Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00252/11.0BEVIS |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 01/16/2025 |
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Tribunal: | TAF de Viseu |
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Relator: | VIRGÍNIA ANDRADE |
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Descritores: | MEIOS DE PROVA; PROVA TESTEMUNHAL - SUFICIÊNCIA; MATÉRIA FACTO RELEVANTE; VÁRIAS SOLUÇÕES PLAUSÍVEIS DIREITO; |
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Sumário: | I. No processo tributário são admitidos todos os meios gerais de prova, não se encontrando este limitado a um especifico modo de prova – cfr. artigo 115.º do CPPT. II. Cabe ao Tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada, incumbindo-lhe realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados. III. Podendo a inquirição de testemunhas esclarecer o Tribunal sobre os factos alegados, o julgamento da matéria de facto mostra-se deficitário. IV. Saber se a prova testemunhal a produzir, conjugada com os documentos que se encontram nos autos, será suficiente para comprovar a factualidade alegada é questão a verificar a final, não se podendo permitir que o direito que o Recorrente tem a provar o alegado seja coarctado pela dispensa da inquirição da testemunha arrolada.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO «AA», contribuinte n.º ...51, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 23.03.2018 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de ... que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRS, referentes aos exercícios de 2006 e 2007, no montante total de €103.036,37, assim como do despacho interlocutório que dispensou a audição das testemunhas arroladas. O Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: “1 – O presente recurso vem interposto de douta sentença que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada contra as liquidações de IRS, referentes aos exercícios de 2006 e 2007, nos montantes de € 64.184,82 e € 38.851,55, num total de €103.036,37 (cento e três mil e trinta e seis euros e trinta e sete cêntimos). 2 – No requerimento inicial, foram arroladas quatro testemunhas, com vista a produzir prova relativamente aos factos alegados na impugnação judicial deduzida pelo ora recorrente e que visavam comprovar os ali elencados sob os nºs 5º, 50º a 53º, 78º, 79º, 82º a 84º, 86º, 87º, 167º, 193º, 206, 220º, 282º, 286º, 288º e 289º inclusive. 3 – De acordo com os quais, na óptica do recorrente, se podia concluir que as liquidações de IRS efectuadas pela Autoridade Tributária relativamente aos anos de 2006 e 2007, padeciam de vícios que, a serem declarados, levariam à anulação daquele acto tributário. 5 – Não obstante o recorrente ter mantido interesse na prova testemunhal, conforme requerimento que atravessou nos autos, apenas logrou obter douto despacho que indeferiu tal pretensão. 6 – O teor de tal douto despacho e as conclusões nele contidas, não merecem a concordância do recorrente, já que o Mmº Juiz “a quo” ao concluir como concluiu, cerceou direitos fundamentais do ora recorrente, designadamente, o direito de carrear para os autos elementos probatórios que, na sua perspectiva, podiam contrariar a decisão da Autoridade Tributária. 7 – Os elementos que poderiam sobrevir de tais depoimentos testemunhais e que seriam elementos novos, ficaram inviabilizados face à posição assumida pelo Mmº Juiz “a quo” no douto despacho a que supra se aludiu. 8 – O artº 115º, do CPPT, dispõe sobre os meios de prova no contencioso tributário, apelando no geral para o que vem determinado no Código de Processo Civil, pelo que, em face da regra da admissibilidade de todos os meios de prova, quando não existir lei especial exigindo determinado tipo de prova, os interessados poderão servir-se de qualquer meio legal de prova (cfr. o C.P.P.T. anotado pelo Conselheiro Lopes de Sousa, Vol. I, 2006, página 823). 9 – Não valendo no processo judicial, onde se enquadra também o processo tributário, limitações de prova que não resultem de proibições gerais dos meios de prova, não podem ser obstáculo à averiguação dos factos limitações probatórias, nomeadamente a testemunhal. 10 – Já que, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, conforme prevê o artº 341º, do C. Civil e quem os invoca precisa, em princípio, de demonstrá-los, conforme dispõe o artº 342º nº 1, do mesmo Código. 11 – Acresce que, o artº 392º, do C. Civil, dispõe que a prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja direta ou indiretamente afastada, já que há casos em que a lei expressamente afasta a prova testemunhal e há casos em que a lei exige que a prova se faça por outros meios, designadamente por documentos, nos termos do disposto nos artºs 393º e 394º, do mesmo Código. 12 – O recorrente elencou os factos a que as testemunhas que indicou deveriam ser ouvidas, tendo em vista o esclarecimento, por exemplo, da situação tributária do recorrente e também o porquê de discrepâncias que foram verificadas, factos que julgou relevantes para a boa decisão da causa. 13 – O processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral Tributária, um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. 14 – E, por isso, o juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários (artº 113º, do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, em conformidade com o disposto nos artºs 114º, 115, nº 1 e 119º, todos do CPPT. 15 – Compete, assim, ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito. 16 – No caso vertente o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” decidiu, como resulta do despacho supra referido, que em face da natureza da matéria invocada não havia necessidade de produção da prova testemunhal, expressando, assim, a sua opção pelo imediato conhecimento do pedido. 17 – Ou seja, embora resulte daquele despacho, no mínimo implicitamente, que o Tribunal “a quo” bem sabia que a prova testemunhal era legalmente admissível, julgou, de imediato, no caso concreto, dispensável, juízo que e salvo o devido respeito, foi, no modesto entender do aqui recorrente, precipitado. 18 – Violando, dessa forma, direito fundamental do recorrente, nos termos supra expendidos e incorrendo, em consequência, em erro de julgamento que expressamente se invoca para os legais efeitos. 19 – Escreveu o Mmº Juíz “a quo” na fundamentação de facto da douta sentença ora em crise: “A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica do teor dos documentos constantes dos autos e dos processos de reclamação graciosa e recurso hierárquico apenso, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, tudo conforme se encontra discriminado em cada um dos pontos do probatório 20 – Ressalvando sempre o devido e merecido respeito, entende o recorrente que o julgamento da matéria de facto, feito apenas por remissão, se revela como insuficiente, ferindo a douta decisão de nulidade por omissão de pronúncia. 21 – O julgamento da matéria de facto é um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos Tribunais, impondo a Lei Fundamental que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente deverão ser fundamentadas nas formas previstas na lei. 22 – O julgador tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, fundamentando as suas decisões, através de um processo de apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. o disposto nos artºs 154º e 607º, do C. P. Civil, aplicáveis “ex vi do disposto no artº 123º nº 2, do C.P.P.T.. 23 – Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do Juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida. 24 – O exame crítico da prova deve consistir, pois, na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro. 25 – Por outro lado, julgador não se deve limitar a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos (v.g. “prova testemunhal” ou “prova por documentos”), impondo-se-lhe que analise criticamente essa prova produzida, ou seja, não basta apresentar, como fundamentação, os simples meios de prova, tais como, “o teor dos documentos constantes dos autos e dos processos de reclamação graciosa e recurso hierárquico apenso (…) ”, sendo necessária a indicação das razões ou motivos porque relevaram no espírito do julgador - cfr. António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, 2ª, edição, a págs. 253 a 256. 