Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00199/24.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/03/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:FALTA DE CITAÇÃO;
NÃO CONHECIMENTO DO FACTO POR MOTIVO NÃO IMPUTÁVEL AO DESTINATÁRIO;
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
Sumário:
I. O Tribunal Central Administrativo não deve limitar-se a corrigir erros manifestos ou grosseiros da instância a quo no que tange à decisão da matéria de facto. Na busca de uma solução mais acertada e justa para o objecto da causa, deve valorar de novo a prova, sem estar vinculado às razões e às valorações do juiz da 1ª instância, embora, no caso de divergência, deva cumprir, com particular escrúpulo, o dever de motivação a que está adstrito, através da indicação das razões que justificam a discordância.

II. De acordo com o disposto no artigo 190.º, n.º 6 do CPPT, e em sintonia com o referido no artigo 188.º, n.º 1, alínea e) do CPC, para que ocorra falta de citação é necessário que o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte fiscal n.º ...07, com domicílio na Rua ..., em ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 16/07/2024, que julgou improcedente a Reclamação do acto do órgão de execução fiscal, proferido em 29/12/2023, pela Coordenadora da Secção de Processo Executivo de ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS, I.P.), no qual foi indeferida a arguição da nulidade da citação do Reclamante, na qualidade de revertido, no âmbito do processo executivo n.º ..............578 e apensos.

Para tanto, concluiu da seguinte forma:
“1 - A decisão recorrida, debalde douta, deverá ser revogada, considerando que a mesma apreciou e valorou erroneamente a prova documental constante dos autos bem como aqueloutra que foi produzida nos autos de processo nº 200/24.8BEVIS, da mesma Unidade Orgânica 1 do Tribunal recorrido e a qual, por despacho que mereceu a concordância das partes, foi aproveitada nos presentes.
2 - Em face da prova produzida em audiência naqueloutros autos, conjugada com a prova documental constante e não constante dos autos e, bem assim, com as mais elementares regras da lógica e da experiência comuns, o Tribunal recorrido deveria ter dado como provado, sob o respetivo ponto desse elenco factual, o único facto que na decisão recorrida consta da matéria de facto não provada, i.e. que “O ofício de citação (Reversão) no âmbito do processo de execução fiscal ..............578 e apensos não chegou ao conhecimento do Reclamante, nem lhe foi entregue por «BB» (cf. fls. 129 a 132 da referência 004972158 do SITAF e depoimentos de «CC», «BB» e «DD»).”
3 - Para além da factualidade que o Tribunal expressamente identificou como provada, deveria igualmente o Tribunal a quo, em face da prova produzida nos autos, ter dado como provado, sob o ponto respetivo que A mãe do reclamante tinha instruções expressas de «DD», único gerente de facto da sociedade [SCom01...], Lda., para lhe entregar toda e qualquer correspondência relacionada com a Segurança Social;
4 - Para além da factualidade que o Tribunal expressamente identificou como provada, deveria igualmente o Tribunal a quo, em face da prova produzida nos autos, ter dado como provado, sob o ponto respetivo que «DD» foi quem, desde sempre e de forma exclusiva, geriu todo o processo junto da Segurança Social;
5 - Para além da factualidade que o Tribunal expressamente identificou como provada, deveria igualmente o Tribunal a quo, em face da prova produzida nos autos, ter dado como provado, sob o ponto respetivo que Agindo em conformidade com as instruções recebidas daquele «DD», a mãe do reclamante entregou a carta com a citação do reclamante ao referido «DD» e não ao seu destinatário (o reclamante)
5 - Para além da factualidade que o Tribunal expressamente identificou como provada, deveria igualmente o Tribunal a quo, em face da prova produzida nos autos, ter dado como provado, sob o ponto respetivo que O ofício de citação (Reversão) no âmbito do processo de execução fiscal ..............578 e apensos não chegou ao conhecimento do Reclamante, nem lhe foi entregue por «BB».
6 - Para além da factualidade que o Tribunal expressamente identificou como provada, deveria igualmente o Tribunal a quo, em face da prova produzida nos autos, ter dado como provado, sob o ponto respetivo que O reclamante apenas teve conhecimento do processo executivo n.º ..............578 e apensos no final de setembro de 2023, quando recebeu uma carta da entidade bancária onde tinha domiciliada a sua conta bancária, pela qual lhe foi dado conhecimento por esta entidade de que havia procedido à penhora dessa conta bancária em cumprimento das instruções da Secção de Processo Executivo de ....
7 - O Tribunal recorrido, com base na prova (não...) produzida nos autos, mormente no plano documental, deveria ter dado como provado, sob o ponto respetivo desse elenco factual, que A Secção de Processo Executivo de ..., no que tange à citação do ora reclamante para os termos do processo executivo n.º ..............578 e apensos, nunca remeteu àquele a advertência a que alude o artigo 233º do CPC.
8 - A factualidade que o Tribunal recorrido deu por provada os ponto B) dos factos provados, tal como consta da sentença de fls., teve por base as declarações de parte do reclamante nos preditos autos de processo n.º 200/24.8BEVIS - por força do referido despacho de aproveitamento da prova -, e os depoimentos das testemunhas «BB» e «DD», ouvidas naqueles autos demonstra, desde logo, que os depoimentos prestados pelas referidas testemunhas se mostraram objetivos, isentos e factuais, tendo como tal sido valorados pelo Tribunal.
9 - O mesmo sucede com as declarações de parte prestadas pelo reclamante nesse processo, cuja pretensão é idêntica à do ora recorrente, que assenta, como vimos supra, numa identidade global da materialidade subjacente e causa de pedir.
10 - É incontroverso, assim, que o reclamante, e ora recorrente, não foi citado para os autos de processo executivo identificados no requerimento inicial de fls. e acima referidos, razão pela qual deverá o Tribunal ad quem, como respeitosa e expressamente se requer, e no uso dos seus poderes, proceder às necessárias alterações à matéria de facto, nos termos acima referidos.
11 - Da prova produzida nos autos - no caso, da prova documental, produzida por meio da junção do processo administrativo - resulta claro que a Secção de Processo Executivo de ... nunca remeteu ao citando - o ora recorrente -, qualquer comunicação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 233.º do CPC, com a advertência para a circunstância da carta de citação ter sido recebida por uma terceira pessoa, in casu a mãe do ora recorrente, que não o citando e ora recorrente.
