Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02047/15.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:GRAÇA MARIA VALGA MARTINS
Descritores:MATÉRIA DE FACTO;
DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS;
RENDIMENTOS DIFERIDOS;
Sumário:
I – O saldo devedor de uma conta de clientes, sempre que não se comprovem os beneficiários, natureza e finalidade, deve ser qualificado como despesa não documentada.

II - Compete ao contribuinte o ónus de comprovar que o diferimento de proveitos ocorreu por motivo que não lhe é imputável.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1.1. Fundação ..., pessoa colectiva nº ...02, com sede na Rua ..., ..., ... veio recorrer jurisdicionalmente da sentença proferida a 29 de Março de 2023, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação instaurada contra a liquidação de IRC de 2010 e respectivos juros compensatórios, no valor total de € 844.091,23.

1.2. A recorrente terminou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:
“A) Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC e juros compensatórios do período de 2010.
B) O presente recurso tem por objecto as seguintes questões (i) erro na fixação do valor da causa; (ii) erro de julgamento na decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada e não provada (iii) erro de julgamento no que respeita à correção no valor de EUR 55.108,84 relativa à tributação autónoma como despesa não documentada dos valores inscritos na conta “21111999- Clientes diversos” e (iv) erro de julgamento no que respeita à correção à matéria coletável, no montante de EUR 3.424.507,10, por constituição em excesso de rendimentos diferidos.
C) Nos presentes autos está em causa a liquidação de IRC e juros compensatórios no montante global de EUR 844.091,23, que deu origem à “Demonstração de acerto de contas” nº .................624, da qual resultou um montante total a pagar de EUR 849.601,17.
D) A “Demonstração de acerto de contas” reflete não só o valor da referida liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, mas também o estorno da anterior liquidação de IRC, no valor de EUR 5.509,94, que corresponde assim à diferença entre o valor da liquidação impugnada (EUR 844.091,23) e o valor final a pagar (EUR 849.601,17).
E) A Recorrente indicou na petição inicial como valor da causa o montante de EUR 844.091,23, correspondente à liquidação contra a qual visava reagir e que constituía assim o objecto da impugnação.
F) Na determinação do valor da causa, o Tribunal a quo atendeu ao valor a pagar resultante da “Demonstração de acerto de contas”, fixando como valor da causa o montante de EUR 849.601,17, “nos termos do artigo 97º nº 2 alí. a) do CPPT”.
G) Por manifesto lapso de escrita, a douta sentença recorrida refere o “artigo 97º nº 2 alí. a) do CPPT” quando pretendia referir o artigo 97º-A nº 2 alí. a) do CPPT que transcreve, lapso esse cuja correção, desde já se requer a este Tribunal ad quem.
H) Nos termos do artigo 97º-A nº 2 alí. a) do CPPT “os valores atendíveis para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação o da importância cuja anulação se pretende “.
I) O valor da liquidação impugnada cuja anulação se pretendia é de EUR 844.091,23, não relevando para efeitos de fixação do valor da causa o estorno da anterior liquidação de IRC, que se trata uma mera operação de compensação financeira independente do ato de liquidação e do seu efetivo impacto económico.
J) A “Demonstração de acerto de contas” é o documento emitido pela Administração Tributária para refletir as eventuais operações de compensação financeira, no caso concreto, o estorno do valor da anterior liquidação de imposto que, não obstante influenciar o valor final a pagar,
é alheio ao ato de liquidação cuja anulação se pretende.
K) O valor a pagar de EUR 849.601,17 resultante da “Demonstração de acerto de contas” não é o critério legal determinado no artigo 97º-A nº 2 alí. a) do CPPT atendível para efeitos de fixação do valor da causa, mas sim o valor de EUR 844.091,23 correspondente à liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios.
L) Na fixação do valor da causa, a douta Sentença recorrida não fez uma correcta interpretação do disposto no artigo 97º-A nº 2 alí. a) do CPPT, incorrendo assim em erro que, neste segmento, deve ser corrigido pelo douto tribunal ad quem, o que se requer e invoca para os devidos efeitos
legais.
M) O Douto Tribunal a quo não relevou devidamente a prova produzida nos presentes autos, nomeadamente a prova testemunhal, pelo que a Sentença recorrida enferma de vício quanto à matéria de facto considerada provada, na medida em que considerou como não provados factos invocados pelos Recorrentes e que são evidenciados pelos elementos probatórios constantes dos presentes autos.
N) No que respeita ao ponto 2) dos factos considerados como não provados, é manifesto que o Tribunal a quo assentou a sua convicção no depoimento da testemunha «AA», anterior TOC da impugnante, desconsiderando o contexto de profundo litígio que se sucedeu à cessação das suas funções por iniciativa da Recorrente.
