza do contrato em causa e o facto de poder estar inserido no âmbito de uma candidatura destinada à obtenção de fundos comunitários para o seu co-financiamento, por si só, permite extrair a conclusão de que a manutenção do efeito suspensivo venha a prejudicar gravemente o interesse público.
Com efeito, atendendo ao alegado pela R. e pelas Contra-interessadas, conclui o Tribunal que as invocadas consequências para o interesse público não são imperiosas nem gravemente prejudiciais. Atenta a prova carreada para os autos, as consequências que se apuram são consequências normais da inexecução imediata do acto adjudicatório e, consequentemente, do contrato, que não são susceptíveis de comprometer de modo grave e excepcionalmente relevante, o interesse público.
Além disso, importa referir que eventuais consequências ao nível da tramitação do procedimento tendente à celebração de contrato e a respectiva execução, por si só, desamparadas de uma concreta e circunstanciada alegação e prova relativa à sua gravidade e prejudicialidade, não são, neste caso, atendíveis, porquanto se reconduzirão a consequências naturais da suspensão e que o legislador – quer o nacional, quer o da União – obviamente equacionou quando traçou o regime da suspensão ope legis.
Assim, recaindo sobre a R. e as Contra-interessadas o ónus de alegar e provar a existência de um grave prejuízo para o interesse público, a falta de uma alegação concreta e circunstanciada, mas essencialmente de prova desse requisito resolve-se contra si, nos termos do disposto no art.º 342º, n.º 1 do CC, o que implica o indeferimento do presente incidente deduzido ao abrigo do art.º 103º-A do CPTA, pois a falta de prova desse requisito inviabiliza a possibilidade de realização da ponderação de interesses, prevista nos n.os 2 e 4 desse art.º 103º-A, porquanto, sendo esses requisitos de verificação cumulativa, a falta de preenchimento de qualquer deles resolve-se de acordo com as regras gerais do ónus da prova [neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24/11/2016 (proc. n.º 13747/16)].
Em suma, nos presentes autos o Tribunal não se depara com uma situação de prejuízos graves, sérios e impeditivos de modo excepcional da prossecução do interesse público em presença, mas apenas de inconvenientes ou meros prejuízos decorrentes da suspensão imediata e automática dos efeitos derivados da impugnação judicial efectuada e que a esta são (naturalmente) inerentes.
*
Ponderando todo o exposto, indefiro o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, em conformidade com o disposto no art. 103º-A, n.os 2 e 4 do CPTA.” (sublinhados nossos).
X
Vejamos:
Da alegada nulidade por omissão de despacho de aperfeiçoamento
Inconformada com a constatação da insuficiência dos factos que alegou no seu requerimento inicial para preencher os exigentes requisitos previstos na lei para o levantamento do efeito suspensivo automático do acto de adjudicação decorrente da instauração da acção a Recorrente vem dizer que o Tribunal a quo incorreu em nulidade ao omitir um prévio, e supostamente imposto pelo artº 590º/4 do CPC, despacho a convidá-la a alegar os factos que omitira no seu articulado.
Ora, tal como a Recorrente reconhece, esta questão foi objecto de requerimento de arguição de nulidade processual, nos termos do artº 195º do CPC ex vi artº 1º do CPTA.
Sucede que tal requerimento foi desentranhado por ter sido apresentado fora do prazo, o que significa que relativamente à suposta nulidade decorrente da omissão de despacho de aperfeiçoamento se formou caso julgado formal.
Estando a questão transitada, não pode, naturalmente, ser objecto de reapreciação em sede de recurso jurisdicional, que, por natureza, serve a reapreciação de decisões e não o julgamento de nulidades processuais por omissão de acto processual alegadamente imposto por lei.
Os recursos jurisdicionais visam a reapreciação de decisões de tribunais de grau hierárquico inferior, tendo em vista a sua alteração ou anulação por erro de facto ou de direito das mesmas, não sendo admissível no recurso o conhecimento de questões que não foram colocadas nem apreciadas na decisão recorrida e que não são de conhecimento oficioso - Acórdão do STA de 26/09/2012 no proc. 0708/12.
Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado - Acórdão do STA de 13/11/2013/proc. 01460/13.
Em todo o caso, ainda que assim não se entendesse, é evidente que a decisão recorrida não padece de qualquer nulidade emergente da omissão de despacho de aperfeiçoamento prévio nos termos do artº 590º/4 do CPC.
Desde logo, como é evidente o artº 590º do CPC e em especial o seu nº 4, pensado e concebido para o processo civil declarativo e integrado no CPC, não é aplicável aos autos, como bem observa a Recorrida.
A tramitação processual aplicável é a prevista no artº 102º-A do CPTA, complementada pela aplicação subsidiária, por efeito do artº 1º daquele código, das normas previstas nos artºs 292º a 295º do CPC, que configuram as disposições gerais de regulação dos incidentes da instância.
Ademais, estamos no âmbito de um incidente processual, com prazos de resposta e decisão curtíssimos, enxertado num processo já de si urgente, por expressa determinação legal (artº 36º/1/al. b) do CPTA). Isto é, estamos em sede de um incidente processual que se poderia mesmo qualificar como urgentíssimo, já que pressupõe uma tramitação e decisão ainda mais rápidas do que as do processo principal de contencioso pré-contratual, já de si urgente, em que está enxertado.
Assim, num incidente com estas características, manifestamente não cabe o despacho previsto no artº 590º/4 do CPC, devendo, naturalmente, as partes, conhecendo a sua natureza urgentíssima, ter particular cuidado na preparação, elaboração e instrução dos seus articulados.
Mas, ainda que assim não fosse, a verdade é que o despacho de aperfeiçoamento previsto naquela norma deve ser proferido apenas nas situações em que o Tribunal constate que no articulado se encontram alegados os factos essenciais, mas que a forma como foram expostos em termos de linguagem, revela insuficiências ou imprecisões passíveis de suprimento.
“A falta que se detecta situa-se ao nível da exposição dos factos, que se apresenta nebulosa. A exposição da matéria de facto é insuficiente (é deficiente) ou não é devidamente clara (é imprecisa). Há necessidade de aperfeiçoar a exposição da matéria de facto, ou de acrescentar outros elementos de facto, por forma a que se compreenda devidamente a causa de pedir e o pedido (na petição inicial) ou a defesa (na contestação).
Existe imprecisão na exposição da matéria de facto sempre que esta não é suficientemente inteligível, é incoerente ou é ambígua.” - vide Jorge Augusto Pais do Amaral em Direito Processual Civil, 12ª edição, Coimbra, Almedina, 2016, págs. 270/271.
Este despacho não pode, assim, servir para convidar as partes que incumpriram ónus processuais de alegação de factos, mas apenas para melhorarem a exposição dos factos já alegados.
Se assim não fosse, teríamos o Tribunal a substituir-se a uma das partes no cumprimento dos deveres que a lei lhe impõe, violando o princípio da igualdade das partes e da equidistância, a que está legal e constitucionalmente obrigado.
No caso concreto o Tribunal a quo constatou que os factos alegados se mostram insuficientes, em face do ónus de alegação imposto ao requerente pelo disposto no artº 103º-A/2 e 4 do CPTA. Ou seja, o Tribunal considerou que do requerimento não constavam factos suficientes para permitir concluir que “o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”- veja-se a parte por nós assinalada no despacho sob escrutínio.
Não foi, pois, um problema de insuficiência na exposição ou concretização dos factos no requerimento inicial, mas simplesmente da falta de alegação de factos aptos a convencer o Tribunal do preenchimento daquele exigente requisito legal.
Na verdade, no incidente processual de levantamento do efeito suspensivo da impugnação do acto de adjudicação previsto no artº 103º-A do CPTA o legislador faz incidir um ónus de alegação de factos aptos a demonstrar que “o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”.
O incumprimento desse ónus, como bem advoga a Recorrida, tem por consequência necessária a improcedência do incidente e não a prolação de qualquer despacho pelo Tribunal, convidando o requerente a articular mais e melhores factos que possam preencher os exigentes requisitos legais previstos para o levantamento do efeito suspensivo.
