Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01001/20.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/07/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:ACTO IMPUGNÁVEL; PROCESSO CAUTELAR; JUÍZO PERFUNCTÓRIO; PONDERAÇÃO DE INTERESSES;
REQUISITOS DETERMINANTES DO DECRETAMENTO DAS PROVIDÊNCIAS; NULIDADE DA SENTENÇA.
Sumário:1 - À luz do disposto no artigo 51.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b) do CPTA, o acto do Secretário de Estado Adjunto e da Educação apresenta-se como um acto impugnável, porque a decisão nele corporizada e dirigida a orgãos que a devem cumprir, é condicionadora dos termos, modo e pressupostos em que essas entidades deverão exercer as competências que lhes estão legalmente conferidas para efeitos da prossecução de interesses pelos quais são diretamente responsáveis, e cujo exercício se repercute na esfera de direitos e interesses dos Requerentes.

2 - A existência de perigosidade [seja na vertente do receio da constituição de uma situação de facto consumado, seja na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação], e da aparência do bom direito [enquanto avaliação sumária da probabilidade de existência do direito invocado] para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal, constituem requisitos determinantes para efeitos de ser apreciada a providência requerida, recaindo sempre sobre eles o ónus de fazer a prova sumária desses requisitos.

3 - Para o decretamento de uma providência cautelar têm de ser invocados e recolhidos, em termos de matéria de facto, indícios suficientes da verosimilhança do direito a ver provisoriamente reconhecida a não frequência da disciplina em causa, pois só perante a existência de tais elementos de prova e pertinente enquadramento será possível ao julgador formular um juízo positivo a respeito da aparência do direito invocado.

4 - Em torno da quantidade de invalidades assacadas aos actos que constituem o objecto dos autos de processo cautelar, não dispõe o CPTA que na Sentença o Tribunal deva pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido alegadas pelos Requerentes [Cfr. no que a este repeito dispõe o artigo 95.º, n.º 3 do CPTA, atinente aos processos impugnatórios], antes porém, que aprecie da verificação dos necessários pressupostos que sejam determinantes da concessão da/s providência/s cautelar/es requerida/s.

5 - O juízo que cabe levar a cabo no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, não pode o julgador misturá-lo com o juízo que deve ser feito a título principal, visto tratar-se dum juízo perfunctório, sumário, tal como é reclamado pelo legislador em termos cautelares, por constituír um juízo que é formulado sob reserva de se poder chegar a uma conclusão diversa em sede do processo principal.

6 - Para que se possa constatar existir uma probabilidade séria da existência do direito de que se arrogam os Requerentes, tal implica que o Tribunal a quo tem de admitir ser provável a sua verificação, probabilidade essa que é apreciada com base numa análise necessariamente perfunctória.

7 - Atento o balanceamento que deve fazer-se em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, é necessário que a produção de danos seja um acontecimento razoável, credível e fundado, tendo subjacente um juízo de probabilidade.

8 - Na prática de um acto ablativo sem audiência prévia do interessado, é possível entrever uma natureza sancionatória, o que determina cautela na aplicação do princípio do aproveitamento do acto [em especial quando está em causa invalidade que os Requerentes qualificam como nulidade – Cfr. artigo 163.º, n.º 5, alínea a) do CPA] tanto mais que nos processo sancionatórios, a audiência dos interessados constitui uma garantia constitucional [cfr. artigo 32.º e artigo 269.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa].

9 - É cominada com a nulidade, a Sentença cujos fundamentos sejam identificados como estando em oposição com a decisão ou com alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível [cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC)].*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Ministério da Educação
Recorrido 1:A. e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Providência Cautelar Antecipatória - Recurso jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I - RELATÓRIO

Ministério da Educação, Requerido no Processo cautelar que contra si foi intentado por A. e A., por si e em representação dos seus filhos menores R. e T., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 22 de janeiro de 2021, pela qual julgou parcialmente procedente o pedido formulado pelos Requerentes no Requerimento inicial [atinente à suspensão dos despachos n.ºs 49/2020 e 50/2020, ambos datados de 15 de junho de 2020, proferidos pelo Director do Agrupamento de Escolas (...), pelos quais anulou, respectivamente, a decisão do Conselho de Turma do 5.º 2, ano lectivo de 2018/2019, datada de 18 de junho de 2019 que havia determinado a transição do de ano escolar do educando T., e a decisão do Conselho de Turma do 7.º 1, ano lectivo de 2018/2019, datada de 17 de junho de 2019 que havia determinado a transição do de ano escolar do educando R., assim como à suspensão do despacho de homologação proferido pelo Secretário de Estado Adjunto e da Educação datado de 16 de janeiro de 2020 pelo qual exprimiu concordância com a informação n.º 19/GSESE/20, de 10 de janeiro de 2020; e ainda, cumulativamente, ao decretamento de providência cautelar inominada, que identificou, nos seguintes termos: (i) no reconhecimento provisório, até que seja proferida uma decisão judicial definitiva do direito dos seus filhos (dos Requerentes) à não frequência da disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”, ou, caso assim não se entenda, que a não comparência à referida disciplina não seja tida como falta injustificada; (ii) na condenação do agrupamento escolar a avaliar os menores R. e T. sobre o seu desempenho no ano escolar 2019/2020, não obstaculizando a transição de ano dos mesmos; e (iii) na proibição de ver os filhos dos Requerentes prejudicados, de qualquer modo, na respectiva avaliação e progressão escolar], e consequentemente determinou (i) a suspensão do despacho n.º 49/2020, de 15.06.2020, praticado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), que anula a decisão de 18.06.2019, do Conselho de Turma do 5.º 2, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando T.; do despacho n.º 50/2020, de 15.06.2020, emanado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), que anula a decisão de 17.06.2019, do Conselho de Turma do 7.º 1, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando R.; do despacho de homologação do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Dr. J., exarado a 16.01.2020, que veio exprimir concordância sobre a Informação n.º 19/GSEAE/20, de 10.01.2020, e; (ii) com manutenção dos alunos no ano escolar que frequentam atualmente, progredindo normalmente caso sobrevenha outro(s) ano(s) letivo(s), até ao trânsito em julgado da decisão, que venha a ser proferida na ação principal.


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No âmbito das Alegações por si apresentadas, o Requerido Ministério da Educação, ora Recorrente, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“A – O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou parcialmente procedente o presente processo cautelar, determinando:
i. a suspensão do despacho n.º 49/2020, de 15.06.2020, praticado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), que anula a decisão de 18.06.2019, do Conselho de Turma do 5.º 2, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando T.; do despacho n.º 50/2020, de 15.06.2020, emanado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), que anula a decisão de 17.06.2019, do Conselho de Turma do 7.º 1, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando R.; do despacho de homologação do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Dr. J., exarado a 16.01.2020, que veio exprimir concordância sobre a Informação n.º 19/GSEAE/20, de 10.01.2020,
ii. com manutenção dos alunos no ano escolar que frequentam atualmente, progredindo normalmente caso sobrevenha outro(s) ano(s) letivo(s), até ao trânsito em julgado da decisão, que venha a ser proferida na ação principal; e
iii. o indeferimento da providência cautelar antecipatória.
B- Para além da presente providência cautelar, foi ainda interposta pelos recorridos a providência cautelar nº 1199/20.5BEBRG-A cujo pedido formulado era o decretamento da suspensão de eficácia:
(1) Da deliberação de 30.07.2020, do Conselho de Turma do 6.º 2, ano letivo 2019/2020, do Agrupamento de Escolas (...), que determinou a retenção de ano escolar do educando T., conforme documento 1 junto ao RI;
(2) Da deliberação de 30.07.2020, do Conselho de Turma do 8.º 1, ano letivo 2019/2020, do Agrupamento de Escolas (...), que determinou a retenção de ano escolar do educando R., ou, caso assim se não entendesse, a convolação da ação cautelar em incidente de execução indevida, ordenando a suspensão dos atos identificados.
Nesta providência cautelar, por sentença proferida também em 22.01.2021, foi julgada procedente a exceção de impropriedade do meio processual e absolvido o requerido – ora recorrente – da instância.
C – A sentença proferida faz errada interpretação e aplicação do direito aplicável, incorrendo em erro de julgamento, padecendo, ademais, de nulidade nos termos do estabelecido no artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do C.P.T.A.

D- Como doutamente identificado pela Meritíssima Juíza, o objeto do litígio subjacente ao presente processo é:
i. a suspensão de eficácia dos despachos n.º 49/2020 e 50/2020, de 15.06.2020, que anulam a transição de ano escolar dos filhos dos Requerentes, no ano letivo de 2018/2019 e do despacho de homologação do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, de 16.01.2020, que veio exprimir concordância com a informação 19/GSEAE/20 e
ii. a determinação do respeito pela objeção de consciência dos requerentes e dos seus filhos, mormente avaliando estes últimos, não obstaculizando a sua transição e não prejudicando o seu processo avaliativo (por serem objetores de consciência e não assistirem às aulas de “cidadania e desenvolvimento”) – o que configura o pedido de providência cautelar “Antecipatória inominada”, como tal autonomizado e identificado pelos requerentes.
E – De acordo com o artigo 148.º do CPA consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.
Por seu turno o artigo 51.º do C.P.T.A. ao reportar-se aos atos impugnáveis estabelece no seu n.º 1 que “ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos”.
F - O despacho de 16.01.2020, do Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Educação, exarado sobre a Informação n.º 19/GSEAE/20 com o seguinte teor: “Concordo. Dê-se conhecimento à IGEC”, não é impugnável, porque não dotado de eficácia externa (produzindo efeitos meramente internos, no seio da pessoa coletiva em que foi emitido).
G – O referido despacho transmite aos serviços orientações sobre os procedimentos que deveriam ser adotados para reposição da legalidade, pelo que deve entender-se que ao enunciar o “caminho” a seguir pelos serviços, configura uma proposta de decisão, tendo enquanto tal, sido levado ao conhecimento dos interessados.

H- Este ato foi notificado aos requerentes em 27.02.2020 [ut. ponto 34 dos factos provados] não tendo merecido qualquer impugnação administrativa ou contenciosa por parte destes, o que não pode deixar de relevar para efeitos de aferição da atualidade da impugnação e denota que não consideraram este ato como produtor de efeitos jurídicos externos de per se.
I – Ao decidir de forma diversa, julgando improcedente a exceção de inimpugnabilidade, a decisão recorrida incorre em erro de julgamento ao não interpretar e aplicar devidamente o estabelecido nos artigos 148.º do CPA, 51.º e 89.º, n.º 1 do C.P.T.A.
J - Para aferir o requisito do periculum in mora deverá ser feito um juízo de prognose, verificando-se se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por, entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica.
K – A decisão recorrida não promove a correta aferição do requisito do periculum in mora, olvidando que a lei prevê mecanismos que permitem repor a progressão na eventualidade de a sentença na ação principal ser favorável aos requerentes, pelo que não há que falar em prejuízos de difícil reparação para os interesses destes.
Ao contrário, a frequência e, eventualmente, a conclusão de um ciclo de ensino a título precário não é o mesmo que a sua frequência e conclusão a título definitivo, podendo os danos decorrentes da concessão da providência, in casu, ser no futuro mais gravosos para os próprios recorridos.
L – Ademais, na análise do requisito, a Meritíssima julgadora incorre uma petição de princípio, replicado na apreciação do requisito da ponderação de interesses, afirmando, por um lado, que esta sede não é a própria para se pronunciar quanto à valia de cada disciplina do grupo que compõe o currículo, para logo a seguir, estatuir que “para o Tribunal, determinante é o desperdiçar dois anos de ensino, com aproveitamento, eliminando-os, somente pela não frequência não frequência a uma disciplina não nuclear – fazendo-se, aqui, apelo ao senso comum quanto à importância de disciplinas como português, matemática ou história”, o que traduz preconceito relativamente á disciplina e revela falta de rigor na apreensão do que é o currículo do ensino básico.

M- A sentença recorrida, na análise do requisito da aparência do bom direito, anunciou a metodologia de que “a procedência (ainda que provisória e instrumental, por estar em causa processo cautelar) de apenas uma das invocações, determina o não conhecimento das demais.” e nessa linha orientativa começa por analisar o invocado vício de preterição de audiência prévia, decidindo pela sua procedência e, assim como verificado o requisito do fumus bonus iuris.
N - O direito de audiência prévia, previsto expressamente no artigo 121.º do C.P.A, constitui uma concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito, visando assegurar-lhes uma tutela preventiva contra lesões dos seus direitos ou interesses, em cumprimento da diretiva constitucional expressa no artigo 267.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.
O - Como resulta dos factos provados e se extrai do suporte documental junto aos autos, o recorrente, apenas visou a reposição da legalidade, propondo soluções com vista a evitar prejuízo para os alunos em causa, tendo sempre propiciado aos requerentes o direito a participarem no procedimento, desde que os seus educandos começaram a faltar injustificadamente à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento (ou seja, desde o início do ano letivo 2018/2019), e sempre foi transmitida a obrigatoriedade da frequência da disciplina, sendo os Requerentes devidamente alertados que teriam de ser cumpridos todos os procedimentos que estão determinados na Secção IV do Capitulo III da Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro, sendo enviados pela escola os Planos de Recuperação de Aprendizagens com a advertência de que se não fossem cumpridos, o aluno “poderá ficar retido no ano escolar em curso, com a obrigatoriedade de frequentar até ao final do ano as atividades letivas” – cfr., no mais, pontos 3, 11, 28 e 30 dos factos provados.
P - Em 27 de fevereiro de 2020, formalmente é levado ao conhecimento dos Requerentes o conteúdo o ofício n.º 4137/2020, da DSRN, que dá como integrado e reproduzido o conteúdo das informações nº I/03816/DSJ/19 e I/04135/DSJ/19 da Inspeção-Geral da Educação e Ciência e 19/GSEAE/20, do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, transcrito em 34. dos factos provados, tendo, no seguimento desta notificação sido preparados novos Planos de Recuperação de Aprendizagens e informados dos mesmos os requerentes que expressamente vieram responder que não autorizavam a participação dos filhos nos ditos Planos.
Q – Terá, assim, que concluir-se que aos Requerentes foi indicado o caminho que iria ser seguido pela Administração, tendo-lhes sempre sido dada a possibilidade de terem uma participação útil no âmbito do procedimento, o que afasta a preterição de audiência prévia, pelo que, ao decidir pela sua verificação a sentença incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto no artigo 121.º do C.P.A.
Sem prescindir,
R - Os efeitos anulatórios da preterição da obrigatoriedade de realização de audiência dos interessados não se produzem quando a decisão não pudesse ter sido diferente da que foi adotada, designadamente quando esteja em causa o exercício de um poder vinculado.
S – Como já doutamente decidido por esse Venerando Tribunal, “a degradação de formalidade em formalidade não essencial só ocorrerá quando, atentas as circunstâncias, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada”.
T – In casu, atento o quadro legal, designadamente o estabelecido na Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro, que aprova o Estatuto do Aluno e Ética Escolar (EAEE), que estabelece que a ultrapassagem dos limites de faltas injustificadas obriga o aluno ao cumprimento de medidas de recuperação ou corretivas, através do cumprimento de atividades, a definir pela escola, que permitam recuperar os atrasos na aprendizagem (cfr. art.º 19.º e 20.º do EAEE), sendo que o incumprimento das medidas de recuperação, determina, nos termos da al. b) do n.º 4 do art.º 21.º do EAEE "...a retenção no ano de escolaridade em curso, no caso de frequentarem o ensino básico...", e considerando a vinculação ao princípio da legalidade, a que a administração não poderia ter atuado de forma diversa, isto é, teria de prolatar atos de anulação das decisões ilegais proferidas pelos conselhos de turma.
U - A decisão recorrida ao enunciar a questão, isto é, que a eventual ilegalidade decorrente do não cumprimento do direito de audiência prévia poderia não determinar a invalidade do ato, por força do princípio do aproveitamento do ato, para depois afirmar que “esse juízo sempre terá que ser empreendido na decisão final – mormente por implicar a análise, aprofundada e definitiva, dos demais vícios invocados e que, a final, poderão levar à conclusão de que o ato é vinculado e que o vício, que ora se julgou (perfunctoriamente) existir, pode ser degradado em não essencial”, incorre na nulidade prevista na alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C., aplicável ex vi artigo 1.º do C.P.T.A..
V - O artigo 120.º, n.º 2, do C.P.T.A. estabelece que a adoção da providência ou deve ser recusada, quando devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa – É o requisito da ponderação de interesses que foi indevidamente aplicado pela sentença recorrida, porquanto desta se extrai que o princípio da legalidade – manifestação intransponível do interesse público - deve ceder perante interesses particulares.
W - Ponderados os interesses públicos e privados em presença, a concessão da providência tal como decidido é gravemente prejudicial para o interesse público, designadamente para a salvaguarda da legalidade e da estabilidade no sistema educativo.
Desde logo, a decisão proferida, a manter-se, iria criar um precedente perigoso, na medida em que legitimava todos os comportamentos idênticos que viessem a ser adotados ou pretendidos.
X - Igualmente põe em causa o princípio da igualdade, consagrado no artigo 6.º da Constituição da República Portuguesa em que «Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.»
Y - Atentos os termos da decisão proferida é patente uma clara oposição ou ambiguidade, o que conduz à nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Z - O determinado no ponto ii. - com manutenção dos alunos no ano escolar que frequentam atualmente, progredindo normalmente caso sobrevenha outro(s) ano(s) letivo(s), até ao trânsito em julgado da decisão, que venha a ser proferida na ação principal – não é compaginável com o decidido no ponto iii. - o indeferimento da providência cautelar antecipatória.
AA – O pedido de não ser obstaculizado a transição de ano dos menores foi formulado na providência cautelar inominada antecipatória pelo que tendo esta sido indeferida, o mencionado pedido claudica
AB - O decretamento da suspensão de eficácia dos atos suspendendos decidido em i. da sentença não tem a virtualidade de determinar o estatuído em ii.
AC - O que determina a verificação da nulidade apontada porquanto “Esta incongruência lógica ou jurídica pode traduzir-se numa oposição entre os fundamentos e a decisão ou nos fundamentos entre si (os necessários para a decisão) ou no próprio conteúdo decisório em si mesmo. A razão de ser da nulidade é, em qualquer dos casos, a mesma: não se pode aproveitar, de todo, uma sentença cujo sentido lógico ou jurídico não se pode alcançar” - Acórdão desse douto TCAN, de 11.02.2015, proferido no processo n.º 00671/14.0BECBR.
AD - É, ademais, patente que ao decidir como decidiu o juiz condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, o que se subsume na hipótese da alínea e) do artigo 615.º do CPC, aplicável por força do artigo 1.º do C.P.T.A.
AE – Por fim, o inciso decisório que determina o decretamento da providência de suspensão de eficácia de atos com manutenção dos alunos no ano escolar que frequentam atualmente, progredindo normalmente caso sobrevenha outro(s) ano(s) letivo(s), até ao trânsito em julgado da decisão, que venha a ser proferida na ação principal atesta uma clara contradição entre o que daqui resulta e os fundamentos da decisão.
AF - Com efeito, se o vício que se julgou verificado foi o de violação do direito de audiência prévia, esse vicio é imputado aos despachos nºs 49/2020 e 50/2020, que apenas versavam sobre a decisão de transição/retenção respeitante ao ano 2018/2019, não abrangendo as subsequentes deliberações dos subsequentes conselhos de turma.
Mesmo a suspensão do despacho de homologação do Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Educação, de 16.01.2020 [na hipótese, que não se concede, de que este ato é impugnável] não tem a virtualidade de fazer progredir normalmente os alunos, caso sobrevenham outros anos letivos, até ao trânsito em julgado da decisão.

AG - Entendemos, assim, pelas razões apontadas que este segmento decisório é nulo, e é claramente violador da legalidade.