12 - Debalde não estar em causa, nos presentes autos, a arguição de nulidade da citação - mas sim, e diferentemente, a nulidade POR FALTA DE CITAÇÃO, não deixa de ter relevância, para a economia dos autos - e para a justa decisão da causa - a verificação do facto de que a Secção de Processo Executivo de ... não deu cumprimento à referida formalidade legitima, assim, de forma acrescida, a demais factualidade alegada pelo reclamante e ora recorrente.
13 - O Tribunal recorrido deveria ter concluído, numa correta subsunção dos factos ao direito, que o ora reclamante não teve culpa no não recebimento da citação, i.e. que a falta de citação invocada não procede de facto a ele imputável, e tudo em função da globalidade dos factos dados como provados, mormente aquela que consignou sob os pontos B) e C), conjugada de resto com as mais elementares regras da lógica e da experiência comuns e com a prova documental (não) constante dos autos.
14 - Verifica-se, assim e in casu, nulidade por falta de citação, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas do artigo 165.º, n.º 1, al. a), do CPPT e da al. e) do nº 1 do artigo 188º do CPC.
15 - A nulidade por falta de citação é insanável, tal como pacificamente sustentado, entre outros, no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 20.12.2023, tirado no processo n.º 00634/23.5BEPRT, disponível em www.dgsi.pt (“A falta de citação configura uma nulidade insanável, pelo que não é passível de sanação, implicando sempre a necessidade de ser praticado o ato omitido.”)
16 - A falta de citação prejudicou manifestamente o ora reclamante, impedindo-o de oferecer a sua defesa mormente opondo-se à execução, momento processual no qual poderia alegar precisamente os factos que enunciou no seu requerimento de arguição de nulidade e subsequente petição de reclamação, inter alia, o não exercício de facto das funções de gerente da sociedade devedora originária, circunstância que de resto abunda da prova produzida nos presentes autos, mormente da prova documental, e tanto mais que, e como há muito é pacífico doutrinal e jurisprudencialmente, “O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária, por dívidas da executada originária, a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.”, conforme decorre, entre outros, do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17.03.2022, tirado no processo n.º 00718/10.0BEAVR, disponível em www.dgsi.pt.
17 - Sendo sabido que é ao órgão de execução fiscal que cabe alegar e provar esse efetivo exercício, como enfatizado por esse mesmo Aresto, neste conspecto, desde já se refira que o PA é totalmente omisso no que tange à alegação e comprovação por parte órgão de execução fiscal do efectivo exercício da gerência por parte do reclamante ora recorrente, tendo o mesmo sido trazido à liça nos autos de processo executivo por via do despacho de reversão pela simples circunstância de o seu nome figurar à altura na matrícula da sociedade como sendo gerente da mesma.
18 - Por não ter tido conhecimento, por facto não culposo, do acto de citação, o reclamante ficou totalmente tolhido na sua possibilidade de exercer, plenamente, o seu direito à ampla defesa em sede executiva, vendo a sua posição processual irremediavelmente torpedeada, a menos que este Tribunal opere a justiça devida ao caso concreto, revogando a decisão recorrida e evitando-se a consolidação de uma situação materialmente injusta para o reclamante, por um facto que não lhe é culposamente imputável.
19 - O argumentário defendido pela reclamada nunca poderá proceder, já que se por um lado colide frontalmente com o substrato factual resultante da produção de prova, por outro radica no pressuposto de que a nulidade por falta de citação é convalidável ou sanável mediante o conhecimento ulterior do processo por parte do citando.
20 - O conhecimento ulterior do processo, a ter sucedido - o que não se aceita, efetivamente -, não oblitera a circunstância do revertido (ora reclamante) ter ficado impedido de se defender por ultrapassagem dos prazos legalmente fixados para o efeito, fulminando-se, assim, a dimensão essencial e ineliminável do ato de citação.
21 - Tal corresponde ao entendimento jurisprudencial pacífico na matéria, vide “inter alia” do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.04.2014, tirado no proc. nº 0217/14 e disponível em www.dgsi.pt, donde se retira que “O regime da sanação da falta de citação previsto no Código de Processo Civil não é aplicável ao processo de execução fiscal, pois o art. 165.º, n.º 1, alínea a), do CPPT é uma norma expressa sobre o efeito da falta de citação nestes processos executivos, de que resulta que, se for de concluir que a falta de citação pode ter prejudicado a defesa de quem devia ser citado, estar-se-á perante uma nulidade insanável, que nunca poderá considerar-se sanada, independentemente das intervenções processuais que essa pessoa tenha concretizado.
22 - Deve proceder integralmente a presente apelação, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se esta por uma outra que julgue nula a citação, por falta da mesma, nos termos ab initio invocados, tudo com as legais consequências.
Termos em que, e melhores de direito, deve o presente recurso de apelação ser julgado totalmente procedente, revogando-se, assim, a decisão recorrida, em conformidade com as conclusões, tudo com as legais consequências.”

Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao manter no ordenamento jurídico o acto reclamado, confirmando não se verificar a invocada falta de citação.