26 - “In casu”, em sede de julgamento de facto, o Mmº Juiz “a quo”, limitou-se a um exercício de remissão para os elementos documentais juntos e constantes dos autos, sem ter revelado qual o itinerário cognoscitivo e valorativo que seguiu para decidir como decidiu em relação aos pontos do probatório, o que se revela claramente insuficiente em sede de fundamentação de facto. 27 – Nessa conformidade, mostra-se a douta decisão em análise, ferida de nulidade por omissão de pronúncia, conforme se deixou já referido e que desde já se invoca para todos os legais efeitos. 28 – O impugnante/ora recorrente, foi sujeito a uma acção inspectiva realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) de que resultaram as liquidações a que supra se fez referência, 29 – De acordo com o Relatório de Inspecção Tributária (IST), recebido com o ofício n.º ...36, de 2009/06/12, da Direcção de Finanças (DF) de ..., os montantes daquelas quantias foram calculados a partir de “correcções meramente aritméticas”, não tendo sido dadas a conhecer ao sujeito passivo, o ora recorrente, a motivação legal de tais correcções, situação que invocou no exercício do direito de audição sobre o Projecto do Relatório. 30 – No exercício do direito de audição, quer nas reclamações graciosas que deduziu foram denunciadas outras situações de ilegalidade que não permitiram que se conformasse com tais liquidações. 31 – Tais ilegalidades, na óptica do recorrente, mantiveram-se face aos indeferimentos, quer das reclamações graciosas, quer dos recursos hierárquicos que se lhes seguiram e que a Administração Tributária não logrou contraditar, tendo sempre decidido contra o recorrente, imputando-lhe ilegalidades que este não cometeu, em violação do artº 55º, da Lei Geral Tributária (LGT). 32 – Basta atentar nas informações nºs 82/2009 e 81/2009, recebidas com os ofícios nºs 014437 e 014440, ambos de 2009/12/22, da Direcção de Finanças ... para se perceber que as mesmas não contêm argumentos que sustentem as decisões proferidas, dado que, no ponto 1 dessas Informações, apenas é negada a falta de “…quaisquer dados susceptíveis de alterar a decisão já firmada em sede de procedimento inspectivo, pelo que os elementos apresentados pelos reclamantes, sendo, praticamente, os mesmos já invocados no exercício do direito de audição…não se reputam suficientes para lograr a prova dos factos alegados e levar à anulação da liquidação…”, não aduzindo quaisquer outras justificações que comprovem tais conclusões 33 – O que leva à conclusão que a Administração Tributária para conseguir alcançar os seus intentos, a arrecadação da maior receita possível, exime-se ao respeito pelo princípio da legalidade, previsto no artº 55º da LGT. 34 – Importa ter presente, neste âmbito, o decidido no douto Acórdão do Tribunal Administrativo Sul, proferido em 22/03/2018 e disponível em www.dgsi.pt, “aos procedimentos tributários há que aplicar os princípios gerais que regulam a actividade administrativa (cfr. artigo 55.º da LGT), nomeadamente o principio da boa fé consagrado no artigo 59.º, n.º2 da LGT que pressupõe por parte da administração tributária um dever de actuação segundo a boa fé”, o que “in casu” se não verificou, tendo em conta o teor afirmações supra transcritas, demasiado vagas, genéricas, especulativas e conclusivas, não deixando dúvidas de nenhuma espécie de que não foi respeitada a legalidade dos procedimentos. 35 – Na douta sentença em crise, o Mmº Juiz “a quo”, referindo-se a esta questão, limitou-se a um breve excurso sobre o dever de fundamentação, para concluir que a administração tributária exteriorizou, de forma clara e suficiente, as razões de facto e de direito por que procedeu às correções que subjazem ao ato de liquidação impugnado. 36 – Uma vez mais, na óptica do recorrente, foi olvidado o dever de fundamentação, em detrimento de um exercício de remissão para o relatório inspectivo. 35 – Viu-se, assim, o ora recorrente obrigado a dar por integralmente reproduzido o que alegou em sede de impugnação judicial (dos artºs 1º a 188º), porquanto considera que os factos ali articulados não foram objecto de apreciação pela douta decisão em análise e porque entende que a Administração Tributária não tinha as condições legais reunidas para efectuar a liquidação em causa nos autos. 36 – E ao tê-la efectuado, da forma que o fez, não actuou em obediência à lei e ao direito, em clara e inequívoca violação dos artºs 74º nº 1, 77º, nºs 1 e 2, ambos da LGT, 124º nº 1 e 125º, nºs 1 e 2, ambos do CPA., o que constitui a ilegalidade prevista no artº 99º, alínea c), do CPT e configura o vício de forma por preterição de formalidade legal, consubstanciada na ausência de fundamentação legalmente exigida. 37 – Retira-se dos autos, no que respeita às reclamações graciosas deduzidas nos autos, que o sujeito passivo foi informado de que podia “…no prazo de DEZ (10) DIAS…,querendo, exercer o direito de audição sobre o projecto de decisão…mediante exposição escrita que deverá dirigir a este Serviço…”. 38 – Entendeu o recorrente, na impugnação judicial que deduziu, que foi desrespeitada a legalidade com as exigências “…mediante exposição escrita…” e de remessa “…a este Serviço…”, uma vez que não lhe podia ser imposta a obrigação de exercer o direito de audição de forma ilegal dado tratar-se de direito que pode ser exercido, quer “por escrito”, quer “oralmente”. 39 – Ao agir dessa forma, a Administração Tributária impediu que tal direito fosse exercido pela forma oral, que era a forma que interessava ao recorrente utilizar, nos termos do disposto nos artºs 60º nº 5 da LGT e 60º, nº 3, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), razão pela qual o recorrente e para evitar colaborar numa ilegalidade processual, se absteve, nessa fase, de exercer o seu Direito de Audição. 40 – Na decisão em crise, nesta parte, verifica-se que a mesma, mais uma vez, para considerar legítimo o procedimento da Autoridade Tributária, lança mão de um Acórdão do STA, doutamente relatado, mas que e como é admitido pelo Mmº Juiz “a quo”, se refere apenas a um caso concreto e não infirma, na perspectiva do requerente, as disposições legais enunciadas supra. 41 - Porém, decisões existem em sentido contrário e que podem ser subsumidas ao presente caso, como por exemplo o decidido no Ac. do TCA Norte, de 14/04/2016 (disponível em www.dgsi.pt): “Embora o procedimento tributário siga a forma escrita (artigo 54.º, n.º 3 da LGT), prevê-se expressamente, no n.º 5 do artigo 60.º da LGT (e também no artigo 60.º, n.º 3 do RCPIT e no artigo 45.º, n.º 2, do CPPT) que o direito de audiência pode ser exercido oralmente, ou seja, o titular do direito de audiência pode optar pela forma oral ou escrita para exercer este direito, não podendo a entidade instrutora imporlhe qualquer das formas legalmente admissíveis para tal exercício”. 42 – Existiu, por isso, ilegalidade praticada pela Autoridade Tributária consubstanciada no invocado erro na forma estabelecida para o exercício do Direito de Audição, insuficientemente fundamentado, na modesta opinião do recorrente e salvo o devido respeito, na douta sentença em análise. 