Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01063/13.4BEBRG-A |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 01/27/2017 |
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Tribunal: | TAF de Braga |
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Relator: | Hélder Vieira |
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Descritores: | ILEGITIMIDADE PASSIVA; PERSONALIDADE JUDICIÁRIA; SANAÇÃO |
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Sumário: | I — A norma geral do artigo 278º, nº 1, alínea c), do CPC comina a falta de personalidade judiciária com a absolvição da instância. Todavia, dispõe o nº 2 do referido artigo 278 do CPC: Cessa o disposto no número anterior quando o processo haja de ser remetido para outro tribunal e quando a falta ou irregularidade tenha sido sanada. II — A sanação da falta de personalidade judiciária é admissível, nos termos do artigo 14º do CPC, apenas no caso das sucursais, agências filiais, delegações ou representações, mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado. III — Porém, em matéria jus-processual administrativa e em face da complexidade da organização administrativa do Estado e demais entidades administrativas, o legislador consignou solução específica no nº 4 do artigo 10º do CPTA. IV — Ora, no caso de uma Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) a que falta personalidade judiciária, não só deve atender-se ao disposto no artigo 7º do CPTA e princípio da economia processual, como ainda se impõe ex oficio (artigo 6º, nº 2, do CPC) o dever se sanação ex lege (nº 4 do artigo 10º do CPTA), V — No âmbito do CPTA na versão anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02 de Outubro, tal regime valia apenas para as acções administrativas especiais (impugnação de acto, condenação à prática de acto legalmente devido e de impugnação de normas - artigos 50.º e segs., 66.º e segs. e 72.º e segs. do CPTA) e, bem assim, para as acções de reconhecimento de direito ou de condenação à adopção ou abstenção de comportamentos [v.g., as previstas no artigo 37.º, n.º 2, alíneas a), b), c), d) e e), do CPTA].* * Sumário elaborado pelo Relator. |
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Recorrente: | DJCM e Outro(s)... |
Recorrido 1: | Município da Póvoa do Lanhoso e Outro(s)... |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO Recorrente: DJCM e outros Recorrido: Município da Póvoa do Lanhoso e outros Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que em saneamento dos autos julgou procedente “excepção da falta de personalidade judiciária da CCDR Norte” e, em consequência, absolveu a mesma da instância. O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1): “1º - Os Autores/Recorrentes não se conformam com a douta decisão proferida a fls. … que julga verificada a exceção dilatória da ilegitimidade da Ré CCDRNorte - Comissão de Coordenação Regional do Norte, e consequentemente a absolve da instancia. 2º- Com efeito, os Autores/Recorrentes intentaram a presente ação, na vigência do CPTA anterior à versão republicado pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro) identificando vários Réus, entre os quais a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional Norte, entidade responsável, entre outras, pela verificação do cumprimento dos requisitos necessários ao licenciamento de operações de florestação ou reflorestação. para que fosse condenada à prática dos atos administrativos necessários á reposição dos terrenos onde foram executados os trabalhos de revolvimento de terras e subsequentes plantações de eucaliptos ao estado anterior a tal revolvimento, por parte dos restantes réus, designadamente a tomada de posse administrativa dos terrenos e procedendo ao arranque das árvores, imputando-lhes os custos de tal operação. 3º- Para o efeito, alegam que os Réus MSTC e MJSR, fizeram plantações de eucalipto, numa área localizada no Monte de Santo Tirso pertencente à freguesia de Rendufinho, no concelho da Povoa de Lanhoso, numa zona de Reserva Ecológica Nacional, segundo o PDM daquele concelho, sem qualquer licenciamento, o qual cabia, além do mais, à Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Norte. 4º Na decisão aqui posta em crise, como se vem de alegar, o tribunal a quo pronunciou-se sobre a alegada exceção da ilegitimidade e considerou a Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Norte, como organismo periférico do Estado, ser parte ilegítima. 5º Apesar do respeito devido, cremos que o tribunal errou na apreciação que fez sobre a questão apresentada, razão pela qual a douta decisão não pode nem deve mantida. 