O) Após a Recorrente ter dispensado os seus serviços, a referida testemunha instaurou um processo judicial contra a Recorrente.
– cfr. depoimento prestado por «AA» em 02/06/2021, minutos 54:30 a 55:30 da prova gravada nos presentes autos.
P) E a passagem da contabilidade para a nova TOC, «BB», em Maio de 2011, não foi pacífica, por completa falta de colaboração de «AA», o que obrigou a Recorrente a instaurar o procedimento cautelar de arresto, para recuperar os elementos da contabilidade essenciais ao fecho do exercício do ano de 2010.
– cfr. depoimento prestado por «BB» em 13/05/2021, minutos 8:50 a 11:30 da prova gravada nos presentes autos e alínea T) do factos dados por provados.
Q) Todo este contexto abala manifestamente a isenção, imparcialidade e credibilidade da testemunha «AA», pelo que o seu testemunho nunca deveria ter sido valorado, como foi, na decisão do Tribunal a quo ao considerar como não provado o facto elencado no ponto 2).
R) Do depoimento da testemunha «BB» resultou demonstrado que a conciliação bancária feita pelo anterior TOC era manifestamente deficiente – cfr. depoimento prestado a 13/05/2021, minutos 18:15 a 19:30; minutos 23:30 a 23:38 e
minutos 24:00 a 24:15 da prova gravada nos presentes autos.
S) Como tal, deverá o ponto 2) ser retirado do elenco de factos dados como não provados e aditado à matéria de facto provada nos presentes autos.
T) No que respeita aos pontos 3) a 7) dos factos não provados, a motivação do Tribunal a quo partiu do pressuposto que não ficou demonstrada a falta de conciliação bancária, o que pelos motivos acima expostos, resultou cabalmente provado pelo depoimento da testemunha «BB».
U) A testemunha «BB» explicou ao Tribunal a quo que as receitas relativas aos pagamentos dos alunos eram contabilizadas com base nos recibos, que eram emitidos em contrapartida da entrega do meio de pagamento, designadamente, cheque e não após o efetivo recebimento dos valores em causa, podendo assim haver uma discrepância temporal entre a emissão do recibo e o depósito do cheque; referiu situações de cheques entregues em dezembro que deram origem a emissão do recibo e contabilização em 2010 mas em que o cheque só foi depositado em janeiro de 2011, dando assim origem a discrepância temporal entre diferentes exercícios. – cfr. depoimento de «BB», minutos 19:00: 24:30 54:50 a 57:00 da prova gravada nos presentes autos.
V) De acordo com a motivação do Tribunal a quo a referida testemunha “aludiu a situações em que o cheque para pagamento da propina era emitido em dezembro, o recibo era emitido e o valor só era depositado em janeiro apontando assim para situações em que ocorria discrepância
entre o recebimento e o depósito, mas não conseguiu quantificar situações e respetivos valores”.
W) Tendo a inquirição decorrido dez anos depois da data dos factos, é perfeitamente plausível que a testemunha não se recordasse do pormenor de concretas “situações e respectivos valores”, pelo que não se acompanha a motivação do Tribunal a quo que, por esse facto, o depoimento desta testemunha tenha sido “genérico, não tendo a testemunha revelado razão de ciência sobre a factualidade vertida neste ponto”.
X) O depoimento da testemunha «BB» confirmou a factualidade considerada como não provada pelo Douto Tribunal a quo nos pontos 3) a 7), pelo que devem estes pontos 3) a 7) ser retirados do elenco de factos dados como não provados e aditados à matéria de facto provada nos presentes autos.
Y) Também não se acompanha a motivação do Tribunal a quo no que respeita ao ponto 16) dos factos não provados, pois este facto resulta desde logo do RI (cfr. III.1. a)), transcrito no ponto K) do probatório.
Z) Se a conta “21111999 - clientes diversos” era movimentada a débito por contrapartida dos recibos emitidos pela Fundação e a crédito pelo depósito em instituição bancária das quantias recebida” e “No final do exercício de 2010 esta conta de terceiros apresentava um saldo devedor (Ativo) de € 78.726,91 de quantias recebidas e não depositadas em instituições financeiras” isso significava que o valor dos recibos emitidos era superior ao valor do dinheiro creditado na conta bancária.
AA) O ponto 16) vem confirmar o que consta do RI e que, aliás deu origem à correção referente à conta “21111999 - clientes diversos”, pelo que o ponto 16) deve ser retirado do elenco de factos dados como não provados e aditado à matéria de facto provada nos presentes autos.
BB) Quanto aos pontos 17) a 20), os mesmos resultaram provados pelos depoimentos das testemunhas «BB» e «CC», que explicaram que por efeito da conciliação bancária efetuada aos anos de 2010 e 2011, e com base nos extractos de conta, apuraram no final de 2011 uma diferença cerca de 50.000 euros que não conseguiram justificar -cfr. depoimento de «BB», minutos 24:33 a 25:00; 29:30 a 31:00 e depoimento de «CC», minutos 1:11:00 a 1:16:15 da prova gravada nos presentes autos.