43 – Na óptica do recorrente, resulta ainda da notificação do indeferimento da reclamação graciosa, uma ilegalidade que se prende com a actuação irregular resultante do facto de ter sido a Direcção de Finanças ... a suscitar a audição daquele. 44 – Com efeito, a exigência da “…exposição escrita…” ser dirigida à DF de ... carece de suporte legal, já que o recorrente foi perturbado no exercício dos seus direitos e impedido de exercer o direito de audição no local próprio, o Serviço de Finanças ..., isto porque, cabe aos órgãos locais do domicílio do contribuinte desencadear o procedimento, nos termos do artº 10º nºs 2 e 3, do CPPT. 45 – Acresce que, nos autos, não se teve em conta que, em caso de dúvida, se considera competente para o procedimento tributário o órgão da Administração Tributária do domicílio fiscal do sujeito passivo e, mesmo inexistindo domicílio, considera-se competente o do representante legal, nos termos do disposto no artº 61º nº 4 da LGT. 46 – Ora, considerando-se domicílio fiscal do sujeito passivo, o local da residência habitual das pessoas singulares, está-se em presença de notificação incorrecta, por não respeitar a legalidade, atento o disposto no artº 19º nº 1, da LGT, pelo que, a competência para tal procedimento não é da Direcção de Finanças, atento, para o que aqui interessa, o disposto artº 10º nº 2, do CPPT que determina que, “sem prejuízo do disposto na lei…serão competentes para o procedimento os órgãos periféricos locais da administração tributária do domicílio ou sede do contribuinte…”. 47 – Ressalta do exposto, que tal competência pertencia ao Serviço de Finanças ..., sendo por isso, evidente a ilegalidade do respectivo procedimento, que é fundamento da invalidade do acto, por vício de forma e que expressamente se invoca também para todos os legais efeitos – cfr. a Nota 14 ao artigo 60.º da Lei Geral Tributária, Anotada por Dr. António Lima Guerreiro – e que, por se tratar de diligência administrativa praticada com usurpação de poder derivada de ofensa das normas jurídicas aplicáveis, implicará a anulação da decisão proferida pelo órgão periférico regional da Administração Tributária, a DF de .... 48 – Importa referir também que a participação no recorrente no processo de que foi objecto prende-se, essencialmente, com o facto de o exercício do direito de audição não ter sido suscitado com respeito da legalidade, em violação do princípio constitucional, vertido no artº 267º nº 5, da CRP – cfr. Acórdão de 2005/11/30, do STA, Rec. n.º 622/05-30 – resultando à saciedade que, pela Autoridade Tributária, foi preterida formalidade essencial, prevista no artº 99º, alínea d), do C.P.P.T. – cfr. Acórdão de 6/12/2006 do STA, Processo n.º 496/06 – e que, a par do desrespeito da igualdade das partes, cuja ratio entronca nos artºs 13º e 20º da CRP, resulta clara e inequívoca a violação dos artºs 55º, 60º, nº 5, 98º, todos da LGT, 60º nº 3, do RCPIT e 10º, nºs 2 e 3 do C.P.P.T e que, conforma ilegalidade enquadrada no sobredito artº 99º do CPPT, geradora da invalidade do acto tributário por vício de forma e que expressamente se invoca também para todos os legais efeitos. 49 – Diga-se, finalmente e no que a esta matéria respeita, a fundamentação de direito aduzida na, aliás douta, decisão em crise, pura e simplesmente, ignora todo o corpo normativo invocado supra para apenas referir que a norma invocada não pode permitir a leitura que dela fez o recorrente, mas sem a subsumir a qualquer enquadramento legal, que era o que à mesma era exigido para fundamentar a argumentação aduzida. 50 – Resulta também dos autos que os ofícios que deram conhecimento ao recorrente dos indeferimentos dos Recursos Hierárquicos, notificaram o mesmo que tais decisões poderiam ser impugnadas “…nos termos do n.º 2 do artigo 76º do Código de Procedimento e de Processo Tributário…”, porém sem que, antes de tal notificação, a Administração Tributária tivesse cumprido a obrigação de suscitar a audição do recorrente. 51 – Sobrevindo incumprimento, por parte da Administração Tributária, do dever de suscitar a audição do contribuinte, que se traduz na violação do determinado no artº 60º nº 1, alínea b), da LGT e que não suscitou, estando-se em presença de falta relevante que diz respeito a procedimento de 2.º grau e que aquela está vinculada a desencadear. 52 – Não aceitando o requerente que a Autoridade Tributária tenha alegado “…entendo que o direito de audição se encontra dispensado, nos termos do disposto na alínea a) do nº 3 da Circular 13, de 08/07/1999, da Direcção de Serviços da Justiça Tributária”. 53 – Porquanto, o dever de suscitar o exercício do direito de audição prévia do interessado, nos casos de indeferimento, nos procedimentos de 2º grau (reclamações e recursos hierárquicos) está, expressamente, consagrado no artº 60º nº 1, alínea b) da LGT, até porque a dispensa de que trata o artigo 60.º, n.º 3 da LGT não tem a ver com esta fase, pois reporta-se à audição antes da liquidação. 54 – Em sede de recurso hierárquico, regido pelos artºs 66º e segs, do CPPT, tem de ser efectuada a audição prévia, mesmo que não tenham sido invocados factos novos relativamente à decisão recorrida e já tenha havido audição em procedimento de 1º grau, não estando prevista a dispensa do exercício da audição. 55 – Até porque a decisão foi totalmente desfavorável ao contribuinte, para além de, após a notificação para esse exercício, não estar impedido de invocar factos novos, tratando-se do direito de participação no domínio do campo administrativo, que veio a ser acolhido no âmbito do procedimento tributário nos termos dos artºs 60.º da LGT e 45.º do CPPT, aqui concretizado na forma do direito de audiência do contribuinte. 56 – De resto, como é sabido, o exercício do direito de audição no procedimento do 2.º grau, concretizado pela interposição do recurso hierárquico, tem de ser suscitado, já que, o direito de ser ouvido antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições impõe-se que seja efectivado, por não se verificar nenhuma das hipóteses que consagram a dispensa de audição. 57 – Nos autos, com a falta da referenciada audição, resulta evidente que se acha gerada a invalidade do acto tributário – cfr. nota 14 ao artigo 60.º da Lei Geral Tributária, Anotada por Dr. António Lima Guerreiro – pois, quando o sujeito passivo apresenta recurso hierárquico, como aconteceu no caso presente, considera-se que deverá ser efectuada audição prévia, mesmo que não sejam invocados factos novos e o interessado já tenha sido ouvido em audição prévia em procedimento de 1.º grau, invalidade essa reconhecida pela circular n.º 17/2008, de 14.2.2008, Série II, da Divisão de Documentação e Relações Públicas, da DGAIEC e que conclui que, em sede recurso hierárquico regido pelos arts. 66.º e segs. do CPPT, deverá ser efectuada audição prévia, mesmo que não sejam invocados factos novos relativamente à decisão recorrida e o interessado já tenha sido ouvido em audição prévia em procedimento de 1.º grau, sob pena de invalidade do acto final de indeferimento do recurso (itálico nosso)”. 58 – A inobservância da circular referida, pela Autoridade Tributária, é mais uma prova de que se está em presença de procedimento em que as instruções administrativas favoráveis ao sujeito passivo não foram seguidas, violando-se de forma clara e inequívoca, também o disposto no artº 60º nº 1, alínea b), da LGT, ilegalidade essa enquadrada no artº 99.º do CPPT e que, na opinião do recorrente, configura vício de forma por preterição de formalidade legal, que também se invoca de forma expressa, para todos os legais efeitos. 59 – Refira-se que, a este respeito, o Mmº Juiz “a quo”, na douta decisão que proferiu, apenas refere que a circular acima referida não terá aplicação neste âmbito, não referindo porquê. 