Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00834/22.5BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/05/2024
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL; MARCHA PROCESSUAL;
OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
IRRELEVÂNCIA PROCESSUAL;
Sumário:
I. Em face da previsão da figura processual da réplica no atual CPTA, não se torna necessário aguardar pela prolação de um despacho do Juiz para exercer o contraditório quanto à eventual matéria excetiva deduzida pelo Réu.

II. Verdadeiramente, para que a audição do Autor seja assegurada, o que importa é que este seja notificado da contestação e da junção do P.A.

III. Neste diapasão, e apresentando-se distintivo que a Autora foi notificada da contestação e da junção do P.A, é de manifesta evidência que a prolação de decisão judicial quanto à matéria excetiva sem a emanação de qualquer determinação para o exercício do contraditório não faz incorrer o Tribunal a quo em qualquer nulidade processual.

IV. Não se divisando razões de ordem substantiva ou adjetiva que permitam alcandorar o entendimento perfilhado no requerimento que faz fls. 835 dos autos no que tange à almejada configuração do “pedido alternativo” formulado no libelo inicial como sendo antes um “pedido subsidiário”, deve entender-se que sempre seria de não acolher tal pretensão.

V. Nestes termos, a eventual omissão de pronúncia sobre tal requerimento, por não ser suscetível de influir no exame e na decisão da causa, isto é, nos contornos factuais e jurídicos em que assentou o despacho saneador no segmento decisório visado nos autos -, face ao disposto no art. 195º n.º 1, do CPC de 2013, não importaria qualquer nulidade processual.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:

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I – RELATÓRIO

1. A sociedade comercial [SCom01...], LDA., Autora nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA [cfr. fls. 223 e seguintes] em que é Réu o Município ..., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador promanado nos autos, na parte em que julgou procedente a excepção de “inadmissibilidade do pedido alternativo” e, em consequência, absolveu “(…) R. da instância quanto ao pedido de condenação do R. ao pagamento da quantia de 49.040 € acrescida do que vier a ser liquidado em execução de sentença (…)”.

2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

A - O Réu Município deduziu na contestação uma excepção dilatória porquanto alegou que a Autora deduziu factos que correspondiam a um pedido subsidiário e que lhe chamou pedido alternativo

B - A Autora nunca foi notificada para se pronunciar sobre a matéria da referida excepção

C - Não obstante, a ausência de decisão para o exercício ao contraditório, através de requerimento apresentado no dia 28/03/2023, de fls. , a Autora requereu o suprimento e correção da falta, o que se ficou a dever a lapso, devendo o pedido apresentado, além do pedido inicial, ser considerado pedido subsidiário, o que aliás, corresponde ao alegado na petição inicial

D - O Réu não deduziu qualquer oposição

E - Como se tal requerimento não constasse dos autos, no despacho saneador, de 29/06/2023, de fls. , o Réu foi absolvido da instância de um pedido alternativo formulado na petição inicial

F - Configurando, além do mais, omissão de pronuncia, o que inquina a decisão

G - Mesmo que a Autora não tivesse respondido à excepção dilatória deduzida, pelo Réu, no último articulado, como fez, poderia sempre fazê-lo até ao início da audiência final, pelo que, estando ainda em tempo para se pronunciar, não poderia ser proferida decisão sobre tal excepção antes de decorrido tal prazo

H - A decisão ora em crise - absolvição da instância do Réu Município, no despacho saneador, do pedido denominado inicialmente como alternativo - viola o disposto nos art°s. 87°, n°s 1; al. a), 2 e 7 do CPTA e art°s 3°, n°s 3 e 4; 6°, n° 2 e 590°, n° 2; al. a) do CPC ex vi do art° 1 do CPTA, devendo ser substituída por outra que tendo em consideração o requerido em 28/03/2023, de fls.... pela Autora, OU CASO V. EXCIAS. ASSIM NÃO ENTENDAM, deverá a Autora ser notificada para se pronunciar sobre a excepção deduzida pelo Réu, e só posteriormente, ser proferido despacho saneador (…)”.


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3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido apresentou resposta ao recurso, defendendo a improcedência do mesmo.

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4. Por decisão deste Tribunal Superior, editada em 05.12.2023, foi admitido o recurso de apelação autónoma interposto do despacho saneador promanado nos autos.

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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se o despacho saneador recorrido, na parte em que julgou procedente a excepção de “inadmissibilidade do pedido alternativo”, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação dos “(…) art°s. 87°, n°s 1; al. a), 2 e 7 do CPTA e art°s 3°, n°s 3 e 4; 6°, n° 2 e 590°, n° 2; al. a) do CPC ex vi do art° 1 do CPTA (…)”.