CC) Resulta também do RI, transcrito no ponto K) do probatório que nos esclarecimentos prestados no âmbito do procedimento de inspeção, foram anexados “dois lançamentos de saldos bancários em que: Conta 129, valor 510.782,68€ a débito, Conta 129, valor 460.265,30€ a crédito. Diferença de 50.517,38€ a débito poderá espelhar depósitos não registados na conta bancária” (…) “Sendo estes montantes significativos e agindo em conformidade com o princípio da materialidade regularizamos pela conta 56”
DD) Pelo que, ainda no âmbito do procedimento de inspeção, a Recorrente informou que havia apurado a 31.12.2011 um valor a débito de EUR 50.517,38, inferior ao valor de EUR 78.726,91 apurado pela inspeção tributária a 31/12/2010.
EE) A diferença entre os saldos a 31/12/2010 e a 31/12/2011 evidencia que em 31/12/2010 existiam pagamentos relativamente aos quais tinha sido já emitido recibo, mas cujo montante só deu entrada na conta bancária no ano de 2011.
FF) Como tal, deverão os pontos 17) a 20) ser retirados do elenco de factos dados como não provados e aditados à matéria de facto provada nos presentes autos.
GG) Em síntese, os pontos 2) a 7) e 16) a 20), deverão ser retirados do elenco de factos dados como não provados e aditados à matéria de facto provada nos presentes autos.
HH) A matéria de facto cujo aditamento ao rol de factos provados se requer é relevante para a boa decisão da causa, em particular no que respeita à motivação que levou a Administração Tributária a considerar como certo o valor de EUR 78.726,91 de quantias recebidas e não depositadas em instituições bancárias, que considerou como despesas não documentadas e sujeitou a tributação autónoma no montante de EUR 55.108,84.
II) Com a reapreciação da prova gravada, a factualidade supra elencada não poderá deixar de ser considerada pertinente para a justa composição do litígio em presença, devendo ser aditada à matéria de facto provada constante da douta Sentença recorrida, o que se requer e invoca para os devidos efeitos legais.
JJ) A correção no valor de EUR 55.108,84 relativa à “conta 21111999 – clientes diversos” teve origem na verificação, a 31/12/2010, de um saldo devedor de EUR 78.726,91, que a Administração Tributária considerou como despesa não documentada sujeita a tributação autónoma à taxa de 70%, nos termos do artigo 88º do CIRC, por não terem sido identificados
depósitos bancários nem documentos que evidenciem a utilização daquela quantia.
KK) O Tribunal a quo, ao não considerar como provada a factualidade alegada pela Recorrente e ao manter a correção impugnada, incorreu em manifesto erro de julgamento.
LL) E, reconhecendo este douto Tribunal ad quem esse erro, como se espera, deverá concluir que a correção efectuada viola o disposto no artigo 88º nºs 1 e 2 do CIRC.
MM) A diferença entre os saldos a 31/12/2010 e a 31/12/2011 (EUR 78.726,91 - EUR50.517,38) evidencia necessariamente que em 31/12/2010 existiam pagamentos de alunos aos quais já tinham sido já emitidos recibos, mas cujo valor só deu entrada na conta bancária no ano de 2011.
NN) Pelo que, quanto a essa diferença, não estão em causa “quantias recebidas não depositadas” ou “meio financeiro líquido que a Impugnante recebeu e cuja afetação é desconhecida”, mas sim quantias recebidas e contabilizadas em 2010, mas cujo depósito bancário só ocorreu já em 2011.
OO) E tendo essa variação de saldos entre os dois exercícios sido dada a conhecer à Administração Tributária ainda no âmbito do procedimento inspectivo, no mínimo, devia ter sido excluída de tributação a diferença entre o saldo à data de 31/12/2010 e de 31/12/2011.
PP) A correção referente à conta “Anuidades”, foi efetuada ao abrigo do artigo 18º nº 1 do CIRC, e teve por base a análise das propinas/anuidades relativas ao ano letivo de 2010/2011 recebidas durante o exercício de 2010, tendo a Administração Tributária concluído que se encontravam constituídos em excesso rendimentos diferidos no montante de EUR 3.424.607,18, que devem ser adicionados à matéria coletável do exercício de 2010;
QQ) A recorrente alegou que, em obediência aos princípios do inquisitório e da especialização dos exercícios, a Administração Tributária deveria também ter analisado os pagamentos efectuados no período de Julho a Dezembro de 2009 referentes a propinas/anuidades relativas ao ano letivo de 2009/2010, para aferir se o rendimento diferido para 2010, no montante de 5.931.704,71 era o correcto.
RR) Como resulta das alíneas PP) e QQ) do probatório, a Recorrente provou que o valor correcto a diferir para o exercício de 2010 (valor calculado para os recibos de propinas/anuidades emitidos no segundo semestre de 2009, que poderia ser diferido para o exercício de 2010 aplicando o princípio do acréscimo) é de EUR 1.775.781,54, e não os EUR 5.931.704,70 que a Administração Tributária tomou como certo.