Neste sentido decidimos em 23/09/2016, no proc. 00166/16.8BEPRT-A, cujo sumário é do seguinte teor: I-Tendo presente que, nos termos do artigo 103º-A do CPTA, o efeito suspensivo automático só pode ser afastado se se demonstrar que tal é gravemente prejudicial para o interesse público ou que os danos que resultariam da sua suspensão seriam claramente superiores àqueles que resultariam do seu levantamento, a circunstância de não resultar provado nenhum dano decorrente da manutenção desse efeito suspensivo é suficiente para, sem necessidade de mais ponderação, se indeferir o pedido apresentado pela Recorrente.
A ideia subjacente às alegações da Recorrente levaria os Tribunais, em violação dos princípios processuais mais elementares, a intervir em favor das partes que incumprissem os ónus de alegação que lhes são impostos por lei.
Da alegada nulidade e erro de julgamento da (suposta) decisão relativa aos meios de prova admissíveis -
A Recorrente refere na sua alegação que a decisão recorrida decidiu que o único meio de prova admissível no incidente de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artº 103º-A/2 do CPTA é a prova documental, o que é motivo de nulidade, por falta de fundamentação e erro de julgamento, por violação dos artºs 292º a 294º do CPTA.
Ora, basta atentar no conteúdo da decisão recorrida para se verificar que em nenhum momento o Tribunal a quo refere qualquer restrição dos meios de prova à (prova) documental.
Com efeito, o que ali se refere, é que o requerimento da Recorrente está eivado de considerações genéricas e vagas que se podem reconduzir à questão do financiamento comunitário obtido para a execução do projecto subjacente ao contrato em causa nos autos. E que relativamente a tal questão não vem sequer alegado e muito menos provado o prazo de execução do programa de financiamento comunitário, os limites temporais da execução da candidatura, as respectivas condicionantes, nem a data de assinatura do termo de aceitação.
Assim, contrariamente ao alegado, do despacho recorrido não resulta qualquer juízo limitativo em termos de meios de prova de factualidade alegada, mas sim um juízo de insuficiência manifesta da factualidade invocada.
Desatende-se, pois, a arguida nulidade por falta de enunciação dos fundamentos, bem como a imputação de erro de julgamento por violação das disposições relativas aos meios de prova admissíveis.
Da alegada nulidade por ausência da especificação dos factos relevantes provados e não provados -
Também no que concerne a esta temática carece a Recorrente de razão.
Na verdade, como atrás se disse, o Tribunal a quo considerou, e quanto a nós bem, que o requerimento inicial da Recorrente se revelava manifestamente insuficiente em termos de alegação da factualidade necessária à demonstração dos rigorosos requisitos previstos no artº 103º-A do CPTA para o levantamento do efeito suspensivo automático decorrente ope legis da instauração da acção.
Ora, se o requerimento da Requerente não cumpria o ónus de alegação decorrente da lei, não contendo factos concretos (que não meros juízos conclusivos ou enunciados vagos), passíveis de demonstrar o preenchimento dos requisitos contidos nas disposições conjugadas dos nºs 2 e 4 do artº 103º-A do CPTA, é lógico que não podiam figurar no texto da decisão; de todo o modo, o por nós sublinhado no corpo do despacho sob censura atesta o suporte da decisão e respectivo enquadramento jurídico.
De todo o modo, repete-se, não tendo sido alegados factos concretos relevantes para a decisão, em face do critério ponderativo previsto nas referidas normas, não poderia o despacho recorrido elencar quaisquer factos relevantes provados e não provados.
Esse elenco deve constar, é certo, das decisões (embora seja duvidosa a necessidade de elencar de forma separada em incidentes urgentíssimos desta natureza), mas pressupõe que o Autor haja, num primeiro momento, alegado factos (concretos) relevantes cuja prova é depois objecto de análise crítica, como bem se aduz nas contra-alegações.
Da alegada nulidade por contradição intrínseca da fundamentação
Não se aceita, minimamente, tal argumentação.