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III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos Provados
Com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade:
A) No dia 01 de janeiro de 2002, «AA», com o número de identificação fiscal ...07..., com domicílio na Rua ... ... ..., (doravante Reclamante) foi registado como gerente, da sociedade comercial, do tipo por quotas, com a denominação social “[SCom01...], Lda.”, com o número de identificação de pessoa coletiva ...56 (doravante Devedora Originária), tendo sido registada a respetiva renúncia à gerência no dia 30 de dezembro de 2008 (cf. informação a fls. 1 a 5 da referência 004972167 do SITAF);
B) O Reclamante exercia funções de motorista de pesados para a Devedora Originária e, por força disso, encontrava-se, muitas vezes, ausente da Devedora Originária (cf. depoimentos de «CC», «BB» e «DD»);
C) O tratamento e processamento da correspondência relativa ao Reclamante era recebida, na maior parte das vezes, por «BB», ascendente no primeiro grau da linha reta de parentesco (mãe) do Reclamante (cf. depoimentos de «CC», «BB» e «DD»);
D) A Entidade Reclamada instaurou os processos de execução fiscal n.º ..............578 e apensos contra a Devedora Originária, por dívidas de contribuições e cotizações à Segurança Social (facto não controvertido, cf. informação a fls. 1 a 5 da referência 004972167 do SITAF e respetivo processo de execução fiscal junto aos autos);
E) A Devedora Originária requereu o pagamento da dívida exequenda em prestações, nos dias 19/4/2005, 25/11/2005 e a 17/1/2007, mas incumpriu os planos prestacionais (facto não controvertido, cf. informação a fls. 1 a 5 da referência 004972167 do SITAF e respetivo processo de execução fiscal junto aos autos);
F) No dia 3 de setembro de 2006, a Coordenadora da Secção de Processo Executivo de ..., do IGFSS, I.P., ordenou a notificação dos gerentes da Devedora Originária, «DD», «CC» e o Reclamante, para, querendo, exercer o direito de audição prévia sobre a decisão de reversão contra si projetada no âmbito dos referidos processos de execução fiscal instaurados contra a Devedora Originária (facto não controvertido, cf. informação a fls. 1 a 5 da referência 004972167 do SITAF e respetivo processo de execução fiscal junto aos autos);
G) No dia 08 de setembro de 2006, no âmbito do processo de execução fiscal ..............578 e apensos, a Entidade Reclamada emitiu ofício com o assunto “Notificação Audição – Prévia” (Reversão), endereçado ao Reclamante, expedido por carta registada com aviso de receção, no dia 12 de setembro de 2006, destinado a levar ao conhecimento deste o projeto de reversão de dívidas da Devedora Originária e o respetivo prazo para exercício de audição prévia (cf. fls. 71 a 79 da referência 004972158 do SITAF);
H) No dia 17 de janeiro de 2007, no âmbito do processo de execução fiscal ..............578 e apensos, a Entidade Reclamada emitiu mandado de citação (reversão), endereçado ao Reclamante, destinado a levar ao conhecimento deste a reversão de dívidas da Devedora Originária (cf. fls. 93 a 109 da referência 004972158 do SITAF).
I) No dia 18 de janeiro de 2007, no âmbito do processo de execução fiscal ..............578 e apensos, a Entidade Reclamada emitiu ofício de citação (reversão), endereçado ao Reclamante, expedido por carta registada com aviso de receção, recebido no dia 22 de janeiro de 2007, por pessoa a quem foi entregue, «BB», destinado a levar ao conhecimento do Reclamante a reversão de dívidas da Devedora Originária no âmbito do processo ..............578 e apensos, constando do referido aviso de receção o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. fls. 129 a 132 da referência 004972158 do SITAF e depoimento da testemunha «BB»);
J) No final de setembro de 2023, o Reclamante recebeu uma carta expedida pela “Banco 1...”, da qual consta que a referida entidade bancária, em cumprimento das instruções da Secção de Processo Executivo de ... e no âmbito do processo ..............578, havia procedido à penhora da conta bancária do Reclamante, domiciliada na referida entidade bancária (facto não controvertido; cf. ponto 12 e 13 da petição inicial);
K) No dia 5 de dezembro de 2023, o Reclamante apresentou um requerimento junto da Entidade Reclamada, no qual invocou a nulidade, por falta de citação, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ..............578 e apensos (cf. fls. 113 a 133 da referência 004972164 do SITAF);
L) No dia 29 de dezembro de 2023, após análise e informação do técnico do IGFSS, a Coordenadora da Secção de Processo Executivo de ... do IGFSS, I.P., emitiu despacho, do qual consta, entre o mais, o seguinte: “Não reconheço a nulidade por falta da citação em reversão do requerente «AA»” (cf. fls. 137 a 145 da referência 004972164 do SITAF);
M) No dia 29 de dezembro de 2023, a Entidade Reclamada emitiu ofício, endereçado aos mandatários do Reclamante, recebido no dia 18 de janeiro de 2024, destinado a levar ao conhecimento deste o indeferimento da invocada nulidade e respetivos meios de reação (cf. fls. 153 e 154 e 159 da referência 004972164 do SITAF);
N) No dia 29 de janeiro de 2024, a Reclamante apresentou a petição
inicial constante dos autos junto da Entidade Reclamada (cf. referência 004972151 e informação a fls. 1 a 5 da referência 004972167 do SITAF).

Factos não provados
1. O ofício de citação (Reversão) no âmbito do processo de execução fiscal ..............578 e apensos não chegou ao conhecimento do Reclamante, nem lhe foi entregue por «BB» (cf. fls. 129 a 132 da referência 004972158 do SITAF e depoimentos de «CC», «BB» e «DD»).
Compulsados os autos e analisada a prova que dos mesmos consta não existem quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.
Motivação
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão, com base na análise crítica e conjugada dos meios de prova indicados em cada facto julgado provado, designadamente dos documentos juntos aos autos, de cujo teor se extraem os factos provados, e, bem assim, na parte dos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, se encontram corroborados pelos documentos identificados em cada um dos factos.
O Tribunal considerou ainda o depoimento de «CC» (irmão do reclamante, ex-sócio e gerente da Devedora Originária), bem como os depoimentos das testemunhas «BB» (mãe do Reclamante que recebeu o ofício de citação no dia 22 de janeiro de 2007) e «DD» (irmão do Reclamante, ex-sócio e gerente da Devedora Originária).
Dos depoimentos supra foi possível extrair que a Devedora Originária foi constituída pelo Reclamante e pelos seus dois irmãos, ficando os três como sócios e gerentes da mesma, em partes iguais. O Reclamante e o seu irmão «CC» exerciam funções de motoristas de pesados, pelo que passavam a maioria do tempo fora da empresa, confiando a gerência da mesma ao seu irmão «DD» que estava mais presente na empresa.
Mais se apurou que, à data da citação, o Reclamante exercia funções de motorista de pesados e passava longos períodos fora de casa, razão pela qual confiava no seu irmão «DD» a receção e processamento de toda a correspondência que lhe era enviada (com especial destaque para a correspondência remetida pela Administração Tributária e da Segurança Social).