SS) E de acordo com a alínea SS) do probatório, através da análise de detalhe dos recibos emitidos o valor calculado agora a diferir em 2010 para o exercício de 2011 soma EUR 1.678.701,91.
TT) Aplicando o princípio da especialização dos exercícios ao caso concreto das propinas / anuidades em apreço, temos que a matéria coletável no exercício de 2010 vai incluir:
i.) 6/10 avos das propinas recebidas em 2009, mas relativas ao ano letivo de 2009/2010 (ou seja, o montante diferido);
ii.) 4/10 avos das propinas recebidas em 2010, relativas ao ano letivo de 2010/2011 (sendo os restantes 6/10 avos diferidos para 2011).
UU) O valor dos diferimentos do exercício de 2009 veio assim influenciar a matéria coletável do exercício de 2010, ou seja, foi tributado em 2010.
VV) Pelo que, em obediência aos princípios do inquisitório e da periodização do lucro tributável, a Administração Tributária deveria ter averiguado se o rendimento que foi diferido para o exercício de 2010, no montante de EUR 5.931.704,71, era o correcto.
WW) Ao contrário do que entende a douta Sentença recorrida, não se trata de refazer a contabilidade da impugnante, alterando valores de exercícios anteriores que não estão no âmbito do procedimento inspetivo, trata-se sim de aplicar corretamente o princípio da especialização dos exercícios de forma que todos os rendimentos imputáveis a 2010 sejam corretamente refletidos na matéria coletável desse mesmo período de 2010, o período objeto do procedimento inspetivo.
XX) Se a Administração Tributária estava legitimada a fiscalizar o ano de 2010 também lhe competia, por iniciativa própria e oficiosa e em obediência ao princípio do inquisitório averiguar da valia do saldo inicial de 2010, porque esse valor foi objeto de tributação em 2010.
YY) E se não o fez foi apenas porque daí não advinha nenhum prejuízo para o Estado, pois o valor do diferimento para o período de 2010 foi tributado nesse mesmo período.
ZZ) Nos termos do artigo 58.º da LGT “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.
AAA) E nos termos do artigo 6.º do RCPIT “O procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo”.
BBB) Como salientam DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, Encontro da escrita editora, 4ª edição, 2012, pág. 488: “O princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à atividade da administração tributária (arts.266º, nº 1 da CRP e 55º da LGT) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua atividade (arts.266º, nº 2 da CRP e 55º da LGT).
[…]
Por outro lado, aquele dever de imparcialidade, reclama que a administração tributária procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração” (sombreado nosso).
CCC) Também como referem aqueles autores a propósito dos princípios da justiça e da imparcialidade “ no domínio do procedimento tributário, estes princípios reclamam que a administração tributária se norteie por critérios de isenção na averiguação das situações fácticas, realizando todas as diligências que se afigurem necessárias para averiguar a verdade material, independentemente de os factos a averiguar serem contrários aos interesses patrimoniais que à administração tributária cabe defender” (Ob. citada, pág. 449).
DDD) Como assinala o Supremo Tribunal Administrativo, “a atuação segundo a legalidade implica, como regra de conduta, a orientação do procedimento de modo a atingir a verdade material, em ordem a permitir a tributação segundo o rendimento real- cfr. Acórdão do STA de 02.02.2006, Proc. Nº 1011/05.
EEE) Assim e ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo a atuação da AT, ao tomar como certo o saldo inicial de 2010 a respeito dos diferimentos, violou o princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT e 6.º do RCPIT.
FFF) E como afirma ANTÓNIO LIMA GUERREIRO “a não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, é fundamento de ilegalidade do ato tributário ou em matéria tributária” – cfr. “Lei Geral Tribuária Anotada”, 2001, Rei dos Livros, pág. 266.
GGG) Não obstante a prova efetuada demonstrando que os saldos registados a título de diferimentos estavam errados, a douta sentença recorrida entendeu que tal não era suficiente para inquinar de ilegalidade as correções efetuadas e, por via disso, a liquidação adicional, pois que cabia à impugnante alegar e provar que o excesso contabilizado no saldo inicial de 2010 se deveu a um mero lapso, que não respeitam a proveitos efetivamente auferidos em exercício anteriores (2008, 2007, etc), não teve intenção de procurar transferir resultados entre exercícios, alegar situações externas que o contribuinte não pode controlar, o que não sucedeu, pois a alegação da impugnante é absolutamente omissa quanto à origem/causa desse excesso.
HHH) A Administração Tributária não questionou a validade do saldo inicial de 2010 dos diferimentos, como lhe competia em obediência ao princípio inquisitório; também em nenhum momento a Administração Tributária invocou a intenção da recorrente de transferir resultados entre exercícios, para justificar a tributação em 2010 dos diferimentos em excesso vindos de exercícios anteriores.