Com efeito, lendo e analisando o conteúdo do despacho acima transcrito, facilmente se conclui que nenhuma contradição ocorre.
Este seguiu a linha da Jurisprudência unânime que se vem formando nos Tribunais superiores qual seja a de considerar que resulta das disposições conjugadas dos nºs 2 e 4 do artº 103º-A do CPTA um ónus de alegação de factos concretos que permitam demonstrar cabalmente que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos. E isto ao ponto de, em sede da ponderação de interesses determinada pelos nºs 2 e 4 do preceito visado, se poder concluir que os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostram superiores aos que podem resultar do seu levantamento.
Perante o juízo, aliás acertado, de insuficiência do requerimento inicial e de incumprimento do ónus de alegação, o Tribunal a quo decidiu pela improcedência do incidente, porquanto ficou por demonstrar que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos e que os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostram superiores aos que podem resultar do seu levantamento.
O que é a decisão óbvia e legalmente admissível nestas situações; quando a decisão refere que a incipiência da alegação factual da Recorrente impede o Tribunal de efectuar uma análise concreta sobre os prejuízos, fá-lo para explicar que o juízo ponderativo necessário ao levantamento do efeito suspensivo carecia de alegação concreta e suficiente.
Improcede, pois, este segmento do recurso.
Do erro de julgamento quanto à suficiência dos factos alegados e provados para o deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático
Neste particular, a aqui Recorrente imputa ao despacho recorrido um erro de julgamento alegando que, contrariamente ao que dele consta, os factos trazidos ao requerimento seriam, afinal, suficientes e bastantes para demonstrar os requisitos legais necessários ao levantamento do efeito suspensivo automático.
Avança-se, já, que carece de razão.
Nesta matéria, mostra-se imprescindível proceder à interpretação e enquadramento dos pressupostos legais fixados no artº 103º-A do CPTA.
É este o preceito:
“Artigo 103.º-A
Efeito suspensivo automático
1-A impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.
2-No caso previsto no número anterior, a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no nº 2 do artigo 120.º
3-No caso previsto no número anterior, o demandante dispõe do prazo de sete dias para responder, findo o que o juiz decide no prazo máximo de 10 dias, contado da data da última pronúncia apresentada ou do termo do prazo para a sua apresentação.
4-O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento.”
A utilização das expressões “gravemente prejudicial para o interesse público” e “gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos” aponta manifestamente para a excepcionalidade do levamento do efeito suspensivo.
Parece evidente que o legislador pretendeu que o desvio à regra geral da suspensão dos efeitos do acto de adjudicação impugnado apenas ocorra quando a entidade demandada ou os contra-interessados aportem ao processo factos concretos que permitam demonstrar cabalmente que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
E isto ao ponto de, em sede da ponderação de interesses determinada pelos nºs 2 e 4 do preceito em questão, se poder concluir que os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostram superiores aos que podem advir do seu levantamento.
Trata-se, portanto, de um critério mais exigente que a simples ponderação de danos, como indiscutivelmente resulta do disposto no nº 2 do artº 103º-B.
Neste sentido, ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha:
“Ora, se como se infere do mesmo nº 2, o levantamento do efeito suspensivo só pode ser concedido na condição de que “o diferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”, o juiz só pode levantar o efeito suspensivo quando, na comparação do peso relativo dos interesses em presença, conclua que os danos dele decorrentes para o interesse público ou para os interesses dos contrainteressados seria consideravelmente superiores àqueles que podem advir para o impugnante da celebração e execução do contrato, não sendo, assim, suficiente que o tribunal verifique que os danos que, para os interesses contrapostos aos do impugnante, resultariam da manutenção do efeito suspensivo sejam apenas superiores àqueles que, para o impugnante, podem resultar do seu levantamento.” (em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 4ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, pág. 844.
É ainda importante recordar que a consagração do efeito suspensivo automático no artº 103º-A do CPTA, há muito reclamado pela Doutrina, decorre da necessidade de transpor, de forma efectiva, para o ordenamento jurídico português a Directiva 2007/66/CE, que veio alterar a Directiva 89/665/CE, usualmente apelidada de Directiva Recursos.