A testemunha «CC» reconheceu que se alheou do tratamento da correspondência que lhe era dirigida, apesar de ter perfeito conhecimento e noção que lhe eram enviadas (e recebidas na sua residência) várias cartas (que eram, automaticamente, reencaminhadas para o seu irmão «DD»).
Por seu turno, a testemunha «BB», demonstrou ter um conhecimento vago e pouco circunstanciado dos factos relevantes na presente ação, mas, ainda assim e pese embora a relação familiar direta com o Reclamante, o seu depoimento mereceu a credibilidade do tribunal. No que concerne à factualidade em causa, a testemunha referiu que recebeu cartas dirigidas ao Reclamante, aos seus irmãos e também à Devedora Originária. Mais confirmou que o Reclamante era motorista de pesados, razão pela qual passava longos períodos fora de casa. Por força desta circunstância, revelou que o seu filho «DD» lhe pediu para receber todo o correio remetido aos seus dois irmãos (entre eles, o ora reclamante) e à Devedora Originária, devendo, de seguida, tal correspondência ser-lhe reencaminhada para que ele pudesse encetar as diligências necessárias e que considerava oportunas para o efeito. Nesta conformidade, a testemunha, em momento algum, negou o recebimento da correspondência dirigida ao Reclamante (maxime, da “Citação-Reversão”) emitida pela Entidade Reclamada ao Reclamante e recebida em 22 de janeiro de 2007, na morada deste, e no qual se pode confirmar que foi, efetivamente, «BB» quem recebeu e assinou, no dia 22 de janeiro de 2007, o aviso de receção que acompanhava a citação dirigida ao seu filho, ora Reclamante.
Neste contexto, o depoimento da testemunha permitiu ao Tribunal formar a convicção de que a citação do Reclamante, como revertido no âmbito dos processos de execução fiscal n.º ..............578 e apensos, foi corretamente emitida e dirigida para a residência deste e foi nesta recebida pela sua mãe, «BB», não tendo ocorrido qualquer extravio, anomalia ou situação que impedisse que tal citação chegasse à esfera de cognoscibilidade do Reclamante.
Por fim, a testemunha «DD» veio, em súmula, veio confirmar tudo aquilo que foi acima referido. Em concreto, reconheceu a existência da dívida em referência nos autos e os respetivos processos de execução fiscal e também reconheceu que, face à constante ausência dos seus irmãos, por força do exercício de funções de motoristas de pesados, era o próprio «DD» quem tratava dos assuntos da Devedora Originária (contactos com bancos, clientes, advogados, Administração Tributária, Segurança Social, etc.). Neste sentido, reconheceu que solicitou a «BB» que lhe entregasse toda a correspondência dirigida aos seus dois irmãos, para que estes não fossem incomodados com assuntos que o próprio podia tratar, na ausência deles. Em síntese, reconheceu que a sua intenção foi sempre a de não perturbar os seus irmãos e de tentar resolver as questões da empresa que lhes eram dirigidas, mas, no final, não conseguiu resolver todos os problemas e as dívidas (como é evidência disso, a presente reclamação), o que implicou prejuízo pessoal, na sua esfera, e um corte relações com os seus dois irmãos.
Relativamente à matéria de facto não provada, tendo em conta os elementos constantes dos autos e, bem assim, os depoimentos das testemunhas, não se logrou demonstrar que, por motivo não imputável ao Reclamante, o ofício de “Citação (Reversão)” no âmbito do processo de execução fiscal nunca chegou ao conhecimento deste. Note-se que não foi produzida qualquer prova documental que permitisse concluir no sentido de que o ofício de citação recebido pela mãe do Reclamante não chegou ao conhecimento deste (ponto 1 da matéria de facto não provada), relegando-se a apreciação das respetivas conclusões jurídicas e, bem assim, da existência de falta de citação para a fundamentação de direito.
A restante matéria de facto alegada não foi julgada provada ou não provada, por constituir alegação de factos conclusivos, matéria de direito ou por se revelar inútil ou irrelevante para a decisão.”

Por se afigurar pertinente para o julgamento da causa e por tal elemento documental ter sido carreado para os autos em anexo à informação prestada pelo órgão de execução fiscal, no âmbito do artigo 208.º do CPPT, adita-se ao elenco dos factos provados da decisão da matéria de facto a seguinte factualidade, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT):
O) Por sentença prolatada pelo Tribunal Judicial da Comarca de ..., em 17/05/2006, foi o Recorrente/reclamante condenado, em co-autoria material, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, tendo sido punido com pena de sete meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 5 anos, sob condição de pagamento ao Estado no prazo de 5 anos, a contar do trânsito em julgado dessa decisão, da quantia de €12.312,27 e legais acréscimos até integral pagamento referente a tributos em dívida, por ter deduzido, na qualidade de gerente da sociedade devedora originária, das remunerações pagas a trabalhadores e gerentes quantias correspondentes a contribuições e cotizações que não chegou a entregar à Segurança Social, dando-lhes um destino diferente do devido, designadamente, com relação aos períodos de Agosto de 2003 a Junho de 2004 – cfr. cópia da sentença ínsita nos autos a fls. 1392 das páginas 9 a 32 do SITAF, cujo teor integral, para melhor compreensão, aqui se tem por reproduzido.

2. O Direito

O Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, que julgou improcedente a reclamação por si intentada, mantendo o acto reclamado no sentido de não ocorrer falta de citação, na qualidade de responsável subsidiário, no âmbito de execução n.º ..............578 e apensos, instaurada contra a devedora originária, “[SCom01...], Lda.”, por dívidas de contribuições e cotizações à Segurança Social, dos períodos de 2002 a 2005. Insurge-se, unicamente, contra a apreciação da invocada falta de citação para a reversão, alegando verificar-se erro de julgamento, quer na fixação da matéria de facto, quer na aplicação do direito.
De acordo com o disposto no artigo 190.º, n.º 6 do CPPT, e em sintonia com o referido no artigo 188.º, n.º 1, alínea e) do CPC, para que ocorra falta de citação é necessário que o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável.
Ora, foi isso precisamente que o reclamante alegou na petição inicial (além do mais, cfr. artigos 41.º a 59.º), invocando que não teve conhecimento da citação recebida pela pessoa que assinou o aviso de recepção, por motivo que não lhe é imputável e arrolando várias testemunhas, incluindo a pessoa que assinou o respectivo aviso de recepção da citação.