III) Não tendo a questão sido suscitada pela AT, não incumbia à Recorrente alegar e provar que não teve intenção de transferir resultados entre exercícios.
JJJ) Face à fundamentação constante do RI, a recorrente alegou e provou que os proveitos se reportam a exercícios anteriores ao 2010 pelo que a tributação dos mesmos em 2010 viola o princípio da especialização dos exercícios e da tributação pelo lucro real.
KKK) A prova que o excesso contabilizado no saldo inicial de 2010 se deveu a lapso, que não respeita a proveitos efetivamente auferidos em exercícios anteriores, que não houve intenção de transferir resultados entre exercícios, que foi motivado por situações incontroláveis, justificar-se-ia, mas para afastar a aplicação do princípio da especialização dos exercícios.
LLL) Caso a Administração Tributária tivesse constatado que o excesso de diferimentos provinha de exercícios anteriores, poderia invocar que, ainda assim, se justificava a sua tributação em 2010 e consequente afastamento da especialização dos exercícios por ter havido uma intenção fraudulenta de transferir resultados entre exercícios, o que não é o caso.
MMM) A douta sentença recorrida incorre em manifesta contradição, pois se por um lado afirma “O excesso constatado não se refere a proveitos oficiosamente apurados pela AT, mas declarados pela impugnante, pelo que não há violação deste princípio por parte da AT”, por outro conclui que “O diferimento de proveitos resultou de uma opção do contribuinte para a qual não apresentou fundamento legal, pelos que estes princípios devem ceder perante os fins de prevenção geral da lei fiscal”.
NNN) Se a Administração Tributária não corrigiu os diferimentos para 2010, não foi com fundamento numa intencional manipulação do lucro tributável ou adiamento da tributação que justificasse o afastamento do princípio da especialização de exercícios, mas sim, e apenas, porque daí não advinha qualquer vantagem patrimonial para o Estado.
OOO) Não pode o Tribunal a quo vir sustentar a correção efetuada com fundamentos diversos dos que, neste caso, foram invocados pela Administração Tributária.
PPP) A Recorrente realizou a prova que lhe incumbia oferecer face à fundamentação apresentada pela Administração Tributária.
QQQ) E se produzida essa prova, ainda assim subsistissem dúvidas sobre a existência e quantificação do facto tributário, deveria o Tribunal a quo ter valorado essa dúvida a favor da Recorrente e anulado a liquidação, nos termos do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT.
RRR) Do exposto conclui-se que a sentença em crise assenta em erro de julgamento quanto à aplicação dos princípios da periodização do lucro tributável e da tributação pelo rendimento real, devendo em consequência ser revogada por esse Douto Tribunal ad quem,
determinando-se a anulação da liquidação impugnada, neste segmento, por violação do artigo 18.º, n.º 1, do CIRC.
SSS) E mais se conclui que o Tribunal a quo também violou o disposto no artigo 100.º do CPTT.
TTT) Ainda que assim não se entenda, sem conceder e por mera cautela de patrocínio, sempre deveria o Tribunal a quo ter determinado a anulação parcial da liquidação efetuada pela Administração Tributária.
UUU) A Administração Tributária apurou a verba de EUR 1.203.392,90 a constituir como rendimentos diferidos para 2011, pelo que considerou constituídos em excesso rendimentos diferidos no montante de EUR 3.424.607,10 (EUR 4.628.000 – EUR1.203.392,90), que foram adicionados à matéria coletável – cfr. alínea K) do probatório.
VVV) Mas o que concluíram os peritos foi que a verba a constituir como rendimentos diferidos de 2010 para 2011 era de EUR 1.678.701,91, logo o excesso de rendimentos diferidos foi de EUR 2.949.298,09 (EUR 4.628.000 – EUR 1.678.701,91) – cfr. alínea SS) do probatório.
WWW) Atendendo a que as questões a dirimir no presente recurso não revelam uma particular complexidade e assumindo uma conduta processual das partes sem reparos, requer-se a este douto Tribunal ad quem se digne dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça nesta instância recursiva, nos termos e ao abrigo do citado n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
Nestes termos e nos demais de Direito que esse Douto Tribunal ad quem suprirá, requer-se que, após reapreciação da prova gravada nos presentes autos ao abrigo do artigo 282.º, n.º 4, do CPPT, e consequente alteração da matéria de facto provada, o presente recurso seja julgado totalmente procedente, revogando-se, com fundamento em erro de julgamento, a sentença recorrida, nos termos e com os fundamentos acima expostos, tudo com as demais consequências legais, nomeadamente substituindo a pronúncia jurisdicional do Tribunal a quo por outra julgando totalmente procedente a impugnação judicial apresentada.”