6º No modesto entendimento dos Autores/Recorrentes, considerando-se que a demandada Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Norte é um organismo periférico do Estado, ao invés de se decidir pela exceção da ilegitimidade passiva daquele organismo, deveria, previamente ter-se proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando-se os Autores/Recorrentes a procedei ao suprimento da exceção. 7º Com efeito, nos precisos termos dos artigos 7º e 88º, n° 2, do CPTA - previamente ao despacho saneador, o meritíssimo juiz a que, deveria ter proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando os Autores/Recorrentes a proceder ao suprimento da exceção. 8ºFoi com base no regime do processo civil, aplicado subsidiariamente por força do artigo 1" do CPTA, que o tribunal a que julgou verificada a ilegitimidade da Comissão de Coordenação Regional do Norte e determinou, em consequência, a sua absolvição da instância. 9º- Acontece que na modesta opinião dos Autores/Recorrentes as regras do processo civil em matéria de ilegitimidade (passiva) não podem ser transpostas, sem mais, para o processo administrativo. 10°- Por um lado, porque o disposto na lei de processo civil apenas é aplicável supletivamente ao processo nos tribunais administrativos (artigo 1" do CPTA), pelo que importa primeiro apurar se no CPTA existem regras próprias que regulem diretamente a questão em apreço, o que, diga-se desde já, assim acontece, 11º- Por outro lado, “porque a relação entre a parte e o objeto do processo (em que se traduz a legitimidade) assume, no caso das entidades públicas demandadas (legitimidade passiva), contornos diversos dos que estão subjacentes ao regime da ilegitimidade no processo civil enquanto que no mundo das pessoas jurídicas privadas (singulares ou coletivas) a regra é a total separação das esferas jurídicas, correspondentes a distintos (e inconfundíveis) centros de imputação de direitos e deveres, já no universo das pessoas coletivas públicas predomina a complexidade da organização administrativa: não é raro que no âmbito do mesmo departamento do Estado (Ministério) proliferem entidades com competências próximas e interligadas, algumas dotadas de personalidade jurídica outras constituindo meros órgãos ou entes não personificados: e é frequente que numa mesma relação material controvertida intervenham várias entidades públicas, com ou sem personalidade jurídica, mas todas com personalidade judiciária (que, para além de coincidir com a personalidade jurídica pública é também extensiva a entes sem personalidade, como os ministérios ou os órgãos administrativos). Por isso mesmo, a par de um conjunto de regras relativas à identificação da entidade pública que deve ser demandada nas ações que tem por objeto “ação ou omissão de uma entidade pública” (constantes do artigo l0.°), o CPTA consagrou um regime que em certa medida é de tolerância ao erro na identificação entidade pública demandada, tornando irrelevantes (desprovidos de consequências) os erros que se traduzem em demandar o órgão administrativo em vez de demandar o ministério ou a pessoa coletiva a que pertence o órgão ou em intentar a ação contra órgão diverso, mas pertencente à mesma pessoa coletiva pública (cfr. artigos 10.º/4, 11.º/5. 78.º/2-c)/3. 81.º/2/3 do CPTA).- (neste sentido Acórdão do TCANorte. de 23.01.2015, P. 00442/13.1BEPNF"). 13º- Tal como vem sumariado nesta douta decisão "Num caso em que a petição inicial revela uma antinomia entre a entidade publica indicada como réu e a entidade pública identificada como sujeito da relação material controvertida, é de proferir despacho a convidar o autor a aperfeiçoar a petição quanto à identificação da entidade publica que pretende demandar”. 14º- Em suma, no caso em apreço, porque a única irregularidade que a petição inicial apresenta consiste numa errada identificação do Réu - CCDRNorte que, de acordo com os factos nela alegados, devia ser o Estado Português, deveria ter sido proferido despacho a convidar os autores a aperfeiçoar a petição quanto à identificação da entidade pública demandada. (neste sentido, entre outros, os Acórdãos do TCAN. de 25.05.2012, P. 01505/09.3BEBRG; e de 28.02.2014, P. 01788/09.9BEBRG; e os Acórdãos do TCAS, de 08.05.2008, P. 01509/06; e de 22.04.2010, P. 05901/10). 15º- Neste quadro legal, assim interpretado, impunha-se ao tribunal a quo que, previamente à decisão de absolvição da instância, tivesse convidado os Autores/Recorrentes a suprir esse obstáculo, apresentando nova petição inicial dirigida ao Estado Português. 16º- Assim, ao decidir como decidiu, isto é, julgando procedente a exceção de ilegitimidade e absolvendo aquele Réu da instância, tal decisão é ilegal por violação do disposto no artigo 7º e no artigo 88º nº 2 do CPTA.