Esse desiderato foi, aliás, manifestado de forma clara e expressa no próprio preâmbulo do DL 214-G/2015, de 2 de outubro, onde se refere:
“O aspeto mais relevante reside, no entanto, no novo artigo 103.º-A, que, no propósito de proceder finalmente à transposição das Diretivas Recursos, associa um efeito suspensivo automático à impugnação dos atos de adjudicação e introduz um regime inovador de adoção de medidas provisórias no âmbito do próprio processo do contencioso pré-contratual.”
Esta intenção do legislador reforça, naturalmente, a excepcionalidade do levantamento do efeito suspensivo, sob pena de total frustração dos ditames impostos pela referida Directiva, que visam evitar a situação de facto consumado e a irreversibilidade decorrente da celebração e execução material do contrato.
Como salienta o Professor Pedro Gonçalves, “…o eixo decisivo de preocupação das directivas reside na eficácia processual, em concreto, na possibilidade efectiva de uma impugnação de actos pré-contratuais antes da celebração ou do início da execução do contrato e de, nesse âmbito, se disponibilizarem meios idóneos e urgentes que impeçam que o contrato se celebre ou que comece a ser executado. O risco essencial que o direito comunitário procura prevenir é o da consolidação de uma situação irreversível decorrente da entrada em execução de um contrato, que inviabilize, de forma definitiva, a realização do interesse substantivo da empresa impugnante. Esta constitui, insiste-se, a preocupação fundamental das directivas-recursos.” (em Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, Cadernos de Justiça Administrativa nº 62, mar./abr. 2007, pág.5).
No mesmo sentido Cláudia Viana adianta: “… a finalidade das “directivas- recursos” é prevenir o “facto consumado” - no caso, o contrato celebrado -, procurando-se evitar, corrigir e sancionar, em tempo útil e oportuno, as decisões ilegais das entidades adjudicantes, sendo que a concessão de uma indemnização constitui uma solução subsidiária e excecional, pois, como sublinha o legislador europeu, os Estados membros devem garantir a aplicação do direito dos contratos públicos “sobretudo numa fase em que as violações podem ainda ser corrigidas” e, por isso, devem instituir processos de “recurso eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível.” (in A interpretação e aplicação do artº 128º do CPTA em conformidade com o direito europeu dos contratos públicos, Cadernos de Justiça Administrativa nº 91, pág. 59).
Ora, perante este entendimento, bem se vê, ao contrário do que a Recorrente sustenta, que o teor do seu requerimento inicial se revela manifestamente insuficiente para fundamentar o levantamento do efeito suspensivo peticionado.
A este propósito, cumpre, desde logo, salientar que a referência às vantagens que a elaboração do cadastro submetido a concurso pode trazer à actividade dos municípios abrangidos não tem qualquer relevância nesta sede. Considerando o princípio da prossecução do interesse público, que constitui, por determinação legal e constitucional, o critério de actuação da Recorrente, não está em causa que a execução de contrato com aquele objecto vai trazer benefícios à actuação dos seus associados, designadamente ao nível da eficiência da gestão das infraestruturas de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais.
O efeito suspensivo que a lei faz decorrer da pendência dos autos, por imposição do Direito Europeu, não põe, de todo, em causa esse desiderato, limitando-se a determinar o protelamento da sua concretização por um curto período de tempo, evitando a política do facto consumado e salvaguardando a legalidade da contratação.
Acresce que, como decidiu, e muito bem, o despacho recorrido, a alegação contida no requerimento inicial mostra-se insuficiente para a conclusão em que se estriba toda a argumentação da Recorrente - escreveu a Recorrida e aqui corrobora-se.
Não estando suficientemente concretizada a factualidade referente à candidatura da Recorrente ao programa de financiamento comunitário, os seus prazos, as suas condicionantes, etc., ficou claramente por demonstrar a conclusão de que a manutenção do efeito suspensivo do acto de adjudicação impugnado é passível de colocar em risco aquele financiamento.