60 – Por outro lado, refere que a posição assumida pela Autoridade Tributária, assenta na lei e em abalizada doutrina. Porém, não explicita quais as disposições legais, nem tão pouco a doutrina a que se refere, limitando-se a concluir que inexiste qualquer vício no procedimento adoptado pela Autoridade Tributária, o que, em termos de fundamentação e, salvo o devido respeito, se revela como insuficiente. 61 – Compulsados os autos, resulta também que as situações constantes do Relatório de Inspecção não determinaram, objectivamente, a existência de quaisquer omissões à contabilidade do recorrente antes tendo, na sua óptica, ficado demonstrado não terem existido quaisquer faltas nos registos das compras e vendas. 62 – Nessa conformidade, a alteração da matéria tributável assentou em pressupostos errados, ou melhor, inexistentes, porque assentes em meras convicções de carácter subjectivo, decorrentes de suspeições infundadas e especulativas sem o mínimo suporte, sendo uma realidade incontornável a falta de conteúdo fáctico e jurídico do Relatório de Inspecção, e, por isso, clara e inequívoca a inexistência dos factos tributários. 63 – Ao não encarar os apuramentos como verdadeiros e feitos de boa fé pelo contribuinte, a Administração Tributária violou o disposto artºs 59º, nº 2 e 75º, nº 1 da LGT., não tendo respeitado o princípio de que a dúvida sobre facto incerto se resolve a favor do sujeito passivo – cfr. Dr. Nuno de Sá Gomes, As Garantias dos Contribuintes, in CTF n.º 371, pág. 65. 64 – Considera também o recorrente que, dessa situação de desrespeito, resultou a violação do artº 100º nº 1, do CPPT, que a Administração Tributária há muito deveria ter aplicado, atendendo ao princípio da economia processual, o que inquinou o acto tributário da ilegalidade enquadrada no artº 99º do CPPT e que configura o vício de violação de lei. 65 – Pronunciando-se sobre a alegação apresentada, a douta decisão em crise apenas se limitou a fazer mais um exercício de remissão para a primeira questão suscitada pelo recorrente, o que se revela como manifestamente simplista e insuficiente. 66 – Resulta ainda dos autos que os documentos de cobranças enviados ao recorrente, não cumprem as determinações legais, quanto à notificação propriamente dita, uma vez que não foram efectuadas através de carta registada com aviso de recepção, forma legalmente prevista, preterindo-se a formalidade prevista no artº 38º, nº 1 do CPPT, não tendo a Administração Tributária juntado ainda o aviso de recepção, comprovativo de actuação contrária. 67 – E, enquanto isso não suceder, é evidente que a notificação não foi validamente efectuada, violando-se os artigos 36.º n.º 1 e 38.º, n.º 1 do CPPT e sendo essencial que a Administração Tributária demonstrasse o contrário do que se deixa invocado, o que não aconteceu. 68 – Não pode, por isso, ser exigida a quantia de tal liquidação, face às violações legais anteriormente referenciadas, já que as mesmas, constituem faltas que configuram vício de forma por preterição de formalidades legais, conforme o disposto no artº 99º, alínea d), do CPPT. 69 – Ao contrário do que é referido na douta decisão em apreço e salvo o devido respeito, a norma a aplicar à presente situação seria sempre a do nº 1 do artº 38º, do CPPT e não a do nº 3, conforme ali se defende, tendo em conta, desde logo, as fases do processo onde se considera que ocorreram as invocadas ilegalidades. 70 – A acção de inspecção efectuada ao ora recorrente incidiu nos exercícios de IRS relativos aos anos de 2006 e 2007 de IRS, sendo certo, que a actividade deste tem especificidades próprias, devido ao facto de a mesma se processar em duas vertentes, a saber: as vendas efectuadas no seu supermercado e as vendas efectuadas em feiras, o que é relatado no relatório de inspecção. 71 – O que recorrente não entende é que o relatório de inspecção sufrague a opção pela avaliação directa, uma vez que, como seguramente era do conhecimento do agente fiscalizador, aquele, no seu procedimento contabilístico, cometeu um lapso, certamente por desconhecimento ou má formação dos seus colaboradores, já que unicamente procedia ao registo dos resultados de uma das máquinas registadoras, ali fazendo reflectir a totalidade das restantes vendas nas transacções efectuadas nas feiras. 72 - Em rigor, o resultado apresentado pelo contribuinte, ora recorrente, reflecte, com uma pequena margem de erro, as actividades por si efectivamente desenvolvidas, não restando quaisquer dúvidas que os resultados declarados comportaram a totalidade das vendas efectuadas. 73 - O que se passou foi um lapso de não consideração dos resultados do registo de uma das máquinas registadoras, cujas vendas, no entanto, faziam parte integrante do volume de negócios declarado na contabilidade. Porém, tais registos foram considerados como vendas efectuadas em feiras e, a Administração Fiscal, num claro aproveitamento do lapso acima referido, veio acrescentar à totalidade do volume de negócios o registo “esquecido” daquela máquina registadora, o que resultou numa inexplicável duplicação de parte do volume de negócios. 74 – Mais estranhou o recorrente que o relatório inspectivo tivesse sido totalmente omisso em relação aos factos aduzidos supra, o que, desde logo, na sua perspectiva, ilustra a falta de fundamentação por insuficiência daquele Relatório. 75 – Acresce ainda que, as diversas situações compreendidas no sobredito Relatório não determinaram, objectivamente, a existência de quaisquer omissões à escrita, uma vez que ficou demonstrado não terem existido quaisquer faltas nos registos das compras, vendas e serviços prestados. 76 – Houve, assim, uma errónea qualificação/quantificação dos factos tributários ali elencados, assentes apenas em meras convicções de carácter subjectivo, decorrentes de suspeições infundadas e especulativas sem o mínimo suporte, tanto em termos fácticos como de direito, o que clara e inequivocamente determina a inexistência do facto tributário justificativo da liquidação impugnada. 77 – Ao não encarar os apuramentos como verdadeiros e feitos de boa fé pelo contribuinte, a Administração Tributária deveria ter recorrido aos métodos indirectos, uma vez que, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 75º da LGT, “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.” 78 – No relatório inspectivo diz-se expressamente que: “No entanto, essa presunção de veracidade é afastada (…) por esse facto, os Serviços de Inspecção procederam às correcções atrás referidas, as quais resultaram na adição aos valores dos proveitos resultantes do exercício da sua actividade (…) registados na sua escrita e declarados em sede de IVA, dos valores detectados nos ficheiros analisados, e omitidos na sua contabilidade e consequentemente nas declarações periódicas correspondentes (…)”. 79 – Ora, o método adoptado da avaliação directa, pressupõe que se tenham em conta, exclusivamente, os valores constantes da contabilidade do sujeito passivo, verificando-se “in casu”, que, em face do referido no ponto III.1.1. do relatório inspectivo, não é possível individualizar as compras afectas a cada sector da actividade do recorrente, nomeadamente as que se destinam à venda a retalho e as que se destinam ao comércio por grosso. 80 – Ainda, relativamente às vendas efectuadas em feiras, diz o Relatório de Inspecção, no ponto III.2: “As vendas efectuadas nas feiras não têm qualquer documento de suporte válido que permita atestar valores, quantidades e tipos de produtos vendidos (…). Uma vez que o sujeito passivo, não emite qualquer documento pelas vendas que realiza nas feiras, torna-se impossível confirmar se os valores declarados na contabilidade como respeitantes a feiras estão correctos”. 