Nestes termos e nos mais de direito que mui doutamente serão supridos, julgando procedente o recurso e substituindo a douta decisão proferida por outra que convide os Autores/Recorrentes a apresentar nova petição em conformidade, substituindo a CCDRNorte pelo Estado Português, fará este Venerando Tribunal, como sempre, Justiça.”. A Recorrida CCDR Norte contra-alegou, em termos que se dão por reproduzidos, e, tendo elaborado conclusões, aqui se vertem: “A) Porque não estamos perante uma “a ação ou omissão de uma entidade pública”, mormente porque não estamos no âmbito de uma ação administrativa especial (à luz do anterior CPTA), não há lugar à aplicação do n.º 2 do artigo 10º do mesmo Código; B) Neste sentido também não será de aplicar o n.º 4 do mesmo preceito, quando abre prerrogativa ao autor de ver regularizada a instância quanto à parte demanda, caso estejamos, como se disse, perante impugnação de atos administrativos ou normas, pretensões dirigidas à condenação na prática de ato devido ou à declaração de ilegalidade por omissão de normas. C) Assim sendo, e porque não é possível assacar qualquer vício à douta sentença proferida pelo Tribunal a quo deverá a mesma ser mantida. Termos em que deverá ser negado provimento ao presente Recurso, com o que se fará JUSTIÇA!”. O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso, acompanhando a posição da decisão recorrida, em termos que se dão por reproduzidos. De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, as questões suscitadas(2) e a decidir(3), se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida padece do imputado erro de julgamento, comportados pelas conclusões das alegações de recurso, com violação do disposto nos artigos 7º e 88º, nº 2, do CPTA Cumpre decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA Na decisão recorrida não estão, formal e discriminadamente, especificados os factos pertinentes à decisão, mas os mesmos ficam evidenciados no julgamento agregado de facto e de direito, que não suscitou qualquer dificuldade às partes nem prejudica a boa decisão do recurso, sendo certo que a transcrição integral da decisão recorrida dá garantias de que nada de útil foi menosprezado. Eis a decisão recorrida: “Falta de personalidade judiciária da Ré CCDR – N Na contestação por si apresentada, vem a CCDR-N suscitar a excepção de falta de personalidade judiciária. Segundo alega, constitui apenas um serviço periférico que integra a administração directa do Estado no âmbito da Presidência do Conselho de Ministros, nos termos do n.º 4 do art.º 10.º da Lei Orgânica do XIX Governo Constitucional, republicada pelo Decreto-Lei n.º 119/2013, de 21 de Agosto. Em resposta à excepção, vieram os Autores sustentar que a Ré tem, não só personalidade judiciária, como capacidade judiciária, designadamente à luz do art.º 4.º, n.º 1, al. g), do Decreto-Lei n.º 134/2007, de 27 de Abril. Vejamos. O CPTA aplicável in casu (ou seja, anterior à versão republicada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro), não trata da questão da personalidade judiciária, havendo, assim, que aplicar o que no CPC se dispõe quanto a esta matéria, por remissão do art.º 1.º do CPTA. O art.º 11.º, n.º 2, do CPC dispõe que quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária. Estabelece-se, nesta norma, o chamado princípio da equiparação, ou o critério da coincidência. No entanto, o CPC admite que entes sem personalidade jurídica assumam personalidade judiciária, alargando esta última nos casos previstos no art.º 12.º. Sucede que as CCDR não têm, desde logo, personalidade jurídica. Com efeito, nos termos do art.º 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 228/2012, de 25 de Outubro, que aprovou a orgânica das comissões de coordenação e desenvolvimento regional, estas constituem serviços periféricos da administração directa do Estado, dotados de autonomia administrativa e financeira. Não são pessoas colectivas públicas. Actualmente, as CCDR estão hoje submetidas à tutela do ministro do planeamento e das infra-estruturas, em coordenação com o ministro-adjunto e o ministro do ambiente, nos termos do art.