Termos em que, e nos melhores de direito que os Venerandos Desembargadores doutamente suprirão, deve o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida, e substituindo-a por outra que, nos termos melhor alegados fará a acostumada Justiça!
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Os Requerentes, ora Recorridos, apresentaram Contra alegações, tendo a final elencado as conclusões que ora se reproduzem:

I. Vem o Recorrente Ministério de Educação interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, notificada aos Recorridos em 22.01.2021, que julgou parcialmente procedente o presente processo cautelar, determinando “i. a suspensão do despacho n.º 49/2020, de 15.06.2020, pratica do pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), que anula a decisão de 18.06.2019, do Conselho de Turma do 5.º 2, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando T.; do despacho n.º 50/2020 de 15.06.2020, emanado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), que anula a decisão de 17.06.2019, do Conselho de Turma do 7.º 1, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando R.; do despacho de homologação do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Dr. J., exarado a 16.01.2020, que veio exprimir concordância sobre a Informação n.º 19/GSEAE/20, de 10.01.2020, ii. com manutenção dos alunos no ano escolar que frequentam atualmente, progredindo normalmente caso sobrevenha outro(s) ano(s) letivo(s), até ao trânsito em julgado da decisão, que venha a ser proferida na ação principal; iii. o indeferimento da providência cautelar antecipatória”.
II. Porém, e conforme se propõe demonstrar, o recurso interposto pelo Recorrente está condenado a soçobrar, na medida em que a sentença em sindicância, apesar de merecedora de censura no que respeita ao não decretamento da providência antecipatória inominada, bem andou na qualificação dos factos aprovados e no julgamento que empreendeu, pelo que deve ser mantida qua tale no que concerne a primeira.
Senão vejamos:
III. Por via do presente processo cautelar, pretenderam os Recorridos o decretamento de duas providências cautelares, a saber: (a) Uma conservatória, com a vista a obter, por um lado, a suspensão da eficácia: (i) do Despacho n.º 49/2020, de 15.06.2020, praticado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), que anulou a deliberação de 18.06.2019, do Conselho de Turma do 5.º 2, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando T.; (ii) Do Despacho n.º 50/2020, de 15.06.2020, emanado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), que anula a deliberação de 17.06.2019, do Conselho de Turma do 7.º 1, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando R.; (iii) Do Despacho de homologação do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Dr. J., exarado a 16.01.2020, e notificado aos Requerentes em 27/02/2020, que veio exprimir a «concordância» do autor relativamente à Informação n.º 19/GSEAE/20, de 10.01.2020; (b) Uma antecipatória inominada, por via da qual pugnaram pelo “reconhecimento provisório, até que seja proferida uma decisão judicial definitiva do direito dos filhos dos Requerente à não frequência da disciplina de «Cidadania e Desenvolvimento», ou, caso assim não se entenda, que a não comparência à referida disciplina não seja tida como falta injustificada; (ii) Na condenação do agrupamento escolar a avaliar os menores R. e T. sobre o seu desempenho no ano escolar 2019/2020, não obstaculizando a transição de ano dos mesmos; (iii) Na proibição de ver os filhos dos Requerentes prejudicados, de qualquer modo, na respetiva avaliação e progressão escolar”.
IV. Sustentaram e demonstraram os aqui Recorridos, para o efeito, que o decretamento das providências requeridas se afigurava indispensável para a manutenção da integridade da progressão académica dos seus filhos menores, na medida em que os Despachos n.ºs 49/2020 e 50/2020, de 15.06.2020, tendo como causa o Despacho de homologação da Informação n.º 19/GSEAE/20, de 10.01.2020, emitido em 16.01.2020, pelo Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Educação, anulam a transição de ano escolar dos filhos menores dos Recorridos no ano letivo 2018/2019, pelo que, mantendo-se os efeitos das decisões administrativas, assistir-se-ia à regressão dos educandos T. e R. – os quais, desde já se diga, sempre pautaram o seu percurso académico pelo mérito –, respetivamente, ao 5.º ano e ao 7.º ano de escolaridade, traduzindo-se numa regressão de dois anos de escolaridade para cada um dos filhos menores dos Recorridos, quando já atestaram possuir as valias necessárias para prosseguirem o percurso académico.
V. Não obstante as diversas tentativas de alcançar um consenso, certo é que o Recorrente Ministério de Educação sempre optou por impor aos Recorridos, enquanto encarregados de educação dos dois menores, a frequência da disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”, em completa desconsideração pelas convicções pessoais perfilhadas por aqueles, admitindo como verdade única e absoluta que os atos que praticou estavam de acordo com os ditames legais e constitucionais aplicáveis na matéria e que como tal havia necessidade de “chamar os requerentes à razão”, olvidando contudo e dito Recorrente (ou “fazendo por olvidar”…) que os atos praticados correspondem – como bem entendeu o Tribunal a quo – a uma manifesto atropelo dos mais elementares ditames que norteiam a atividade administrativa.
VI. Tendo por base a factualidade dada como provada e vertida na sentença, o Tribunal, sopesando os critérios que subjazem à decisão de decretamento de providências cautelares, decidiu, por um lado, deferir a primeira providência cautelar requerida, dirigida à suspensão de eficácia dos atos, e, por outro, indeferir a segunda, sendo que acompanhando o iter percorrido pelo julgador a quo e plasmado na Douta decisão recorrida, demonstrar-se-á por que motivos não assiste razão ao Recorrente, na estrita medida em que considera que mal andou o Tribunal a quo ao decretar a providência cautelar de suspensão da eficácia dos atos.
A. Da (in)impugnabilidade do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Educação de 16.01.2020
VII. Alega o Recorrente Ministério de Educação em sede de Recurso – reiterando o já expendido na Oposição – que o Despacho de Homologação exarado sobre a Informação 19/GSEAE/20 não configura um ato impugnável, o que não se concebe, uma vez que bem se sabe qual o teor do artigo 148.º do CPA, não suscitando dúvidas a essencialidade, para o preenchimento daquela noção, da produção de efeitos jurídicos externos, sendo que a tal não foi alheio o Tribunal a quo, o qual, nas considerações que teceu, bem vincou que, numa primeira análise, se tenderia a concordar com o alegado pelo Recorrente; contudo, bem andou o julgador recorrido, quando acaba por concluir que “(…) a verdade é que não se pode desconsiderar que, não fosse este ato do Secretário de Estado Adjunto, a situação dos filhos dos Requerentes não tinha sofrido qualquer alteração. Na verdade, ainda que houvesse um litígio permanente, quanto às faltas e obrigatoriedade da frequência da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, a transição dos alunos estava (relativamente) consolidada, não havendo discussão quanto a tal”, pelo que, ao homologar a Informação n.º 19/GSEAE/20, o Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Educação emitiu um ato – um despacho – que vinculou o Agrupamento de Escolas (...) à adoção de determinadas medidas, posteriormente concretizadas nos despachos n.º 49/2020 e n.º 50/2020.
VIII. Em face desse facto, e da (bem) identificada “suscetibilidade de afetar direitos ou interesses legalmente protegidos” enquanto requisito de impugnabilidade, não poderia o Tribunal ter deixado de se pronunciar pela improcedência da alegada exceção de inimpugnabilidade do ato e isto porque, mesmo que não se entenda estarmos perante um ato administrativo nos termos em que é definido no artigo 148.º do CPA – o que não se concede, mas apenas se aventa por dever de patrocínio –, sempre o ato em crise se subsumirá no âmbito de aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 51.º do CPTA, na medida em que configura comprometimento das condições do exercício de competências legalmente conferidas a um outro órgão da mesma pessoa coletiva, para a prossecução de interesses pelos quais esse órgão seja diretamente responsável, pelo que soçobra o argumento do Recorrente Ministério de Educação e, nessa sequência, bem decidiu o Tribunal a quo.
B. Do Preenchimento dos Pressuposto de que Depende o Decretamento da Providência Cautelar de Suspensão de Eficácia de Ato
IX. Dando início à apreciação da verificação do requisito do periculum in mora, o Tribunal é claro, considerando “notório, que a obrigação de fazer retroceder dois alunos em dois anos escolares – fazendo tábua rasa dos dois anos que frequentaram, com sucesso, a todas as disciplinas, menos a uma – preenche o pressuposto do periculum in mora”, entendimento que se louva, uma vez que existe, nos termos do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
X. Com efeito, tendo já sido emitidas as avaliações referentes ao ano letivo 2019/2020, é sabido que os educandos não foram alvo de avaliação, uma vez que os respetivos Conselhos de Turma, considerando-se limitados no exercício das suas funções, remeteram sem mais para os despachos n.º 49/2020 e n.º 50/2020, emanados pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), a 15.06.2020.
XI. Ademais, permitindo-se a produção de efeitos dos atos cuja suspensão foi requerida em sede cautelar, consentir-se-á com a inevitável regressão académica dos dois filhos menores dos Recorridos, os quais sempre foram como alunos de mérito reconhecido, forçando-os a integrar turmas com alunos dois anos mais novos e a recomeçar um processo de ensino-aprendizagem já concluído com sucesso, consequentemente, são vários os riscos que advêm de tal decisão, já referidos no Requerimento Inicial, a nível psicológico, cognitivo, de disrupção comportamental e socialização, com consequências nefastas para o sadio desenvolvimento dos educandos.
XII. No entendimento do Douto Tribunal recorrido – o qual expressa o mais elementar bom senso – para além dos fatores de desestabilização enunciados, “determinante é o desperdiçar de dois anos de ensino, com aproveitamento, eliminando-os, somente pela não frequência a uma disciplina não nuclear – fazendo-se, aqui, apelo ao senso comum quanto à importância de disciplinas como português, matemática ou história”, o que mereceu, contudo, o repúdio do Recorrente Ministério de Educação e bem denota a posição de intransigência assumida pelo Recorrente ao longo de todo este processo, referindo, ainda, que a lei prevê mecanismos que permitem ultrapassar os constrangimentos decorrentes de regressão para o 5.º e 7.º ano de escolaridade, respetivamente, contudo, certo é que em nada obsta obviamente ao facto de o resultado e as suas consequências já se terem, entretanto produzido na esfera dos filhos dos Recorridos, uma vez que a regressão não deixaria de ter lugar.
XIII. Note-se bem, o que o Recorrente pretende é que dois alunos de mérito reconhecido regridam dois anos escolares e, posterior e eventualmente, após os quatro, cinco ou seis anos que vier a demorar o processo principal, recorram a outros meios para “ultrapassar o constrangimento”: seria anedótico este argumento, não fora a gravidade, dos pontos de vista também social, ético e moral da atitude e da conduta do Recorrente, o qual manifesta que o retrocesso em dois anos escolares dos menores revela-se como um simples “constrangimento” – expressão bem reveladora da postura que aquele assume no caso em apreço e com a qual não podem os Recorridos transigir.
XIV. Por outro lado, as propostas sucessivas de Planos de Recuperação de Aprendizagens, a serem percebidas pelo Recorrente como aptas a obviar os prejuízos anunciados e advenientes da reprovação dos educandos, sê-lo-ão equivocadamente, uma vez que partem da premissa de que os Recorridos, bem como os seus filhos menores, abdiquem da sua liberdade de consciência e da decisão de não frequência da disciplina “Cidadania e Desenvolvimento”, pelo que não poderá ser encarada como uma alternativa viável à resolução do litígio.
XV. Cingindo-se o juízo, no entender do Tribunal, “à possibilidade de ocorrência de danos de difícil reparação ou criação de situação de facto consumado”, “determinar que, desde já, os alunos regressem ao 5.º ano e ao 7.º (quando, já, frequentam o 7.º e o 9.º, respetivamente) implica que se perca todo o investimento do ano escolar corrente, numa fase em que ainda não está, definitivamente, assente a legalidade dos atos que o determinaram. Investimento esse que, não se pode esquecer, porque fundamental, é dos alunos e cujas repercussões (mormente elm thermos de futuro) é, sobre eles, que se vão fazer sentir (destaque nosso), bem andou o Tribunal a quo ao julgar preenchido o requisito do periculum in mora, razão pela qual o Recurso apresentado pelo Recorrente está votado ao fracasso.
XVI. No que tange com o requisito do fumus bónus iuris e contrariando a douta decisão do Tribunal a quo, vem o Recorrente alegar que se verifica um “claro erro de julgamento”, referindo-se, concretamente, à análise por parte do julgador recorrido do vício de preterição de audiência prévia, sua procedência e consequente decisão de não conhecimento dos demais vícios invocados, olvida, contudo, o Recorrente que uma coisa é a muito complexa questão que se discute, do exercício em concreto do direito à objeção de consciência, ao abrigo da Constituição e da Lei de Base do Sistema Educativo, sobre o qual o Tribunal a quo tomou uma posição que mereceu a discordância dos Recorridos, não decretando por isso, para o futuro, a providência antecipatória requerida, posição essa que motivou o recurso por eles interposto dessa parte da decisão, e outra coisa muito diferente é a quantidade e a gravidade dos vícios procedimentais, orgânico-formais e materiais de que padecem os atos suspendendos, e que já não têm a ver diretamente com esse exercício, patologias essas abundantemente explanadas e relevadas pelos Recorridos no seu pedido de suspensão de eficácia, e na ação a que este está apensado, dos quais, reitere-se, apenas um mereceu a apreciação e o perfunctório juízo de invalidade por parte do Tribunal a quo, verificação essa que prejudicou a apreciação dos demais.
XVII. Ora, é por demais evidente que, na situação sub judice, foi preterido o direito dos Recorridos à audiência prévia, uma vez que a Administração Pública emitiu três atos administrativos cujo teor é altamente prejudicial e lesivo para os direitos e legítimos interesses dos seus filhos menores, sem, contudo, lhes ter concedido a possibilidade de se pronunciarem previamente, o que não deverá ser reduzido, como pretende o Recorrente fazer valer, a uma mera formalidade, não prescindido, contudo, de que obedeça a determinadas formalidades, sendo que, o próprio Recorrente, em momento algum, admite ter notificado os Recorridos do projeto de decisão, antes apenas refere “(…) foi sempre propiciado aos requerente o direito a participarem no procedimento”, sem contudo, ter sido conferida a possibilidade de se pronunciarem sobre o conteúdo decisório.
XVIII. Note-se que não está em causa o facto de a decisão ter sido ou não uma surpresa, ou o facto de os Recorridos terem ou não acompanhado ou sido informados ao longo do processo, mas antes a realidade de não lhes ter sido concedida a possibilidade de, em termos adequados, exercerem o seu direito de audiência prévia enquanto interessados munidos de contributos próprios para a conformação da decisão final e que foram, em face da conduta da Administração, completamente desconsiderados.
XIX - Ora, configurando o direito de audiência prévia como direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, por respeito ao n.º 5 do artigo 267.º da Constituição, tendo a decisão um caráter sancionatório (cfr. artigo 32.º n.º 10 da CRP), e estando em causa o direito também fundamental ao ensino (consagrado no artigo 74.º da CRP), daí decorre (por essas três vias em simultâneo) a nulidade dos atos administrativos praticados com preterição do direito de audição, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, a qual não poderá ser suprida pelo eventual princípio do aproveitamento do ato administrativo – como decorre da alínea a) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA –, sendo, portanto, despiciendas quaisquer considerações acerca da vinculação ou não do conteúdo dos atos em causa em virtude da obediência devida pela Administração ao princípio da legalidade.
XX. Mesmo que assim não se entenda – o que não se concebe, mas apenas por dever de patrocínio se aventa – certo é que, por um lado, apenas foi apreciado um dos vícios imputado aos atos suspendendos (os quais, como bem se demonstrou em sede de Requerimento Inicial, estão munidos de diversos vícios que constituem um manifesto atropelo dos direitos legal e constitucionalmente consagrados), e que, por outro lado, estando-se em sede de ação cautelar e, em consequência, tratando-se de uma apreciação sumária, não poderia, sob pena de manifesto erro de julgamento, ter o Tribunal recorrido concluído pelo aproveitamento do ato, razão pela qual, bem andou o Tribunal a quo ao considerar verificado o requisito do fumus bonus iuris.
XXI. No âmbito da análise do cumprimento do requisito da ponderação de interesses, imprescindível para o decretamento da providência cautelar em causa, sopesando os interesses em jogo – o cumprimento da legalidade (a qual apenas será garantida com a remoção definitiva dos atos suspendendo), por um lado, e a progressão escolar normal dos alunos, por outro –, o Tribunal assevera que “obviamente, deve prevalecer o interesse dos alunos, em prosseguir, com os seus estudos, no ano escolar que, atualmente, frequentam”, entendimento que, contudo, não mereceu o acolhimento do Recorrente Ministério de Educação, que expressa “a sua estupefação perante um segmento de uma decisão judicial em que expressamente se afirma que o princípio da legalidade – manifestação intransponível do interesse público – deve ceder perante interesses particulares” e invoca que a decisão proferida coloca em causa o principio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, uma vez que, encontrando-se todos os alunos “sujeitos ao cumprimento da lei e das matrizes estabelecidas no currículo dos ensinos básico e secundário”, os filhos menores dos Recorridos “sairiam beneficiados sem que exista quadro jurídico constitucional e legal que admita tal diferenciação”.
XXII. Ora, antes de mais, revestirá importância de monta esclarecer que é precisamente a ausência de quadro constitucional e legal que legitima a atuação dos Recorridos e dos seus filhos menores, não querendo estes frequentar e não permitindo aqueles que estes assistam às aulas de “Cidadania e Desenvolvimento”, conquanto nenhum diploma prevê os termos em que o direito à objeção de consciência deve ser exercido no direito administrativo do ensino público, para salvaguarda das liberdades consagradas nos artigos 41.º e 43.º da CRP, pelo que, não se poderia exigir ao Recorridos e seus educandos que fundamentassem, concreta e especificamente, a decisão de não frequência da disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”, por esta ofender o conteúdo da sua consciência.
XXIII. Subsumindo-se na categoria de direitos, liberdades e garantias, ao direito geral à objeção de consciência é aplicável o regime do artigo 18.º da CRP, sendo, portanto, diretamente aplicável e vinculando entidades públicas e privadas, pelo que, não prevendo a Constituição qualquer restrição ao direito à objeção de consciência, nem estando o concreto modo de exercício do direito à objeção de consciência previsto em diploma infraconstitucional e estando a Administração, sujeita, na sua atividade, ao princípio da legalidade, outra não poderá ser a conclusão senão pela impossibilidade de restrição ao exercício do direito dos Recorridos à objeção de consciência, salvaguardados, claro está, os casos em que isso se justifique, limitando-se ao necessário, pela proteção de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
XXIV. O Recorrente ao invocar o princípio da igualdade, olvida-se que o mesmo integra, para além do dever de não privilegiar ou beneficiar os particulares com que se relacione, o dever de não prejudicar esses mesmos particulares, pelo que a observar-se uma violação do princípio da igualdade, esta manifestar-se-ia com referência aos Recorridos, uma vez que a Administração, na sua atuação, vem incessantemente prejudicando os direitos daqueles em razão das suas convicções mais íntimas.
XXV. De tudo quanto até agora se expôs decorre que o Tribunal não deverá ser responsabilizado pela criação de um “precedente perigoso”, como pretende fazer crer o Recorrente, na medida em que a pretensão dos Recorridos é legítima, porquanto fundada no adequado exercício de um direito fundamental, sendo que, num Estado de Direito Democrático, o precedente perigoso seria desconsiderar em absoluto os direitos fundamentais e interesses dos particulares em benefício da obediência cega à interpretação que a Administração faça da lei aplicável.
XXVI. Ainda assim, procura o ora Recorrente integrar a salvaguarda dos interesses dos alunos em causa no mais amplo interesse público, desconsiderando, portanto, que é convicção e intenção destes não frequentar as aulas de “Cidadania e Desenvolvimento”, em consonância, aliás, com as convicções dos ora Recorridos, seus pais, julgando-se, portanto, mais apto a defender e tutelar os interesses e bem-estar dos educandos do que os próprios Recorridos, alegando, para o efeito, que “a conclusão de um ciclo de ensino a título precário não é o mesmo que a sua frequência e conclusão a título definitivo, designadamente no que concerne à continuação do percurso escolar secundário e, eventualmente, frequência do ensino superior”, omitindo, contudo, que a alternativa à conclusão é, no caso concreto, a regressão de dois alunos de excelência, nos termos já enunciados, com as consequências que já tivemos ensejo de explorar, o que não se concebe.
XXVII. Ademais, refuta o Recorrente a orientação do Tribunal a quo, ainda em sede de apreciação do requisito da ponderação de interesses, de que a disciplina “Cidadania e Desenvolvimento” é uma disciplina não nuclear, referindo que “assenta em pressupostos errados que o Recorrente não pode aceitar: o de que o currículo não é uno, mas sim um aglomerado de disciplinas em que cada uma tem um valor autónomo e o de que existe uma hierarquização das disciplinas…”, omitindo, conutdo, alguns aspetos muito importantes, sendo o primeiro de que a disciplina assume caráter transversal, sendo seu propósito a transmissão de valores, dos quais alguns serão universalmente reconhecidos, mas outros contestados, contrariamente ao que sucede com outras disciplinas, como Português, Matemática ou História, transmitem conteúdos sujeitos já a uma determinada sedimentação ao longo do tempo, sendo, à partida, estáveis, razão pela qual o conteúdo daquela disciplina não pode ser comparado com as demais, na medida em que assenta numa visão do presente, instável, mutável, mas que pode ser facilmente confundida pelos menores como a única conceção da realidade.
XXVIII. Em segundo lugar, importa não esquecer que os pais têm um papel determinante na educação dos seus filhos, cumprindo a escola o papel de educação e formação nos domínios em que estes não incumbam aos primeiros, pelo que, bem se compreende que os direitos constitucionalmente consagrados dos ora Recorridos e dos seus filhos são colocados em causa em virtude da conduta do Recorrente, não merecendo, portanto, qualquer censura, o entendimento veiculado pelo Tribunal a quo, segundo o qual as diferentes disciplinas cabem diferentes propósitos e destaques no âmbito curricular, sendo, de resto, pacífico, em face do exposto, que se encontra preenchido o requisito da ponderação de interesses.
C. Da alegada nulidade da decisão proferida
XXIX - Aqui chegados, afiança o Recorrente que, “para lá do erro de julgamento, nos termos antecedentes, entendemos que a sentença proferida é nula”, alegando, num primeiro momento, que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, ao não analisar todas as questões relacionadas com a violação do direito de audiência prévia, preenchendo, portanto o âmbito de aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA e, num segundo momento, que a alegação de nulidade da sentença na ambiguidade manifestada no segmento decisório da sentença, uma vez que, no seu entender, o determinado no ponto ii. se encontra em contradição com o decidido no ponto iii., sendo causa de nulidade nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA
XXX. Quanto à alegada omissão de pronúncia por parte do Tribunal, a instância de que se recorre curou de analisar as questões consideradas pertinentes, não para a resolução do litígio, mas para o decretamento das providências cautelares peticionadas, sendo que, o juízo a empreender, nesta sede, é necessariamente perfuntório, superficial, bastando-se com indícios que, com algum grau de probabilidade, permitam concluir que o sentido decisório na ação principal será favorável à pretensão formulada em sede de processo cautelar, não se afigurando pertinente uma análise exaustiva das questões suscitadas, relegando juízos dessa índole para a decisão final, pelo que, não deverá proceder a arguição, por parte do Recorrente, de nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia.
XXXI. No referente à alegada nulidade da sentença com base na ambiguidade manifestada no segmento decisório da sentença, cremos não assistir qualquer razão ao Recorrente neste âmbito, uma vez que não se perscruta qualquer ambiguidade no sentido decisório do Tribunal a quo, na medida em que, num primeiro momento, o Tribunal decreta a suspensão dos Despachos n.ºs 49/2020 e 50/2020 e do despacho de homologação do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, de 16.01.2020, exarado sobre a Informação n.º 19/GSEAE/20, sendo que essa suspensão determina que não se produzam os efeitos dos respetivos atos que, a manifestarem-se, redundariam na reprovação dos filhos menores dos Recorridos e, em consequência, os menores manter-se-ão no ano escolar que frequentam à data, sendo o restante teor daquele ponto ii. consequência natural do sucessivo decurso dos anos letivos que venham a ter lugar durante a pendência da ação principal, ainda para mais tendo em conta os desenvolvimentos que se vêm manifestando no que concerne aos anos letivos de 2019/2020 e 2020/2021.
XXXII. Como tal, o seu âmbito não se confunde com o do ponto iii., em que o Tribunal indefere a providência cautelar antecipatória, nem se pretende que os efeitos aí previstos decorram diretamente do decretamento da providência cautelar de suspensão dos atos impugnados, não se questionando, sequer, que a suspensão da eficácia dos atos impugnados, relativos aos anos letivos de 2018/2019 e 2019/2020, não abrangerá as futuras deliberações dos conselhos de turma relativas ao presente ano letivo (de 2020/2021) e aos anos letivos posteriores.
XXXIII. Não se considera, por outro lado, e com base no que se expôs, que o ponto ii. equivalha a condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, porquanto, no nosso entender, foi intenção do Tribunal tão-só reiterar, não as consequências provocadas pelo decretamento da suspensão dos atos impugnados, mas as consequências permitidas por aquela decisão, não se estabelecendo entre ambas um nexo de causalidade, pelo que, nestes termos, soçobram todos os argumentos expendidos pelo Recorrente em sede de arguição de nulidade da sentença recorrida.
XXXIV. Face a tudo quanto se expôs, dúvidas não restam de que bem andou o julgador a quo ao concluir pelo decretamento da providência de suspensão de eficácia dos atos impugnados, pelo que deverá a presente decisão ser mantida nessa parte.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, na parte em que decretou a providência de suspensão de eficácia dos atos impugnados.

Assim se fazendo, INTEIRA JUSTIÇA!