O tribunal recorrido realizou um ajustado enquadramento jurídico, permitindo a produção da prova oferecida na petição inicial, ainda que com aproveitamento da efectuada em outro processo (200/24.8BEVIS), tendo em vista a eventual ilisão da presunção legal de que o Recorrente teve conhecimento da citação, cabendo, portanto, a este interessado demonstrar que o invocado desconhecimento da citação ocorreu por facto que não lhe é imputável [artigos 225.º, n.º 4 e 230.º, n.º 1 do CPC].
O tribunal “a quo” considerou não ter resultado demonstrado que o reclamante não tivesse chegado a ter conhecimento da citação, por motivo que não lhe seja imputável (cfr. alíneas H) e I) da matéria de facto provada e ponto 1 da matéria de facto não provada). Motivou a sua conclusão afirmando ter sido emitido ofício de citação, endereçado para a morada do reclamante, tendo o mesmo sido recebido, por terceiro, na morada deste, não tendo sido produzida qualquer prova que permitisse ilidir a presunção legal de que a citação foi oportunamente entregue ao destinatário.
Nesta matéria, o tribunal de primeiro conhecimento ponderou que, da prova testemunhal, apenas resultou que o próprio reclamante (bem como o seu irmão «CC») se alheou da recepção dos ofícios em causa, tendo perfeito conhecimento e consciência que lhe eram enviadas e recebidas na sua residência várias cartas/ofícios que eram subsequentemente reencaminhadas para o seu irmão «DD». Pelo que não ocorreu qualquer motivo para o desconhecimento da citação não imputável ao reclamante, aqui Recorrente.
Portanto, a decisão ora recorrida foi proferida após a produção dessa prova oferecida, não se conformando, desde logo, o Recorrente com a respectiva decisão da matéria de facto.
Para tanto, indica o ponto do probatório que considera incorrectamente julgado, sustentando que não deveria o tribunal recorrido ter considerado não provada a matéria vertida no ponto 1 da decisão da matéria de facto, devendo, antes, integrar os factos provados – “O ofício de citação (Reversão) no âmbito do processo de execução fiscal ..............578 e apensos não chegou ao conhecimento do Reclamante, nem lhe foi entregue por «BB» (cf. fls. 129 a 132 da referência 004972158 do SITAF e depoimentos de «CC», «BB» e «DD»).”
No entanto, para além da factualidade que o Tribunal expressamente identificou como provada, sustenta o Recorrente que deveria, igualmente, o Tribunal a quo, em face da prova produzida nos autos, ter dado como provada, a seguinte matéria, que deverá ser aditada ao probatório:
- A mãe do reclamante tinha instruções expressas de «DD», único gerente de facto da sociedade [SCom01...], Lda., para lhe entregar toda e qualquer correspondência relacionada com a Segurança Social;
- «DD» foi quem, desde sempre e de forma exclusiva, geriu todo o processo junto da Segurança Social;
- Agindo em conformidade com as instruções recebidas daquele «DD», a mãe do reclamante entregou a carta com a citação do reclamante ao referido «DD» e não ao seu destinatário (o reclamante);
- O reclamante apenas teve conhecimento do processo executivo n.º ..............578 e apensos no final de setembro de 2023, quando recebeu uma carta da entidade bancária onde tinha domiciliada a sua conta bancária, pela qual lhe foi dado conhecimento por esta entidade de que havia procedido à penhora dessa conta bancária em cumprimento das instruções da Secção de Processo Executivo de ...;
- A Secção de Processo Executivo de ..., no que tange à citação do ora reclamante para os termos do processo executivo n.º ..............578 e apensos, nunca remeteu àquele a advertência a que alude o artigo 233º do CPC.
Para defender que se impunha decisão diversa, o Recorrente fez apelo à prova documental constante dos autos e transcreveu várias passagens da gravação da diligência de inquirição de testemunhas realizada no processo n.º 200/24.8BEVIS (cuja prova foi aproveitada nos presentes autos, como referimos).
Apreciemos.
Importa, então, analisar a prova produzida nestes autos e a motivação constante da decisão da matéria de facto para considerar não provado que o ofício de citação (Reversão) dirigido ao ora Recorrente não chegou ao seu conhecimento, nem lhe foi entregue por «BB».
Além de toda a prova documental ínsita nos autos, o tribunal recorrido considerou ainda o depoimento de «CC» (irmão do reclamante, ex-sócio e gerente da Devedora Originária), bem como os depoimentos das testemunhas «BB» (mãe do Reclamante que recebeu o ofício de citação no dia 22 de Janeiro de 2007) e «DD» (irmão do Reclamante, ex-sócio e gerente da Devedora Originária).
Na motivação da decisão da matéria de facto, o tribunal “a quo” demonstra ter acolhido os depoimentos prestados, dado ter realizado uma súmula dos mesmos, apenas tendo considerado o conhecimento dos factos pela mãe do Recorrente pouco circunstanciado e vago, como segue:
Dos depoimentos supra foi possível extrair que a Devedora Originária foi constituída pelo Reclamante e pelos seus dois irmãos, ficando os três como sócios e gerentes da mesma, em partes iguais. O Reclamante e o seu irmão «CC» exerciam funções de motoristas de pesados, pelo que passavam a maioria do tempo fora da empresa, confiando a gerência da mesma ao seu irmão «DD» que estava mais presente na empresa.
Mais se apurou que, à data da citação, o Reclamante exercia funções de motorista de pesados e passava longos períodos fora de casa, razão pela qual confiava no seu irmão «DD» a receção e processamento de toda a correspondência que lhe era enviada (com especial destaque para a correspondência remetida pela Administração Tributária e da Segurança Social).
A testemunha «CC» reconheceu que se alheou do tratamento da correspondência que lhe era dirigida, apesar de ter perfeito conhecimento e noção que lhe eram enviadas (e recebidas na sua residência) várias cartas (que eram, automaticamente, reencaminhadas para o seu irmão «DD»).