º 24.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 251- A/2015, de 17 de Dezembro (sendo que, em 2013, estavam integradas na Presidência do Conselho de Ministros, nos termos do art.º 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 86-A/2011, de 12 de Julho, republicado pelo Decreto-Lei n.º 119/2013, de 21 de Agosto. Além de não terem personalidade jurídica, também não existe disposição especial que lhes permita estar, por si, em juízo – nomeadamente, nada consta no referido Decreto-Lei n.º 228/2012, de 25 de Outubro. Nem mesmo tal conclusão se pode retirar da al. f) do art.º 13.º, n.º 1, desta lei (embora os Autores ainda se refiram ao revogado Decreto-Lei n.º 134/2007, de 27 de Abril), já que esta norma apenas se refere ao caso de efectivação da responsabilidade civil extracontratual visando a reparação de danos causados ao ambiente ou aos interesses gerais do ordenamento do território – situação que, manifestamente, não existe no caso concreto. A falta de personalidade judiciária não é, por outro lado, suprível (a não ser no caso particular do art.º 14.º do CPC, que em nada tem que ver com a situação dos autos). Na verdade, não pode pretender aplicar -se in casu o regime previsto no art.º 10.º, n.º 4, do CPTA, uma vez que a disposição em causa se aplica, somente, no âmbito da acção administrativa especial. Correspondendo os presentes autos a acção administrativa comum, sendo peticionada a adopção de condutas por parte dos Réus destinadas a restabelecer direitos e interesses violados, o que se subsume ao disposto na alínea d) do n.º 2 do art.º 37.º do CPTA (embora os Autores façam referência à condenação na prática de actos administrativos necessários, a verdade é que pretendem a reposição do terreno no estado anterior à plantação de eucaliptos, e que se adoptem as condutas necessárias a esse efeito), não tem lugar a aplicação do n.º 4 do art.º 10.º do CPTA, que apenas se aplica à acção administrativa especial, ou seja, quando se vise a impugnação de um ato ou a condenação na prática de ato administrativo legalmente devido. Como se disse no sumário do acórdão do TCA Norte de19.04.2013, proferido no processo n.º 00106/12.3BEVIS (disponível em www.dgsi.pt): “I. As CCDR's, enquanto fruto de descentralização administrativa, são meros serviços governamentais periféricos na dependência atualmente do «MAMAOT», integrando, por conseguinte, a administração direta do Estado e que apenas dispõem de autonomia administrativa e financeira porquanto o legislador não lhes conferiu em termos gerais personalidade jurídica/judiciária própria e, como tal, autónoma/distinta da pessoa-Estado. II. Continuam, pois, a ser Estado e a estarem integradas na esfera jurídica e personalidade do mesmo, pelo que são destituídas de personalidade e capacidade judiciárias passiva para a ação administrativa comum.” A falta de personalidade judiciária corresponde a uma excepção dilatória, prevista no art.º 577.º, al. c), do CPC, cuja verificação determinação a absolvição da instância, nos termos do art.º 278.º, n.º 1, al. c). Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo verificada a excepção de falta de personalidade judiciária da CCDR Norte e, em consequência, absolvo a mesma da instância.”