81 – Ora, tais afirmações levam à conclusão que, os valores apurados pela administração fiscal estão totalmente desfasados da realidade da actividade do contribuinte, pelo que, se a Administração Fiscal entende que os valores declarados pelo contribuinte não são os correctos, deveria por coerência e em obediência à lei, ter optado pela Avaliação Indirecta. 82 – Na verdade, não pode a Administração Fiscal afastar a realidade declarativa do contribuinte, para depois se fundar nessa mesma realidade declarativa para proceder às declarações operadas, uma vez que, como é consabido, a alteração da matéria tributável configura uma efectiva avaliação indirecta, tendo aquela erradamente considerado a referida alteração da matéria tributável como avaliação directa. 83 – As insuficiências e contradições com a realidade factual descritas demonstram, assim, que nem sequer foram feitas as necessárias diligências com vista à descoberta da verdade material, o que é revelador da clara e inequívoca violação dos artºs 58º, da LGT e 6º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT). 84 – Ainda que se não entenda que os vícios alegados pelo recorrente existem, certo é que, da acção inspectiva que gerou o relatório junto e constante dos autos, tinha de emergir um resultado assente no princípio do respeito da capacidade contributiva na tributação, com a consequente proibição de uma tributação que é, claramente, desproporcionada. 85 – Em face de tudo o que ficou referido, na modesta opinião do recorrente, na acção inspectiva de que foi alvo e que gerou os presentes autos, relativa aos exercícios de IRS de 2006 e 2007, não foi aplicada a perspectiva correcta que é de a tributação incidir, fundamentalmente, sobre o rendimento real, tendo ficado demonstrado, nas condutas assumidas pela Administração Tributária, o desrespeito dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da justiça, que se traduziram na violação clara e inequívoca do disposto nos artº 55º, 58º, 75º, nº 1, da LGT e 6º do RCPIT, o que consubstancia ilegalidades enquadradas no disposto no artº 99º do CPPT e configura o vício de violação de lei considerando a referida alteração da matéria tributável como avaliação directa. Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exªs, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a douta Sentença, proferida em 1ª Instância, porque ferida pelos vícios invocados pelo ora recorrente e substituída por outra que defira a impugnação judicial apresentada.” Não foram apresentadas contra-alegações. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. ** Objecto do recurso O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir i) se a decisão interlocutória errou sobre a não realização da diligência de inquirição das testemunhas arroladas e consequentemente erro no julgamento de facto ii) da nulidade da decisão por omissão de pronúncia iii) do erro de julgamento de facto iii) do erro de julgamento de direito. ** 2 - Fundamentação 2.1. Matéria de Facto O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz: “Compulsados os autos, analisada a prova documental, dão-se como provados os seguintes factos: A) O Impugnante «AA» foi objeto de ação inspetiva, de âmbito geral, de índole externa, incidindo sobre os exercícios de 2006 e 2007, a qual se realizou em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI20.....73 e decorreu entre 10-03 e 07-05 de 2009, cfr. fls. 3 e 4 do relatório de inspeção constante dos apensos que integram também RG e RH, nomeadamente o 1º, a fls. 20 e segs., que aqui se dão por reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos; B) Ação inspetiva que originou o respetivo relatório, antecedido do exercício do direito de audição, onde ser relata: “3. Actividade Desenvolvida O sujeito passivo está inscrito no cadastro desde 1979-09-26, para o exercício da actividade "Comércio a Retalho de Frutas e Produtos Hortícolas", CAE: 47210. Verificou-se no entanto que a actividade efectivamente exercida pelo sujeito passivo é a actividade de comércio de produtos alimentares e afins. Exerce a actividade de comércio a retalho e por grosso de produtos alimentares e afins. Relativamente ao comércio a retalho, para além de explorar um supermercado que possui no rés-chão da sua casa, vende também em feiras. Faz feiras diárias em diversas localidades do distrito de ..., nomeadamente ..., ..., ..., ..., ..., ....
III.1 - Análise da Actividade III.1.1 - Vendas/Custo Mercadorias Vendidas Matérias Consumidas Em 2006 e 2007, o volume de negócios declarado pelo sujeito passivo foi o seguinte: ____________________________________________________________________________ _________________________________2006________________________2007___________ Volume Negócios Declarado 1.628.518,74 € ____________________________1.722.558,51 € Como foi referido no ponto anterior, podemos identificar três ramos de actividade principais, comércio por grosso, comércio a retalho no supermercado e comércio a retalho em feiras. Tem também a venda de gás e tabaco que podemos considerar residual, face ao peso que tem na totalidade do volume de negócios do sujeito passivo. Na contabilidade as vendas estão agregadas da seguinte forma:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida] E) Elaborado projeto de indeferimento, onde se reafirmou a argumentação constante do relatório, nomeadamente a apreciação dos argumentos invocados no exercício do direito de audição, o Impugnante foi notificado “nos termos … artigo 60º, n.º 5 da Lei Geral Tributária, informa-se que, no prazo de dez (10) dias, poderá, querendo, exercer o direito de audição sobre projeto de decisão… mediante exposição escrita, que deverá dirigir a este Serviço…”, vide fls. 79 a 82 dos dois apensos; F) Decorrido o prazo do exercício do direito de audição e não sendo este exercido, por despachos proferidos em 2010-01-11 ratificou-se a proposta de decisão de indeferimento, notificados dois dias depois, cfr. duas últimas fls. das RG; G) O Impugnante, não concordando com o indeferimento deduziu, em 10-02-2010, RHs, reafirmando o argumentado em sede de RG e mais defendeu a ilegalidade da imposição da forma escrita no direito de audição, imposição que padece também da ilegalidade decorrente de a Entidade Imponente não ser a competente, vide as petições de recurso; H) Apreciando os fundamentos invocados a Entidade Recorrida através dos despachos proferidos em 01 e 03 de fevereiro de 2011-, comunicados ao Recorrente dezasseis e treze dias depois, negou provimento aos recursos e entendeu “que o direito de audição se encontra dispensado” porque a AT “se limitou a fazer interpretação das normas aplicáveis aos factos, bem como, os factos apresentados no RH terem sido os mesmos da RG…”, cfr. fls. 23 e segs. dos RGs; I) O Impugnante, mais uma vez inconformado, apresentando, em 17 de maio de 2011, apetição inicial originadora da presente impugnação, vide 1ª folha destes autos. III II Factos não provados Para além dos factos elencados supra, não foram provados outros com relevância para a decisão da causa. A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica do teor dos documentos constantes dos autos e dos processos de reclamação graciosa e recurso hierárquico apenso, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, tudo conforme se encontra discriminado em cada um dos pontos do probatório.” ** 2.2. Aditamento oficioso à fundamentação de facto Dispondo os autos dos elementos probatórios para o efeito indispensáveis e ao abrigo do disposto no artigo 662.º n.