9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.1 – DE FACTO

10. O Tribunal a quo não fixou factos, em face do que aqui se impõe estabelecer a matéria de facto, rectius, ocorrências processuais, mais relevante à decisão a proferir:

A. Em 18.12.2022, a sociedade comercial [SCom01...], Lda., intentou a presente ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro [cfr. fls. 5 e seguintes dos autos -suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

B. Nela demandou o Município ... [idem].

C. E formulou o seguinte petitório: “(…) NESTES TERMOS e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, consequentemente:

- ser declarada ilegal a identificada check list, assim como o relatório do IPN

- ser anulado o acto de resolução sancionatória do contrato e accionamento da caução prestada, pelo vício de violação de lei de que padece conforme alegado.

Em alternativa, e caso V. Excia. assim não entenda, ser o Réu Município condenado no pagamento da quantia de 49.040€ (quarenta e nove mil e quarenta Euros) nos termos supra discriminados, e ainda no valor a liquidar em execução de sentença conforme alegado (…)” [idem].

D. Após remessa ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por ser o territorialmente competente, veio o Réu contestar pela forma inserta a fls. 243 e seguintes dos autos [suporte digital], tendo, de entre outros fundamentos, excecionado a “ilegal a formulação de pedidos alternativos”.

E. A Autora foi notificada da contestação e da junção do P.A. aos autos [cfr. fls. 824 e seguintes dos autos -suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

F. Em 28.03.2023, a Autora atravessou requerimento nos autos, do seguinte teor: “(…)

[SCom01...], LDA., Autora, melhor identificada no processo à margem identificada, vem esclarecer e requerer a V. Excia. o seguinte:

1 – A Autora formulou um pedido de condenação ao tribunal concluindo ou especificando os termos do mesmo no artº 89º da p.i.

2 – O que corresponde ao primeiro pedido formulado, no final

3 – No artº 90º da p.i. é considerada a hipótese do tribunal assim não entender (“ … caso V. Excia. assim não entender …”), e repetindo mais adiante tal possibilidade, formula então o pedido de condenação no pagamento de determinada quantia monetária (49.040 €)

4 – A Autora apresenta esta possibilidade apenas no caso de não proceder o pedido apresentado em primeiro lugar

Em conclusão, a Autora formula o pedido de 49.040 €, apenas subsidiariamente, requerendo que seja entendido nos termos e para os efeitos do artº 554º, nº 1 do C.P.C. (…)” [cfr. fls. 835 e seguintes dos autos -suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

G. Por despacho saneador promanado em 29.06.2023 foi julgada procedente a suscitada exceção de inadmissibilidade de “inadmissibilidade do pedido alternativo” e, em consequência do que foi absolvido o “(…) R. da instância quanto ao pedido de condenação do R. ao pagamento da quantia de 49.040 € acrescida do que vier a ser liquidado em execução de sentença (…)”.

H) Sobre esta decisão judicial sobreveio o presente recurso jurisdicional [cfr. fls. 889 e seguintes dos autos – suporte digital – cujo teor se dá por integralmente reproduzido].


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IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

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11. Cumpre decidir, sendo que, como se referiu supra, a única questão que se mostra controversa e objeto do presente recurso jurisdicional consiste em saber se o despacho saneador recorrido, na parte em que julgou procedente a excepção de “inadmissibilidade do pedido alternativo”, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação dos “(…) art°s. 87°, n°s 1; al. a), 2 e 7 do CPTA e art°s 3°, n°s 3 e 4; 6°, n° 2 e 590°, n° 2; al. a) do CPC ex vi do art° 1 do CPTA (…)”.

12. Realmente, a Recorrente alega que jamais foi notificada para se pronunciar acerca da excecionada "inadmissibilidade do pedido alternativo", facto que violou o seu direito ao contraditório.

13. Outrossim clama que, não obstante tal violação, apresentou requerimento solicitando o suprimento e correção do lapso quanto ao pedido alternativo apresentado, pugnando pela admissibilidade do pedido apresentado como sendo subsidiário, nos termos e para os efeitos do art.° 554°, n° 1 do C.P.C.

14. Apregoa ainda que foi promanado despacho saneador que julgou procedente a matéria excetiva invocada pelo Réu sem qualquer consideração pelo exposto e requerido no seu requerimento de resposta.