1.3. A Fazenda Pública, recorrida, não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, pugnando pelo não provimento do recurso, com excepção da questão relativa ao valor da acção, em que é de dar razão à recorrente.

1.5. Com dispensa dos vistos legais dos juízes-adjuntos (cfr. art. 657º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
* * *
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

Factos Provados:
A) Foi emitida a ordem de serviço n.º OI20.......08 para procedimento de inspeção parcial IRC e IVA ao ano de 2010 à aqui impugnante - cf. fls. 34 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
B) O representante da impugnante assinou a ordem de ordem de serviço a que se alude na alínea antecedente em 04/08/2014 - cf. fls. 34 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
C) Em 02/12/2014, a impugnante foi notificada para juntar àquele procedimento inspetivo os seguintes elementos:
a. Relativos ao saldo devedor de € 78.726,91 constante em 31/12/2010 na conta «21111999- Clientes Diversos», nomeadamente:
· Quanto à sua efetividade, uma vez tratar-se de um ativo proveniente do recebimento de meios financeiros líquidos;
· Quanto à sua utilização, dado não se encontrarem depositados em nenhuma das contas bancárias expressas na contabilidade.
b. Relativos às depreciações e amortizações praticadas no exercício de 2010, no montante de € 1.069.592,84, os mapas de modelo oficial, por forma a validar os bens, os valores e as taxas praticadas.
cf. fls. 35 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
D) Na sequência do referido anteriormente, a impugnante, em 10/12/2014, informou o seguinte:
Boa tarde Senhor Dr. «DD»,
Conforme conversa telefónica, passo a informar:
A entidade Fundação ... com o NIF. ...57..., espelhava no fim do exercício de 2010, um saldo em clientes diversos de 78.726,91€.
As contas deste exercício, foram encerradas tendo como base o suporte contabilístico, do anterior TOC Dr.° «AA», representante da Empresa [SCom01...], Lda.
Já no decorrer do exercício de 2011, e após verificar falta de várias conciliações quer bancárias quer de contas correntes de terceiros, fez-se assim a regularização de saldos, optou-se por espelhar na contabilidade uma imagem mais verdadeira e adequada, tendo em conta o suporte físico dos extratos bancários e as respostas às conciliações dos terceiros, fazer regularização dos saldos incorretos.
Sendo estes montantes significativos, e agindo em conformidade com o princípio da materialidade, regularizamos pela conta 56.
Esta opção, também se deve ao facto de que a Fundação por não se obrigar ao preenchimento do quadro 07 do Mod. 22, não é possível acrescer qualquer tipo de correção.
Em anexo, dois lançamentos de saldos bancários, em que:
Conta 129, valor 510.782.68 € a débito.
Conta 129 valor 460,265.30€ a crédito.
Diferença de 50.517,38€ a débito poderá espelhar depósitos não registados na conta bancária.
cf. fls. 36 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
E) Por ofício registado em 30/12/2014 a Impugnante foi notificada do seguinte: “notificado nos termos do n.º 1 do art.º 61.º do Regime Complementar de Inspeção Tributária (RCPIT), da conclusão dos atos de inspeção relativamente à ordem de serviço n.º OI20.......08, à data de 23/12/2014, conforme nota de diligência n.º ND020....05, em anexo” - cf. fls. 38 e 38v do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
F) Da nota de diligência n.º ND020....05 extrai-se o seguinte “OI20.......08 – Inspeção iniciada em 04/08/2014 às 10.27 Concluída em 23/12/2014 às 10.00” - cf. fls. 39 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
G) Por ofício registado em 29/12/2014 foi a impugnante notificada do projeto de relatório de inspeção tributária elaborado no âmbito do procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço n.º OI20.......08 - cf. fls. 40 e 40v do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
H) Em 14/01/2015, a impugnante exerceu o direito de audição, constituindo mandatário- cf. fls. 41 e ss do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
I) Em 16/01/2015 foi a impugnante notificada para no dia 21/01/2015, pelas 14.30 comparecer com as testemunhas arroladas no direito de audição - cf. fls. 51 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
J) Em 21/01/2015, «BB» e «EE» foram ouvidas como testemunhas no âmbito do procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço n.º OI20.......08- cf. fls. 52-A verso e 53 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
K) Em 22/01/2015 foi elaborado relatório de inspeção tributária no âmbito do procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço n.º OI20.......08, nos seguintes termos:
I - CONCLUSÕES DA AÇÃO INSPETIVA:
Da ação inspetiva resultaram as seguintes correções de natureza meramente aritméticas:
Descrição 2010
IRC – Matéria Coletável 3.424.607,10
IRC – Imposto 56.770,44