º 1 do CPC, afigura-se-nos ser de aditar à matéria de facto assente o teor do despacho interlocutório, na medida em que se mostra essencial conhecer o seu teor por forma a aferir do seu acerto. Assim, aditam-se os seguintes pontos à matéria de facto assente: J) Em 10.10.2011 foi proferido despacho pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu com o seguinte teor: “Compulsando os autos nomeadamente analisando conjugadamente os articulados e documentos para que remetem perspectiva-se que as questões a decidir, respeitem a elementos de ordem documental ou se situam na apreciação crítica e/ou qualificação jurídica dos mesmos: A petição inicial não indicia conter factos que justifiquem a produção de prova testemunhal pois relata matéria de direito, contém conclusões ou factos referidos a documentos; também a contestação da FP é reportada a documentos. Nestes assume especial relevância o relatório de inspecção e seus anexos. Não obstante o vindo de referir o Impugnante pode esclarecer se mantém interesse na produção da prova testemunhal e, na afirmativa, que factos pretende provar com as testemunhas arroladas (Não olvido que a Fazenda Pública também arrolou uma testemunha mas fê-lo por mera cautela pois na contestação que apresentou também defendeu que as questões a decidir são questões de direito ou atinentes a documentos). Se nada for dito ou requerido desde já se consigna que, atento o supra referido, nos termos dos artigos 113º e 120º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não se justificará a notificação das Partes para alegações pelo que, oportunamente, devem os autos ir com vista ao Exm.º Magistrado do Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 121º, nº 1 do CPPT.” – cfr. fls. 115 do SITAF. L) Notificado do despacho descrito em J), o Recorrente apresentou requerimento de onde consta o seguinte: “(…) «AA», impugnante nos autos do processo à margem identificados, tendo sido notificado do douto despacho proferido por V. Ex.ª, vem dar cumprimento ao mesmo, expondo e requerendo a V. Ex.ª o seguinte: O ora requerente arrolou testemunhas, E, mantém interesse na produção da prova testemunhal. Mais informa que, com as testemunhas arroladas, pretende provar os factos 5º, 50º a 53º, 78º, 79.º, 82.º a 84º, 86º, 87º, 167º, 193º, 206º, 220º, 282º, 286º, 288º e 289º inclusive, da PI.” – cfr. fls. 121 do SITAF. M) – Em 23.11.2011 foi proferido despacho pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu com o seguinte teor: “Requerimento que antecede: Atento o que dele consta, conjugando-o com a Petição Inicial, mormente com os pontos ali referidos, verifico que o conteúdo do último despacho, onde se mencionou: “A petição inicial não indicia conter factos que justifiquem a produção de prova testemunhal pois relata matéria de direito, contém conclusões ou factos referidos a documentos; também a contestação da Fazenda Pública é reportada a documentos. “ sai reforçado pois os aludidos pontos são: 5º; 282º meramente afirmativos não contrariando o que consta do relatório, vide por exemplo, ponto 3, folha 5; 50º a 53º, 82º a 84º, 86º, 87º, 286º, 288º e 289: apreciação e valoração de realidade diversa da apresentada pela Fazenda Pública mas assente em factualidade em que as Partes concordam; 78º meramente afirmativo; 167º considerado isoladamente é um mero artigo assertivo; mesmo que se considere em conjunto com os três seguintes verifica-se que aí se realiza uma apreciação jurídicofiscal de uma realidade cujo substrato factual não gera dissenso entre as Partes; o que se veio de dizer, com as devidas adaptações aplica-se ao artigo 193º, 206º, 220º. Assim, considerando que as diligências probatórias para se realizarem devem ser úteis ou necessárias ao esclarecimento dos factos que cumpra conhecer, vide entre outros os artigos 13º e 114º do CPPT, dado que a inquirição de testemunhas não reveste, face ao supra referido e ao último despacho, as apontadas características, atendendo ao princípio da proibição de actos inúteis e impondo-se cada vez mais o esforço de eficácia e eficiência na actividade do julgador para assim poder respeitar o princípio constitucional da tutela judicial efectiva dispenso a produção de prova testemunhal. Notifique. No mais renova-se a última parte do despacho anterior.” – cfr. fls. 124 do SITAF. *** 2.3 – O direito Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRS, referentes aos exercícios de 2006 e 2007, no montante total de €103.036,37, bem como do despacho interlocutório que dispensou a audição das testemunhas arroladas. O Tribunal a quo absolveu a Fazenda Pública dos pedidos, na medida em que improcedeu todos os fundamentos invocados. O Recorrente, discordando da sentença proferida, vem invocar que a decisão interlocutória errou sobre a não realização da diligência de inquirição das testemunhas, e consequentemente errou no julgamento de facto, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, o erro de julgamento de facto assim como o erro de julgamento de direito. 2.3.2 Da decisão interlocutória de dispensa de inquirição das testemunhas arroladas e consequente erro de julgamento de facto Vem o Recorrente invocar o erro de julgamento da decisão interlocutória de dispensar a inquirição das testemunhas arroladas, por considerar que podia e deviam ter sido inquiridas as testemunhas arroladas pois tais depoimentos visavam comprovar factos alegados, designadamente os elencados sob os nºs 5º, 50º a 53º, 78º, 79º, 82º a 84º, 86º, 87º, 167º, 193º, 206, 220º, 282º, 286º, 288º e 289º inclusive e de acordo com os quais, se podia concluir que as liquidações de IRS efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente aos anos de 2006 e 2007, padeciam de vícios que, a serem declarados, levariam à anulação do acto tributário, com as legais consequências. Mais sustenta que “O recorrente discriminou os factos a que as testemunhas que arrolou deveriam ser ouvidas, tendo em vista o esclarecimento, por exemplo, da situação tributária do recorrente e também o porquê de discrepâncias que foram verificadas, factos que julgou relevantes para a boa decisão da causa”. Vejamos. Nos termos do disposto no artigo 411.º do Código do Processo Civil, “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, consagrando-se assim o princípio do inquisitório, que no seu sentido restrito, que é o rigoroso, “opera no domínio da instrução do processo tendo o juiz aí poderes mais amplos do que no domínio da investigação dos factos, na medida em que pode determinar quaisquer diligências probatórias que não hajam sido solicitadas pelas partes” – cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição, Almedina, pág 207. No mesmo sentido, o n.º 1 do artigo 99.º da Lei Geral Tributária, sob a epigrafe “Princípio do inquisitório e direitos e deveres de colaboração processual”, estabelece que “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer” De igual forma, dispõe o n.º 1 artigo 13.º Código de Procedimento e de Processo Tributário ao estatuir que “aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”. Por fim, o artigo 114.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, prevê que “não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de produção de prova necessárias (…)” Com efeito, “cabe ao tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada. Para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados” – cfr. Acórdão do TCA Sul de 10.11.2022, proc. 2222/15.0BESNT. Ademais, como dispõe o artigo 115.