. II.2 – DO MÉRITO DO RECURSO Os Autores intentaram acção popular administrativa sob a forma de processo ordinário contra, entre outros réus, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR Norte), pedindo a sua condenação “à prática dos atos administrativos necessários à reposição dos terrenos onde foram executados os trabalhos de revolvimento de terras e subsequentes plantações de eucaliptos ao estado anterior a tal revolvimento”. A causa de pedir assenta, em síntese, em alegada omissão e inércia do co-Réu Câmara Municipal de Póvoa do Lanhoso, na falta de parecer favorável emitido pela co-Ré Autoridade Florestal nacional (AFN) e na falta de deferimento do respectivo licenciamento por banda da CCDR Norte, tudo relativamente a uma área localizada no Monte de Santo Tirso e inserida na Reserva Ecológica Nacional, na qual, sem licenciamento, foi alegadamente alterado o relevo natural, causando a destruição da flora e da fauna, com plantação de eucaliptos em larga escala. Citados os réus, veio a CCDR Norte, entre o mais, excepcionar a “ilegitimidade passiva da Ré por falta de personalidade judiciária”. A decisão recorrida debruçou-se sobre o invocado motivo dessa ilegitimidade, a falta de personalidade judiciária do Réu CCDR Norte, e veio a julgar verificada a excepção da falta de personalidade judiciária, absolvendo a CCDR Norte da instância. Contra essa decisão, os Recorrentes imputam-lhe violação do artigo 7º do CPTA e 88º, nº 2, ambos do CPTA, ou seja, a violação do princípio pro actione ou in dúbio pro actione, ou seja, princípio da promoção do acesso à justiça e omissão do despacho de aperfeiçoamento. Vejamos. Desde já se adianta que assiste razão aos Recorrentes, com excepção da violação do artigo 88º, nº 2, do CPTA, aplicável, à data, apenas às acções administrativas especiais (cfr. artigos 1º e 35º, ambos do CPTA), mas sendo certo que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito — iura novit curia. Relembra-se que foi suscitada a excepção da “ilegitimidade passiva da Ré por falta de personalidade judiciária”. Ora, embora a ilegitimidade(4) e falta de personalidade judiciária(5) sejam excepções dilatórias distintas [cfr. artigo 577º, nº 1, alíneas c) e e), do CPC], afigura-se ter sido implicitamente acolhida a tese alegada, uma vez que o TAF absolveu o Réu CCDR Norte da instância, pela falta de personalidade judiciária, já que esta, em regra, “constitui o pressuposto dos restantes pressupostos processuais relativos às partes, pois que faltando personalidade judiciária simplesmente não há parte e, bem assim, não há instância, mas apenas uma aparência de instância” (acórdão do STA, de 03-03-2010, processo nº 0278/09). Para tanto, apoiou-se na doutrina jurisprudencial que retirou do acórdão deste TCAN, de 19-04-2013, processo nº 00106/12.3BEVIS. Todavia, fê-lo com desacerto. Neste referido acórdão do TCAN, cuja doutrina é aqui inteiramente aplicável e, como tal, aqui vai servir de fundamento, alinhado, aliás, com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo ali identificada, diferenciaram-se as excepções da ilegitimidade e da falta de personalidade judiciária, para relevar esta no âmbito de uma acção comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual: “I. Como nota prévia importa, desde já, referir que, face ao disposto nos arts. 05.º e segs., 288.º, n.º 1, als. c) e d), 510.º do CPC, 01.º e 42.º do CPTA, na verdade, do que se trata e importa cuidar é da exceção dilatória da falta de personalidade judiciária por parte da aqui R. não podendo “confundir-se” tal exceção com a outra exceção de falta de legitimidade processual passiva (cfr. art. 10.º do CPTA). II. Assim, decorre do art. 05.º do CPC, sob a epígrafe de "conceito e medida da personalidade judiciária" (aplicável “ex vi” art. 01.º do CPTA), que a “… personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte ...” (n.º 1), sendo que quem “… tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária …" (n.º 2). III. Resulta, por sua vez, do art. 09.º do mesmo Código, sob a epígrafe de “conceito e medida da capacidade judiciária”, que a “… capacidade judiciária consiste na suscetibilidade de estar, por si, em juízo …” (n.º 1) sendo que a mesma “… tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos …” (n.