[…]
III — DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS:

III.1 — Analise às contas de terceiros
a. Conta «21111999 - Clientes Diversos
No ano de 2010 o SP iniciou a utilização da conta identificada em epigrafe.
Esta conta era movimentada a débito por contrapartida dos recibos emitidos pela Fundação ... a crédito pelo depósito em instituição bancária das quantias recebidas.

Os recibos emitidos eram devidos pela contraprestação de serviços par parte da Fundação ..., designadamente, serviços da clínica dentária, de clínica de fisioterapia, da clínica de psicologia, da consulta do viajante e serviços universitários.

As verbas recebidas em numerário eram depositadas sendo, juntamente com as verbas recebidas por ATM, transferidas desta conta de terceiros para a respetiva conta de depósito à ordem.
No final do exercício de 2010 esta conta de terceiros apresentava um saldo devedor (Ativo) de € 78.726,91, de quantias recebidas a não depositadas em instituições bancárias.

Foi efetuado em 2011 o seguimento (follow-up) da evolução do saldo da conta, verificando-se que o saldo devedor (Ativo) continua a aumentar.

Em face, foram no dia 09 de dezembro solicitados formalmente os seguintes esclarecimentos:

Sendo estes montantes significativos, e agindo em conformidade com o princípio da materialidade, regularizamos pela conta 56.
Esta opção, também se deve ao facto de qua a Fundação por não se obrigar ao preenchimento do quadro 07 do Mod. 22, não é possível acrescer qualquer tipo de correção.
Em anexo, dois lançamentos de saldos bancários, em que:
Conta 129, valor 510.782.68€ a débito.
Conta 129 valor 460,265.30€ a crédito.
Diferença de 50.517,38€ a débito poderá espelhar depósitos não registados na conta bancária.»

Começa-se por referir que em 2011 a conta de "clientes diversos" não foi objeto de qualquer regularização contabilística por contrapartida de resultados transitados (conta 56).

Acresce que, os esclarecimentos prestados continuam sem elucidar o destino dado aqueles recebimentos, dado que: (I) não foram apresentados/identificados depósitos bancários daquele montante; e (II) não foram apresentados documentos/despesas que evidenciam a utilização daquela quantia.

Consequentemente, estamos perante um Ativo indevidamente qualificado, uma vez que não irá originar qualquer benefício económico (recebimento) futuro.

Assim, o valor inscrito nesta conta respeita a meios financeiros líquidos que a Fundação ... recebeu dos seus alunos/clientes, cuja afetação se afigura desconhecida, pelo que, configura a natureza de despesa não documentada sujeita a tributação autónoma (TA) de IRC nos termos do art.° 88 do Código do IRC (CIRC) à taxa de 70% (no redação do Decreto-Lei n.°159/2009, de 13 de Julho de 2009).
IRC (imposto) em falta, € 55.108,54 (€ 78.726,91 x 70%).

b. Conta «2821 – Anuidades»
No exercício de 2010 a principal fonte de rendimentos da Fundação ... adveio das propinas pagas pelos alunos, pela frequência dos cursos de ensino superior que ministra.
Esses réditos acompanham o ano letivo, que normalmente abarca parte de dois exercícios
económicos, uma vez qua se desenrola entre os meses de setembro a junho do ano seguinte.
Por esse motivo, era utilizada como prática contabilística, para efeitos da especialização económica desses réditos, a sua divisão pelo período de Instrução de dez meses.

As propinas relativas ao ano letivo 2010/2011, recebidas durante o exercício de 2010, foram também objeto de fracionamento, sendo imputado ao exercício de 2010, num primeiro momento, a quanta de € 5.428.000,00 (lançamento n.º 11222, relevado no diário de diversos no mês de novembro), valor posteriormente reduzido em €800.000,00, «redução de estimativa» (lançamento n.º 130005, relevado no diário de diversos no mês de regularizações, “mês 13º”).