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no processo tributário são admitidos todos os meios gerais de prova, não se encontrando assim limitado a um especifico modo de prova. Nestes termos, “não obstante o juiz não estar obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes, contudo deve ponderar sobre a admissibilidade dos meios de prova no caso concreto. Nesse sentido deve ponderar a realização de diligências úteis à descoberta da verdade material, mormente quando existam factos controversos que careçam de prova bastante, de modo a que seja, sempre que possível, a não ficarem dúvidas sobre essa factualidade controvertida. Significa isto, que a omissão de diligências necessárias à descoberta da verdade material, acarreta um défice instrutório, quando em face do alegado e da análise dos elementos dos autos, se possa antever que a realização de algum meio de prova poderia ser modo de aquisição processual de melhor esclarecimento dos factos, tanto mais que não se vislumbra fossem diligências irrelevantes para os termos da causa.” – cfr. Acórdão do TCA Norte de 23.11.2023, proc. n.º 01045/11.1BEBRG. Com efeito e como considera Jorge Lopes de Sousa, (in CPPT anotado e comentado, 5.ª edição, na anotação 9 ao artigo 13.º, páginas 168 e 169) é o critério do juiz que prevalece no que concerne a determinar quais as diligências que são úteis para o apuramento da verdade, sendo inevitável em tal determinação uma componente subjetiva, ligada à convicção do juiz; o que não significa que a necessidade da realização das diligências não possa ser controlada objetivamente, em face da sua real necessidade para o apuramento da verdade, em sede de recurso. No caso presente, e como decorre do ponto J) da matéria de facto aditado por este Tribunal, foi proferido em 10.10.2011 despacho pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu com o seguinte teor: “Compulsando os autos nomeadamente analisando conjugadamente os articulados e documentos para que remetem perspectiva-se que as questões a decidir, respeitem a elementos de ordem documental ou se situam na apreciação crítica e/ou qualificação jurídica dos mesmos: A petição inicial não indicia conter factos que justifiquem a produção de prova testemunhal pois relata matéria de direito, contém conclusões ou factos referidos a documentos; também a contestação da FP é reportada a documentos. Nestes assume especial relevância o relatório de inspecção e seus anexos. Não obstante o vindo de referir o Impugnante pode esclarecer se mantém interesse na produção da prova testemunhal e, na afirmativa, que factos pretende provar com as testemunhas arroladas (Não olvido que a Fazenda Pública também arrolou uma testemunha mas fê-lo por mera cautela pois na contestação que apresentou também defendeu que as questões a decidir são questões de direito ou atinentes a documentos).” Em resposta, o Recorrente veio informar que mantinha interesse na produção da prova testemunhal, pois pretende provar os factos que constam dos artigos 5º, 50º a 53º, 78º, 79º, 82º a 84º, 86º, 87º, 167º, 193º, 206º, 220º, 282º, 286º, 288º e 289º inclusive, da PI.” – cfr. ponto L) da matéria de facto aditada por este Tribunal. Como também decorre da matéria de facto aditada por este Tribunal, ponto M) “em 23.11.2011 foi proferido despacho pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu com o seguinte teor: “Requerimento que antecede: Atento o que dele consta, conjugando-o com a Petição Inicial, mormente com os pontos ali referidos, verifico que o conteúdo do último despacho, onde se mencionou: “A petição inicial não indicia conter factos que justifiquem a produção de prova testemunhal pois relata matéria de direito, contém conclusões ou factos referidos a documentos; também a contestação da Fazenda Pública é reportada a documentos. “ sai reforçado pois os aludidos pontos são: 5º; 282º meramente afirmativos não contrariando o que consta do relatório, vide por exemplo, ponto 3, folha 5; 50º a 53º, 82º a 84º, 86º, 87º, 286º, 288º e 289: apreciação e valoração de realidade diversa da apresentada pela Fazenda Pública mas assente em factualidade em que as Partes concordam; 78º meramente afirmativo; 167º considerado isoladamente é um mero artigo assertivo; mesmo que se considere em conjunto com os três seguintes verifica-se que aí se realiza uma apreciação jurídicofiscal de uma realidade cujo substrato factual não gera dissenso entre as Partes; o que se veio de dizer, com as devidas adaptações aplica-se ao artigo 193º, 206º, 220º. Assim, considerando que as diligências probatórias para se realizarem devem ser úteis ou necessárias ao esclarecimento dos factos que cumpra conhecer, vide entre outros os artigos 13º e 114º do CPPT, dado que a inquirição de testemunhas não reveste, face ao supra referido e ao último despacho, as apontadas características, atendendo ao princípio da proibição de actos inúteis e impondo-se cada vez mais o esforço de eficácia e eficiência na actividade do julgador para assim poder respeitar o princípio constitucional da tutela judicial efectiva dispenso a produção de prova testemunhal. Notifique. No mais renova-se a última parte do despacho anterior.” Vejamos. O Recorrente organizou o seu articulado inicial por capítulos, sendo que no capítulo I, intitulado de “Nota prévia”, o Recorrente aponta de forma não concretizada as ilegalidades que considera padecerem as liquidações impugnadas, como seja a falta de fundamentação (artigo 4.º) e o erro nos pressupostos de facto (artigo 5.º a 12.º), fazendo de seguida uma resenha do acontecido previamente à instauração da impugnação judicial, dando conta do sucedido em sede de reclamação graciosa e recurso hierárquico alternando com a invocação de falta de apreciação dos fundamentos apresentados nessas sedes com as demais ilegalidades que considera verificarem-se. A partir do artigo 50.º, ou seja, dos artigos 50.º ao 188.º inicia-se o capítulo II, onde o Recorrente intitula os fundamentos invocados como “II-Ausência da fundamentação legalmente exigida”. Dos artigos 189.º a 209.º surge o capítulo III, onde invoca o “Erro na forma estabelecida para o exercício do direito de audição”, dos artigos 210.º a 243.º respeitante ao capítulo IV invoca a “Ilegalidade da entidade que suscitou o direito de audição” e dos artigos 244.º ao 262º surge o capítulo V - “Ausência de audição prévia nos procedimentos de 2º grau”. Vem invocada a “Inexistência do facto tributário” no artigo 263.º ao 272.º (capítulo VI) e a “Ilegalidade da notificação para pagamento” nos artigos 273.º a 281.º a que corresponde o capítulo VII. Por fim, invoca o Recorrente a “Errónea qualificação/quantificação do facto tributário” nos artigos 282.º ao 316.º do articulado inicial, correspondente ao capítulo VIII. Nessa medida, no relatório da decisão recorrida vêm identificadas como alegações i) a falta de fundamentação por insuficiência do relatório ii) o erro na forma estabelecida para o exercício do direito de audição iii) a ilegalidade da Entidade que suscitou o direito de audição iv) a ausência de audição prévia nos procedimentos de 2º grau v) a inexistência do facto tributário vi) a ilegalidade da notificação para pagamento vii) a errónea qualificação/quantificação do facto Tributário. Ora, não obstante a divisão do articulado inicial capítulos, traduzindo cada um deles fundamentos distintos, perscrutado o mesmo, constata-se que este não prima pela organização e clareza, isto porque, o Recorrente vai alternando os vícios de forma com os vícios de violação de Lei A título de exemplo veja-se o disposto no artigo 50.