Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00313/20.5BECBR-S1 |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 12/06/2024 |
| Tribunal: | TAF de Coimbra |
| Relator: | ANA PAULA ADÃO MARTINS |
| Descritores: | ESTADO PORTUGUÊS; CITAÇÃO; MINISTÉRIO PÚBLICO; CENTRO DE COMPETÊNCIAS JURÍDICAS DO ESTADO; ARTIGO 25º, Nº 4 DO CPTA; |
| Sumário: | Pelo acórdão n.° 539/2024, de 09.07.2024, do Tribunal Constitucional, foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que resulta da interpretação conjugada dos artigos 11.º, n.º 1, e 25.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 118/20019, de 17 de setembro), segundo a qual, nos tribunais administrativos, quando seja demandado o Estado ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a representação do Estado pelo Ministério Público é uma possibilidade, sendo a citação dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO O Ministério Público, no âmbito da acção da acção administrativa de responsabilidade civil interposta por «AA» e «BB» contra a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro e o Estado Português, vem interpor recurso do despacho proferido, a 17.12.2020, que indeferiu o requerimento, por si apresentado, de recusa de aplicação das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do CPTA, na redacção da Lei nº 118/2019, de 17.09, por inconstitucionalidade material e indeferiu a requerida declaração de nulidade da falta de citação do réu Estado Português (artigos 188, nº 1, al. a) e 187, al. a) do CPC. Concluiu assim as suas alegações de recurso: 1 – A presente ação foi intentada por «AA» e «BB» contra Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro e Estado Português, tendo, nos termos do disposto no artigo 25º, nº 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a citação do Réu Estado Português sido dirigida unicamente para o Centro de Competências Jurídicas do Estado, e o Ministério Público não foi citado, mas apenas notificado da pendência da mesma, designadamente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 85º, nº 1 do CPTA; 2 – A Lei nº 118/2019, de 17 de Setembro, que entrou em vigor no passado dia 16.11.2019, introduziu no CPTA nova norma acima referida, que estabelece que quando seja demandado o Estado já não é citado o Ministério Público, em representação deste, como até agora sempre esteve consagrado, mas sim o Centro de Competências Jurídicas do Estado, designado por JurisAPP, que é um serviço central da administração direta do Estado, integrado na Presidência do Conselho de Ministros; 3 – Sob a sua aparência puramente procedimental e regulamentar — o que bastaria para a considerar deslocada num diploma sobre processo administrativo —, trata-se de uma norma revolucionária, sobretudo quando conjugada com o disposto na parte final do nº 1 do artigo 11º do CPTA, na redação igualmente conferida pela mesma Lei nº 118/2019; 4 – Com efeito, onde na anterior redação desta norma se previa ¯(…) sem prejuízo da representação do Estado Pelo Ministério Público passou, com a referida alteração, a prever-se ¯(…) sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público, o que transformou numa exceção o que era uma regra, pois o possível tanto é o que pode ser como o que pode não ser vez alguma, sendo que não se vislumbra qualquer possibilidade de o Ministério Público ser eliminado, ao menos potencialmente, da representação do Estado no domínio do contencioso administrativos em que daí resulte uma flagrante ofensa da primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da CRP; 5 – Pelo que, esse conjunto normativo esvazia o essencial da função do Ministério Público nos tribunais administrativos, enquanto representante do Estado-Administração, mostrando-se desconforme ao parâmetro normativo consagrado na primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da CRP; 6 – A norma do artigo 219º, nº 1 da CRP configura um imperativo constitucional, a observar pelo legislador ordinário, que contém a regra da atribuição de competência ao Ministério Público para representar o Estado; 7 – Em 1 de Janeiro de 2020 entrou em vigor o novo Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei nº 68/2019, de 27 de Agosto — i.e, menos de um mês antes da publicação da Lei nº 118/2019, de 17 de Setembro, que contém as normas cuja inconstitucionalidade se invoca, que continuou