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Por sua vez, os Requerentes A. e A., por si e em representação dos seus filhos menores, R. e T., por também não se conformarem com a Sentença proferida, na parte em que indeferiu a providência cautelar antecipatória por si peticionada [atinente ao decretamento de providência cautelar inominada, que haviam enunciado a final da Petição inicial, nos seguintes termos: (i) no reconhecimento provisório, até que seja proferida uma decisão judicial definitiva do direito dos filhos dos Requerentes (A. e A.) à não frequência da disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”, ou, caso assim não se entenda, que a não comparência à referida disciplina não seja tida como falta injustificada; (ii) na condenação do agrupamento escolar a avaliar os menores R. e T. sobre o seu desempenho no ano escolar 2019/2020, não obstaculizando a transição de ano dos mesmos; e (iii) na proibição de ver os filhos dos Requerentes prejudicados, de qualquer modo, na respectiva avaliação e progressão escolar], interpuseram recurso jurisdicional da mesma Sentença proferida pelo Tribunal a quo, tendo a final das Alegações por si apresentadas elencado as conclusões que ora se reproduzem:

I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, notificada aos Recorrentes em 22.01.2021, que julgou parcialmente procedente o presente processo cautelar, tendo indeferido o pedido de decretamento da providência cautelar inominada, por via da qual os Recorrentes pugnaram pelo “reconhecimento provisório, até que seja proferida uma decisão judicial definitiva do direito dos filhos dos Requerente à não frequência da disciplina de «Cidadania e Desenvolvimento», ou, caso assim não se entenda, que a não comparência à referida disciplina não seja tida como falta injustificada; (ii) Na condenação do agrupamento escolar a avaliar os menores R. e T. sobre o seu desempenho no ano escolar 2019/2020, não obstaculizando a transição de ano dos mesmos; (iii) Na proibição de ver os filhos dos Requerentes prejudicados, de qualquer modo, na respetiva avaliação e progressão escolar”.
II. Não se conformando com o sentido da decisão ora em crise, na medida em que decide pela improcedência do decretamento da providência cautelar antecipatória inominada requerida, apresentam os Recorrentes o presente recurso, porquanto, e conforme se propõem demonstrar, a decisão padece flagrante erro de julgamento de Direito, ofendendo os mais elementares ditames constitucionais e legais aplicáveis.
Vejamos, em concreto.
III. Conforme supra se referiu, o Tribunal a quo julgou improcedente a providência cautelar inominada, invocando, para o efeito, que “não se consegue compreender, efetivamente, em que é a violação da liberada da consciência ocorre”, na medida em que, no entendimento do julgador recorrido, os Recorrentes “(…) não indicam uma matéria concreta que colida com um seu princípio ou convicção (…), não permite concretizar o que está em causa; não permite saber qual a sua própria conceção de um qualquer tema e em que aspeto fundamental aquela abordagem afeta a sua posição, a sua consciência”.
IV. Como já aduzido em sede de Requerimento Inicial, a liberdade de consciência encontra-se prevista no n.º 1 do artigo 41.º da CRP, aí se determinado que “A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável”, prosseguindo o n.º 6 que “É garantido o direito de objeção de consciência, nos termos da lei”, nesta medida, a objeção de consciência é um direito indissociável da liberdade de consciência e consiste, em geral, numa recusa legitimada pela Constituição em obedecer a disposições de autoridade por motivos de consciência, este direito corresponde à “posição subjetiva constante do Direito Constitucional, pela qual se isenta de quaisquer sanções o incumprimento de um dever jurídico específico, por razões relacionadas com as convicções do respetivo titular, desde que realizado de um modo individual, pacífico e privado” Cfr. GOUVEIA, Jorge Bacelar, “Objeção de Consciência (direito fundamental à)”, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, VI, Livraria Arco-Íris (Lisboa: 1994), pág. 8
.
V. O fundamento da objeção de consciência reside na dignidade da pessoa humana, pilar do Estado de Direito e do ordenamento jurídico português (artigo 1.º da CRP), estando previsto o modo de exercício de diversos direitos de objeção de consciência, a verdade é que, em termos gerais, são imprecisos os termos em que o direito à objeção de consciência deve ser exercido, e isto para não dizer inexistente, carecendo o modo do seu exercício de concretização legal, sendo inelutáveis as consequências que o vácuo criado pela sua inexistência gera na esfera jurídica dos cidadãos.
VI. Disso será consequência inequívoca o caso em apreço, pois não está regulado por lei o direito à objeção de consciência no direito administrativo do ensino público básico e secundário, para salvaguarda das liberdades consagradas nos artigos 41.º e 43.º da CRP, por isso, não merece acolhimento, estando, aliás, votado ao fracasso, o entendimento de que “não basta invocar a objeção de consciência, é imperioso que se indique, em concreto, qual a convicção, valor, princípio em causa, suscetível de ser afetado por esta ou aquela atuação, ou no presente caso, por esta ou aquela matéria/abordagem” (destaque nosso), isto porque, de nenhuma norma resulta expressamente que deveriam os Recorrentes ter, imperiosamente, indicado, em concreto, os fundamentos subjacentes à pretensão formulada.
VII. Com efeito, enquadra-se o direito geral à objeção de consciência no título da Constituição respeitante aos Direitos, Liberdades e Garantias, estando, por isso, sujeito ao respetivo regime, o que significa que lhe é aplicável o regime do artigo 18.º da CRP, que dispõe que “os preceitos respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculas as entidades públicas e privadas”, sendo que a não ser seguido este entendimento, poderá ser esvaziado o conteúdo e o alcance da própria norma constitucional que consagra o direito à objeção de consciência, que ficaria nas mãos do legislador ordinário, podendo este, no limite, abster-se de legislar sobre a objeção de consciência em qualquer domínio específico, anulando por completo o seu conteúdo e alcance.
VIII. Não estando qualquer restrição ao direito à objeção de consciência previsto expressamente na Constituição, necessário se tornará que a admissibilidade da restrição encontre nele expressão suficiente e adequada.
IX. Estando a Administração, contudo, sujeita, na sua atividade, ao princípio da legalidade, ínsito no artigo 3.º do CPA, devendo obediência à lei e ao direito, e não podendo agir para além dos limites por aqueles impostos, não poderá aquela exigir aos Recorrentes – quando a lei não o faz -, que, para o exercício do seu direito à objeção de consciência, apresentem motivos e fundamentos concretos, pelo que, na ausência de regulamentação específica sobre o modo de exercício do direito à objeção da consciência no caso dos ora Recorrentes, doutro modo se não poderá concluir senão pela impossibilidade de restrição ao exercício do direito com base nos fundamentos mobilizados na sentença, salvaguardados, claro está, os casos em que tanto se justifique, limitando-se ao necessário, pela proteção de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
X. Tal não será o caso, como resulta já, aliás, do expendido no Requerimento Inicial, na medida em que o exercício do direito à objeção de consciência pelos Recorrentes não ofende outros direitos ou interesses com guarida constitucional, pelo que, sendo vedado o exercício do direito à objeção de consciência e, consequentemente, o decretamento da providência cautelar antecipatória inominada requerida, a mais não se estará a consentir que não na coação à adoção de uma hetero-consciência, a imposição de uma consciência que não a sua e a obrigação de a aceitarem como única válida, sendo, como consequência, violados, tanto a sua liberdade de consciência, como o seu direito à objeção de consciência.
XI. Com relevo para a questão, importa atender ao já manifestado pelo Tribunal Constitucional de que “O Estado não pode, pois, impor aos cidadãos quaisquer formas de conceção do homem, do mundo e da vida Cfr. Ac. do TC, com o n.º convencional ACTC00003844, proferido no âmbito do processo n.º 88-0322, de 17-02-1993., contudo ao ser vedado a possibilidade de os Recorrentes e os seus filhos invocarem a objeção de consciência para que aqueles não frequentem a aulas da disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”, está-se do mesmo passo a consentir – e foi isto que mereceu, e mal, o acolhimento do julgador a quo na sentença recorrida – que o Estado obrigue estes dois alunos de mérito a frequentar uma disciplina que veicula e impõe às crianças (ainda sem idade bastante para submeter tais conteúdos a um crivo crítico) uma determinada conceção do mundo.
XII. Neste sentido, bem se compreende que os direitos constitucionalmente consagrados dos Recorrentes e dos seus filhos se coloquem em crise em virtude, não só da conduta dos Recorridos, mas também, da decisão recorrida, conquanto vedou, sem fundamento válido para o efeito, o direito de objeção de consciência invocado pelos Recorrentes.
XIII. Acresce que, aduz o Tribunal, na Sentença recorrida, que os ora Recorrentes “sustentam oposição à frequência da disciplina, mas não indicam, ali, uma matéria concreta que colida com um seu princípio ou convicção”, acrescentando que “os Requerentes proibiram, ab initio, a frequência da disciplina, não diferenciando as efetivas matérias que colidiriam com a sua consciência”.
XIV. Não deixa de causar admiração a incidência do Tribunal a quo sobre esta observação, em mais do que uma ocasião dando nota de que litígio se manifestava unicamente em relação à disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”, e não sobre os temas que a compõem, pelo que, ignora, o julgador recorrido que os Recorrentes procuraram concretizar o âmbito da sua liberdade de consciência, traduzido no exercício do seu direito à objeção de consciência, quando, a título de exemplo, nos artigos 240.º e seguintes do Requerimento Inicial, fazem referência à adoção das orientações constantes do programa PRESSE – Programa Regional de Educação Sexual em Saúde Escolar, promovido pela Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN), implementado no Agrupamento de Escola frequentado pelos filhos dos ora Recorrentes.
XV. Se o Tribunal a quo não se basta com justificações dessa índole, em relação a matérias concretas da disciplina que contendem com as convicções pessoas dos Recorrentes, não logrará o cidadão médio justificar, então, em circunstâncias semelhantes, o exercício do seu direito à objeção de consciência, porquanto carece de diretrizes precisas quanto à concretização do que compõe ou deve compor a sua consciência e só esta asserção será, só por si, desprovida de sentido, na medida em que nenhuma pessoa deve ser sujeita, na constituição do que configura a sua consciência e os elementos que a integram, a um iter específico, pré-determinado, muito menos a determinar pelo Juiz no exercício da atividade judicativo-decisória.
XVI. Negando-se o exercício do direito à objeção de consciência com base na incapacidade de compreensão, por parte do Juiz, da determinação do que constitui, para os Recorrentes, violação da sua liberdade de consciência, o problema será, então, evidentemente dialético, convocando uma dimensão probatória, a que faremos referência infra, de difícil resolução.
XVII. Não significa isto, porém, que a violação da liberdade de consciência dos Recorrentes não tenha ocorrido e ocorra ainda, constituindo simples confirmação da incompreensão, por parte do Tribunal a quo, do referente axiomático e principiológico que enforma a consciência dos Recorrentes, não demonstrando a sensibilidade axiológica necessária para, colocando-se no lugar da parte, entender de que forma a obrigatoriedade de frequência da disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento” contende com e ofende a sua liberdade de consciência e o direito à objeção de consciência como decorrência daquela.
XVIII. Com efeito, carece de correspondência com a realidade, a afirmação do julgador a quo de que “(…) os Requerentes proibiram, ab initio, a frequência da disciplina, não diferenciando as efetivas matérias que colidiriam com a sua consciência. Sendo que, tal, a eles se impunha. E não basta dizer que se discorda, por exemplo, da conceção de género, ou afirmar que a conceção que é lecionada na disciplina está sujeita a determinações estaduais de cariz filosófico, estético, político, ideológico ou religioso – é mera afirmação sem concretização (…)”, na medida em que, reitere-se não recaía sobre os Recorrentes o dever de fundamentar nestes termos o exercício do direito à objeção de consciência, uma vez que tanto não decorre, nem da Constituição, nem de qualquer diploma infraconstitucional regulador do exercício do direito à objeção de consciência nas circunstâncias dos Recorrentes.
XIX. Por outro lado, não se percebe a razão pela qual se impõe a objeção individualizada a determinados domínios ou matérias, quando a disciplina deve ser considerada como um todo, composto de diversos módulos, como qualquer outra disciplina lecionada no Ensino Básico e no Ensino Secundário, mesmo que só exercesse o seu direito à objeção de consciência quanto a algum ou alguns temas ou matérias, a verdade é que, em termos de assiduidade, seria exigida, como, reiteramos, em qualquer outra disciplina, a assistência a todas as aulas.
XX. Por tudo quanto se vem expendendo, fácil se torna perceber que nos encontramos em face de conceitos voláteis, multifacetados, plurívocos, cuja compreensão poderá, não poucas vezes, suscitar problemas interpretativos e valorativos, aos quais já lhes fizemos referência supra, designadamente quando referimos os obstáculos dialéticos erigidos à adequada compreensão do que compõe a consciência de cada pessoa enquanto indivíduo e, portanto, uno e irrepetível.
XXI. Os critérios éticos pelos quais nos guiamos são iminentemente pessoais e, não sendo estanques nem compartimentados, são antes fluídos, podendo assumir uma pluralidade de formas, dimensões e nuances que os distinguem dos demais, pelo que poderemos nem saber explicá-los ou, transpô-los adequadamente para o plano da linguagem, sem que isso signifique, contudo, que a consciência de cada um esteja desprovida de conteúdo, de elementos valorativos, ético-morais, padrões de conduta e convicções.
XXII. Note-se que não releva, ou não deverá relevar, para o caso decidendo o nível de densificação do conteúdo da consciência, a compartimentação de conceitos e crenças, o radical ético-axiológico que subjaz e enforma cada um de nós, os Recorrentes expuseram, nas missivas dirigidas à escola, e bem assim, no Requerimento Inicial, os motivos subjacentes ao exercício do seu direito à objeção de consciência, apresentando argumentos relacionados com o direito à educação e à liberdade de aprender no ensino público, ínsitos no artigo 43.º da Constituição, livre de diretrizes estaduais de pendor filosófico, estético, político, ideológico ou religioso, bem como com o direito dos pais ao direito e dever de educação dos filhos, previsto no n.º 5 do artigo 36.º da Constituição, que pretendem exercer em conformidade com os seus valores e convicções.
XXIII. Sem prejuízo disso, pretende o Tribunal a quo, conforme resulta da sentença recorrida, que os Requerentes traduzam em elementos textuais o seu radical ético-axiológico, o núcleo da sua consciência, de forma límpida e cristalina, como se a tarefa, inerentemente dada a equívocos, não consubstanciasse um desafio de elevada complexidade, apto a ocasionar uma “loss in translation”.
XXIV. Não será despicienda a consideração destas circunstâncias, uma vez que, a exigir-se, para o exercício do direito à objeção de consciência, que os Recorrentes exponham as convicções e conceções fundamentantes, o que se lhe estará a exigir é verdadeira probatio diabólica, pois que, não bastando a identificação das diretrizes filosóficas e ideológicas que enformam a disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento” e a matriz moral e religiosa dos Recorrentes, manifestamente contrária àquelas diretrizes, bem como o dissídio evidenciado entre ambas da perspetiva dos Recorrentes, que mais será exigível?
XXV. Pela postura evidenciada pelo Tribunal a quo, facilmente se depreende que os aqui Recorrentes, por muito que expendessem a esse propósito, nunca lograriam demonstrar a violação da sua liberdade de consciência, uma vez que, neste âmbito, se assomam as dificuldades dialéticas a que já fizemos referência supra, concretizadas na referida probatio diabolica, traduzidas na dificuldade de expressão da intimidade ético-axiológica própria dos Recorrentes.
XXVI. Aliás, sempre se diria que o princípio da proporcionalidade impunha que o julgador a quo uma decisão distinta daquela que foi proferida, porquanto tal princípio pede que se encontre uma solução diversa da que foi imposta pelo Ministério da Educação, independentemente da ótica sob a qual o consideremos: idoneidade, necessidade ou proporcionalidade stricto sensu.
XXVII. Pois se o direito à objeção de consciência e o direito à educação pelos pais, como os demais direitos, liberdades e garantias, podem ser restringidos por lei, deverá o legislador assegurar-se que os bens jurídicos que pretende acautelar não poderiam ter sido defendidos de outra maneira ou de uma maneira menos lesiva para os direitos, liberdades e garantias objeto da restrição.
XXVIII. Porém, certo é que, in casu, não se existe qualquer restrição legal que impeça os Recorrentes de invocarem a objeção de consciência para obstar a que os seus filhos frequentem a disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”.
XXIX. É o que estabelece o princípio da adequação ou idoneidade (as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei); o princípio da exigibilidade ou necessidade (as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias, porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias, e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito (os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos).
XXX. Ora, num caso como este, em que os pais se encontram tão empenhados na educação dos filhos, em que se provou que as crianças são consideradas exemplares entre os seus pares, tendo feito parte do quadro de mérito todos os anos, não parece estar em risco o direito à educação para a cidadania e valores cívicos.
XXXI. No caso sub judicio, os Encarregados de Educação identificaram com bastante precisão, nos concretos conteúdos da disciplina «oferecida» no Agrupamento de Escolas (...), diretrizes ideológicas contrárias aos valores em que pretendem educar os seus filhos até à maioridade, e agiram de acordo com a sua consciência ao proibirem os filhos de participarem nas aulas de Cidadania e Desenvolvimento – injunção a que, aliás, os ditos filhos aderiram sem reservas, pelo que, ambos os menores atuaram, pois, igualmente, de acordo com a sua própria consciência, ao considerarem, eles também, que deveriam abster-se de assistir às referidas sessões.
XXXII. Os Requerentes aduziram, por conseguinte, argumentos relacionados com o direito à educação e à liberdade de aprender no ensino público sem sujeição a diretrizes estaduais de cariz filosófico, estético, político, ideológico ou religioso que eles, em consciência, pretendem exercer de acordo com os seus valores e convicções religiosas, exercendo um direito de objeção de consciência que a Constituição lhes assegura, contudo, não obstante a vasta argumentação aduzida pelos Recorrentes, optou o Recorrido – agora com o acolhimento do Tribunal recorrido – por condicionar o direito fundamental constitucionalmente consagrado da objeção de consciência.
XXXIII. Significa isto que, sob este prisma, a decisão recorrida deverá ser removida da ordem jurídica, na medida em que afronta diretamente o princípio da proporcionalidade.
Aqui chegados,
XXXIV. Face a tudo quanto se expôs, dúvidas não restam de que mal andou o julgador a quo a concluir pelo não decretamento da providência antecipatória inominada, pelo que deverá a presente decisão ser revogada e substituída por outra que acautele os direitos constitucionalmente consagrados dos Recorrentes e dos seus filhos.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que não decretou a providência antecipatória inominada.
Assim se fazendo, INTEIRA JUSTIÇA!”
*

Com referência às Alegações de recurso apresentadas pelos Requerentes, o Ministério da Educação apresentou Contra alegações, tendo a final elencado as conclusões que ora se reproduzem:

“A. Não se conformando com o sentido da decisão proferida, na medida em que decide pela improcedência do decretamento da providência cautelar antecipatória inominada requerida, vieram os recorrentes apresentar o presente recurso, porquanto, como alegam, a decisão padece de erro de julgamento de Direito.
B. Os recorrentes alegam, em súmula, que o decretamento da providência cautelar inominada se afigurava como uma medida fulcral “para que fosse respeitado o direito de objecção de consciência daqueles e dos seus filhos menores e para que estes pudessem progredir naturalmente no ciclo de estudos”.
C. Assim, os recorrentes discordam da decisão proferida, porquanto, no mais, aí se estabelece que “a invocação da objeção de consciência não poderá, assim, proceder porque não vem, efetivamente, assente em qualquer factualidade concreta; isto é, não basta dizer que discorda de determinada matéria, invocar que, pela disciplina, se está a impor/ensinar uma ideologia; exige-se que, concretamente, seja indicada a “consciência” em causa e em que medida, uma determinada e concreta atuação, a viola”.
D. Para os recorrentes, não resulta da lei o dever de indicarem em concreto os fundamentos subjacentes à pretensão formulada, concretamente “(…) não recaía sobre os Recorrentes o dever de fundamentar nestes termos o exercício do direito à objeção de consciência, uma vez que tanto não decorre, nem da Constituição, nem de qualquer diploma infraconstitucional regulador do exercício do direito à objeção de consciência nas circunstâncias dos Recorrentes.”.
E. Não padece a decisão proferida, nesta parte, do apontado vício de erro de julgamento de direito - A objeção de consciência não pode ser entendida como um chapéu que cubra, isentando de consequências, qualquer incumprimento de deveres jurídicos específicos, apenas e só porque a recusa de cumprimento se mostra ancorada na sua invocação.
F. Não merece censura a conclusão extraída da sentença recorrida de que “para quese possa dar como verificada, ainda que, em sede provisória e sumária, a ocorrência da violação do direito à objeção de consciência, concretizar, em que assenta a mesma, é imprescindível”.
G. Conforme decorre artigo 41.º, n.º 1 da CRP, a liberdade de consciência é inviolável, consubstanciando-se na liberdade de formar a consciência, de decidir em consciência, de agir em consciência, sendo indissociável da liberdade de pensamento, e tendo como objeto tanto as convicções religiosas, como morais e filosóficas.
H. Atento o seu caráter de direito fundamental, o n.º 6 do mesmo artigo estabelece que “É garantido o direito à objeção de consciência, nos termos da lei.”, direito que encontra, o seu fundamento no direito à dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1.º do diploma fundamental e na sua capacidade de autodeterminação, de escolha do seu próprio critério de decisão.
I. A invocação do direito à objeção de consciência, permitindo ao individuo que dela beneficia escusar-se, sem sanção, ao cumprimento de um dever ou obrigação legal, colide com o princípio constitucional da igualdade, plasmado no artigo 13.º da CRP.
J. O exercício do direito à objeção de consciência importa necessariamente um tratamento diferenciado, perante a lei, para o objetor, daqui decorrendo a sua excecionalidade, apertado controlo e necessidade de previsão, ainda que pelo legislador ordinário, das situações em que há lugar ao efetivo exercício daquele direito e em que moldes é que o mesmo se operacionaliza.
K. O legislador constitucional remeteu para o legislador ordinário a operacionalização do exercício daquele direito, pelo que que a objeção de consciência “não pode exercer-se senão nos termos da lei (artigo 46.º, n.º 6 in fine), à qual cabe estabelecer procedimentos equitativos destinados à verificação da seriedade dos motivos e à salvaguarda dos bens comunitários fundamentais.
L. Não obstante se encontrar enquadrado no capítulo dos Direitos Liberdades e Garantias, o direito de objeção da consciência previsto no n.º 6 do artigo 41.º da CRP encontra-se sob reserva de lei, não sendo, concomitantemente, diretamente aplicável na medida em que carece de concretização da lei ordinária.
Ademais,
M. A disciplina em causa não ofende direitos fundamentais, não consubstancia uma ideologia, antes refletindo valores e princípios constitucionais, comummente aceites pela sociedade portuguesa e que visam a construção de uma sociedade baseada na dignidade da pessoa humana, livre, justa e solidária, o que arreda a pretensão dos recorrentes
N. A CRP, em linha com o disposto no n.º 3 do artigo 26.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, vem estabelecer que compete ao Estado cooperar com os pais na educação dos filhos, (cfr. alínea c) do n.º 2 do artigo 67.º), estabelecendo, igualmente, no artigo 73.º que que todos têm direito à educação, atribuindo ao Estado a competência para promover a democratização da educação e as demais condições para que aquela – realizada através da escola – contribua para a igualdade de oportunidades, para a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, para o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva.
O. A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), reflete estes princípios constitucionais estabelecendo que o sistema educativo responde às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho, e ainda que a educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva.
P. Concretizando estes princípios, prevê a LBSE, no seu artigo 50.º, que os planos curriculares do ensino básico incluirão em todos os ciclos e de forma adequada uma área de formação pessoal e social, que pode ter como componentes a educação ecológica, a educação do consumidor, a educação familiar, a educação sexual, a prevenção de acidentes, a educação para a saúde, a educação para a participação nas instituições, serviços cívicos e outros do mesmo âmbito.
Q. A disciplina “Cidadania e Desenvolvimento” é transversal a todos os ciclos e níveis de ensino e de frequência obrigatória (como aliás o são todas as disciplinas do currículo, com exceção da disciplina de Educação Moral e Religiosa que é de frequência facultativa), e desenvolve-se no âmbito da Estratégia Nacional para a Cidadania, conforme se extrai da al. g) do artigo 3.º e do n.º 1 do artigo 15.º do DL n.º 55/2018, de 6 de julho.
R. Os domínios da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento encontram-se definidos na Portaria n.º 223-A/2018, de 3 de agosto, divididos em três grupos com implicações diferenciadas a trabalhar pelas escolas, em função da comunidade educativa em que se inserem, através da Estratégia da Escola de Educação para a Cidadania, sendo os respetivos referenciais elaborados ou validados pela Direção-Geral de Educação, serviço público com a atribuição de desenvolver os currículos e os programas das disciplinas (cfr. al. a) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 14/2012 de 20 de janeiro) e suportados nos estudos e pareceres de personalidades e/ou entidades nacionais e internacionais de prestigio e reconhecido mérito.
S. Em concreto, no domínio da sexualidade, o respetivo referencial resulta de uma parceria entre a Direção-Geral de Saúde e a Direção-Geral de Educação, sendo a sua lecionação, pelo Agrupamento de Escolas frequentado pelos filhos dos Recorrentes, realizado através do PRESSE - Programa Regional de Educação Sexual em Saúde Escolar, promovido pela Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. através do seu Departamento de Saúde Pública em parceria com a Direção Geral dos Estabelecimentos de Ensino - Delegação do Norte e que apoia a implementação da educação sexual nas escolas, e traz, ainda, rigor científico na transmissão da matéria, não havendo, pois, qualquer doutrinação dos alunos ou ideologia.
T. Importa realçar o papel da educação sexual/sexualidade nas escolas, que tem vindo a ser reconhecido e recomendado sucessivamente, contribui para a melhoria dos relacionamentos afetivo-sexuais entre os jovens, para a redução de comportamentos sexuais de risco, que deem origem a gravidezes precoces ou infeções sexualmente transmissíveis ou para a tomada de decisões conscientes na área da educação para a saúde - educação sexual.
U. Os conteúdos dos domínios da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento concretizam, pois, o disposto no direito à educação e no dever do Estado colaborar com os pais na educação dos filhos, não consubstanciam doutrinação ideológica, sendo que, como acentua, Jorge Miranda a propósito do referido dever de colaboração, “tão pouco existe contradição entre o n.º 2 [artigo 73.º da CRP] e a proibição do Estado de programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas ideológicas ou religiosas do n.º 2 do artigo 43.º. É que os objetivos e valores a que se apela são essenciais à ordem constitucional democrática, não fazem mais do que recordar o quadro básico em que o contraditório inerente a uma sociedade livre deve desenvolver-se e o Estado não lhes pode ser indiferente.”
V. A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento tem respaldo constitucional, concretiza os princípios constantes da LBSE, não contendo uma programação doutrinária ou ideológica, muito menos “uma determinada conceção do mundo” que, aliás, os recorrentes não densificam, por forma a sustentarem o alegado direito de objeção de consciência a que se arrogam.

Termos em que não deverá o recurso apresentado pelos requerentes – aqui recorrentes – colher provimento.”
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão de ambos os recursos, fixando os seus efeitos, e modo de subida.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito de ambos os recursos jurisdicionais [do Requerido Ministério da Educação e dos Requerentes], no âmbito do qual foi do entendimento que a Sentença não merece censura e de que os recursos devem ser julgados improcedentes.
***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes [pelo Requerido Ministério da Educação e pelos Requerentes], cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, em torno das questões suscitadas pelo Recorrente Muinistério da Educação e patenteadas nas conclusões apresentadas resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida enferma:

(i) da nulidade que lhe vem imputada, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, com fundamento em omissão de pronúncia - Cfr. conclusões R), S), T) e U) das Alegações de recurso.

(ii) da nulidade que lhe vem imputada, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, com fundamento na ocorrência de oposição ou ambiguidade entre os fundamentos e a decisão - Cfr. conclusão Y), Z), AA e AB) das Alegações de recurso.

(iii) da nulidade que lhe vem imputada, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, com fundamento em que o Tribunal a quo condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido - Cfr. conclusão AD), AE), AF) das Alegações de recurso.

(iv) do erro de julgamento que lhe bem imputado em matéria de interpretação e aplicação do direito [dos artigos 148.º do CPA, e 51.º e 89.º, n.º 1, ambos do CPTA], por ter o Tribunal a quo determinado a improcedência da exceção dilatória atinente à inimpugnabilidade do acto praticado pelo Secretário de Estado Adjunto e da Educação, datado de 16 de janeiro de 2020, exarado sobre a informação n.º 19/GSEAE/20 – Cfr. conclusões F), G) das Alegações de recurso.

(v) do erro de julgamento que lhe bem imputado em matéria de direito, por não ter sido efectuada pelo Tribunal a quo a correcta aferição do requisito atinente ao periculum in mora Cfr. conclusões J), K), L) das Alegações de recurso.

(vi) do erro de julgamento que lhe bem imputado, em matéria de interpretação e aplicação do direito [dos artigo 121.º do CPA], por não ter sido efectuada pelo Tribunal a quo a correcta aferição do requisito atinente ao fumus bonus iuris - Cfr. conclusões M), N), O), P), e Q)das Alegações de recurso.

(vii) do erro de julgamento que lhe bem imputado, em matéria de interpretação e aplicação do direito, por não ter sido efectuada pelo Tribunal a quo a correcta aferição do requisito da ponderação dos interesses - Cfr. conclusões V), W) e X) das Alegações de recurso.

Por seu lado, em torno das questões suscitadas pelos Recorrentes A., A., R. e T. patenteadas nas conclusões apresentadas resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, por não ter o Tribunal a quo decretado a providência antecipatória por si peticionada – Cfr. conclusões II), IV), V), VI), VII), VIII), IX), X), XII), XIV), XV), XVI), XVII), XIX), XXI), XXII), XXV), XXVII), XXVII), XXIX), XXXI), XXXII) e XXXIII) das Alegações de recurso.
**

III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[...]
Com relevo para a decisão a proferir, julgam-se sumariamente provados os seguintes factos:

1. Os Requerentes são os progenitores dos educandos R. e T., ambos alunos do Agrupamento de Escolas (...) – cfr. docs. 4 e 5 juntos com o requerimento inicial;

2. No dia 10.10.2018, o Primeiro Requerente, que é o Encarregado de Educação das referidas crianças, dirigiu uma missiva ao Diretor do Estabelecimento de Ensino “Escola (...)”, com o seguinte teor – cfr. docs. 6 e 7 juntos com o requerimento inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

3. O Diretor do Estabelecimento, C., remeteu mensagem de correio eletrónico ao Requerente a 18.10.2018, com o seguinte teor – cfr. doc. 9 junto com o requerimento inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

4. O Requerente respondeu, por mensagem de correio eletrónico, em 23.10.2018 – cfr. doc. 8 junto com o requerimento inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

5. Em 23.10.2018, os Requerentes enviaram nova carta ao Diretor do Agrupamento de Escolas (...), C., com o seguinte teor – cfr. doc. 10 junto com o requerimento inicial:


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

6. No dia 14.11.2018, o primeiro Requerente dirigiu um novo e-mail ao Diretor do Estabelecimento, com o seguinte teor – cfr. doc. 11 junto com o requerimento inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


7. Em 19.12.2018, o Chefe da Equipa Multidisciplinar de Apoio Pedagógico da Direção de Serviços da Região Norte da DGEstE, Dr. Jorge Araújo, enviou ao Diretor do Agrupamento de Escolas (...) um ofício com a referência “S/12362/2018”, com o seguinte teor – cfr. doc. 12 junto com o requerimento inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

8. Foi dado conhecimento ao Requerente do ofício referido no ponto anterior, por mensagem de correio eletrónico, de 21.12.2018 – cfr. doc. 13 junto com o requerimento inicial;

9. Por mensagem de correio eletrónico, remetido em 31.12.2018, o Requerente comunicou o seguinte – cfr. doc. 14 junto com o requerimento inicial:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

10. Em 21.01.2019, o Requerente remeteu nova carta ao Diretor do Agrupamento, com o seguinte teor – cfr. doc. 15 junto com o requerimento inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

11. Em 24.01.2019, o Diretor do Estabelecimento de Ensino respondeu, via correio eletrónico, anexando a Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro (Estatuto do Aluno e Ética Escolar), e expondo – cfr. doc. 16 junto com o requerimento inicial:


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

12. Em 04.02.2018 e em 07.02.2018, seguiram outras duas missivas do Requerente para o Diretor do Agrupamento de Escolas (...), com o seguinte teor – cfr. docs. 17 e 18 juntos com o requerimento inicial:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

13. Em 19.02.2019, enviou, o Requerente, mensagem de correio eletrónico, à Diretora de Turma do Educando R., com o seguinte teor – cfr. doc. 19 junto com o requerimento inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


14. Em 20.02.2019, o Encarregado de Educação voltou a receber um Plano de Recuperação de Aprendizagens (PRA), por motivo de faltas imputadas ao Educando T., sempre à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, ao qual deu resposta no dia seguinte, anexando a carta enviada pelo mesmo, à Escola, no dia 23.10.2018, e duas Cartas Abertas endereçadas, uma ao Ministro da Educação, e a outra ao Presidente da República – cfr. docs. 20 e 21 juntos com o requerimento inicial:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

15. O referido PRA foi também enviado pela Escola, no dia seguinte a esta comunicação, por carta registada, sob a forma de “Declaração EE” – cfr. doc. 22 junto com o requerimento inicial;

16. Carta esta que foi respondida pelos Requerentes, em 22.02.2019, por mensagem de correio eletrónico, com o seguinte teor – cfr. doc. 23 junto com o requerimento inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

17. Semelhante missiva foi enviada aos Diretores de Turma dos Alunos M., T. e R., no dia 26.02.2019, bem como a todos os membros do corpo docente das respetivas turmas – cfr. docs. 24, 25 e 26 juntos com o requerimento inicial;

18. Em 06.06.2019, o Encarregado de Educação dirigiu nova carta ao Diretor do Estabelecimento Escolar, pois constava dos Registos de Avaliação dos Educandos R. e Tiago que teriam assistido a aulas de Cidadania e Desenvolvimento (4 e 3, respetivamente) e que teriam faltado injustificadamente à dita disciplina – cfr. doc. 27 junto com o requerimento inicial;

19. No final desse mesmo mês e no início do seguinte, os Requerentes enviaram três missivas idênticas – duas à Escola (...) e uma à Escola (...) –, informando que não autorizavam os filhos a participarem na disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento” no ano letivo 2019/2020, sem prévio acordo por escrito – cfr. docs. 28, 29 e 30 juntos com o requerimento inicial;

20. Em 09.10.2019, foi enviada nova missiva pelo Estabelecimento Escolar ao Encarregado de Educação, por carta registada, informando que o Educando R. ultrapassara o número de faltas injustificadas permitidas à disciplina “Cidadania e Desenvolvimento” e propondo, em consequência, um Plano de Recuperação das Aprendizagens – cfr. doc. 31 e respetivos anexos juntos ao requerimento inicial;

21. Carta esta que obteve resposta em 19.10.2019, salientando os Requerentes, na mesma, que não reconheciam nenhuma falta à disciplina “Cidadania e Desenvolvimento”, por já terem expresso o seu desacordo na frequência da mesma pelo filho e requeriam os três registos de avaliação do ano letivo 2018/2019, corrigidos dos lapsos que entendiam existir - cfr. doc. 32 junto ao requerimento inicial;

22. Em 18.10.2019, os Requerentes receberam novamente uma missiva da Escola, referente a faltas injustificadas do Educando T. à disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento” – cfr. doc. 33 e respetivos anexos juntos ao requerimento inicial;

23. O dito intercâmbio de pontos de vista motivou os Requerentes a dirigirem uma missiva tendo por objeto a frequência à disciplina “Cidadania e Desenvolvimento” dos três Educandos que se encontravam a frequentar o Agrupamento Escolar (...), em 21.10.2019, com o seguinte teor – cfr. doc. 34 junto com o requerimento inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

24. Em 29.10.2019, os Requerentes remeteram nova carta ao Diretor do Agrupamento de Escolas (...), com o seguinte teor – cfr. doc. 35 junto com o requerimento inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

25. A mencionada carta foi também enviada para a Diretora de Turma da Educanda M. – cfr. doc. 36 junto com o requerimento inicial;

26. O Diretor da Escola respondeu, por mensagem de correio eletrónico, em 30.10.2019, do seguinte modo – cfr. documento n.º 37 e respetivo anexo junto ao requerimento inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

27. Este e-mail mereceu resposta no próprio dia, onde se expôs que – cfr. doc. 38 junto com o requerimento inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


28. Foi enviado novo plano de Recuperação das Aprendizagens, pela Diretora de Turma do Aluno R., em 25.11.2019 – cfr. doc. 39 junto com o requerimento inicial;


29. O qual foi devolvido à Escola, em 27.11.2019, dando conhecimento de tal procedimento à Diretora de Turma, Dr.ª D. – cfr. docs. 40 e 41 juntos com o requerimento inicial;

30. Em resposta, a Escola, por carta datada de 09.12.2019, informou que – cfr. docs. 42 e respetivos anexos e 43 juntos com o requerimento inicial:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(doc. 42)

31. A Equipa Técnica de Primeira Linha do Agrupamento de Escolas (...) e as Diretores de Turma, dos Educandos R. e T., reuniram com o Encarregado de Educação dos referidos alunos, no dia 17.12.2019, ocasião em que o mesmo foi notificado de que os seus filhos iriam ser referenciados para a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), em cumprimento do art. 18.º, da Lei n.º 51/2012 – cfr. doc. 44 junto com o requerimento inicial;

32. Aquando da reunião havida com a Diretora de Turma referente à avaliação do Primeiro Período, a 07.01.2020, a mesma indicou no Registo de Avaliação: “O Enc. De Educação recusa-se a assinar o documento e a receber a cópia do mesmo, visto que não reconhece a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento como obrigatória/curricular” – reparo este que foi assinado pelo Encarregado de Educação – cfr. doc. 45 junto com o requerimento inicial;

33. Em 23.01.2020, os Requerentes foram convocados pela CPCJ para uma entrevista a realizar no dia 03.02.2020, sendo que, junto à convocatória, se encontrava a Ata redigida aquando da reunião com a Equipa Técnica de Primeira Linha do Agrupamento de Escolas (...), no dia 17.12.2019 – cfr. doc. 46 junto com o requerimento inicial;

34. Em 27.02.2020, o Diretor do Agrupamento de Escolas (...), Dr. C., entregou, aos Requerentes, certidão de notificação com cópia do ofício 4137/2020/DSRN-UJ, da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, Direção de Serviços da Região Norte, e dos respetivos anexos (Informação n.º 19/GSEAE/20, Secretário de Estado Adjunto e da Educação; Informação n.º I/04135/DSJ/19 e I/03816/DSJ/19, da Inspeção Geral da Educação e da Ciência), o qual foi assinado por todos os intervenientes – cfr. docs. 47 e 3 juntos com o requerimento inicial:
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(doc. 47)

[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(doc. 3)


35. No seguimento do referido despacho, o Agrupamento de Escolas (...) programou novos Planos de Recuperação das Aprendizagens e informou dos mesmos os Requerentes, em 04.03.2020 – cfr. doc. 48 junto com o requerimento inicial;

36. O Primeiro Requerente respondeu que não autorizava a participação dos seus filhos em dito PRA – cfr. docs. 49, 50 e 51 juntos com o requerimento inicial;

37. Em 15.06.2020, a Escola deu conhecimento à Segunda Requerente dos despachos n.º 49/2020 e n.º 50/2020, emitidos pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), ambos datados de 15.06.2020, que vêm anular a deliberação do Conselho de Turma do 7.º 1, ano letivo 2018/2019, proferida em 17 de junho de 2019, no que diz respeito à transição do aluno R. (despacho n.º 50/2020) e a deliberação do Conselho de Turma do 5.º 2, ano letivo 2018/2019, proferida em 18 de junho de 2019, no que diz respeito à transição do aluno T. (despacho n.º 49/2020) – cfr. docs. 1, 2 e 52 juntos com o requerimento inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(doc. 1)


[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(doc. 2)


38. No dia 26.06.2020, findou o ano escolar para os alunos do Ensino Básico (para o que ora releva, os sexto e oitavo anos, respetivamente);

39. No dia 03.07.2020, o primeiro Requerente retirou da plataforma “INOVAR” os registos de avaliação dos seus Educandos, tendo verificado que os mesmos não foram sequer objeto de avaliação, constando dos referidos documentos: “A situação do aluno está definida no Despacho n.º 50/2020, de 15 de junho em articulação com o ofício n.º 4137/2020/DSRN-UJ da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, Direção de Serviços da Região Norte” – relativamente ao menor R. – e “A situação do aluno está definida no Despacho n.º 49/2020, de 15 de junho em articulação com o ofício n.º 4137/2020/DSRN-UJ da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, Direção de Serviços da Região Norte” – relativamente ao menor T. – cfr. doc. 53 junto com o requerimento inicial;

40. O requerimento inicial que motiva os presentes autos deu entrada neste Tribunal em 13.07.2020 – cfr. registo SITAF;

41. Os alunos foram admitidos, em 15.09.2020, a frequentarem os 7º e 9º anos, respetivamente, no ano letivo 2020/2021 – cfr. doc. 5 junto com a oposição ao processo n.º 1199/20.5BEBRG-A.

Com interesse e relevância para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado ou não provado.


*

Fundamentação:

A formação da convicção, para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como sumariamente provados, teve por base os documentos constantes dos autos, os quais aqui se dão por integralmente enunciados e/ou por não terem resultado controvertidos“
**

A) Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, por constatarmos existir um lapso de transcrição do documento n.º 2 no âmbito do facto n.º 37 do probatório, aqui deixamos rectificado que é o Despacho n.º 50/2000 o atinente à decisão tomada pelo conselho de turma do 7.º 1 sobre o Requerente R., o qual aqui se dá por integralmente enunciado.

B) Tendo ainda subjacente o disposto no mesmo artigo 662.º, n.º 1 do CPC, por constatarmos existir nos autos elementos documentais que assumem relevância para a apreciação do mérito dos autos, aditamos ao probatório [seguindo a respectiva temporalidade], os factos que seguem:

18A – No dia 17 de junho de 2019 realizou-se o conselho de turma do 7.º 1 [composto por 13 professores], turma a que pertencia o Requerente R., de cuja reunião foi elaborada acta – Cfr. doc. n.º 1 junto com a Oposição deduzida pelo Ministério da Educação, que não foi objecto de impugnação pelos Requerentes -, que para aqui se extrai parte como segue:
“[…]
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

18B – No dia 18 de junho de 2019 realizou-se o conselho de turma do 5.º 2 [composto por 13 professores], turma a que pertencia o Requerente T. Mesquita Guimarães, de cuja reunião foi elaborada acta – Cfr. doc. n.º 2 junto com a Oposição deduzida pelo Ministério da Educação, que não foi objecto de impugnação pelos Requerentes -, que para aqui se extrai parte como segue:
“[…]
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 22 de janeiro de 2021, que tendo apreciado a pretensão deduzida pelos Requerentes contra o Ministério da Educação, veio a julgar pela sua parcial procedência, no sentido da suspensão do despacho n.º 49/2020, de 15.06.2020, praticado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), que anula a decisão de 18.06.2019, do Conselho de Turma do 5.º 2, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando T.; do despacho n.º 50/2020, de 15.06.2020, emanado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), que anula a decisão de 17.06.2019, do Conselho de Turma do 7.º 1, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando R.; do despacho de homologação do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Dr. J., exarado a 16.01.2020, que veio exprimir concordância sobre a Informação n.º 19/GSEAE/20, de 10.01.2020, assim como no sentido da manutenção dos alunos no ano escolar que frequentam atualmente, progredindo normalmente caso sobrevenha outro(s) ano(s) letivo(s), até ao trânsito em julgado da decisão, que venha a ser proferida na ação principal, tendo vindo a indeferir a providência cautelar antecipatória.

Neste patamar.

Conforme patenteado nos autos, os Requerentes intentaram contra o Ministério da Educação processo cautelar como preliminar da acção principal que íam intentar, tendo a final do Requerimento inicial deduzido pedido que se reconduz à adopção por parte do Tribunal, de duas providências, uma de natureza conservatória e outra de natureza antecipatória.

No que é atinente à providência conservatória peticionada, a mesma visava a suspensão da eficácia dos despachos n.ºs 49/2000 e 50/2000, ambos datados de 15 de junho de 2020 e proferidos pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), pelos quais anulou, respectivamente, a deliberação de 18 de junho de 2019, tomada pelo conselho de turma do 5.º 2, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando T., e a deliberação de 17 de junho de 2019, tomada pelo conselho de turma do 7.º 1, ano letivo de 2018/ 2019, que determinou a transição de ano escolar do educando R., e a ainda a suspensão da eficácia do despacho de homologação do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, datado de 16 de janeiro de 2020, que veio exprimir concordância com a informação n.º 19/GSEAE/20, de 10 de janeiro de 2020.

Por sua vez, relativamente à providência antecipatória inominada, os Requerentes peticionaram que a mesma devia passar, designadamente, pelo (i) reconhecimento provisório, até que seja proferida uma decisão judicial definitiva do direito dos filhos dos Requerentes à não frequência da disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”, ou, caso assim não se entenda, que a não comparência à referida disciplina não seja tida como falta injustificada; (ii) pela condenação do agrupamento escolar a avaliar os menores R. e T. sobre o seu desempenho no ano escolar 2019/2020, não obstaculizando a transição de ano dos mesmos; e, (iii) pela proibição de ver os filhos dos Requerentes prejudicados, de qualquer modo, na respectiva avaliação e progressão escolar.