Por seu turno, a testemunha «BB», demonstrou ter um conhecimento vago e pouco circunstanciado dos factos relevantes na presente ação, mas, ainda assim e pese embora a relação familiar direta com o Reclamante, o seu depoimento mereceu a credibilidade do tribunal. No que concerne à factualidade em causa, a testemunha referiu que recebeu cartas dirigidas ao Reclamante, aos seus irmãos e também à Devedora Originária. Mais confirmou que o Reclamante era motorista de pesados, razão pela qual passava longos períodos fora de casa. Por força desta circunstância, revelou que o seu filho «DD» lhe pediu para receber todo o correio remetido aos seus dois irmãos (entre eles, o ora reclamante) e à Devedora Originária, devendo, de seguida, tal correspondência ser-lhe reencaminhada para que ele pudesse encetar as diligências necessárias e que considerava oportunas para o efeito. Nesta conformidade, a testemunha, em momento algum, negou o recebimento da correspondência dirigida ao Reclamante (maxime, da “Citação-Reversão”) emitida pela Entidade Reclamada ao Reclamante e recebida em 22 de janeiro de 2007, na morada deste, e no qual se pode confirmar que foi, efetivamente, «BB» quem recebeu e assinou, no dia 22 de janeiro de 2007, o aviso de receção que acompanhava a citação dirigida ao seu filho, ora Reclamante.
Neste contexto, o depoimento da testemunha permitiu ao Tribunal formar a convicção de que a citação do Reclamante, como revertido no âmbito dos processos de execução fiscal n.º ..............578 e apensos, foi corretamente emitida e dirigida para a residência deste e foi nesta recebida pela sua mãe, «BB», não tendo ocorrido qualquer extravio, anomalia ou situação que impedisse que tal citação chegasse à esfera de cognoscibilidade do Reclamante.
Por fim, a testemunha «DD» veio, em súmula, confirmar tudo aquilo que foi acima referido. Em concreto, reconheceu a existência da dívida em referência nos autos e os respetivos processos de execução fiscal e também reconheceu que, face à constante ausência dos seus irmãos, por força do exercício de funções de motoristas de pesados, era o próprio «DD» quem tratava dos assuntos da Devedora Originária (contactos com bancos, clientes, advogados, Administração Tributária, Segurança Social, etc.). Neste sentido, reconheceu que solicitou a «BB» que lhe entregasse toda a correspondência dirigida aos seus dois irmãos, para que estes não fossem incomodados com assuntos que o próprio podia tratar, na ausência deles. Em síntese, reconheceu que a sua intenção foi sempre a de não perturbar os seus irmãos e de tentar resolver as questões da empresa que lhes eram dirigidas, mas, no final, não conseguiu resolver todos os problemas e as dívidas (como é evidência disso, a presente reclamação), o que implicou prejuízo pessoal, na sua esfera, e um corte relações com os seus dois irmãos.
A convicção do julgador quanto à factualidade não provada formou-se, conforme consta da decisão da matéria de facto, pela ausência de prova e, nomeadamente, na prova testemunhal, que está sujeita à livre apreciação do tribunal, na medida em que considerou que o Recorrente se alheou, tal como o irmão «CC», do tratamento da correspondência que lhe era dirigida, apesar de ter perfeito conhecimento e noção que lhe eram enviadas (e recebidas na sua residência) várias cartas (que eram, automaticamente, reencaminhadas para o seu irmão «DD»). Logo, tem implícito o indício de que o eventual desconhecimento da citação será imputável ao destinatário da mesma, que terá sido negligente, ao afastar-se, no tratamento dessa correspondência que lhe era dirigida. Essa apreciação baseia-se na prudente convicção do tribunal sobre a prova produzida, quer dizer, em regras de ciência e de raciocínio e em máximas de experiência (artigo 607.º, n.º 5 do CPC).
O controlo do Tribunal Central Administrativo sobre a matéria de facto incide, por isso, sobre um julgamento realizado na instância realizada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, isto é, baseada numa audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa percepção própria do material que lhe serve de base.
A imediação torna possível, na apreciação da prova, a formação de um juízo insubstituível sobre a credibilidade da prova, mediante o exame directo dessa mesma prova, para acreditar ou não nela. A imediação é assim o modo através do qual o tribunal realiza um acto de escolha racional de determinados meios de prova, por os estimar mais credíveis que outros. Porém – sob pena de se cair em excessos – para apreciar a verosimilhança de uma narrativa ou a relevância persuasiva da prova indirecta ou indiciária, não se reclama ou se requer imediação. A plausibilidade ou a verosimilhança é um problema que se apresenta depois do problema da credibilidade, pelo que, sempre que o juiz opta por um certo meio de prova, do qual extrai uma determinada versão dos factos, do que verdadeiramente se trata é de controlar a plausibilidade dessa versão, de aferir se a versão que emana da livre selecção do material probatório é ou não plausível.
Portanto, pode dizer-se sem erro que, em face dos dados que a lei disponibiliza ao interprete e ao aplicador, não há outra resposta exacta que não entender que a Relação não deve limitar-se a corrigir erros manifestos ou grosseiros da instância a quo, e que, na busca de uma solução mais acertada e justa para o objecto da causa, deve valorar de novo a prova, sem estar vinculada às razões e às valorações do juiz da 1ª instância – embora, no caso de divergência deva cumprir, com particular escrúpulo, o dever de motivação a que está adstrita, através da indicação das razões que justificam a discordância.
Se a Relação tem o dever de proceder ao exame crítico das provas - novas ou renovadas – que sejam produzidas perante ela e de formar, relativamente às provas submetidas à sua livre apreciação, uma convicção prudente sobre essas provas – não há razão bastante para que não proceda àquele exame e à formulação desta convicção no caso de reapreciação das provas já examinadas pela 1ª instância (artº 607 nº 5 e 663 nº 2 do CPC) – cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 237 e João Paulo Remédio Marques, A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 638.
O controlo da correcção da decisão da matéria de facto da 1ª instância exige que o Tribunal Central Administrativo construa não só a sua própria convicção sobre as provas produzidas, mas igualmente que a fundamente.
Se a convicção do decisor da 1ª instância e da Relação forem divergentes, a Relação deve fazer prevalecer a sua convicção sobre o convencimento do juiz da 1ª instância e, correspondentemente, revogar a decisão deste último e logo a substituir por outra conforme aquela mesma convicção – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia” – Acórdão do STJ de 24/09/2013, Proc. n.º 1965/04, in Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/Dezembro 2013, págs. 33 e ss.