Por outro lado, a suspensão da execução da componente da operação coincidente com o objecto do contrato, decorrente do efeito suspensivo automático previsto no artº 103º-A do CPTA não constitui fundamento para a aplicação de medidas de redução ou revogação do financiamento. Como é evidente, a aplicação de sanções, sejam elas de natureza legal ou contratual, pressupõe o incumprimento de normas ou disposições contratuais imputável à parte inadimplente. Ou seja, só o incumprimento culposo das obrigações do beneficiário poderia determinar a aplicação de quaisquer sanções de redução ou revogação do apoio.
É, assim, inevitável concluir que da manutenção do efeito suspensivo não decorrem quaisquer danos relevantes a ponderar, e, muito menos, suficientes para demonstrar que a manutenção do efeito suspensivo seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
Em suma:
Segundo o artigo 615º do NCPC, ex vi artº 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -….
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b)[ O despacho sob recurso exibe fundamentação de facto e de direito.
Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15-11-2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº1 do CPC).
III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.
IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.]
e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, isto é, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.
Esta nulidade (al. c)) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Já a “omissão de pronúncia” está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por “omissão de pronúncia” verificar-se-á quando exista uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, a “omissão de pronúncia” existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
Logo, não se verifica tal nulidade quando todas as questões que as partes submeteram à apreciação jurisdicional foram objecto de decisão.
-Ainda a propósito da nulidade importa ter em conta que a decisão proferida não pode nem deve ser vista nos moldes tradicionais de uma sentença, constando do seu corpo o elenco da factualidade tida por provada e não provada;
-trata-se de uma decisão, necessariamente expedita, de um despacho e não de uma sentença, embora impondo um dever de fundamentação, que o Tribunal manifestamente cumpriu;
-acresce que como não se podem dar como provados, ou não provados, factos que pura e simplesmente não foram alegados, é óbvio que não tem razão a aqui Recorrente ao imputar ao despacho recorrido nulidade por omitir um segmento com tal teor;
-já quanto à apreciação do mérito da causa o Tribunal a quo norteou-se pela Doutrina e pelo entendimento seguido pela Jurisprudência em casos similares, qual seja, em termos simplistas:
“Há uma questão aqui que se coloca porque no nº 2 se refere que a entidade demandada ou os contra-interessados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.
Ou seja, não é só ser prejudicial, ou, à luz de uma ponderação de interesses prevalecer, aparentemente exige-se que tenha de ser gravemente prejudicial ou com consequências lesivas claramente desproporcionadas, havendo lugar, na decisão, à aplicação do critério previsto no nº 2 do artigo 120º.
E a questão que se coloca é saber se para o levantamento deste efeito suspensivo automático o legislador não pretendeu impor aqui um regime mais exigente. Ou seja, não basta a simples ponderação de interesses, é necessário demonstrar, mais do que a prevalência do interesse público, que seria gravemente prejudicial e que a suspensão teria consequências claramente desproporcionadas. Pode-se suscitar dúvidas porque o nº 4 do mesmo artigo refere: “O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses suscetíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento”, que é o critério do artigo 120º. Agora, a meu ver, no anteprojecto já existia este nº 4 e este nº 4 era um lapso, porque quando se via a parte das alterações introduzidas, quando foi republicado o nº 4 do art. 103º-B foi copiado por engano para o art. 103º-A. Infelizmente, esse lapso não foi corrigido. Portanto, eu julgo que devemos ignorar o nº 4 e ter noção que apesar de ser um critério de ponderação de interesses, não é o critério de ponderação geral. É um critério mais exigente.” (cfr. Ana Gouveia Martins, em Intervenção no colóquio “A Revisão do CPTA” subordinada ao tema “Meios pré-cautelares, cautelares e seus incidentes (comuns e em procedimentos de formação de contratos)”, aqui recordada na peça processual da Recorrida.
Improcedem assim as conclusões da Recorrente em sede de alegações embora também elas devidamente estruturadas.
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DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 16/02/2018
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Rogério Martins