Como resulta da Sentença recorrida, o Tribunal a quo identificou o objecto do litígio como passando pela apreciação das requeridas suspensões de eficácia dos três actos administrativos identificados, e também, pela determinação do respeito pela objeção de consciência dos Requerentes e dos seus filhos, mormente avaliando estes últimos, não obstaculizando a sua transição e não prejudicando o seu processo avaliativo (por serem objetores de consciência e não assistirem às aulas de “cidadania e desenvolvimento”), tendo logo após identificado como questão a decidir, julgar do preenchimento dos pressupostos de que dependem as providências cautelares requeridas (fumus boni iuris, periculum in mora e ponderação de interesses): suspensão de eficácia de atos e respeito pela objeção de consciência, e previamente, da ocorrência da matéria integrativa de excepção suscitada pelo Requerido Ministério da Educação, atinente à ilegitimidade passiva do Agrupamento de Escolas, e à inimpugnabilidade do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Educação datado de 16 de janeiro de 2020.

Em sede do julgamento empreendido, o Tribunal a quo veio a julgar pela não ocorrência da inimpugnabilidade do referido acto administrativo, sendo que para apreciação da pretensão cautelar dos Requerentes, o Tribunal a quo veio a fixar no probatório a factualidade que teve por relevante [a cujo julgamento de facto não é imputado por ambos os Recorrentes (Ministério da Educação e Requerentes) qualquer erro], tendo sob o segmento decisório proferido a final da Sentença recorrida julgado parcialmente procedente o processo cautelar, e determinado:
i. a suspensão do despacho n.º 49/2020, de 15.06.2020, praticado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), que anula a decisão de 18.06.2019, do Conselho de Turma do 5.º 2, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando T.; do despacho n.º 50/2020, de 15.06.2020, emanado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), que anula a decisão de 17.06.2019, do Conselho de Turma do 7.º 1, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando R.; do despacho de homologação do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Dr. J., exarado a 16.01.2020, que veio exprimir concordância sobre a Informação n.º 19/GSEAE/20, de 10.01.2020,
ii. com manutenção dos alunos no ano escolar que frequentam atualmente, progredindo normalmente caso sobrevenha outro(s) ano(s) letivo(s), até ao trânsito em julgado da decisão, que venha a ser proferida na ação principal;
iii. o indeferimento da providência cautelar antecipatória.

Com o assim decidido não concorda o Requerido Ministério da Educação, nem os Requerentes, pois que ambos deduziram recursos jurisdicionais.

Imputa o Requerido, ora Recorrente Ministério da Educação à Sentença recorrida, a verificação de três nulidades [a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alíneas c), d) e e) do CPC] e de quatro erros de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito [atinente à inverificação da inimpugnabilidade do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Educação; à incorrecta aferição do requisito da perigosidade; à incorrecta aferição do requisito atinente à aparência do direito; e à incorrecta aferição da ponderação dos interesses], e os Requerentes, ora Recorrentes, por sua vez, erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, por não ter o Tribunal a quo, em suma, decretado a providência cautelar antecipatória por si requerida.

Está assim em apreço neste Tribunal Superior a apreciação de dois recursos jurisdicionais, um apresentado pelo Requerido Ministério da Educação [na parte em o Tribunal a quo concedeu parcial provimento à pretensão cautelar deduzida pelos Requerentes] e um outro apresentado pelos Requerentes [na parte em que negou provimento na adopção de uma outra providência cautelar, antecipatória].

Como deflui das conclusões das Alegações apresentadas pelo Recorrente Ministério da Educação [ante Requerido], o mesmo sustenta, em suma, que o Tribunal a quo, ao ter decidido pela suspensão dos despachos do Director e do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, e pela manutenção dos alunos no ano escolar que frequentam, e na sua progressão até ao trânsito em julgado da decisão que venha a ser proferida na acção principal, que a Sentença proferida padece de erro de julgamento em matéria de direito, e no fundo, que o Tribunal a quo errou ao ter decretado a providência, para além de a Sentença recorrida incorrer em nulidades.

Por seu lado, como assim também deflui das conclusões das Alegações apresentadas pelo Recorrentes [ante Requerentes], os mesmos sustentam, em suma, que o Tribunal a quo, ao ter indeferido a providência cautelar antecipatória inominada, que a Sentença proferida padece de erro de julgamento em matéria de direito, por ter o Tribunal a quo, no fundo, errado ao não ter decretado essa providência.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Aqui chegados, cumpre então, para já, conhecer da invocada ocorrência das nulidades suscitadas pelo Recorrente Ministério da Educação.

Apreciando a nulidade imputada à Sentença recorrida, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, para tanto para aqui extraímos este normativo, como segue:

Artigo 615.º
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”

Refere o Recorrente que tendo o Tribunal a quo apreciado que a eventual ilegalidade decorrente do não cumprimento do direito de audiência prévia poderia não ser determinante da invalidade do acto, por força do princípio do aproveitamento do acto, mas que veio depois a decidir que esse juízo sempre terá que ser empreendido na decisão final em sede da análise aprofundada e definitiva dos demais vícios invocados e que, a final, poderão levar à conclusão de que o acto é vinculado e que o vício, que julgou perfunctoriamente existir, pode ser degradado em não essencial, que ao ter decidido dessa forma, deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.

Ora, as causas de nulidade das sentenças a que se reporta taxativamente o artigo 615.º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, distinguindo-se dos erros de julgamento (error in judicando) de facto e/ou de direito imputadas às sentenças recorridas, resultantes de desacerto quanto à realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

A nulidade assacada pelo Recorrente à Sentença recorrida nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, tem subjacente a alegação de que o julgador deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, nulidade essa que está intrinsecamente ligada ao imperativo inserto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC que consagra o dever do tribunal resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Realidade diversa é a do eventual erro de julgamento, por discordância com a posição jurídica assumida pelo Tribunal a quo, que tendo apreciado da ocorrência da preterição do direito de audiência prévia, veio a julgar não ser o momento de prosseguir na apreciação do aproveitamento do acto, pois que tal só poderia ser efectuado na decisão final, onde aí seriam conhecidas todas as invalidades assacadas pelos Requerentes, ora Recorridos.

Como refere M. Teixeira de Sousa, i
n “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lisboa, 1997, págs. 220 e 221 o “[…] tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. [...] Verifica-se, pelo contrário, uma omissão de pronúncia e a consequente nulidade [art. 668.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte] se na sentença, contrariando o disposto no art. 659.º, n.º 2, o tribunal não discriminar os factos que considera provados [...] ou se abstiver de apreciar a procedência da acção com fundamento numa das causas de pedir invocadas pelo autor [...].
Se o autor alegar vários objectos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da acção, o tribunal não tem de apreciar todos esses objectos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. [...]
Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objectos e fundamentos por ela alegados, dado que a acção ou a excepção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objectos ou dos fundamentos puder proceder. […]”

Tendo o Tribunal
a quo apreciado e decidido sobre os termos e pressupostos pelos quais não empreendia o aproveitamento do acto, e se a motivação/fundamentação recursiva do Recorrente estivesse certa, isto é, se fosse merecedora de este Tribunal Superior lhe dar acolhimento, então o que aconteceria, é que a Sentença recorrida não padece de nulidade por o julgador não ter apreciado questões que devia ter apreciado, mas antes de erro de julgamento, sancionável com a revogação da Sentença.

É que, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando haja uma omissão de pronúncia absoluta, isto é, quando o julgador não conheceu determinada questão suscitada pelas partes, silenciando totalmente a razão pelo qual não o fazia, o que não é o caso.

Termos em que a Sentença recorrida não padece da invocada nulidade a que se reporta o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

Prosseguindo.

Apreciando agora a nulidade imputada à Sentença recorrida, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, com fundamento na alegação recursiva de que face aos termos da decisão proferida é patente uma clara oposição ou ambiguidade entre os fundamentos e a decisão - Cfr. conclusão Y), Z), AA e AB) das Alegações de recurso -, julgamos que por aqui assiste razão ao Recorrente.

Vejamos.

A exigência de fundamentação das decisões judiciais tem consagração constitucional, mostrando-se expressamente prevista no artigo 205.º, n.º 1 da CRP, nos termos do qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, sendo que é pela fundamentação da decisão que se permite o controlo da sua legalidade pelos seus destinatários e a sua sindicância pelos tribunais superiores, evitando-se desse modo qualquer livre arbítrio do julgador.

Em obediência a esta exigência constitucional, o legislador ordinário consagrou no artigo 154.º do CPC o “dever de fundamentar a decisão”, estipulando no seu n.º 1 que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”. E, por outro lado, cominou com a nulidade a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou com alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível [cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC)].

Esta nulidade está relacionada com o comando a que se reporta o artigo 607.º, n.º 3 do CPC, que impõe ao juiz o dever de “… discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.

Isto posto, regressemos ao caso dos autos.

Analisada a Sentença recorrida constatamos que a Mmª. Juiza a quo, depois de fixar a factualidade que entendeu por relevante, com referência aos elementos de prova que a suportam, enunciou as razões que conduziram à adopção da 1.ª providência requerida, assim como dos termos e fundamentos pelos quais não conhecia de mais invalidades assacadas aos actos, por julgar ser bastante a verificação de uma delas para dar como verificado o requisito do fumus boni iuris [quanto à primeira, mas já não quanto à segunda providência requerida], tendo estribado juridicamente a sua posição no sentido de que “[…] se decrete a suspensão de efeitos dos atos suspendendos, esclarecendo-se que deve manter-se a situação atual vigente, qual seja, a frequência, pelos alunos, do 7º e 9º anos, respetivamente.“

Esta é, em suma, a fundamentação que o Tribunal a quo expendeu para a final da Sentença vir a fixar o segmento decisório nos termos que para aqui se extraem:

i. a suspensão do despacho n.º 49/2020, de 15.06.2020, praticado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), que anula a decisão de 18.06.2019, do Conselho de Turma do 5.º 2, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando T.; do despacho n.º 50/2020, de 15.06.2020, emanado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas (...), que anula a decisão de 17.06.2019, do Conselho de Turma do 7.º 1, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando R.; do despacho de homologação do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Dr. J., exarado a 16.01.2020, que veio exprimir concordância sobre a Informação n.º 19/GSEAE/20, de 10.01.2020,
ii. com manutenção dos alunos no ano escolar que frequentam atualmente, progredindo normalmente caso sobrevenha outro(s) ano(s) letivo(s), até ao trânsito em julgado da decisão, que venha a ser proferida na ação principal;
iii. o indeferimento da providência cautelar antecipatória.

Ora, daí extraímos que o Tribunal a quo especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão enunciada sob o ponto ii), mas apenas quanto ao 1.º segmento [com manutenção dos alunos no ano escolar que frequentam atualmente] dando, assim nessa parte, cumprimento ao disposto no artigo 607.º, n.º 3 do CPC.

Porém, já assim não sucede com o restante segmento da decisão enunciada sob o ponto ii), pois que inexiste qualquer fundamentação para essa tomada de decisão, estando assim os fundamemtos em oposição com a decisão, ou mesmo, que ocorre ambiguidade sobre quais foram, a final, os termos e os pressupostos em que assentou o restante segmento decisório [progredindo normalmente caso sobrevenha outro(s) ano(s) letivo(s), até ao trânsito em julgado da decisão, que venha a ser proferida na ação principal].

De maneira que, com a fundamentação que deixamos vertida supra, forçoso é, pois, concluir que nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, que ocorre a nulidade da sentença, mas que apenas afecta [fere de nulidade] o 2.º segmento decisório da decisão enunciada sob o ponto ii).

Prosseguindo.

Cumpre agora apreciar a ocorrência da nulidade imputada à Sentença recorrida, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, com fundamento em que o Tribunal a quo condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

E em face do vertido nas conclusões AD), AE) e AF), julgamos que por aqui também assiste razão ao Recorrente.

Vejamos.

No domínio da lei processual e para efeitos do disposto no artigo 615.º, n,º 1, alínea e) do CPC, há excesso de pronúncia quando o tribunal conhece de (i) pedidos, (ii) causas de pedir ou (iii) exceções, de que não podia tomar conhecimento.

Conforme se extrai do sumário do Acordão proferido por este TCA Norte em 30 de março de 2006 no Processo n.º 00676/00 – Porto, “I. Ocorre excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, conhecer em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.

Como já expendemos supra a propósito do conhecimento da nulidade a que se reporta a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, os Requerentes formularam um pedido que enunciaram a final do Requerimento, que consubstanciava a adopção de uma providência cautelar atinente à suspensão da eficácia de 3 actos, e bem assim a adopção de uma providência antecipatória, que, como enunciado a final da fundamentação de direito aportada na Sentença recorrida, foi julgado parcialmente procedente, tendo o Tribunal adoptado a primeira, mas já não a segunda providência, por ter julgado que lhe falhava a esta o requisito do fumus boni iuris.

Ora, pese embora o assim apreciado, o que é certo é que, para além da suspensão da eficácia dos actos e do indeferimento da providência cautelar antecipatória, o Tribunal a quo tomou ainda uma outra decisão, que é favorável aos Requerentes, ora Recorridos, pela qual, somada à providência adoptada, decidiu sob o ponto ii) do segmenrto decisório pela […] manutenção dos alunos no ano escolar que frequentam atualmente, progredindo normalmente caso sobrevenha outro(s) ano(s) letivo(s), até ao trânsito em julgado da decisão, que venha a ser proferida na ação principal;”, o que, manifestamente não consta do pedido formulado pelos Requerentes a final do Requerimento inicial, nem pode ser tido como consequencial do deferimento da primeira providência cautelar requerida concedida pelo Tribunal a quo.

Como refere M. Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lisboa, 1997, págs. 220 a 223, “[…] Como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte), a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento [art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte], ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer. (...).
O excesso de pronúncia pode ser parcial ou qualitativo, consoante o tribunal conheça de um pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte. Este excesso de pronúncia parcial ou qualitativo também conduz à nulidade da decisão [arts. 661.º, n.º 1 e 668.º, n.º 1, al. e)], mas ele é distinto do excesso de pronúncia previsto no art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte, pela seguinte razão: - se o tribunal condena no pedido formulado, mas utiliza um fundamento que excede os seus poderes de conhecimento, a hipótese cabe na nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte; - mas se o tribunal, mesmo utilizando os fundamentos admissíveis, condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, o caso inclui-se na previsão do art. 668.º, n.º 1, al. e). […]”

É neste contexto que a nulidade da sentença com fundamento em excesso de pronúncia consubstancia uma decorrência do princípio do dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes, do qual decorre, entre outras consequências, que cabe ao autor instaurar a acção e, através do pedido e da causa de pedir deduzidos na petição inicial e, bem assim da defesa que venha a ser apresentado pelo réu, circunscrever o thema decidendum [cfr. Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374], mas também do princípio do contraditório, na sua vertente positiva, o qual proíbe a prolacção de decisões surpresa, com inerente preterição do direito das partes de contribuírem positivamente para a decisão a ser neles proferida.

Deste modo, haverá nulidade da sentença por excesso de pronúncia, quando o juiz tiver conhecido de questões [pedidos, causas de pedir ou excepções] que as partes não submeteram à sua apreciação, e de que não podia conhecer oficiosamente.

De maneira que, com a fundamentação que deixamos vertida supra, forçoso é, pois, concluir que nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do CPC, que ocorre a nulidade da sentença, mas que apenas afecta [fere de nulidade] o segmento decisório da decisão enunciada sob o ponto ii), mantendo-se no demais decidido sob os pontos i) e iii).

Aqui chegados.

Cumpre agora conhecer do invocado erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito [dos artigos 148.º do CPA, e 51.º e 89.º, n.º 1, ambos do CPTA].

Sustentou o Recorrente Ministério da Educação, em suma, que esse erro se verificou por ter o Tribunal a quo determinado a improcedência da excepção dilatória atinente à inimpugnabilidade do acto praticado pelo Secretário de Estado Adjunto e da Educação, datado de 16 de janeiro de 2020, exarado sobre a informação n.º 19/GSEAE/20 – Cfr. conclusões F), G) das Alegações de recurso.

Neste domínio, para aqui extractamos a essência da fundamentação aportada na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Principiando pela suspensão de eficácia dos atos, impõe-se apreciar e decidir a matéria de exceção, a qual se refere à inimpugnabilidade do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Educação de 16.01.2020 – cfr. doc. 3 levado à matéria de facto assente supra sob o ponto 34.
Cotejada a factualidade relativa ao procedimento, pode a mesma resumir-se, linearmente, do seguinte modo: i. há dois atos que autorizam a transição de ano escolar dos filhos dos Requerentes, ii. há um despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Educação que, em concordância com informação, determina que seja reposta a legalidade quanto a tais transições, nomeadamente, por via da realização de planos de recuperação ou, no limite, por anulação dos atos que permitiram a transição e prática de novos atos a determinar a retenção dos alunos, e iii. há os atos finais – que decidiram pela anulação dos atos de transição e pela retenção dos alunos.

O Requerido invoca que o ato do Secretário de Estado Adjunto não é um ato impugnável, porque não produz efeitos externos.
A inimpugnabilidade do ato é uma exceção dilatória, expressamente prevista no artigo 89º, n.º 1, alínea c) do C.P.T.A., que corresponde à tradicional exceção da irrecorribilidade do ato e cuja existência decorre do não preenchimento dos requisitos especificados nos artigos 51º a 54º do mesmo diploma. O ato impugnável, pressupondo a definição de ato administrativo decorrente do artigo 148º do C.P.A., será aquele que vise produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, ou seja, que esteja dotado de eficácia externa. Ademais, como requisito de impugnabilidade, também, estará a suscetibilidade de afetar direitos ou interesses legalmente protegidos.
Muito embora, à primeira vista, se tenda a concordar com tal, a verdade é que não se pode desconsiderar que, não fosse este ato do Secretário de Estado Adjunto, a situação dos filhos dos Requerentes não tinha sofrido qualquer alteração. Na verdade, ainda que houvesse um litígio permanente, quanto às faltas e obrigatoriedade da frequência da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, a transição dos alunos estava (relativamente) consolidada, não havendo discussão quanto a tal.
É inegável, destarte, que o ato detonador de todo este litígio (relativo à anulação dos atos de transição) foi o ato de 16.01.2020. Necessariamente, por ser assim, não se pode afirmar, perentoriamente (e considerando que está em causa, neste momento, um juízo perfunctório e provisório), que este ato não produz efeitos externos e seja, por conseguinte, inimpugnável.
Na medida em que o ato do Secretário de Estado desencadeou todo o procedimento, aqui, sindicado e determinou o seu desfecho (legal ou ilegalmente, posteriormente se verá), ter-se-á que considerar este ato como lesivo e, nessa medida, como impugnável.
Aliás, sempre se afigura que tal ato terá enquadramento legal no artigo 51º, n.º 2, al. b) do C.P.T.A.: são impugnáveis “As decisões tomadas em relação a outros órgãos da mesma pessoa coletiva, passíveis de comprometer as condições do exercício de competências legalmente conferidas aos segundos para a prossecução de interesses pelos quais esses órgãos sejam diretamente responsáveis.”.
Na medida em que o ato de janeiro de 2020 determina e, de certo modo, condiciona a realização de outros atos, sempre será de considerar como ato impugnável.
Assim sendo, face ao exposto, julga-se improcedente a exceção de inimpugnabilidade.
[…]
Fim da transcrição

Com o assim decidido não concorda o Recorrente Ministério da Educação, sustentando para tanto e em suma [Cfr. conclusões F), G), H) e I) das suas Alegações recursivas], que o referido despacho não é impugnável, por não ser dotado de eficácia externa, já que apenas produz efeitos meramente internos, no seio do Ministério da Educação, na medida em que pelo mesmo apenas são transmitidas orientações aos serviços sobre os procedimentos que deveriam ser adotados para reposição da legalidade, e que dessa forma, ao ser enunciado pelo autor do acto qual o “caminho” a seguir pelos serviços, que tal configura uma proposta de decisão, que enquanto tal foi levada ao conhecimento dos Requerentes.

Mas o julgamento prosseguido pelo Tribunal recorrido não merece censura.

Efectivamente, foi por via da determinação constante do despacho proferido pelo Secretário de Estado Adjunto e da Educação, que é um orgão do Ministério da Educação, que o Director do Agrupamento de Escolas veio a encontrar a ambiência legal necessária, por assim lhe ser determinado que o fizesse, para efeitos da prolacção dos despachos n.ºs 49/2000 e 50/2000.

Como assim resulta do probatório, a IGEC e a autora da informação n.º 19/GSEAE/20 traçaram todo um quadro factual e legal em torno da “resolução da questão“, que tinha na sua base as deliberações unânimes dos conselhos de turma -Cfr. pontos 18A e 18B do probatório - que haviam decidido pela transição dos dois alunos menores [também Requerentes, ora Recorridos], tidas por feridas de invalidade, propondo aquela Inspeccção geral a “validação excecional do percurso dos alunos no ano lectivo 2018/2019“, e a autora daquela informação o entendimento de que se impunha a reposição da legalidade, por inexistir disposição legal que permita a validação excepcional do percurso escolar dos dois Requerentes filhos.

A autora da informação n.º 19/GSEAE/20 referiu entre o mais, que “Reitera-se que os actos administrativos constitutivos de direitos podem ser objecto de anulação no prazo de um ano a contar da data da respectiva emissão, recaindo a competência para a sua anulação sobre o autor do ato ou sobre o seu superior hierárquico [...]“, e que “A anulação dos atos em causa implica a destruição retroactiva dos efeitos jurídicos dos mesmos e que se traduz na anulação da transição dos alunos, colocando-os no ano de escolaridade anterior, importando ainda que seja praticado um ato substitutivo do anterior, que dê cumprimento aos normativos aplicáveis e reponha a legalidade.“, e bem assim, que “[...] não se encontra na disponibilidade dos pais a decisão sobre quais as disciplinas que os filhos/educandos poderão assistir, ao que acresce que a aceitação/passividade perante tal atitude poderá legitimar condutas semelhantes.“, e que “Nessa medida, entende-se que a situação deve ser globalmente aferida e tratada pela escola, dando cumprimento ao estipulado no EAEE, designadamente, através da preparação de um plano de recuperação das aprendizagens pelos alunos em causa, relativamente à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, nos termos legais.

Ora, em face do que foi expendido pela autora daquela informação, a mesma vem, a final, a formular propostas ao Secretário de Estado Adjunto e da Educação, e designadamente, para que a DGESTE [serviço orgânico do Ministério da Educação sobre a qual o mesmo exerce tutela] proceda à adopção das medidas necessárias com vista à reposição da legalidade, e que no prazo de 30 dias informe o gabinete do Secretário de Estado e a IGEC das diligências que para esse efeito foram desenvolvidas, com o que o Secretário de Estado Adjunto e da Educação vem a concordar, com a prolação do seu despacho datado de 16 de janeiro de 2020.