º 2). IV. É sabido que a personalidade jurídica é a aptidão para ser titular autónomo de relações jurídicas e que as pessoas coletivas são organizações constituídas por uma coletividade de pessoas, visando a realização de interesses comuns ou coletivos, às quais a ordem jurídica atribui personalidade jurídica (cfr. arts. 66.º, 68.º e 158.º todos do CC). V. A personalidade pode, na realidade, ser atribuída pela ordem jurídica, desde que haja “matéria personificável”, um substrato centralizado de interesses diferenciados que possam ser realizados mediante uma vontade ao seu serviço, nada impedindo, por isso, que a par das pessoas singulares, cujo substrato é um ser humano, existam pessoas coletivas tendo por substrato um “ser social”. VI. A personalidade judiciária consiste, de harmonia com o normativo processual supra citado e reproduzido, na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecida na lei, sendo que o critério geral fixado no n.º 2 do normativo atrás citado para saber quem tem personalidade judiciária é o da correspondência (coincidência ou equiparação) entre a personalidade jurídica (capacidade de gozo de direitos) e a personalidade judiciária, sendo que o mesmo preceito se aplica quer estejamos em face duma pessoa singular como duma pessoa coletiva, seja ela de direito privado seja de direito público. VII. Existindo, assim, um substrato pessoal, unificado e animado pelo indispensável elemento teleológico, pode a ordem jurídica entender que deve, nomeadamente por questões de funcionalidade e eficácia, reconhecê-lo como centro autónomo de imputação de direitos e obrigações. VIII. Este reconhecimento, que eleva o respetivo substrato à qualidade de sujeito de direito, pode assumir a modalidade de reconhecimento normativo, se resulta automaticamente da lei, ou de reconhecimento por concessão, se deriva de um ato discricionário de uma entidade pública que, perante o caso concreto, personifica o existente substrato. IX. Note-se que não é decisivo averiguar se as partes detêm ou não personalidade jurídica para se lhes reconhecer, ou não, a suscetibilidade de serem partes, isto é, de terem a necessária personalidade judiciária. X. Com efeito, se é certo que de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 05.º do CPC a personalidade jurídica atribui necessariamente a personalidade judiciária já não é certa a posição contrária, ou seja, carecer de personalidade judiciária quem não tenha personalidade jurídica dada a extensão da personalidade judiciária a entes ou realidades que não gozam de personalidade jurídica operada pelo art. 06.º do CPC. XI. Já a capacidade judiciária constitui uma manifestação da capacidade de exercício, sendo a mesma a aptidão dum sujeito jurídico para produzir efeitos de direito por mera atuação pessoal, exercitando uma atividade jurídica própria.”. Ora, a propósito da personalidade jurídica una, sustenta Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 1992, vol. I, pág. 206, “… apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo dos órgãos e serviços, e da divisão em ministérios, o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica una. Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, não são sujeitos de direito distintos: os ministérios e as direções-gerais não têm personalidade jurídica. Cada órgão do Estado — cada Ministro, cada director-geral, …, cada chefe de repartição — vincula o Estado no seu todo, e não apenas o seu ministério ou o seu serviço …” (sublinhados nossos). Quanto às CCDR, tal como deriva da respectiva lei orgânica, na redacção vigente à data da propositura da presente acção (cfr. artigos 14º e 15º do Decreto-Lei n.