a confiar a representação do Estado ao Ministério Público (artigo 4º, nº 1, al. b)) e a prever a existência de “um departamento central de contencioso do Estado e interesses coletivos e difusos da Procuradoria-Geral da República”, o qual passará a intervir também em matéria tributária e não apenas na cível e administrativa (artigo 61º, nº 1 e 2); 8 – A Lei nº 114/2019, de 12 de setembro, que procedeu à 12ª alteração no ETAF/2002, — i.e., menos de uma semana antes da edição da Lei nº 118/2019, a que pertencem as normas aqui questionadas —, não introduziu qualquer alteração ao disposto no artigo 51º; 9 – A representação do Estado em juízo foi sempre confiada, a nível constitucional e da lei ordinária, ao Ministério Público (com a única exceção da hipótese residual contemplada na parte final do nº 1 do artigo 24º do vigente CPC), estando essa representação, nas áreas cível, administrativa e até tributária, inequivocamente prevista em diplomas recentíssimos e de uma evidente centralidade na conformação dos nossos sistemas jurídico e judiciário; 10 – A norma do nº 1 do artigo 219º da CRP, que confia ao Ministério Público a representação judiciária do Estado-Administração (central), possui natureza auto-exequível, incondicionada, sem necessidade de densificação pela legislação ordinária, configurando-se como uma intencional e estrutural opção constitucional, em consonância com a tradição jurídica do país; 11 – Tanto o legislador constituinte originário como o derivado ponderaram os atributos do Ministério Público como magistratura dotada de ¯autonomia (artigo 219º, nº 2 da CRP), com a sua atuação sempre vinculada a ¯critérios de legalidade e objetividade (artigo 3º, nº 2 do EMP) e, em razão desses atributos, confiaram-lhe a tarefa representativa do Estado em juízo, justamente a título de representação e não como advogado, patrono ou mandatário judicial; sendo a representação do Estado nos tribunais por parte do Ministério Público é configurável como um verdadeiro princípio judiciário constitucional, com alcance material; 12 – Porém, em flagrante contradição sistémica e teleológica, a parte final do nº 1 do artigo 11º do CPTA, na redação conferida pelo artigo 6º da Lei nº 118/2019, vem reduzir a representação do Estado por parte do Ministério Público a uma pura eventualidade; 13 – A nova redação limita-se a acrescentar o substantivo - possibilidade, mas desse modo transforma a regra da -representação do Estado pelo Ministério Público em exceção, pois o possível tanto é o que pode ser como o que pode não ser vez alguma, não sendo inócuo que o conjunto de alterações legislativas no âmbito da jurisdição administrativa que ocorreram em 2019, de que faz parte aquele preceito, não tenha introduzido, paralelamente, o referido substantivo no artigo 51º do ETAF. 14 – Do confronto da fórmula usada no CPTA (parte final do nº 1 do artigo 11º ¯sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público) com a acolhida no CPC (artigo 24º, nº 1: ¯O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio…), resulta segura a conclusão de que, no âmbito do primeiro diploma, a representação do Estado por parte do Ministério Público tem caráter eventual e subsidiário, ao passo que no segundo constitui a regra, só passível de afastamento por lei concreta; 15 – A nova redação do artigo 11º, nº 1, in fine, do CPTA torna meramente eventual e subsidiária a intervenção do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo, pelo que, mesmo numa apreciação isolada, dificilmente a norma se compatibilizaria com o princípio judiciário constitucional da representação do Estado nos tribunais através do Ministério Público, imposta pelo primeiro segmento do nº 1 do artigo 219º da CRP; 16 – A desarmonia dessa norma com a Lex Fundamentalis torna-se ainda mais clara quando se proceda à sua interpretação conjugadamente com a do nº 4 do artigo 25º, também aditado pela referida Lei nº 118/20, que estabelece que quando seja demandado o Estado a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado; 17 – No que se reporta ao Estado, a norma destrói a mais elementar lógica de constituição da instância processual administrativa, visto que, por um lado, o réu Estado-Administração é ¯unicamente citado numa entidade que não possui poderes legais para a sua representação em juízo e, por outro, não é citado através do órgão que