Atento o contexto fáctico e legal em que foi emitido aquele despacho, não pode assim dizer-se, como defende o Recorrente Ministério da Educação, que o mesmo não é impugnável, por não ter eficácia externa, por apenas produzir meros efeitos internos, porquanto só por si, na medida em que o Secretário de Estado Adjunto e da Educação concordou com as propostas que lhe são apresentadas e designadamente, pela necessidade de anular as deliberações [unânimes] dos conselhos de turma e de os Requerentes serem remetidos para os 5.º e 7.º anos, por não poderem transitar de ano, por excesso de faltas injustificadas dadas a uma concreta disciplina [Cidadania e Desenvolvimento], e determinou ainda a sua exteriorização, o mesmo é efectivamente produtor de efeitos jurídicos que se reflectem inelutavelmente na órbita pessoal dos Requerentes filhos menores, pois que traçou o caminho que a Administração escolar [que o mesmo superintende/tutela] devia prosseguir, e que, manifestamente, é definidor e delimitador da sua ulterior actuação [da Administração escolar], que o tem de ter como pressuposto da sua actuação, sabendo que a mesma tinha de passar, entre o mais, pelo retorno dos Requerentes a dois anos escolares atrás.

No fundo, o acto do Secretário de Estado Adjunto e da Educação vem a apresentar-se como um acto impugnável, à luz do disposto no artigo 51.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b) do CPTA, pelo facto de a decisão nele corporizada e dirigida quer à DGESTE [e a partir dela ao Agrupamento de Escolas] quer à IGEC, ser condicionadora dos termos, modo e pressupostos em que essas entidades deverão exercer as competências que lhes estão legalmente conferidas para efeitos da prossecução de interesses pelos quais são diretamente responsáveis, e cujo exercício se repercute na esfera de direitos e interesses dos Requerentes, ora Recorridos.

Ou seja, tendo o acto do Secretário de Estado Adjunto e da Educação definido e balizado o âmbito da actuação da DGESTE e a partir desta também do Agrupamento de escolas, deixou a execução do que lhe foi proposto e com que concordou, dependente da prática de actos por parte dessas entidades, actos estes que lhe são complementares, quando é certo que, como assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo, pese embora o pulsar do litígio permanente em torno das faltas e obrigatoriedade de frequência à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, até à data da prolação desse despacho a situação escolar dos Requerentes filhos estava estável.

Por fim, importa dizer que a alegação prosseguida pelo Recorrente, no sentido de que o acto do Secretário de Estado Adjunto e da Educação foi notificado aos Requerentes em 27 de fevereiro de 2020 mas que deles não partiu qualquer impugnação administrativa ou contenciosa por parte destes, não é relevante para desclassificar a impugnabilidade do acto, pois que, e em coerência com o que alegou e concluiu sob a conclusão H), o Recorrente sempre teve esse acto como uma proposta de decisão e que foi apenas nessa estrita medida que foi levada ao conhecimento dos Requerentes, ora Recorridos, e em face do que expendemos supra, sendo condicionador dos termos, modo e pressupostos em que as entidades destinatárias deviam exercer as competências que lhes estavam legalmente conferidas, a lesividade decorrente da eficácia externa foi por isso diferida para o momento da concreta externalização da actuação das entidades, não se colocando assim, sequer, a questão da tempestividade da impugnação do acto.

De modo que por aqui tem de improceder a pretensão recursiva do Recorrente Ministério da Educação, por não se verificar o invocado erro de julgamento.

Cumpre agora apreciar o invocado erro de julgamento em matéria de direito, por não ter sido efectuada pelo Tribunal a quo a correcta aferição do requisito atinente ao periculum in mora Cfr. conclusões J), K), L) das Alegações de recurso.

Neste domínio, para aqui extractamos a essência da fundamentação aportada na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
No que concerne ao periculum in mora, não obstante se afigure que ambas as partes tenham muito a dizer sobre o assunto e que o Tribunal, também, pudesse alongar-se em tal análise, entende-se que, no presente processo, tal não se justifica. E isto porque, com facilidade, se constata e conclui que o que está, aqui, em causa, é a transição ou retenção de dois alunos, com boas notas à generalidade das disciplinas, em virtude de faltas a uma só disciplina. Não entrando, nesta sede, porque não é a própria, quanto à valia de cada disciplina do grupo que compõe o currículo, considera, o Tribunal, notório, que a obrigação de fazer retroceder dois alunos em dois anos escolares – fazendo tábua rasa dos dois anos que frequentaram, com sucesso, a todas as disciplinas, menos a uma – preenche o pressuposto do periculum in mora.
Tal não se limita à perda dos amigos, à integração na nova turma, à sensação de “repetentes”, ao convívio com alunos mais novos, ao agudizar de um conflito entre pais e professores, da perspetiva dos filhos/alunos. Para o Tribunal, determinante é o desperdiçar dois anos de ensino, com aproveitamento, eliminando-os, somente pela não frequência a uma disciplina não nuclear – fazendo-se, aqui, apelo ao senso comum quanto à importância de disciplinas como português, matemática ou história.
Este raciocínio conduz a que, desde já, também se possa afirmar, que se encontra preenchido o pressuposto da ponderação de interesses, mas que infra se irá analisar, com mais detalhe.
Considerando que o processo cautelar visa salvaguardar o interesse dos Requerentes (melhor, neste caso, dos seus filhos), não cabe, nesta sede, fazer uma avaliação da responsabilidade, quanto à produção dos eventuais danos, ou quais as alternativas que podiam ter sido seguidas. O juízo é, apenas, quanto à possibilidade de ocorrência de danos de difícil reparação ou criação de situação de facto consumado.
Determinar que, desde já, os alunos regressem ao 5º ano e ao 7º (quando, já, frequentam o 7º e o 9º, respetivamente) implica que se perca todo o investimento, de esforço e tempo, dos anos transatos e, bem assim, que se perca o investimento do ano escolar corrente, numa fase em que ainda não está, definitivamente, assente a legalidade dos atos que o determinaram. Investimento esse que, não se pode esquecer, porque fundamental, é dos alunos e cujas repercussões (mormente em termos de futuro) é, sobre eles, que se vão fazer sentir.
Portanto, julga o Tribunal que o periculum in mora está preenchido.
[…]”
Fim da transcrição

Com o assim decidido não concorda o Recorrente Ministério da Educação, sustentando para tanto e em suma [Cfr. conclusões J), K) e L) das suas Alegações recursivas], que a Sentença recorrida não promove a correta aferição do requisito atinente ao periculum in mora, por ter olvidado o Tribunal a quo que a lei prevê mecanismos que permitem repor a progressão dos alunos na eventualidade de a sentença a proferir na acção principal ser favorável aos Requerentes, não havendo assim que falar em prejuízos de difícil reparação para os interesses destes, e por outro lado até, que a frequência e, eventualmente, a conclusão de um ciclo de ensino a título precário não é o mesmo que a sua frequência e conclusão a título definitivo, podendo os danos decorrentes da concessão da providência, in casu, ser no futuro mais gravosos para os próprios recorridos.

Mas o julgamento prosseguido pelo Tribunal recorrido também não merece censura.

Vejamos.

Na síntese inicial que produziu, o Tribunal a quo começou por reconhecer que ambas as partes tinham/teriam muito a dizer sobre a existência ou não do requisito da perigosidade, e nesse conspecto, que também o Tribunal o teria, mas que, no essencial, e sendo certo que estamos do domínio do contencioso cautelar, que o que relevava, como asim identificou, era que estava em causa a retenção ou a transição de ano escolar de dois alunos, e que estava feita tábua rasa da frequência que os mesmos alunos fizeram, com sucesso, a todas as outras disciplinas.

Ora, como também julga este Tribunal Superior, é manifesta a ocorrência desse requisito, seja na vertente da produção de danos de difícil reparação, seja na criação de uma situação de facto consumado.

Com efeito, para além da privação da sequenciação do ritmo e sucesso escolar que os dois Requerentes filhos vinham experienciando, de serem alunos que frequentam os 7.º e 9.º anos de escolaridade, e que devem voltar para os 5.º e 7.º anos de escolaridade, teria até consequências imprevisíveis, o modo como estes dois alunos poderiam reagir a ter de retrotrair dois anos numéricos na sua formação escolar, quando é certo que [salvo quanto à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento] já frequentaram esses níveis de ensino, e terão/teriam agora de repetí-los, acompanhados por colegas de turma que estão num estadio de desenvolvimento escolar [e também físico e psíquico] muito atrás de si, e que com eles vão ter de frequentar aulas sem qualquer novidade, nem acrescer saber ao seu conhecimento e intelecto, sendo seguramente muito desmotivador e despoletador de efeitos internos ao nível da sua prestação intelectual enquanto seres humanos, que como tal são portadores de um incomensurável conteúdo emocional.

Ao contrário do que refere o Recorrente, os mecanismos que a lei prevê em termos de permitir repor a progressão [Cfr. artigo 33.º da Portaria n.º 223-A/2018, de 03 de agosto] na eventualidade de a Sentença a proferir na ação principal vir a ser favorável aos Requerentes, não são de molde a colmatar o vazio do conhecimento que passarão a viver, assim como a turbulência, pelo menos interior, dos Requerentes estudantes, tratando-se esses mecanismos de meros termos administrativos, que são cegos de toda a demais envolvente psíquica, social e escolar dos estudantes que aí sejam enquadrados.

Por outro lado, a alegação pelo Recorrente, de que os danos decorrentes da concessão da providência, serão no futuro mais gravosos para os próprios Recorridos, é já algo que não cabe realizer num juízo de prognose que se prossegue em processo cautelar, mas que a ter lugar, sendo por isso uma hipótese, cabe aos seus progenitores e representantes legais ponderar sobre essa sua actuação, mas já não ao Recorrente Ministério da Educação.

Por experiência de vida, há sem sombra de dúvida, um muito fundado receio de que a alteração da situação escolar dos Requerentes filhos, em termos de os mesmos serem colocados num ambiente escolar que já nada lhes diz, e que no seu tempo até o ultrapassaram com sucesso, venha a constituir uma situação de facto consumado [decorrente do decurso de tempo porque durará a apreciação do mérito do pedido formulado na acção principal, e até que venha a ser prolatada Sentença com trânsito em julgado] e/ou da produção de prejuízos de difícil reparação, desde logo porque é insondável saber como reagiriam enquanto jovens crianças que são, mas que serão homens de amanhã, marcados pelo que sejam as circunstâncias da sua vivência na escola, motivada por uma regressão nas classes escolares.

De modo que por aqui tem de improceder a pretensão recursiva do Recorrente Ministério da Educação, por não se verificar o invocado erro de julgamento.

Cumpre agora apreciar o invocado erro de julgamento do Tribunal a quo, em matéria de interpretação e aplicação do direito [dos artigo 121.º do CPA], com fundamento na alegação de que não foi efectuada pelo Tribunal a quo a correcta aferição do requisito atinente ao fumus bonus iuris, por ter julgado que não foi concedida aos Requerentes, ora Recorridos, a oportunidade para o exercício do seu direito de audiência prévia, e bem assim, por não ter julgado que a assim ter ocorrido, que essa formalidade não se degradou em formalidade não essencial, por considerar o Recorrente Ministério da Educação que se está perante um caso de exercício de poderes vinculados por parte da Administração, ao qual se aplicaria nessa medida o princípio do aproveitamento do acto - Cfr. conclusões M), N), O), P), Q), R), S), T), e U) das Alegações de recurso.

Neste domínio, para aqui extractamos a essência da fundamentação aportada na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
No domínio da aparência do bom direito, cabe analisar as imputações que os Requerentes fazem aos atos suspendendos, advertindo-se, desde já, que a procedência (ainda que provisória e instrumental, por estar em causa processo cautelar) de apenas uma das invocações, determina o não conhecimento das demais. Ou seja, basta que se julgue verificada uma das ilegalidades apontadas para que se tenha por preenchido o pressuposto em causa.
Iniciando pela preterição da audiência prévia.
Em sede de audiência prévia, sabe-se que tal direito traduz uma manifestação marcada do princípio da participação no procedimento administrativo. Num Estado de Direito democrático, a aquisição ou descoberta procedimental dos interesses relevantes não dispensa a participação dos respetivos interessados.
A conformação da relação jurídico-administrativa envolve, por definição, a ponderação dos interesses públicos e dos interesses dos administrados. Os titulares destes últimos não poderão ser mantidos de fora do procedimento, sob pena de se tornarem em meros objetos do poder, entidades inaptas para participar em relações jurídicas bilaterais com os titulares do poder, súbditos, em vez de cidadãos.
A participação procedimental constituiu, pois, um imperativo estruturante decorrente da Constituição – cfr. artigo 267.º, nº 5 –, e é concretizada, no que respeita à participação dos interessados na formação das decisões administrativas que lhes respeitem, nos artigos 121º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.
[...]
A audiência dos interessados inicia uma fase do procedimento, quando o instrutor entenda que já estão reunidos nos autos os elementos necessários para ser ponderado qual o sentido da decisão administrativa a proferir.
O direito a ser ouvido, que se concretiza mediante a audiência prevista no artigo 121.º do C.P.A., consiste na possibilidade concedida ao interessado, para efeitos da sua participação útil no procedimento.
Por isso, deve pressupor a possibilidade real e efetiva de apresentar factos, motivos, argumentação e razão suscetíveis de constituir, tanto uma cooperação para a decisão, como também elementos de um controlo preventivo por parte do particular em relação à Administração.
O direito de ser ouvido deve pressupor, assim, a concretização de várias possibilidades, como sejam, por exemplo, a oportunidade de o interessado exprimir as suas razões antes de ser praticado o ato final, direito a oferecer e a produzir prova; direito a que toda a prova pertinente oferecida venha a ser produzida, e que tal produção de prova seja efetuada antes da decisão final, o que, a final, traduz o direito a controlar/avaliar a produção de prova.
A audiência é facultada aos interessados depois de “concluída a instrução”, isto é, quando se entenda que estão reunidos e coligidos no procedimento administrativo todos os elementos que interessam à decisão.
No exercício do seu direito de audiência, os particulares interessados devem pronunciar-se sobre o objeto do procedimento, isto é, sobre todas as questões ou problemas a resolver pelo órgão administrativo competente, e no exercício concreto da respetiva competência administrativa, perante toda a informação – factos, elementos, interesses a ponderar – constantes e recolhidos no procedimento e tal como este se apresenta à entidade competente para a decisão final.
Fora dos casos expressos de inexistência, ou dos procedimentos em que – fundamentadamente – seja dispensada, a audiência dos interessados constitui uma formalidade do procedimento essencial e geradora de vício de forma. A omissão ou a realização defeituosa da audiência dos interessados determinam, em princípio, a anulabilidade do ato conclusivo do procedimento em que tenham ocorrido – cfr. artigo 163º do C.P.A..
Cotejado o procedimento, importa que, e concordando com o Requerido, os Requerentes não foram completamente surpreendidos com os atos suspendendo. Em boa verdade, os Requerentes mantinham um litígio (aceso) com a Escola, havendo sucessivas trocas de comunicações, quanto à frequência da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento.
No entanto, também não se pode negar que, não obstante esse litígio (que se referia à discussão das faltas sucessivas), não estava em causa, no âmbito daquele litígio, a retenção dos alunos no ano transato (ano letivo de 2018/2019). Os alunos haviam transitado, haviam sido propostos planos de recuperação, mas, naquele momento, apenas estava em causa aquele ano letivo de 2019/2020. É certo que se foi levantando a possibilidade de retenção de ano, mas nada lhes foi, concretamente, informado quando à anulação dos atos de transição, a não ser, após a prolação do ato de 16.01.2020, do Secretário de Estado Adjunto. E, aquando da notificação do mesmo aos Requerentes, não lhes foi, propriamente, concedido um prazo para que se pronunciassem, mas somente que dessem cumprimento aos planos de recuperação.
Reitera-se, a decisão não foi uma verdadeira surpresa, no entanto, a audiência prévia não se destina, diretamente, a evitar decisões surpresa, mas, principalmente, visa permitir aos interessados que possam contribuir para a formação da decisão final. Ao, simplesmente, notificar o ato do Secretário de Estado Adjunto e notificar os Requerentes para o cumprimento dos planos de recuperação, não se lhes permitiu participar na tomada da decisão final. Somente lhes foi dada a hipótese de cumprir os planos, sob pena de anulação das transições. Pode dizer-se, efetivamente, que a decisão estava tomada. E, isto, sem que, para tal, os Requerentes tivessem sido chamados a pronunciar-se.
Deste modo, e concluindo, julga-se verificado o fumus boni iuris, sendo provável que, em sede de decisão da ação principal, este vício venha a ser julgado procedente, determinando a anulação dos atos.
O Requerido adianta que, ainda que se possa ter por verificada esta ilegalidade, o que não concede, sempre deverá operar o princípio do aproveitamento do ato.
Não obstante não se possa, desde já, descartar esta eventualidade, importa realçar que esse juízo sempre terá que ser empreendido na decisão final – mormente por implicar a análise, aprofundada e definitiva, dos demais vícios invocados e que, a final, poderão levar à conclusão de que o ato é vinculado e que o vício, que ora se julgou (perfunctoriamente) existir, pode ser degradado em não essencial.
Destarte, tem-se por verificado o aludido requisito.
[...]“
Fim da transcrição

Com o assim decidido não concorda o Recorrente Ministério da Educação, sustentando para tanto e em suma [Cfr. Conclusões M), N), O), P), Q), R), S), T), e U)) das suas Alegações recursivas], que a Sentença recorrida não promove a correta aferição do requisito da aparência do direito, por apenas ter conhecido de uma das invalidades invocadas pelos Requerentes ora Recorridos, atinente à violação do seu direito de audiência prévia, quando no seu entender e pela actuação procedimental que empreendeu, apenas visou a reposição da legalidade, propondo soluções com vista a evitar prejuízo para os alunos em causa, tendo sempre propiciado aos Requerentes o direito a participarem no procedimento, desde que os seus educandos começaram a faltar injustificadamente à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento (ou seja, desde o início do ano letivo 2018/2019).

Mais sustentou o Recorrente que sempre foi transmitida a obrigatoriedade da frequência da disciplina, e que sempre os Requerentes foram devidamente alertados que teriam de ser cumpridos todos os procedimentos que estão determinados na Secção IV do Capitulo III da Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro, sendo enviados pela escola os Planos de Recuperação de Aprendizagens com a advertência de que se não fossem cumpridos, o aluno poderá ficar retido no ano escolar em curso, com a obrigatoriedade de frequentar até ao final do ano as actividades lectivas.

Sustentou ainda que em face do conteúdo do ofício n.º 4137/2020, da DSRN, que dá como integrado e reproduzido o conteúdo das informações nº I/03816/DSJ/19 e I/04135/DSJ/19 da Inspeção-Geral da Educação e Ciência e 19/GSEAE/20, do gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, que tem de concluir-se que foi indicado aos Requerentes qual o caminho que iria ser seguido pela Administração, tendo-lhes sempre sido dada a possibilidade de terem uma participação útil no âmbito do procedimento, o que afasta a preterição de audiência prévia, pelo que, ao decidir pela sua verificação a sentença incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto no artigo 121.º do CPA, mas sempre e todo o modo, entende o Recorrente que os efeitos anulatórios da preterição da obrigatoriedade de realização de audiência dos interessados não se produzem quando a decisão não pudesse ter sido diferente da que foi adoptada, designadamente por estar em causa o exercício de um poder vinculado.

Apreciando e decidindo.

Como assim deflui do Requerimento inicial que motivou os autos de processo cautelar, para efeitos de alegação e fundamentação da existência do fumus boni iuris, os Requerentes invocaram a existência de várias invalidades, a saber: (i) a preterição do direito de audiência prévia [Cfr. pontos 91.º a 105.º do Requerimento inicial], (ii) a falta de fundamentação dos actos suspendendos [Cfr. pontos 106.º a 121.º do Requerimento inicial], (iii) a ausência de poder hierárquico e da incompetência, por isso, do órgão decisor [Cfr. pontos 122.º a 150.º do Requerimento inicial], (iv) o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito: em concreto, da incorreta aplicação da Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro, em conjugação com o Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho [Cfr. pontos 151.º a 199.º do Requerimento inicial], (v) a violação da liberdade de consciência e da liberdade de aprender no ensino público sem sujeição a directrizes estaduais de cariz filosófico, estético, político, ideológico ou religioso [Cfr. pontos 200.º a 296.º do Requerimento inicial], e (vi) a inconstitucionalidade das alíneas g) do artigo 3.º, alínea i) do n.º 2 do artigo 6.º e n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 13.º e do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho [Cfr. pontos 297.º a 319.º do Requerimento inicial.]

Atento o teor da Sentença recorrida na parte extraída supra que apreciou o requisito atinente à boa aparência do direito, julgou o Tribunal a quo que a procedência de apenas uma das invalidades assacadas aos actos em causa era fundamento para dar como verificado o requisito em causa, sem necessidade do conhecimento das demais invalidades.

E na base desse julgamento, veio a apreciar e a dar como verificada a ocorrência da preterição do direito de audiência prévia dos Requerentes, e bem assim, a julgar que não poderá concluir-se pela operância do princípio do aproveitamento acto, por degradação de uma formalidade essencial em não essencial, com fundamento em que o acto em causa é vinculado, e mais ainda, decidiu que não sendo de descartar essa eventualidade [do aproveitamento do acto], que sempre esse julgamento terá de ser efectuado na decisão a proferir na acção principal, por implicar a análise aprofundada e definitiva de todas as invalidades invocadas pelos Requerentes.

E esta apreciação assim efectuada por parte do Tribunal recorrido não merece censura.

Com efeito, para efeitos do disposto no artigo 112.º, n.º 2 do CPTA, o pedido de providências cautelares e a sua adopção regem-se pela tramitação e segundo os critérios enunciados no Título IV do CPTA, que compreende os artigos 112.º a 134.º deste Código, sendo que sob o artigo 120.º vêm dispostos os critérios para a concessão de tutela cautelar.

E aí se dispõe sob o n.º 1 desse normativo, que as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 do mesmo normativo, mesmo na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção da providência ou das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

Ora, em torno da quantidade de invalidades assacadas aos actos que constituem o objecto dos autos de processo cautelar, não dispõe o CPTA que na Sentença o Tribunal deva pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido alegadas pelos Requerentes [Cfr. no que a este repeito dispõe o artigo 95.º, n.º 3 do CPTA, atinente aos processos impugnatórios], antes porém, que aprecie da verificação dos necessários pressupostos que sejam determinantes da concessão da/s providência/s cautelar/es requerida/s.