In casu, deparamo-nos com algumas dificuldades no controlo da correcção do julgamento, quanto à apreciação da força persuasiva do depoimento das testemunhas inquiridas, dado tratar-se de irmãos, da mãe e da tentativa de protecção de dois dos filhos, o aqui Recorrente e o reclamante no processo n.º 200/24.8BEVIS.
No caso em apreço, é natural que uma das testemunhas fosse a mãe do Recorrente, na medida em que se trata do “terceiro” que assinou o aviso de recepção da carta/citação; todavia, sem qualquer pré-juízo, poderá levar ao natural apoio da tese do filho. Mesmo que assim não seja, é patente a cultura de que a testemunha cumpre o seu dever cívico de colaborar com a justiça prestando um depoimento favorável à parte que a ofereceu. Cultura que se explica – ou também se explica – pela quase absoluta impunidade da falsidade do depoimento, encorajada pela muito remota possibilidade de, apesar do seu registo, o depoente vir a ser efectivamente confrontado com o teor das suas declarações e por elas responsabilizado.
Na situação em análise, é ostensiva a pretensão de transmitir a ideia de que a carta contendo a citação do Recorrente não terá sido entregue ao mesmo, havendo respostas firmes e categóricas nesse sentido. Porém, o circunstancialismo para tal não acontecer, ou seja, a tese de fazer crer que tudo visava manter os dois irmãos na ignorância em relação às dívidas à Segurança Social e aos respectivos processos de execução fiscal (que eram motoristas e que, por isso, estavam frequentemente fora de casa), para não os preocupar, apresenta fragilidades.
De facto, reexaminámos os depoimentos prestados, principalmente as passagens gravadas indicadas pelo Recorrente, ressaltando da inquirição da testemunha «DD» (irmão), além do mais, o seguinte: “(…) Meus irmãos, quer dizer, as cartas deles acabei por ficar eu sempre com elas, porque eu fiz um compromisso com eles que eu ia tentar resolver. Como fiz muitas vezes, consegui resolver umas coisas e outras não. Portanto, não consegui resolver tudo. (…)”
Nesta sequência, o ilustre mandatário questionou se quando efectuou esse compromisso já sabia que tinha dívidas à Segurança Social, ou seja, se os seus irmãos sabiam que havia dívidas à Segurança Social, ao que a testemunha respondeu que “não”. Perguntou se os irmãos sabiam que havia processos a correr, tendo a mesma testemunha respondido: “Não. Não. Eles não sabiam de processos nenhuns que andavam a correr, porque eu tentava (…) como eu disse e eu tenho ali até as dívidas do banco, as dívidas, os e-mails dos advogados com que trabalhámos. Tudo o que vinha, vinha para mim. Eu tentei sempre esconder os processos que estavam a acontecer, para eles não (…)”.
Esta ideia de ocultação, de ignorância, de que o Recorrente desconhecia as dívidas à Segurança Social, mostra-se totalmente incompatível com a sua condenação a pena de prisão, ainda que suspensa por cinco anos, pela prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por ter deduzido, na qualidade de gerente da sociedade devedora originária, das remunerações pagas a trabalhadores e gerentes quantias correspondentes a contribuições e cotizações que não chegou a entregar à Segurança Social, dando-lhes um destino diferente do devido, designadamente, com relação aos períodos de Agosto de 2003 a Junho de 2004. Note-se que tal sentença, a que se alude no probatório, no ponto O) por nós aditado, foi prolatada em 17/05/2006, tendo o Recorrente contestado a acusação; portanto, em data anterior ao envio da carta/citação em 18/01/2007, recepcionada pela mãe do Recorrente em 22/01/2007.
Desta forma, detectamos estas incongruências entre os depoimentos e a prova documental reveladora do total conhecimento, pelos três irmãos condenados, da existência das dívidas à Segurança Social, pelo menos dos períodos de Dezembro de 2002 a Julho de 2003, pagas em 16/05/2005, e dos períodos em dívida de Agosto de 2003 a Junho de 2004, não se considerando plausível que o alheamento transmitido não fosse deliberado e consciente por parte do aqui Recorrente.
Efectivamente, é estranha a alegação de que o irmão «DD» ocultou a citação do Recorrente, dado que aquele pretendia ocultar-lhe a real situação económica e financeira da devedora originária, e que este somente teve conhecimento, recentemente, dos processos de execução fiscal e das respectivas dívidas à Segurança Social com a penhora dos saldos bancários, quando, em 17/05/2006, foi condenado por crime de abuso de confiança relacionado, precisamente, com dívidas à Segurança Social, onde foi “colocada a nu” a situação deficitária em que se encontrava a sociedade.
Por outro lado, que sentido fará, celebrar um compromisso com o irmão «DD», para ele tudo resolver, se desconhecesse a existência dos processos e das dívidas? É evidente que o Recorrente não se mantinha na ignorância, caso contrário não firmaria qualquer acordo ou compromisso para que fosse o irmão a tratar destes assuntos. É notória a discrepância, indiciando que o Recorrente se alheou deliberadamente destas questões das dívidas à Segurança Social, relegando para o irmão a responsabilidade na solução dos problemas.
Assim, afigura-se a este tribunal superior que a narrativa externada pelas testemunhas não é totalmente verosímil. Com efeito, até poderá ser credível que, a ser o irmão «DD» o gerente de facto da sociedade, quisesse ser ele a resolver as questões relativas às dívidas exequendas, sem provocar alvoroço ou preocupação aos irmãos que exerciam as funções de motorista na empresa. Mas, pelas razões que deixámos expostas, não é plausível que, durante quase vinte anos, nunca a família tenha falado sobre o assunto com o Recorrente ou lhe tenha dado a conhecer o teor da citação que lhe era dirigida relativa aos presentes autos, mantendo-o na ignorância. Principalmente, atenta a circunstância prévia da condenação dos três irmãos pelo crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.
Pelo exposto, a matéria de facto vertida no ponto 1 dos factos não provados não poderá integrar-se no elenco dos factos provados, devendo manter-se a decisão proferida pela primeira instância.