possui tais poderes, por força de disposição constitucional (e também legal); 18 – Por outro lado, nos termos do artigo 223º, nº 1 do CPC, subsidiariamente aplicável ao contencioso administrativo, a citação das pessoas coletivas — como é o caso indiscutível do Estado-Administração — realiza-se ¯na pessoa dos seus legais representantes; 19 – O único representante do Estado em juízo, pelo menos enquanto o Estado não manifestar a vontade de pretender ser patrocinado de outro modo (pressuposta, por necessidade de raciocínio, a validade dessa declaração), o seu ¯representante natural é o Ministério Público, em quem deve ser realizada a citação; 20 – O mecanismo implementado pelo nº 4 do artigo 25º, conjugado com a parte final do nº 1 do artigo 11º do CPTA, ambos na redação da Lei nº 118/2019, conduz em linha reta, de forma necessária, a uma presença subsidiária e minimalista do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo; 21 – Acresce que a norma do nº 4 do art.º 25º CPTA, na redação da Lei nº 118/2019, vem atribuir ao Centro de Competências Jurídicas do Estado a competência para coordenar ¯os termos da (…) intervenção em juízo do ¯serviços a quem aquele entenda ¯transmitir a citação, que, no caso dos autos (tal como noutros), não a transmitiu ao Ministério Público, estando sob sua decisão escolher quem vai representar o Estado; 22 – Só um construtivismo artificial e preordenado pode sustentar a legitimidade constitucional da opção do legislador ordinário, creditando-a na faculdade de a Assembleia da República definir a competência do Ministério Público (cfr. artigo 165º, nº 1, al. p) da CRP), pois é verdade elementar que a lei formal também deve obediência ao princípio da constitucionalidade; 23 – Apesar da sua falta de clareza e desarmonia com a arquitetura do sistema processual, resulta do preceito que o dito Centro pode, se e quando lhe aprouver, confiar a representação judiciária do Estado ao Ministério Público — tratado como mero ¯serviço administrativo — e coordenar ¯os termos da respetiva intervenção em juízo; 24 – Ou seja, o dito Centro passará a decidir, caso a caso, se o Ministério e Público representa ou não o Estado, sem que haja qualquer indicação dos critérios que conformam tal decisão, sendo que o teor da norma constitucional constante do artigo 219º, nº 1 da CRP não permite a supressão do Ministério Público como representante do Estado (tal como sucedeu no caso concreto dos autos); 25 – Ao atribuir ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, um serviço central da administração direta do Estado, a competência para proferir decisões que delimitam a intervenção do Ministério Público enquanto representante do Estado, a norma jurídica resultante das disposições conjugadas dos artigos 11º, nº 1 25°, n° 4 do CPTA configura, dessa forma, uma inconstitucionalidade material, também por violação ao artigo 165°, n° 1, al. p) da CRP; 26 – A norma em causa prevê que, em vez do Estado, seja citado o referido Centro que transmitirá aos serviços competentes, e, se assim o entender (e quando o entender), a transmitirá ao Ministério Público. No entanto, o Ministério Público não é um serviço do Estado-Administração, mas sim um órgão constitucional da administração da justiça, pelo que o conhecimento da ação – a citação - quando seja demandado o Estado representado pelo Ministério Público não pode deixar de ter lugar no âmbito do contexto jurisdicional; 27 – No que concerne aos ¯termos da respetiva intervenção em juízo- a norma ínsita na parte final do novo nº 4 do artigo 25º do CPTA confere à JurisApp competência para coordenar os próprios ¯termos da intervenção do Ministério Público quanto a aspetos relativos à técnica do processo; 28 – Desse modo, sai gravemente ofendido o princípio da autonomia (externa) do Ministério Público, consignado no nº 2 do artigo 219º da CRP, degradando-se esta magistratura à condição de mera serventuária subordinada da vontade da Administração; 29 – Em face do exposto, é forçoso concluir que as normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do CPTA, na redação da Lei nº 118/2019, de 17.09, são materialmente inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 219º da CRP, nº 1, primeira proposição (¯Ao Ministério Público compete representar o Estado) e nº 2 (¯O Ministério Público goza de (…) autonomia…), violando igualmente o conteúdo material dos princípios e normas constitucionais do artigo 165°, n° 1 da CRP, pelo que são materialmente inconstitucionais, nos termos do artigo 277°, n° 1, da CRP; 30 – E, em consequência, verifica-se a nulidade emergente da falta de citação do Estado, por omissão completa do ato (artigos 188, nº 1, al. a) e 187, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA), uma vez que o Ministério Público não foi citado. Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine: a) A recusa de aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redação da Lei nº 118/2019, de 17.09, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do nº 2 desta mesma disposição, bem como do conteúdo material dos princípios e normas constitucionais do artigo 165°, n° 1 da CRP; b) E, em consequência, que: - Seja declarada a nulidade da falta de citação do réu Estado (artigos 188, nº 1, al. a) e 187, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA), com a consequente anulação de todo o processado posterior à Petição Inicial, e - Seja determinada a citação do Estado no Ministério Público. * Contra-alegou o Ministério da Coesão Territorial. * Por acórdão deste TCAN, datado de 18.06.2021, foi negado provimento ao recurso e confirmado o despacho recorrido. * O Recorrente interpôs recurso de revista, não admitida por acórdão do STA, datado de 18.11.2021. * O Recorrente interpôs, relativamente ao aresto do TCAN, recurso para o Tribunal Constitucional, que, por acórdão nº 666/2024, datado de 08.10.2024, decidiu: a) Julgar inconstitucional a norma que resultada interpretação conjugada dos artigos 11.0, n.° 1, e 25°, n.° 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aprovado pela Lei n.° 15/2002, de 22.02, na redação dada pela Lei n.° 118/2019, de 17.09), segundo a qual, nos tribunais administrativos, quando seja demandado o Estado ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a representação do Estado pelo Ministério Público é uma possibilidade, sendo a citação dirigida unicamente ao Centro de Competências jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo; e, em consequência, b) Conceder provimento ao recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade como precedente juízo de inconstitucionalidade. * Sem vistos, vem o processo submetido à Conferência. * II - FUNDAMENTAÇÃO Nos presentes autos, os Autores intentaram acção administrativa contra a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro e contra o Estado Português, peticionando a condenação dos Réus no pagamento da quantia indemnizatória de € 114.335,30, a título de danos patrimoniais, e da quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais. Foi remetido ofício de citação, datado de 29/07/2020, nos termos e para os efeitos dos artigos 81.º e 82.º do CPTA, para o Centro de Competências Jurídicas do Estado. Na mesma data, foi entregue cópia da petição inicial ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do art.º 85.º, n.º 1, do CPTA. Por requerimento de 08/09/2020, o Ministério Público junto do TAF de Coimbra solicitou (i) a recusa da aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do n.º 1 do art.º 11.º e do n.º 4 do art.º 25.º do CPTA, na redação da Lei n.º 118/2019, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do n.º 1 do art.º 219.º da CRP e do n.º 2 desta mesma disposição; (ii) a declaração de nulidade por falta de citação do R. Estado Português [art.os 187.º, alínea a), e 188.º, n.º 1, alínea a), do CPC, subsidiariamente aplicáveis], anulando-se o processado posterior à petição e decretando-se a citação do R. Estado no Ministério Público. A 09/11/2020, O Réu Estado Português, representado pelo Ministério Público, apresentou contestação. Por despacho de 17.12.2020 – o despacho em crise - decidiu o Tribunal a quo: indeferir o pedido de recusa de aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do n.º 1 do art.º 11.º e do n.º 4 do art.º 25.º do CPTA, na redação da Lei n.º 118/2019, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do n.º 1 do art.º 219.º da CRP e do n.º 2 desta mesma disposição; e indeferir o pedido de declaração de nulidade por falta de citação do R. Estado Português. Transcreve-se aqui a síntese final aí delineada: “(…) Assim, e concluindo, procedendo a uma interpretação conforme à CRP, à luz dos considerandos vindos de expender, o sentido que melhor resulta da conjugação da interpretação dos art.os 11.