Ou seja, é fundamento para a concessão de tutela cautelar, por via da adopção da/s providência/s requerida/s, que num primeiro momento o Tribunal aprecie da ocorrência de periculum in mora [numa das suas duas vertentes], e depois, que indague da aparência do bom direito invocado pelo requerente, no sentido de aferir sobre se é provavel que a pretensão por si formulada, que é causa/fundamento do processo principal, venha a ser julgada procedente.

Ora, como já enunciado supra e assim resulta dos autos, tendo os Requerentes em sede da provável procedência da sua pretensão a deduzir na acção principal, arguido que os actos suspendendos padecem de várias invalidades e o Tribunal a quo conhecido da ocorrência da preterição do seu direito de audiência prévia, logo por aí, por não observância de questão de natureza formal que reveste questão essencial na tramitação do procedimento administrativo, julgou verificado o requisito atinente ao fumus boni iuris.

E o facto de o Tribunal a quo ter referido que para efeitos de ser convocado o princípio do aproveitamento do acto [e que aí, a final, pode vir a ser julgado que tratando os autos de acto vinculado, que a preterição da audiência prévia pode degradar-se em formalidade não essencial], que para esse julgamento sempre tem de ser convocado o conhecimento de todas as invalidades arguidas, mas que todavia, tem tal de ser efectuado na Sentença a proferir na acção principal, e no fundo, que não pode ser efectuado em sede cautelar, dado o juízo perfunctório que estes autos reclamam nesta fase, isto é, por carecer esse julgamento de uma análise aprofundada e definitiva que apenas cabe levar acabo apenas na acção principal, e onde, serão conhecidas todas as invalidades assacadas ao/s acto/s.

Efectivamente, a concessão de tutela cautelar não está dependente da verificação pelo julgador de toda a quantidade de invalidades assacadas pelos Requerentes aos actos suspendendo, sendo apenas premente que o julgador julgue do preenchimento dos requisitos previstos no CPTA, e mais concretamente, sobre se é provável que a pretensão deduzida na acção principal venha a ser julgada procedente.

Para efeitos do decretamento de uma providência, não se impõe que o Tribunal prossiga numa indagação exaustiva da existência do direito invocado pelos Requerentes, na medida em que essa análise tem/deve ser feita em sede própria, ou seja, nos autos da acção principal.

E se para tanto lhe está justaposto [e o julgador até o admite como uma eventualidade] que a invalidade conhecida como tendo ocorrido na relação jurídica administrativa procedimental que se estabeleceu entre os Requerentes e o Requerido, pode a final vir a degradar-se em não essencial, e assim, que o acto sindicado, impugnado na acção principal, padecendo dessa invalidade, esse acto pode ser aproveitado porque a decisão tomada pelo Ministério da Educação sempre seria a mesma, não cabe levar a cabo esse julgamento em sede de processo cautelar, dada a sua natureza sumária e perfunctória, e obviamente, para tanto, como assim decidiu o Tribunal a quo, sem reparo, que para atingir esse desiderato tem de prosseguir num julgamento mais analítico e profundo, que apenas cabe levar a cabo no âmbito da acção principal em sede da apreciação do mérito do fundo da questão.

Diferente seria se o Tribunal a quo tivesse proferido Sentença tendo subjacente o disposto no artigo 121.º, n.º 1 do CPTA, antecipando o juízo sobre a causa principal, caso em que, sob este regime processual, já não poderia deixar de conhecer de todas as invalidades invocadas e também sobre a eventual convocação do princípio do aproveitamento do acto administrativo prolatado.

Neste patamar, o julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo que apreciou e decidiu pelo preenchimento do requisito da aparência do bom direito, com fundamento em ser provável que em sede da apreciação do pedido deduzido na acção principal, o vício atinente à preterição da audiência prévia venha a ser julgado procedente, não merece censura.

Como bem apreciou o Tribunal a quo, se bem que as decisões proferidas corporizadas nos dois despachos n.ºs 49/2000 e 50/2000 do Director do Agrupamento de Escolas não possam ser tidas e consideradas pelos Requerentes como uma decisão-surpresa, pois que atento o contencioso latente por si mantido com o Ministério da Educação ancorado na sua interpretação da lei e da Constituição da República Portuguesa, era o prenúncio de um desfecho possível dessa natureza, de todo o modo, como também assim bem identificou o Tribunal recorrido, no que respeita ao ano lectivo 2018/2019, os dois Requerentes filhos tinham transitado do 5.º e 7.º anos, para o 6.º e 8.º anos [Cfr. pontos 18A e 18B do probatório], respectivamente, e aquando da prolação do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, datado de 16 de janeiro de 2020, e depois dos referidos despachos 49/2000 e 50/2000, ambos datados de 15 de junho de 2020, com o que foram confrontados foi com uma realidade que nunca lhes foi presente e que passou pela anulação dos actos de transição, sem que lhes tenha sido apresentada, em conformidade com o disposto o artigo 120.º do CPA, um projecto de decisão albergando a devida fundamentação de facto e de direito, antes apenas que dessem cumprimento aos Planos de Recuperação das Aprendizagens que lhes foram remetidos em 04 de março de 2020.

É que a audiência dos interessados, como figura geral do procedimento administrativo decisório de 1.º grau, representa o cumprimento da directiva constitucional de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito, contida no artigo 267.º, n.º 5 da CRP, determinando para Ministério da Educação ou seus órgãos, a obrigação de associar os Requerentes [os representantes legais dos Requerentes menores] à tarefa de preparar a decisão final, por forma a permitir que os mesmos, enquanto interessados, aleguem ou requeiram a atenção da entidade decisora para certas questões que, do seu ponto de vista, têm relevância para a decisão a proferir no procedimento.

Em face do que decorre da actuação do Requerido, o ora Recorrente Ministério da Educação [mais concretamente, por via do Director do Agrupamento de escolas], e que se motivou pela anulação da deliberação dos conselhos de turma do 5.º 2, e do 7.º 1, que eram respeitantes à transição de ano escolar dos Requerentes filhos, T. e R. [Cfr. pontos 18A e 18B do probatório], é possível entrever uma natureza sancionatória na prolação dos actos corporizados nos actos suspendendos, o que determina cautela na aplicação do princípio do aproveitamento do acto [em especial quando está em causa invalidade que os Requerentes qualificam como nulidade – Cfr. artigo 163.º, n.º 5, alínea a) do CPA] tanto mais que nos processo sancionatórios, a audiência dos interessados constitui uma garantia constitucional [cfr. artigo 32.º e artigo 269.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa].

E neste patamar.

Cumpre apenas referir, que tendo o procedimento administrativo gizado pelo Requerido Ministério da Educação decorrido de forma e termos que não lhe permitia, no tempo em causa, tomar as decisões suspendendas [que em suma decidem pela anulação de deliberações de orgãos do sistema educativo - de dois conselhos de turma], desde logo, por não ter respeitado o direito de audiência prévia dos Requerentes [nem sido dispensada a sua realização], que sendo realizada, sempre poderiam os mesmos contraditar o projeto de decisão do Requerido, está assim o procedimento subsequente ferido de invalidade.

Só depois de, se assim entender o Requerido, ser suprido o identificado vício de forma [pela notificação dos Requerentes], é que poderá o mesmo vir a prolatar decisão que tenha a virtualidade de interferir, de forma decisiva e definitiva, na esfera jurídico-patrimonial dos Requerentes pais e dos Requerentes filhos.

Termos em que também não se verifica o invocado erro de julgamento.

Apreciando agora o invocado erro de julgamento do Tribunal a quo, em matéria de interpretação e aplicação do direito, por não ter sido efectuada pelo Tribunal a quo a correcta aferição do requisito da ponderação dos interesses - Cfr. conclusões V), W) e X) das Alegações de recurso.

Neste domínio, para aqui extractamos a essência da fundamentação aportada na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Retomando a análise referente à ponderação de interesses. Foi, já, referido, acima, que o Tribunal entende que, face ao que se encontra em litígio, neste processo, mormente considerando os interesses em jogo – cumprimento da legalidade (alegação do Requerido) e progressão escolar normal dos alunos (alegação dos Requerentes) – obviamente, deve prevalecer o interesse dos alunos, em prosseguir, com os seus estudos, no ano escolar que, atualmente, frequentam.
Não obstante o inegável interesse em manter uma linearidade e coerência das regras escolares, nomeadamente no que ao regime de faltas diz respeito, concretamente, na situação, ora, em análise, deve prevalecer o interesse dos alunos, em não serem afetados no seu percurso escolar (regredindo, no imediato, dois anos escolares), quando ainda não se tornou definitiva, no ordenamento jurídico, a decisão que os obriga a tal (anulação das transições escolares).
Assim, julga-se verificado, também, este pressuposto, levando a que se decrete a suspensão de efeitos dos atos suspendendos, esclarecendo-se que deve manter-se a situação atual vigente, qual seja, a frequência, pelos alunos, do 7º e 9º anos, respetivamente.
[...]“
Fim da transcrição

Com o assim decidido não concorda o Recorrente Ministério da Educação, sustentando para tanto e em suma [Cfr. Conclusões V), W) e X) das suas Alegações recursivas], que face ao disposto no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA, que ponderados os interesses públicos e privados em presença, a concessão da providência tal como decidido é gravemente prejudicial para o interesse público, designadamente para a salvaguarda da legalidade e da estabilidade no sistema educativo, porque a manter-se, vai criar um precedente perigoso, na medida em que legitima todos os comportamentos idênticos que viessem a ser adotados ou pretendidos, pondo igualmente em causa o princípio da igualdade, consagrado no artigo 6.º da Constituição da República Portuguesa.

Não podemos acolher este entendimento do Recorrente.

Com efeito, é manifesto que atento o balanceamento que deve fazer-se em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, é necessário que a produção de danos seja um acontecimento razoável, credível e fundado, tendo subjacente um juízo de probabilidade.

Como refere José Carlos V. Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), página 303, “[...] não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados. [...] o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar.”

E nessa medida, ao contrário do que sustenta o Recorrente em torno da concessão da providência atinente à suspensão da eficácia dos três identificados despachos, não se vê como é que tal cria um precedente perigoso, legitimando comportamentos idênticos, ou que seja violador do princípio da igualdade [a que se reporta o Recorrente, patente no artigo 6.º do CPA], quando foi o Ministério da Educação pela sua actuação quem criou incerteza no domínio da relação de ensino, envolvendo os dirigentes escolares, os professores, os conselhos de turma, assim como os pais e os alunos menores, quando com referência ao ano lectivo de 2018/2019 foi autorizada a transição dos Requerentes filhos, do 5.º e 7.º anos, para o 6.º e 8.º anos [Cfr. pontos 18A e 18B do probatório], e cerca de um ano volvido, vem a anular essas deliberações de transição, quando estava já quase findo um outro ano escolar [2019/2020], e tudo prosseguindo sem respeitar a audiência prévia dos visados/interessados face a essas queridas tomadas de decisões, que não podem deixar de consubstanciar uma ablação do direito à escola, e a continuar a aprender, por parte dos Requerentes filhos.

De modo que também por aqui tem de improceder a pretensão recursiva do Recorrente Ministério da Educação, por não se verificar o invocado erro de julgamento.

Aqui chegados, cumpre agora conhecer da pretensão recursiva dos Requerentes, que assenta na ocorrência de erro de julgamento em matéria de direito, por não ter o Tribunal a quo decretado a providência antecipatória por si peticionada, colocando assim em crise os seus direitos constitucionalmente consagrados, porque vedou sem fundamento válido para o efeito o seu direito de objecção de consciência – Cfr. conclusões II), IV), V), VI), VII), VIII), IX), X), XII), XIV), XV), XVI), XVII), XIX), XXI), XXII), XXV), XXVII), XXVII), XXIX), XXXI), XXXII) e XXXIII) das Alegações de recurso.

Cumpre fazer um ponto prévio.

A final do Requerimento inicial, os Requerentes também peticionaram a adopção pelo Tribunal, cumulativamente, de uma providência cautelar inominada, que a identificaram nos seguintes termos:

(i) No reconhecimento provisório, até que seja proferida uma decisão judicial definitiva do direito dos filhos dos Requerente à não frequência da disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”, ou, caso assim não se entenda, que a não comparência à referida disciplina não seja tida como falta injustificada;
(ii) Na condenação do agrupamento escolar a avaliar os menores R. e T. sobre o seu desempenho no ano escolar 2019/2020, não obstaculizando a transição de ano dos mesmos;
(iii) Na proibição de ver os filhos dos Requerentes prejudicados, de qualquer modo, na respetiva avaliação e progressão escolar”.

Porém, o que é certo é que logo no intróito do Requerimento inicial, a providência cumulativa identificada pelos Requerentes é de teor diverso, o que, por facilidade, para aqui se extrai como segue:

ANTECIPATÓRIA INOMINADA, para os Requeridos:
(1) respeitarem o direito à objeção de consciência dos Requerentes e dos seus Educandos no tocante à frequência da disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”;
(2) avaliarem os menores R. e T. sobre o seu desempenho no ano escolar 2019/2020, não obstaculizando a transição de ano dos mesmos;
(3) não prejudicarem de qualquer modo o processo de avaliação dos filhos menores dos Requerentes, pelo facto de estes serem objetores de consciência e não assistirem às aulas de “Cidadania e Desenvolvimento”.

Em sede do ponto 3 das Alegações de recurso apresentadas pelos Recorrentes na parte em que não obtiveram provimento na sua pretensão cautelar, e como dele se retira, os mesmos identificam que a providência cautelar por si requerida é aquela que identificaram no intróito do Requerimento inicial, sendo por isso, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 114.º, n.º 3 alínea f) do CPTA, essa a providência que requereram fosse adoptada pelo Tribunal a quo, e que consistia (i) No reconhecimento provisório, até que seja proferida uma decisão judicial definitiva do direito dos filhos dos Requerente à não frequência da disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”, ou, caso assim não se entenda, que a não comparência à referida disciplina não seja tida como falta injustificada; (ii) Na condenação do agrupamento escolar a avaliar os menores R. e T. sobre o seu desempenho no ano escolar 2019/2020, não obstaculizando a transição de ano dos mesmos; (iii) Na proibição de ver os filhos dos Requerentes prejudicados, de qualquer modo, na respetiva avaliação e progressão escolar.

Sob o ponto iii) do segmento decisório da Sentença recorrida, o Tribunal a quo determinou o indeferimento da providência cautelar antecipatória, sendo que face ao teor das Alegações e conclusões recursivas apresentadas, os Requerentes, também ora Recorrentes, têm a providência antecipatória que foi recusada pelo Tribunal, como sendo aquela que foi por si [Requerentes] enunciada a final do Requerimento inicial, sob a alínea B), pontos i), ii) e iii) do pedido.

É neste pressuposto que assim vamos apreciar e decidir o recurso jurisdicional apresentado pelos Requerentes.

Neste domínio, para aqui extractamos a essência da fundamentação aportada na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Passando, agora, para o conhecimento da segunda providência cautelar requerida: respeito pela objeção de consciência.
Neste domínio, os Requerentes invocam, nesta ação, que há violação da sua liberdade de consciência, sendo que não pode ser ministrada disciplina com carater ideológico, que a educação no sistema público não pode seguir nem impor diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas. Dão como exemplo a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica, que é opcional, sendo que tal regime devia ser estendido à disciplina de Cidadania e Educação, uma vez que os pais devem cooperar na formação religiosa dos filhos, também lhes deve ser dada essa abertura quanto à cidadania – referindo que a ideologização, nesta disciplina, passa pela conceção adotada quanto ao género (de que o género é fruto da sociedade e não decorre somente da natureza – do sexo com que se nasceu), o que, segundo alegam, coloca em crise os seus princípios e valores, os quais querem (e não abdicam) de transmitir aos filhos.
Pugnam pela aplicação do mesmo regime de EMRC à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, pois que se mostra assegurado o princípio da proporcionalidade e, ainda, porque são pais empenhados na educação dos filhos, já se tendo demonstrado que têm tido sucesso, tanto que os seus filhos são considerados exemplares entre os seus pares e têm feito parte do quadro de mérito todos os anos.
Sustentam-se nas diversas missivas remetidas à escola, para concretizar o que motivou a sua decisão de não autorizar a frequência de tais aulas pelos filhos (ponto 271º do requerimento inicial):
- “a educação para a cidadania dos nossos filhos [...] é da nossa competência, matéria a que não renunciamos [...] dos vários módulos que integram a disciplina de “Educação para a Cidadania”, dois deles – Educação para a Igualdade de Género e o da Educação para a Saúde Sexualidade – suscitam-nos especiais preocupações e repúdio “ (documento n.º 6);
- “no que se refere às faltas e avaliação, considero uma não questão simplesmente porque os meus filhos não participarão na disciplina em assunto. De igual modo como não participam em EMRC, não são avaliados nem têm faltas” (documento n.º 8);
- “segundo o art. 36.º, n.º 5 CRP, Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. E exercem esse direito, e cumprem esse dever, pondo em prática os valores ditados pela sua consciência, bem como, no caso de serem crentes, pelas respetivas convicções morais e religiosas [...].
Pois bem, a disciplina que pretendem ministrar aos meus filhos à minha revelia assenta em diretrizes filosóficas e ideológicas contrárias aos valores e às convicções morais e religiosas que perfilho, a partir dos quais pretendo exercer o direito e o dever que me assistem – direito e dever esses de educar os meus filhos aos quais não pretendo, em suma, renunciar [...].
Essas matérias [...] não são de modo algum neutras do ponto de vista dos valores, para já não falar do ponto de vista moral e religioso [...].
Por último, invocamos no imediato, como fundamento jurídico da nossa conduta, o direito de resistência (pacífica) que a Constituição assegura no seu art. 20.º a todos os cidadãos em caso de ofensa aos seus direitos, liberdades e garantias” (documento n.º 10)”.

Refletindo sobre a alegação que, ora, se resumiu e bem assim sobre as diversas missivas trocadas com a Escola, ao longo dos anos escolares 2018/2019 e 2019/2020, pode adiantar-se, desde já, que a alegação dos Requerentes, no que à objeção de consciência diz respeito, não merece acolhimento. E não merece, pela simples circunstância de que não se consegue compreender, efetivamente, em que é que a violação da liberdade de consciência ocorre.

Note-se que demonstrativo da falta de consubstanciação, a este nível, está o teor das missivas que os próprios fizeram questão de transcrever no seu requerimento inicial e que se reproduziram dois parágrafos acima. Os Requerentes, conclusivamente, sustentam a sua oposição à frequência da disciplina, mas não indicam, ali, uma matéria concreta que colida com um seu princípio ou convicção. Aduzir que “suscita especial preocupação e repúdio”, “a disciplina assenta em diretrizes filosóficas e ideológicas contrárias aos valores e às convicções morais e religiosas que perfilho”, “essas matérias não são neutras do ponto de vista dos valores, para já não falar do ponto de vista moral e religioso”, “invocamos o direito de resistência (pacífica)”, não permite concretizar o que está em causa; não permite saber qual a sua própria conceção de um qualquer tema e em que aspeto fundamental aquela abordagem afeta a sua posição, a sua consciência.

Aliás, de toda a troca de comunicações entre os Requerentes e a Escola (para além destas analisadas) resulta, mais, que há um litígio, ao nível da atribuição das competências que os primeiros entendem estar a si acometidas, quanto à educação e formação dos seus filhos, do que, propriamente, um debate de pontos de vista, em que, fundamentadamente, há uma oposição quanto às matérias em causa. Está mais em causa uma “disputa de poder” ao nível da educação dos menores, do que um verdadeiro conflito entre a consciência dos Requerentes, as suas convicções, e os temas da disciplina.
Note-se que as missivas assentam sempre numa formulação autoritária, onde abundam as ameaças (quanto a processo judicial, inclusive processo crime), e as expressões “não autorizamos”, “não abdicamos”, “não renunciamos”. Além do mais, verifica-se que em vários pontos, referem que a disciplina é “perda de tempo”, abarcando toda a disciplina e não um ou outro tema, em particular.

O que acaba, aliás, por transparecer na presente ação.
Repare-se que, mais do que sustentar quais os concretos pontos que atingem os valores e princípios dos Requerentes, estes batem-se pelo seu entendimento quanto ao que deve ou não ser obrigatório, quanto ao que lhes interessa enquanto mérito dos alunos (note-se que os Requerentes estabelecem que a notação de mérito às outras disciplinas equivale a que os alunos são idóneos ao nível da cidadania), quanto ao seu entendimento quanto à (falta de) importância da disciplina, à irrelevância das faltas dadas, à insignificância das matérias ali ministradas.
[...]
Ainda que o Tribunal concorde com estas definições doutrinais, a verdade é que as mesmas acabam por não vir vertidas na atuação dos Requerentes. Não basta invocar a objeção de consciência, é imperioso que se indique, em concreto, qual a convicção, valor, princípio em causa, suscetível de ser afetado por esta ou aquela atuação, ou no presente caso, por esta ou aquela matéria/abordagem.

Acrescente-se que os Requerentes proibiram, ab initio, a frequência da disciplina, não diferenciando as efetivas matérias que colidiriam com a sua consciência. Sendo que, tal, a eles se impunha. E não basta dizer que se discorda, por exemplo, da conceção de género, ou afirmar que a conceção que é lecionada na disciplina está sujeita a determinações estaduais de cariz filosófico, estético, político, ideológico ou religioso – é mera afirmação sem concretização, é uma afirmação conclusiva, sem que se conheçam as premissas que a ela conduzem.
Reitere-se que se afigura ao Tribunal, neste juízo cautelar e decorrente da análise sumária da alegação efetuada e da prova produzida, que o que está em causa é uma posição (de discordância) quanto à disciplina em si mesma, e não especificamente, quanto a um ou outro tema que, verdadeiramente, colida com a consciência dos Requerentes.