º, em que vem invocado lapso cometido no procedimento contabilístico, pretendendo o Recorrente comprovar que tal lapso decorreu do registo dos resultados das actividades exercidas quanto às vendas no supermercado e nas feiras numa só máquina registadora, sendo que tal artigo encontra-se enquadrado do capítulo intitulado de “Ausência de fundamentação legalmente exigida”. A própria decisão recorrida no ponto “III Os factos e o direito” identifica a “Ausência de fundamentação quer em termos fácticos, quer de direito, no que concerne ao imposto e aos juros compensatórios” como questão a decidir, identificando também como questão decidenda a “Inexistência do facto tributário por se basear em convicções de carácter subjetivo, decorrentes de suspeições infundadas e especulativas, sem o mínimo suporte fático e jurídico”, sendo que na apreciação de tal questão remete para o decidido em sede da apreciação da falta de fundamentação formal. Ora, impõe-se distinguir entre fundamentação formal e fundamentação material, isto porque, uma coisa é saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira deu a conhecer os motivos que a motivaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto, situação distinta e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa. Distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, e parafraseando Vieira de Andrade, (in “O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”, Almedina, 2003, pág. 231), a diferença está “em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. Assim, dúvidas não subsistem que o Recorrente, misturando os dois tipos de fundamentação vai alternando as suas alegações entre uma e outra. Ora, sendo consabido que à luz do que dispõe o n.º 3 do artigo 5.º do Código do Processo Civil “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, a apreciação dos artigos invocados na petição inicial que o Recorrente pretende fazer prova serão analisados per si e não atendendo à qualificação jurídica que o Recorrente atribuiu aos capítulos enunciados onde aqueles artigos se incluem. Vejamos então cada um desses artigos que o Recorrente pretende fazer prova. Invocou o Recorrente nos artigos 5.º e 282.º da petição inicial que a sua actividade desenvolve-se em duas vertentes distintas, designadamente em supermercados e feiras, facto que nitidamente contende com o erro nos pressupostos de facto das liquidações impugnadas. No artigo 50.º da petição inicial é invocado que houve um “lapso cometido no procedimento contabilístico, que se consubstanciou no registo dos resultados das actividades exercidas quanto às vendas no supermercado e nas feiras numa só máquina registadora”, facto também alegado no artigo 286.º embora, de forma distinta. No artigo 51º invoca que “Pelo que, os resultados apresentados reportam-se ao exercício de ambas as actividades, não restando dúvidas de nenhuma espécie de que o declarado comporta a totalidade das vendas”, a que corresponde também aos factos alegados nos artigos 288.º e 289.º, invocando ainda no artigo 52.º que “Na verdade tal lapso deriva da não consideração dos resultados do registo de uma das máquinas, cujas vendas que lhe correspondem, fazem parte integrante do volume de negócios revelado pela contabilidade”. Ora, se o artigo 51º pode ser considerado conclusivo, os artigo 50.º, 286.º e 52.º encerram em si factos que uma vez comprovados podem contribuir para a procedência da tese apresentada pelo Recorrente, pois têm em vista o esclarecimento da situação tributária deste, justificando o porquê das discrepâncias que foram verificadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Os artigos 78.º e 79.º do articulado inicial consubstanciam, sem qualquer dúvida, factos que tentam suportar o alegado, pois, se provados, justificam a irregularidade apontada pela Autoridade tributária e Aduaneira com a falta de registo diário como suporte das máquinas registadoras. Apesar de decorrerem dos artigo 82.º a 84.ºe 86.º factos anteriormente enunciados, estes também são factos que se poderão mostrar relevantes à decisão da causa. O artigo 87º é um facto conclusivo, não podendo recair prova sobre o mesmo. Os artigos 167º, 193.º, 206.º e 220.º do articulado inicial são factos que contendem com a violação do direito de audição, por considerar o Recorrente que ao ter sido impedido de exercer oralmente o seu direito direito de audição, ficou impedido de o fazer correctamente. Assim, e face ao que ficou dito, surge desde logo à evidência que o Tribunal a quo também não fez a devida destrinça entre a fundamentação formal e a fundamentação substancial, cingindo-se a apreciar somente a falta de fundamentação formal invocada, induzido pela incorrecta forma de alegar por parte do Recorrente. No entanto, tendo em consideração a elencada causa de pedir e os factos alegados, conclui-se que os mesmos carecem não só de prova documental mas, também, da prova testemunhal que possa esclarecer e complementar aquela. Nessa medida, tais factos são passíveis de produção de prova testemunhal, obstando a que se conclua pela sua dispensa. Saber se a prova testemunhal a produzir, conjugada com os documentos que se encontram nos autos, será suficiente para comprovar a factualidade alegada pelo Recorrente é questão a verificar a final, não se podendo permitir que o direito que o Recorrente tem a provar o alegado seja coarctado pela dispensa da inquirição da testemunha arrolada. Com efeito, não poderia o Tribunal a quo ter concluído que o Recorrente não apresentou prova convincente, de forma a contrariar as conclusões extraídas pelos Serviços da Inspecção Tributária, uma vez que lhe foi coartada a possibilidade de realização plena da prova sugerida e a que se propôs a apresentar, sob pena de ter firmado a convicção sem a produção de toda a prova que o Recorrente colocou à disposição do Tribunal, afigurando-se que da audição da prova testemunhal resultará um quadro factual mais vasto e firme do que aquele em que se baseia a decisão recorrida, podendo eventualmente influenciar o mérito da causa. Podendo a inquirição de testemunhas esclarecer o Tribunal a quo sobre os factos alegados, a sentença recorrida padece de défice instrutório, suscetível de afectar o julgamento da matéria de facto. Concludentemente, no caso sob apreço, conclui-se que a realização da prova testemunhal é pertinente para a boa decisão da causa. Nesta senda, o Tribunal a quo, ao ter dispensado a referida diligência de prova, incorreu em défice instrutório, e consequente erro de julgamento, determinante da anulação oficiosa da sentença recorrida ao abrigo do disposto no artigo 662.º n.º 2 alínea c) do Código do Processo Civil, impondo-se a devolução dos autos ao Tribunal a quo, para que este proceda à diligência requerida e à subsequente prolação de nova decisão. Nos termos do exposto fica prejudicado o conhecimento do recurso quanto às demais questões suscitadas. *** Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário: I. No processo tributário são admitidos todos os meios gerais de prova, não se encontrando este limitado a um especifico modo de prova – cfr. artigo 115.º do CPPT. II. Cabe ao Tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada, incumbindo-lhe realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados. III. Podendo a inquirição de testemunhas esclarecer o Tribunal sobre os factos alegados, o julgamento da matéria de facto mostra-se deficitário. IV. Saber se a prova testemunhal a produzir, conjugada com os documentos que se encontram nos autos, será suficiente para comprovar a factualidade alegada é questão a verificar a final, não se podendo permitir que o direito que o Recorrente tem a provar o alegado seja coarctado pela dispensa da inquirição da testemunha arrolada. *** 3 – Decisão Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso interposto do despacho interlocutório, revogando-o e anulando todos os actos subsequentes, e, em consequência, anular a sentença recorrida, ordenar a baixa dos autos ao TAF de Viseu para proceder à inquirição das testemunhas arroladas, ampliar a matéria de facto, se for o caso, e proferir nova decisão. Custas pela Recorrida, com dispensa do pagamento de taxa de justiça nesta instância, por não ter contra-alegado. Porto, 16 de Janeiro de 2025 Virgínia Andrade Rui Esteves Celeste Oliveira |