º 228/2012, de 25 de Outubro), “… são serviços periféricos da administração direta do Estado, dotados de autonomia administrativa e financeira …” (artigo 1º, nº 1), prevendo a lei orgânica do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAMAOT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 7/2012, de 17 de Janeiro, que as CCDR se adequem às atribuições do MAMAOT. Assim, “As CCDR têm por missão executar as políticas de ambiente, de ordenamento do território e cidades e de desenvolvimento regional, ao nível das respetivas áreas geográficas de atuação, e apoiar tecnicamente as autarquias locais e as suas associações” [artigo 2º daquele DL nº 228/2012], prosseguindo as atribuições vertidas no nº 2 do artigo 2º deste referido diploma legal. Outrossim, “Para a prossecução das suas atribuições, as CCDR exercem os poderes da autoridade do Estado na área geográfica de atuação, nomeadamente no que respeita: … f) Ao reconhecimento de capacidade judiciária para os efeitos da efetivação de responsabilidade civil extracontratual visando a reparação de danos causados ao ambiente ou aos interesses gerais do ordenamento do território” [cfr. artigo 13º, nº 1, alínea f), do DL n.º 228/2012]. De notar que a referida alínea f) do nº 1 do artigo 13º do DL nº 228/2012 é um preceito especial que limita a concessão de personalidade/capacidade judiciária à parte activa e tão-só ou apenas para aquele concreto tipo de ação judicial para efetivação de responsabilidade civil extracontratual de terceiro visando a reparação de danos causados por este ao ambiente ou aos interesses gerais do ordenamento do território. Nada mais. Sendo que nada se disciplina em termos de personalidade/capacidade jurídica/judiciária passiva das «CCDR’s», nem também em termos activos para a dedução doutro tipo de acções ou meios contenciosos. Em síntese, as CCDR, tal como resulta dos citados diplomas legais vigentes à data da propositura da acção, são serviços governamentais periféricos na dependência do MAMAOT, integrando a administração directa do Estado e, com a ressalva acima relevada, apenas dispõem de autonomia administrativa e financeira porquanto o legislador não lhes conferiu em termos gerais personalidade jurídica/judiciária própria e, como tal, autónoma ou distinta do Estado, sendo que, do quadro normativo vigente acabado de citar em articulação com o que se dispõe nos artigos 5º a 8º do CPC, 10º e 42º, ambos do CPTA, não deriva qualquer personalização jurídica ou judiciária das mesmas; donde, são destituídas de personalidade e capacidade judiciárias. Pelo que, a conclusão alcançada na decisão supra, de que a CCDR Norte não dispõe de personalidade judiciária no caso presente, mostra-se correcta. Todavia, não lhe é aplicável a norma geral do artigo 278º, nº 1, alínea c), do CPC, que comina a falta de personalidade judiciária com a absolvição da instância. Dispõe o nº 2 do referido artigo 278 do CPC: Cessa o disposto no número anterior quando o processo haja de ser remetido para outro tribunal e quando a falta ou irregularidade tenha sido sanada. (nosso sublinhado). A sanação da falta de personalidade judiciária é admissível, nos termos do artigo 14º do CPC, apenas no caso das sucursais, agências filiais, delegações ou representações, mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado. Porém, em matéria jus-processual administrativa e em face da complexidade da organização administrativa do Estado e demais entidades administrativas, o legislador consignou solução específica no nº 4 do artigo 10º do CPTA. Ora, no presente caso, não só deve atender-se ao disposto no artigo 7º do CPTA e princípio da economia processual, como ainda se impõe ex oficio (artigo 6º, nº 2, do CPC) o dever se sanação ex lege (nº 4 do artigo 10º do CPTA), pois, para tanto, mostram-se reunidos os atinentes requisitos, como veremos. Se é verdade que, tal como estipula o nº 2 do artigo 10º do CPTA, quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos, certo é que, tal como dispõe o seu nº 4, tal não obsta a que se considere regularmente proposta a acção quando na petição tenha sido indicado como parte demandada o órgão que praticou o acto impugnado ou perante o qual tinha sido formulada a pretensão do interessado, considerando-se, nesse caso, a acção proposta contra