º, n.º 1, e 25.º, n.º 4, do CPTA é o seguinte: i. apesar de a parte final do n.º 1 do art.º 11.º do CPTA se referir agora à possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público, a verdade é que apenas a este incumbe tal representação, atendendo a que não existe norma que lhe retire essa função, subsistindo ainda outros preceitos normativos conexos que continuam a cometer essa tarefa ao Ministério Público em sentido positivo; ii. da primeira parte do n.º 4 do art.º 25.º do CPTA apenas resulta que a citação feita ao Estado deve ser dirigida ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, cabendo-lhe assegurar a sua transmissão aos serviços competentes, v.g., ao Procurador da República junto do TAF onde corre o processo, ou em obediência à respetiva lei orgânica do Ministério Público; iii. a coordenação mencionada na última parte do mesmo n.º 4 não confere ao Centro de Competências Jurídicas do Estado qualquer espécie de poder funcional sobre o Ministério Público, cabendo-lhe apenas cooperar com este último nos termos solicitados, designadamente recolhendo as informações e os elementos necessários junto dos diversos gabinetes ministeriais e preparando, de acordo com o solicitado e se tal suceder, os termos da defesa a apresentar pelo Estado. (…)”. O aludido despacho foi confirmado por acórdão deste TCAN, de 18.06.2021, que considerou não ferir o artigo 219° n° 1 da CRP a opção do legislador infraconstitucional, ao fazer operar a citação da pessoa colectiva Estado, quando este seja demandado no âmbito dos processos nos tribunais administrativos, através do Centro de Competências Jurídicas do Estado. Não pode manter-se o despacho recorrido – e bem assim o juízo antes formulado por este TCAN – atento o decidido pelo Tribunal Constitucional. Com efeito, o Tribunal Constitucional, por acórdão nº 666/2024, de 08.10.2024, acolheu a “inconstitucionalidade da norma que resulta da interpretação conjugada dos artigos 11.°, n.° 1, e 25°, n.° 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, interpretada no sentido de que, nos tribunais administrativos, quando seja demandado o Estado ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a representação do Estado pelo Ministério Público é uma possibilidade, sendo a citação dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo.” De resto, em linha com acórdão do Plenário do TC n.° 539/2024, de 09/07/2024, que declarara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da “norma que resulta da interpretação conjugada dos artigos 11.º, n.º 1, e 25.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro), segundo a qual, nos tribunais administrativos, quando seja demandado o Estado ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a representação do Estado pelo Ministério Público é uma possibilidade, sendo a citação dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo”. A declarada inconstitucionalidade, atento o disposto nos artigos 188º, nº 1, al. a) e 187º, ambos do CPC, acarretaria o reconhecimento da nulidade resultante da falta de citação do Ministério Público, com a consequente anulação do processado posterior à petição. Sucede que, no caso sub judice, o desaproveitamento de todo o processo com excepção da petição inicial – repetição da citação do Réu Estado agora no Ministério Público e subsequente tramitação - configura a prática de actos inúteis (proibida pelo artigo 130.º do CPC). Com efeito, ainda que o Ministério Público não tenha sido, de facto, citado na acção, o mesmo teve dela conhecimento (quando recebeu cópia da petição inicial e de todos os documentos que a instruíam, nos termos do artigo 85.º, n.º 1, do CPTA), acabando por assumir processualmente a representação do Estado Português, oferecendo contestação. Como é sabido a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (cfr. artigo 219º, nº 1 do CPC). Temos, pois, que, foi atingido o fim a que o acto se destinava. Razões que aconselham a que não se determine a anulação do processado posterior à petição, devendo este ser aproveitado. * III - DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido, devendo os autos prosseguir os seus trâmites em conformidade com o que vem supra. * Sem custas. * Registe e notifique. *** Porto, 06.12.2024 Ana Paula Martins Celestina Caeiro Castanheira Conceição Silvestre |