15. Na esteira do que defende que a Recorrente que, ao agir da forma supra descrita, o Tribunal a quo (i) omitiu a prática de um ato processual [falta de notificação para se pronunciar sobre a matéria de exceção], bem como incorreu em (ii) omissão de pronúncia quanto ao seu requerimento de suprimento.

16. Porém, sem qualquer amparo de razão.

17. Na verdade, o princípio do contraditório constitui a trave mestra do direito processual, sem o qual dificilmente as decisões seriam substancialmente justas.

18. Como decorrência deste princípio, é proibida a decisão surpresa, ou seja, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.

19. Contudo, tal não significa que impenda sobre o juiz do processo o dever de convidar a Autora a pronunciar-se sobre eventual matéria excetiva aduzida pelo Réu na contestação.

20. De facto, a marcha do processo a “marcha do processo” da ação administrativa mostra-se devidamente delineada nos artigos 78º a 95º do C.P.TA.

21. Ao perscrutar-se tal normação, torna-se manifestamente evidente que não se torna necessário aguardar por qualquer notificação para esse efeito ordenada pelo juiz, porquanto existe atualmente a figura processual da réplica, a qual permite à Autora exercer o contraditório em face das exceções deduzidas na contestação.

22. Com efeito, através deste articulado, é conferida à Autora a oportunidade processual de responder aos eventuais vícios, exceções ou objeções suscitados pela parte contrária, garantindo-se assim o efetivo cumprimento do princípio do contraditório e a plenitude de defesa.

23. Verdadeiramente, para que a audição da Autora seja assegurada, o que importa é que esta seja notificada da contestação e da junção do P.A.

24. E isso, efetivamente, verificou-se no caso em análise, conforme resulta cristalinamente do ofício que faz fls. 824 dos autos [suporte digital].

25. Assim, a prolação de decisão judicial quanto à matéria excetiva sem a emanação de qualquer determinação expressa para o exercício do contraditório não faz incorrer o Tribunal a quo em qualquer nulidade processual, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à demonstração do primeiro vetor argumentativo da Recorrente.

26. Asserção análoga é atingível no que tange à invocada omissão de pronúncia do requerimento da Recorrente de 28.03.2023.

27. Na verdade, ainda que se admita a existência de tal desvio processual, é nosso entendimento que o mesmo não é suscetível de afetar ou poder afetar a Recorrente nos seus direitos adjetivos e/ou substantivos.

28. Na realidade, e conforme ressuma cristalinamente da alínea f) do probatório, o requerimento apresentado pela Autora, aqui Recorrente, a 28.03.2023, serviu o propósito de esclarecer que o pedido alternativo formulado no libelo inicial devia ser entendido antes como um pedido subsidiário, nos termos e para os efeitos do artigo 554º do C.P.C..

29. Contudo, a argumentação que a Autora mobiliza como esteio de tal pretensão não constitui qualquer suporte para se concluir, com a certeza e segurança que o direito exige, no sentido pretendido.

30. De facto, para além da convicção arreigada da Recorrente, não se retira qualquer fio condutor lógico jurídico apto a justificar o assentimento à pretensão por si veiculada.

31. Outrossim, é de referir que não estamos perante nenhuma situação subsumível no disposto o artigo 249º do C.C., que permite a retificação de erros materiais atravessados nos autos, o que também contribuiu para a posição ora assumida por este Tribunal Superior no que diz respeito a esta matéria.

32. Deste modo, isto é, não se divisando razões de ordem substantiva ou adjetiva que permitam alcandorar tal entendimento à almejada certeza jurídica, sempre seria de não acolher a pretensão da Recorrente veiculada na peça processual que faz fls. 835 dos autos [suporte digital].

33. Nestes termos, a referida irregularidade, na medida em que não é suscetível de influir no exame e na decisão da causa, isto é, nos contornos factuais e jurídicos em que assentou o despacho saneador no segmento decisório visado nos autos -, face ao disposto no art. 195º n.º 1, do CPC de 2013, não importaria qualquer nulidade processual.

34. Por conseguinte, e em conformidade com o supra exposto, falece também a arguição da Recorrente em torno da omissão de pronúncia.

35. Concludentemente, improcedem as todas conclusões de recurso em análise.

36. Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão judicial recorrida no segmento decisório posto em crise.

37. Ao que se provirá no dispositivo.


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V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e confirmar o despacho saneador recorrido no segmento decisório posto em crise.

Custas do recurso pela Recorrente.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 05 de abril de 2024,


Ricardo de Oliveira e Sousa

Clara Ambrósio

Tiago Afonso Lopes de Miranda