Pelos mesmos motivos, não é plausível que o reclamante apenas tivesse tido conhecimento do processo executivo n.º ..............578 e apensos no final de setembro de 2023, quando recebeu uma carta da entidade bancária onde tinha domiciliada a sua conta bancária, pela qual lhe foi dado conhecimento por esta entidade de que havia procedido à penhora dessa conta bancária em cumprimento das instruções da Secção de Processo Executivo de ...; pelo que se indefere o aditamento de tal matéria à decisão da matéria de facto.
De igual forma, desconsideramos a matéria referente à citação do Recorrente no âmbito do processo n.º ...78 e apensos, no que tange à omissão da advertência a que alude o artigo 233.º do CPC, dado que se trata de matéria de direito que, como o próprio Recorrente reconhece, não contende com a falta de citação – cfr. Acórdão do T.C.A. Sul, de 16/09/2019, proferido no âmbito do processo n.º 242/19.5BELRA. O envio de (segunda) carta registada - no prazo de dois dias úteis, após se mostrar que a citação terá sido efetuada em pessoa diversa do citando - constitui uma formalidade complementar que visa reforçar os mecanismos de conhecimento da pendência da execução fiscal, não constituindo condição da citação; pelo que o seu incumprimento não gera falta de citação.
Em coerência e no âmbito da alegação do Recorrente, não vislumbramos qualquer valia do aditamento desta matéria ao probatório, dado que se tivesse tido lugar a advertência da citação “em terceira pessoa”, seguindo a tese do Recorrente, também esta carta teria sido entregue pela mãe do Recorrente ao irmão «DD», conforme compromisso firmado e instruções dadas por este à mãe, não chegando, também, ao conhecimento do Recorrente.
A restante matéria, cujo aditamento ao probatório o Recorrente solicita, é totalmente irrelevante, porque somente permite retirar a ilação de que a carta/citação não terá chegado ao conhecimento do Recorrente, mas continua a ressaltar a imputabilidade de tal desconhecimento ao aqui Recorrente.
Na verdade, dando de barato que o irmão do Recorrente deu instruções à mãe para efeitos de tratamento da correspondência, que foi correctamente endereçada ao Recorrente e recebida no seu domicílio e que a mãe entregou, de facto, o ofício de citação ao irmão «DD», que terá sido quem, desde sempre e de forma exclusiva, geriu todo o processo junto da Segurança Social, ainda assim, é ostensivo que o Recorrente estava a par da existência das dívidas exequendas (tinha anteriormente sido condenado em sede criminal, como vimos), estando ciente de que lhe seriam enviadas “cartas” nesse contexto, mas não terá sido minimamente diligente no tratamento a conferir à correspondência que para si foi remetida, ao confiar e remeter para o seu irmão «DD» essa tarefa, alheando-se, conscientemente, dos assuntos relativos aos processos de execução fiscal em causa.
Logo, mesmo considerando a seguinte matéria, jamais a reclamação seria levada a bom porto:
- A mãe do reclamante tinha instruções expressas de «DD», único gerente de facto da sociedade [SCom01...], Lda., para lhe entregar toda e qualquer correspondência relacionada com a Segurança Social;
- «DD» foi quem, desde sempre e de forma exclusiva, geriu todo o processo junto da Segurança Social;
- Agindo em conformidade com as instruções recebidas daquele «DD», a mãe do reclamante entregou a carta com a citação do reclamante ao referido «DD» e não ao seu destinatário (o reclamante);
Pelo que é despiciendo integrá-la na decisão da matéria de facto. Como decidiu, aliás, o tribunal de primeiro conhecimento, tal matéria é inútil ou irrelevante para a decisão da causa.
Não acolhendo as alterações solicitadas pelo Recorrente, mostrando-se estabilizada a decisão da matéria de facto, necessariamente o julgamento de direito realizado pelo tribunal recorrido será de manter.
Efectivamente, a presunção legal de que o Recorrente teve conhecimento da citação não foi ilidida [artigos 225.º, n.º 4 e 230.º, n.º 1 do CPC], devendo considerar-se que foi citado no dia em que o ofício referido no ponto I) foi recebido por «BB», mãe do Recorrente, ou seja, no dia 22/01/2007 – cfr. o disposto no artigo 230.º do CPC.
Em suma, o Recorrente não logrou fazer a prova dos factos que lhe competia para afastar a presunção legal da citação e do oportuno conhecimento dela, sendo que a ausência de demonstração a tal respeito contra si foi valorada, que era a parte onerada com a prova.
À luz das regras de experiência comum, não se compreende o total alheamento do Recorrente quanto à correspondência que lhe foi remetida, bem sabendo o seu teor, remetendo toda a responsabilidade para o tratamento destes assuntos para o seu irmão «DD», sem cuidar de dar qualquer indicação às pessoas que habitavam na sua casa para que lhe fosse dado conhecimento sempre e logo que fosse recebida qualquer carta a si dirigida, perante situações de sua ausência.
Relembramos que, de acordo com o disposto no artigo 190.º, n.º 6 do CPPT, e em sintonia com o referido no artigo 188.º, n.º 1, alínea e) do CPC, para que ocorra falta de citação é necessário que o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável. A falta de diligência e alheamento revelados pelo Recorrente demonstram que o desconhecimento da citação, a ter ocorrido, se deveu a causas que lhe são imputáveis.
Nesta conformidade, urge negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Conclusões/Sumário

I. O Tribunal Central Administrativo não deve limitar-se a corrigir erros manifestos ou grosseiros da instância a quo no que tange à decisão da matéria de facto. Na busca de uma solução mais acertada e justa para o objecto da causa, deve valorar de novo a prova, sem estar vinculado às razões e às valorações do juiz da 1ª instância, embora, no caso de divergência, deva cumprir, com particular escrúpulo, o dever de motivação a que está adstrito, através da indicação das razões que justificam a discordância.
II. De acordo com o disposto no artigo 190.º, n.º 6 do CPPT, e em sintonia com o referido no artigo 188.º, n.º 1, alínea e) do CPC, para que ocorra falta de citação é necessário que o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 03 de Outubro de 2024

Ana Patrocínio
Maria do Rosário Pais
Vítor Salazar Unas