A invocação de objeção de consciência não poderá, assim, proceder porque não vem, efetivamente, assente em qualquer factualidade concreta; isto é, não basta dizer que discorda de determinada matéria, invocar que, pela disciplina, se está a impor/ensinar uma ideologia; exige-se que, concretamente, seja indicada a “consciência” em causa e em que medida, uma determinada e concreta atuação, a viola.
E, em suma, para que se possa dar como verificada, ainda que, em sede provisória e sumária, a ocorrência da violação do direito à objeção de consciência, concretizar, em que assenta a mesma, é imprescindível.
Pelo que é forçoso improceder esta alegação e com isso, considerando que os requisitos do artigo 120º do C.P.T.A. são cumulativos, falhando o fumus boni iuris, é de improceder, também, o decretamento da segunda providência requerida: (B) Deverá ser decretada a providência cautelar inominada peticionada pelos Requerentes, a qual se traduz, designadamente: (i) No reconhecimento provisório, até que seja proferida uma decisão judicial definitiva do direito dos filhos dos Requerentes à não frequência da disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”, ou, caso assim não se entenda, que a não comparência à referida disciplina não seja tida como falta injustificada; (ii) Na condenação do agrupamento escolar a avaliar os menores R. e T. sobre o seu desempenho no ano escolar 2019/2020, não obstaculizando a transição de ano dos mesmos; (iii) Na proibição de ver os filhos dos Requerentes prejudicados, de qualquer modo, na respetiva avaliação e progressão escolar.
Destarte, julga-se parcialmente procedente o presente processo cautelar, determinando-se a primeira providência cautelar requerida e não a segunda.
[...]“
Fim da transcrição

Com o assim decidido não concordam os Requerentes, ora Recorrentes, sustentando e centrando para tanto e em suma [Cfr. conclusões II), IV), V), VI), VII), VIII), IX), X), XII), XIV), XV), XVI), XVII), XIX), XXI), XXII), XXV), XXVII), XXVII), XXIX), XXXI), XXXII) e XXXIII) das suas Alegações recursivas] a sua pretensão recursiva no facto de a Sentença recorrida enfermar de erro de julgamento em matéria de apreciação e aplicação do direito, com particular enfoque no texto constitucional, ao ter indeferido a identificada providência cautelar antecipatória, que para si constituía uma medida fulcral para que fosse respeitado o seu direito de objecção de consciência [enquanto pais, e enquanto filhos], e para que os Requerentes filhos pudessem progredir naturalmente no ciclo de estudos.

Insurgem-se os Recorrentes, em suma, referindo que o Tribunal a quo errou quando apreciou que os mesmos não lograram fazer prova em torno de quais as concretas matérias de “Cidadania e Desenvolvimento” que conflituavam com a sua consciência.

De outro modo, sustentam os Recorrentes que o Tribunal a quo apreciou, erradamente, quando fundamentou a sua decisão no facto de não conseguir compreender em que termos é que ocorre a violação da sua liberdade de consciência.

Referem os Recorrentes que o fundamento da objeção de consciência reside na dignidade da pessoa humana, pilar do Estado de Direito e do ordenamento jurídico português, como patenteado no artigo 1.º da CRP, e que estando previsto o modo de exercício de diversos direitos de objeção de consciência [por parte de quem recusa o serviço militar; por parte de médicos, e por parte de enfermeiros], que de todo o modo, são imprecisos os termos em que o direito à objeção de consciência deve ser exercido, carecendo o modo do seu exercício de concretização legal, sendo inelutáveis as consequências que o vazio criado pela sua inexistência gera na esfera jurídica dos cidadãos, e que quanto à matéria em apreço nos autos, que não está regulado por lei o direito à objeção de consciência no direito administrativo do ensino público básico e secundário, para salvaguarda das liberdades consagradas nos artigos 41.º e 43.º da CRP, e que por isso, é errado o julgamento do Tribunal a quo quando refere que não basta invocar a objeção de consciência, antes sendo imperioso que se indique, em concreto, qual a convicção, valor, princípio em causa, susceptível de ser afectado.

Mais referiram que os direitos constitucionalmente consagrados dos Recorrentes e dos seus filhos estão colocados em crise pela Sentença recorrida, porque foi vedado sem fundamento válido para o efeito, o direito de objeção de consciência por si invocado, e que não recaía sobre si o dever de fundamentar o exercício à objecção de consciência, por tal não decorrer da CRP nem de nenhum outro diploma infraconstitucional, e que pela postura evidenciada pelo Tribunal a quo, por muito que expendessem a esse propósito, nunca lograriam os Requerentes, ora Recorrentes, demonstrar a violação da sua liberdade de consciência, pelo facto de se assomarem dificuldades dialéticas concretizadas numa probatio diabolica, e que se traduzem na dificuldade de expressão da intimidade ético-axiológica própria dos Recorrentes, enfatizando que não existe qualquer restrição legal que impeça os Recorrentes de invocarem a objeção de consciência para obstar a que os seus filhos frequentem a disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”.

Referiram ainda que os Requerentes pais identificaram com bastante precisão, nos concretos conteúdos da disciplina em causa, directrizes ideológicas contrárias aos valores em que pretendem educar os seus filhos até à maioridade, e agiram de acordo com a sua consciência ao proibirem os filhos de participarem nas aulas de Cidadania e Desenvolvimento, tendo assim aduzido argumentos relacionados com o direito à educação e à liberdade de aprender no ensino público sem sujeição a diretrizes estaduais de cariz filosófico, estético, político, ideológico ou religioso que eles, em consciência, pretendem exercer de acordo com os seus valores e convicções religiosas, exercendo um direito de objecção de consciência que a Constituição lhes assegura e que não pode estar condicionado, estando assim violado o princípio da adequação e da proporcionalidade, e que os afecta.

O Recorrido contrariou as conclusões das Alegações de recurso, pugnando a final e em suma pela negação de provimento.

Cumpre apreciar e decidir.

Como resulta do processado, o Tribunal recorrido julgou que para decidir em sede cautelar, de forma sumária e provisória em torno da ocorrência da violação do direito à objecção de consciência dos Requerentes, que era imprescindível que os mesmos concretizassem em que assenta a mesma, e que não o tendo feito, que a providência antecipatória não podia ser concedida por falhar o critério do fumus boni iuris.

Os Requerentes, ora Recorrentes, sustentam que não têm de o fazer, por esse seu direito ser decorrente, desde logo, da CRP, mais concretamente, dos artigos 41.º e 43.º, e que nenhum diploma legal prevê os termos e os pressupostos em que o direito à objecção de consciência deve ser exercido no âmbito do ensino público.

E para esse efeito chamam à colação três regimes jurídicos em que é reconhecido o direito à objecção de consciência, a saber, perante o serviço militar [Lei n.º 7/92, de 12 de maio], dos médicos perante actos da sua profissão que entrem em conflito com a sua consciência [artigo 12.º do Regulamento n.º 707/2016, de 21 de julho], e dos enfermeiros perante actos da sua profissão que contrariem as suas convicções filosóficas, éticas, morais e religiosas [artigo 4.º do Regulamento n.º 344/2017, de 25 de março].

Cotejados esses diplomas normativos, deles se extrai que a Lei n.º 7/92, de 12 de maio, regula o direito à objecção de consciência perante o serviço militar, definindo o respectivo artigo 2.º o “Conceito de objector de consciência”, como para aqui se extrai: “Consideram-se objectores de consciência os cidadãos convictos de que, por motivos de ordem religiosa, moral, humanitária ou filosófica, lhes não é legítimo usar de meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante [sublinhado da nossa autoria], ainda que para fins de defesa nacional colectiva ou pessoal.

Por sua vez, o Regulamento n.º 707/2016, de 21 de julho, da Ordem dos Médicos, que aprovou o Código Deontológico da Ordem dos Médicos, regula a objecção de consciência, definindo o respectivo artigo 12.º a “Objecção de consciência”, como para aqui se extrai: “1 - O médico tem o direito de recusar a prática de ato da sua profissão quando tal prática entre em conflito com a sua consciência, ofendendo os seus princípios éticos, morais, religiosos, filosóficos, ideológicos ou humanitários.
2 - A objeção de consciência é manifestada perante situações concretas [sublinhado da nossa autoria] em documento que pode ser registado na Ordem, assinado pelo médico objetor e comunicado ao diretor clínico do estabelecimento de saúde, devendo a sua decisão ser comunicada ao doente, ou a quem no seu lugar prestar o consentimento, em tempo útil.
3 - A objeção de consciência não pode ser invocada em situação urgente e que implique perigo de vida ou grave dano para a saúde, se não houver outro médico disponível a quem o doente possa recorrer.
4 - O médico objetor não pode sofrer qualquer prejuízo pessoal ou profissional pelo exercício do seu direito à objeção de consciência.

Por último, o Regulamento n.º 344/2017, de 25 de março, da Ordem dos Enfermeiros, que aprovou o Regulamento do exercício do direito à objecção de consciência, dispõe sob o seu Capítulo II sobre o “Exercício de objecção de consciência”, do qual para aqui se extrai o que segue:
Artigo 4.º Âmbito do exercício de objeção de consciência
O direito à objeção de consciência é exercido face a uma ordem ou prescrição concreta, cuja intervenção de Enfermagem a desenvolver esteja em oposição com as convicções filosóficas, éticas, morais ou religiosas do enfermeiro e perante a qual é manifestada a recusa para a sua concretização fundamentada em razões de consciência.
Artigo 5.º
Informação no contexto do local de trabalho
1 - O enfermeiro deve anunciar por escrito, ao superior hierárquico imediato ou a quem faça as suas vezes, a sua decisão de recusa da prática de ato da sua profissão explicitando as razões por que tal prática entra em conflito [sublinhado da nossa autoria] com a sua consciência filosófica, ética, moral, religiosa ou contradiz o disposto no Código Deontológico (exemplo em anexo I a este regulamento).
2 - O anúncio da decisão de recusa deve ser feito atempadamente, de forma a que sejam assegurados, no mínimo indispensável, os cuidados a prestar e seja possível recorrer a outro profissional, se for caso disso.
Artigo 6.º
Informação à Ordem
1 - O enfermeiro deve comunicar também a sua decisão, por carta, ao Presidente do Conselho Jurisdicional Regional da Secção da Ordem onde está inscrito, no prazo de 48 horas após a apresentação da recusa.
2 - A informação à Ordem deverá conter a identificação, número de cédula profissional, local e circunstâncias do exercício do direito à Objeção de Consciência (exemplo em anexo II a este regulamento).
3 - Esta informação não dispensa do cumprimento dos trâmites de caráter hierárquico, instituídos na organização em que o enfermeiro desempenha funções.
Artigo 7.º
Deveres do objetor de consciência
Para além do estipulado no presente regulamento, o objetor de consciência deve respeitar as convicções pessoais, filosóficas, ideológicas ou religiosas dos clientes e dos outros membros da equipa de saúde.

Neste patamar.

Os Requerentes convocaram os diplomas normativos/regulamentares indicados supra [Cfr. ponto 19 das Alegações escritas] para referenciar que nalguns espaços da ordem jurídico-normativa e para efeitos de salvaguarda das liberdades consagradas nos artigos 41.º e 43.º, ambos da CRP, está previsto o modo de exercício do direito de objecção de consciência, mas que a lei não regula o direito à objecção de consciência no direito administrativo do ensino público básico e secundário, concluindo sob a conclusão VI, por oposição ao julgado pelo Tribunal recorrido, que para invocar a objeção de consciência, não é imperioso que se indique, em concreto, qual a convicção, valor, princípio em causa, susceptível de ser afectado por esta ou aquela atuação, ou no presente caso, por esta ou aquela matéria/abordagem, pelo facto de nenhuma norma resultar expressamente que deveriam os Recorrentes ter indicado, em concreto, os fundamentos subjacentes à sua pretensão.

Porém, carecem os Requerentes, ora Recorrentes, de razão.

Desde logo, em face dos 3 regimes jurídicos por si identificados e que acima enunciamos, deles resulta que o objector de consciência tem de identificar quais as concretas situações determinantes da sua objecção de consciência, explicitando as razões porque a situação em causa briga com a sua consciência, com a sua escala de valores, sendo que, quanto ao serviço militar, é evidente a fundamentação em torno do não uso de meios violentos contra o seu semelhante.

Portanto, sempre perpassa pelos regimes jurídicos convocados pelos Requerentes que a invocação das concretas razões não é questão de que se deva passar ao lado.

Depois, estamos no domínio da petição de concessão de tutela judicial efectiva, sob a égide de uma forma de processo que é urgente, em termos que, face ao disposto no artigo 114.º, n.º 3, alínea g) do CPTA, com os fundamentos do pedido, deve o requerente oferecer prova sumária da respetiva existência.

Impõe assim o legislador, num processo que pode ser intentado como preliminar ou como incidente da causa que tem por objeto a decisão sobre o mérito, a necessidade de prova que sustente o pedido formulado, prova essa que também se basta pela sumariedade.

O Tribunal a quo julgou que os Requerentes não sustentaram/provaram quais os concretos pontos que atingem os seus valores e princípios, e de que não se consegue compreender em que termos é que, efectivamente, ocorre a violação da sua liberdade de consciência face à disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”.

Note-se que os Requerentes encerram a sua causa de pedir no direito à objecção de consciência, e também na violação da sua liberdade de consciência, pedindo a final a adopção de uma providência antecipatória que passa pelo “reconhecimento provisório“ a que os seus filhos não frequentem a disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento“, ou que a sua não comparência não seja tida por falta injustificada, asim como “na condenação“ do Requerido a avaliar os seus filhos sobre o seu desempenho no ano lectivo 2019/2020 e a não impedir a trransição de ano dos mesmos, e bem assim, “na proibição“ de o Requerido prejudicar os seus filhos na respectiva avaliação e progressão escolar.

Para fundamentar esses seus pedidos [como assim julgou o Tribunal a quo], os Recorrentes têm por base a sua firme oposição à frequência da referida disciplina, sem identificarem quais as matérias que colidem de facto, porquê e como, com a sua liberdade de consciência.

E nesta sua pretensão recursiva, relembram que no ponto 240.º e seguintes do Requerimento inicial fazem referências à adopção das orientações constantes do programa PRESSE, atinente ao modelo de desenvolvimento curricular em educação sexual, sob o qual não querem que os seus filhos sejam educados.

Compulsado o Requerimento inicial, tal de facto assim vem alegado.

E de resto, como assim resultou provado [Cfr. ponto 5 do probatório], na carta que remeteram ao Agrupamento de Escolas em 24 de outubro de 2018, referem por um lado que “Em concreto não autorizamos a participação dos nossos filhos [...] em qualquer aula, acção ou aconselhamento relativos à disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento“, sem o nosso acordo por escrito [...]“
Em particular desde já informamos que não autorizamos a participação dos nossos filhos nas actividades do programa PRESSE. [...]“

Porém, essa alegação não pode ser bastante para efeitos de ser adoptada a providência antecipatória requerida, conforme delineado pelos Requerentes, pois que a disciplina “Cidadania e Desenvolvimento “ministrada no Agrupamento de escolas é muito mais do que ensinamento sobre educação sexual e igualdade de género.

O reconhecimento provisório a não frequentar a disciplina ou a não ter faltas injustificadas por não comparência, assim como o pedido de condenação a não obstaculizar a transição de ano dos Requerentes filhos, e bem assim, de o Ministério da Educação ser proibido de prejudicar a avaliação e progresso escolar dos mesmos, carecia assim de fundamentação mais concreta e precisa, que não pode passar apenas pela referência assinalada pelo Tribunal a quo, mas da autoria dos Requerentes, de que a disciplina é “perda de tempo“.

Estando o Tribunal a quo, assim como este Tribunal Superior vinculado ao pedido formulado pelos Requerentes em sede cautelar, e não tendo fundamentado, em termos concretos, porque se impõe o reconhecimento provisório do direito a não assistir às aulas [a todas] da disciplina, ou o direito a não ter faltas injustificadas a todas as aulas da disciplina, falha o preenchimento do requisito do fumus boni iuris.

Vejamos.

É certo que os Requerentes alegaram e fundamentaram com base na lei e na CRP, que lhes assiste um direito.

Mas o que é facto é que essa questão é controvertida, pois que não lhes reconhece o Requerido esse direito, e também ele fundamenta a inverificação desse direito, também com base na lei e na CRP.

E atenta a natureza altamente controvertida da questão, não podem os Requerentes sustentar que nesse domínio existe a probabilidade de o pedido que tenham deduzido na acção principal venha a ser julgado procedente.

E como assim julgamos, tanto basta para não ser adoptada a providência cautelar antecipatória requerida, e assim, para que não possa ser dado provimento à sua pretensão recursiva.

Atento o decretamento pelo Tribunal a quo da/s providência/s conservatória/s pedida/s sob a alínea A) a final do Requerimento inicial, estão os Requerentes filhos a coberto do disposto no artigo 128.º do CPTA, pelo que não pode prosseguir o Requerido na sua actuação para cumprimento dos despachos n.ºs 49/2020 e 50/2020, até pelo menos a uma nova decisão em sede do reexercício para efeitos de audiência prévia dos Requerentes.

A adopção das providências cautelares está [também] dependente de um juízo em torno da provável procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, o que significa que em todas as providências deve o julgador formar convicção sumária, provisória e instrumental, da probabilidade de êxito da pretensão principal. Ou seja, e como refere Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), página 314, o julgador deve aferir da “existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele diz existir [...].”, o que tudo tem subjacente que pende sobre o requerente num processo cautelar, em qualquer situação, o ónus de fazer prova sobre o bem fundado da pretensão principal.

Neste patamar.

Como assim dispõe o artigo 5.º do CPC, e em obediência ao princípio do dispositivo, constituía ónus dos Requerentes, ora Recorrentes, alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e que eram determinantes do pedido formulado a final do Requerimento inicial, e que passava pelo “reconhecimento provisório” do direito à não frequência da disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”, ou ao direito a não ter falta injustificadas, alegação que que não foi cabalmente prosseguida

E nesse domínio, tendo os Requerentes alegado carecer de tutela cautelar para efeitos de assegurar a utilidade da Sentença a proferir na acção principal, tendo subjacente o disposto nos artigos 112.º e 114.º ambos do CPTA, era desde logo condição essencial que, entre o mais, especificassem os fundamentos do pedido, oferecendo simultaneamente a prova sumária da respetiva existência, que não pode ficar pela alegação da existência desse direito, e de que são titulares, quando essa matéria, sendo controvertida, não pode o Tribunal em sede cautelar tomar posição em torno da probabilidade da procedência da sua pretensão na ação principal, pois que esse julgamento cabe efectuar é no âmbito da tramitação e instrução desses autos principais.

Por outro lado, sempre o decretamento da providência requerida não podia verificar-se pois não forem recolhidos, em termos de matéria de facto, indícios suficientes da verosimilhança do direito a ver provisoriamente reconhecida a não frequência da disciplina em causa, pois só perante a existência de tais elementos de prova e pertinente enquadramento será possível ao julgador formular um juízo positivo a respeito da aparência do direito invocado.

No âmbito do juízo que cabe levar a cabo no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, não pode pretender-se que o julgador o misture com o juízo que deve ser feito a título principal, visto tratar-se dum juízo perfunctório, sumário, tal como é reclamado pelo legislador em termos cautelares, por constituír um juízo que é formulado sob reserva de se poder chegar a uma conclusão diversa em sede do processo principal.


Face à factualidade indiciariamente assente e respectiva subsunção ao direito, o Tribunal recorrido julgou corretamente quando, em juízo sumário, concluiu por não ter sido provado o requisito do fumus boni iuris.

De maneira que, a pretensão recursiva dos Recorrentes tem assim de improceder.
*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Acto impugnável; Processo cautelar; Juízo perfunctório; Ponderação de interesses; Requisitos determinantes do decretamento das providências; Nulidade da sentença.

1 - À luz do disposto no artigo 51.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b) do CPTA, o acto do Secretário de Estado Adjunto e da Educação apresenta-se como um acto impugnável, porque a decisão nele corporizada e dirigida a orgãos que a devem cumprir, é condicionadora dos termos, modo e pressupostos em que essas entidades deverão exercer as competências que lhes estão legalmente conferidas para efeitos da prossecução de interesses pelos quais são diretamente responsáveis, e cujo exercício se repercute na esfera de direitos e interesses dos Requerentes.

2 - A existência de perigosidade [seja na vertente do receio da constituição de uma situação de facto consumado, seja na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação], e da aparência do bom direito [enquanto avaliação sumária da probabilidade de existência do direito invocado] para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal, constituem requisitos determinantes para efeitos de ser apreciada a providência requerida, recaindo sempre sobre eles o ónus de fazer a prova sumária desses requisitos.

3 - Para o decretamento de uma providência cautelar têm de ser invocados e recolhidos, em termos de matéria de facto, indícios suficientes da verosimilhança do direito a ver provisoriamente reconhecida a não frequência da disciplina em causa, pois só perante a existência de tais elementos de prova e pertinente enquadramento será possível ao julgador formular um juízo positivo a respeito da aparência do direito invocado.

4 - Em torno da quantidade de invalidades assacadas aos actos que constituem o objecto dos autos de processo cautelar, não dispõe o CPTA que na Sentença o Tribunal deva pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido alegadas pelos Requerentes [Cfr. no que a este repeito dispõe o artigo 95.º, n.º 3 do CPTA, atinente aos processos impugnatórios], antes porém, que aprecie da verificação dos necessários pressupostos que sejam determinantes da concessão da/s providência/s cautelar/es requerida/s.

5 - O juízo que cabe levar a cabo no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, não pode o julgador misturá-lo com o juízo que deve ser feito a título principal, visto tratar-se dum juízo perfunctório, sumário, tal como é reclamado pelo legislador em termos cautelares, por constituír um juízo que é formulado sob reserva de se poder chegar a uma conclusão diversa em sede do processo principal.

6 - Para que se possa constatar existir uma probabilidade séria da existência do direito de que se arrogam os Requerentes, tal implica que o Tribunal a quo tem de admitir ser provável a sua verificação, probabilidade essa que é apreciada com base numa análise necessariamente perfunctória.

7 - Atento o balanceamento que deve fazer-se em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, é necessário que a produção de danos seja um acontecimento razoável, credível e fundado, tendo subjacente um juízo de probabilidade.

8 - Na prática de um acto ablativo sem audiência prévia do interessado, é possível entrever uma natureza sancionatória, o que determina cautela na aplicação do princípio do aproveitamento do acto [em especial quando está em causa invalidade que os Requerentes qualificam como nulidade – Cfr. artigo 163.º, n.º 5, alínea a) do CPA] tanto mais que nos processo sancionatórios, a audiência dos interessados constitui uma garantia constitucional [cfr. artigo 32.º e artigo 269.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa].

9 - É cominada com a nulidade, a Sentença cujos fundamentos sejam identificados como estando em oposição com a decisão ou com alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível [cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC)].
***

IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Requerido Ministério da Educação, julgando verificada a nulidade do ponto ii) do segmento decisório da Sentença recorrida, e em negar provimento ao recurso interposto pelos Requerentes A. e A., por si e em representação dos seus filhos menores R. e T., e consequentemente, em manter, com a fundamentação antecedente, a Sentença recorrida.
*
Custas a cargo dos Requerentes e do Requerido, na parte em que este decaíu, que fixamos em 80% e 20%, respectivamente.
**
Notifique.
*

Porto, 07 de maio de 2021.

Paulo Ferreira de Magalhães
Fernanda Brandão
Hélder Vieira
______________________________________
i) Cfr. GOUVEIA, Jorge Bacelar, “Objeção de Consciência (direito fundamental à)”, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, VI, Livraria Arco-Íris (Lisboa: 1994), pág. 8

ii) Cfr. Ac. do TC, com o n.º convencional ACTC00003844, proferido no âmbito do processo n.º 88-0322, de 17-02-1993.