a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, contra o ministério a que o órgão pertence. A legitimidade passiva singular é, em regra, uma qualidade adjectiva da pessoa colectiva e não de um órgão que dela faça parte. Como vimos acima, cada órgão do Estado — cada Ministro, cada director-geral, cada chefe de repartição — vincula o Estado no seu todo, e não apenas o seu ministério ou o seu serviço neste caso, sendo o Estado o centro de imputação. No entanto, dispõe o nº 2 do artigo 10º do CPTA que no caso do Estado parte demandada é o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos. No caso em presença, tendo sido indicada a CCDR Norte, parte demanda é o MAMAOT. E não se diga que essa norma se aplica apenas a acções administrativas especiais, pois é questão clarificada pela doutrina e pela jurisprudência, incluindo o acórdão do TCAN supra identificado e que norteou a decisão recorrida, do qual se transcreve o seguinte, como nossos sublinhados: “Tal regime vale, todavia, apenas para as ações administrativas especiais (impugnação ato, condenação à prática de ato legalmente devido e de impugnação de normas - arts. 50.º e segs., 66.º e segs. e 72.º e segs. CPTA) e, bem assim, para as ações de reconhecimento de direito ou de condenação à adoção ou abstenção de comportamentos [v.g., as previstas no art. 37.º, n.º 2, als. a), b), c), d) e e) do CPTA], mas já não é aplicável às ações administrativas comuns que tenham por objeto, nomeadamente, litígios para a efetivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado (…), sendo que o mesmo pelos seus termos, repita-se, não tem o alcance de conferir personalidade judiciária a quem não a possui no quadro duma ação como a “sub judice” [cfr., no quadro do contencioso administrativo vigente, o Ac. STA de 03.03.2010 - Proc. n.º 0278/09 in: «www.dgsi.pt/jsta»; no domínio do anterior contencioso vide, entre outros, os Acs. STA de 29.01.2003 - Proc. n.º 01677/02, de 03.04.2003 - Proc. n.º 050/03, de 06.05.2003 - Proc. n.º 01951/02, de 18.12.2003 - Proc. n.º 01763/03 consultáveis no mesmo sítio; Acs. TCA Norte de 11.01.2007 - Proc. n.º 00534/04.8BEPNF, de 24.05.2007 - Proc. n.º 00184/05.1BEPRT, de 19.07.2007 - Proc. n.º 00805/05.6BEPRT, de 11.11.2011 - Proc. n.º 00161/07.8BEBRG, de 25.11.2011 - Proc. n.º 03586/10.8BEPRT in: «www.dgsi.pt/jtcn; vide, na doutrina, M. Aroso de Almeida e Carlos A. F. Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª edição revista, págs. 85/86; M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in: “Código de Processo nos Tribunais Administrativos … - Anotado”, vol. I, pág. 167].”. À presente acção, que visa a condenação dos Réus “à prática dos atos administrativos necessários à reposição dos terrenos onde foram executados os trabalhos de revolvimento de terras e subsequentes plantações de eucaliptos ao estado anterior a tal revolvimento”, é, pois, aplicável o regime ínsito nos nºs 2 e 4 do artigo 10º do CPTA. A decisão sob recurso deve, assim, ser revogada. No caso em presença, tendo sido indicada a CCDR Norte, considera-se regularmente proposta a acção contra o MAMAOT. Com a constituição, entretanto, do XXI Governo Constitucional, este passou a ser integrado pelo Ministro do Planeamento e das Infraestruturas, o qual exerce agora a tutela sobre as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (artigo 24º, nº 6, do regime de organização e funcionamento do XXI Governo Constitucional aprovado pelo Decreto-Lei nº 251-A/2015, de 17 de Dezembro). Improcede a invocada excepção dilatória. III. DECISÃO Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em conceder provimento ao recurso, revogam a decisão recorrida e julgam improcedente a invocada excepção dilatória, considerando-se a acção regularmente proposta contra o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas. Custas pelo Recorrido, por lhes ter dado causa (artigo 527º do CPC). Porto, 27 de Janeiro de 2017 |