Ora, uma entidade deve preparar as suas demonstrações financeiras utilizando o regime contabilístico de acréscimo a ao ser usado o regime contabilístico de acréscimo os efeitos das transacções são reconhecidos quando ocorrem (e não quando recebidos), sendo registadas contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionam.
O CIRC acolhe também este princípio e dispõe no n.º 1 do art.° 18 que, «os rendimentos a os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento. de acordo com o regime de periodização económica».
O pagamento de propinas reúne todas as condições para que a quantia a imputar a cada período económico possa ser fiavelmente determinado, respeitando-se o regime contabilístico e fiscal do acréscimo.
Como entre os elementos apreendidos pela Polícia Judiciária do Porto, se encontram dados informáticos contendo o detalhe de todos os recibos emitidos a alunos da Fundação ... em diversos anos, incluindo o exercício de 2010, decidiu-se separar de forma exaustiva, recibo a recibo, os réditos referentes ao exercício económico de 2010 dos réditos referentes ao exercício de 2011.
A metodologia utilizada consistiu em isolar todos os pagamentos efetuados no período de julho a dezembro de 2010, referentes a propinas e taxas de frequência não anuladas, por forma a averiguar os valores pagos relativos a serviços a serem prestados no exercício de 2011 e assim avaliar o rendimento diferido constituído no montante de € 4.628,000,00.
O montante global recebido pela Fundação ... no período de tempo referido, no que respeita a propinas e taxas de frequência, foi de € 8.360.663,13. Desso total, € 6.355.008,30 dizem respeito a pagamentos de propinas a taxas de frequência imputáveis ao exercício económico de 2010.
Resulta assim que, no período de julho a dezembro de 2010, o apuramento de pagamentos que incluem serviços a serem prestados no exercício de 2011 totalizam a quantia de € 2.005.554,83.
Este montante foi repartido de acordo com a política utilizada pela entidade (a mesma adotada pelas demais entidades do sector), a qual merece a nossa concordância, distribuído por 10 meses contados de setembro a junho do ano seguinte, apurando-se a verba de € 1.203.392,90, referente aos 8 meses do exercício de 2011, a constituir come rendimentos diferidos de 2010 (€ 2.005.654,83 x 6/10).
Desta forma, encontram-se constituídos em excesso rendimentos diferidos no montante de €3.424.607,10 (€4.628.000,00 - €1.203,392,90), que devem ser adicionados à Matéria Coletável do exercício de 2010.
As verbas acima indicadas encontram-se devidamente explicitadas no ficheiro "excel" anexo ao Projeto de Relatório, deste fazendo parte integrante.
III.2 - Análise aos valores declarados
a. Apuramento das tributações autónomas
Em 2010 não foram objeto de tributação autónoma à taxa de 5%, nos termos n.º 9 do art° 88 do CIRC, despesas relevadas contabilisticamente, correspondentes, à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço de entidade patronal, não faturadas a clientes, que se detalham no quadro abaixo:
ContaDescriçãoMontanteTrib. Auton.
825111Desloc. Em Viatura Própria - Porto11.401,64570,08
825121Deslocação Em Viatura Própria - P.Lima21.190,161.059,51
825131Deslocação Em Viatura Própria - Saúde68,203,41
825141Desloc. Em Viatura Própria – Hospital Es.572,0026,80
33.232,001.661,80
IRC (imposto) em falta, € 1.661,80.
- cf. fls. 24 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
L) Por ofício registado com aviso de receção (assinado em 23/01/2015) foi a impugnante notificada na pessoa do seu mandatário constituído do relatório de inspeção tributária elaborado no âmbito do procedimento inspetivo credenciado pela ordem de serviço n.º OI20.......08 - cf. fls. 54 e 54v do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
M) Por ofício registado em 22/01/2015 foi a impugnante notificada do seguinte “pelo presente ofício se dá conhecimento do envio do relatório final de inspeção tributário, bem como da respetiva nota de fixação e IRC, para o endereço do mandatário legal constituído, respeitante à ordem de serviços OI20.......08” - cf. fls. 55 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
N) Em 28/01/2015, a AT emitiu a liquidação n.º .................369 relativa ao exercício de 2010 no valor de € 844.091,23, com data limite de pagamento em 02/04/2015, demonstração de acerto de contas n.º .................624, no valor de € 849.601,17 da qual se extrai “fica V. Ex.ª notificado da liquidação de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida” - cf. fls. 55 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
O) A impugnante foi notificada do referido na alínea anterior em 05/02/2015, via CTT – caixa postal eletrónica - cf. fls. 57 do PA apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
P) A presente impugnação deu entrada em 01/07/2015 – cf. fls. do Sitaf, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Mais se provou que:
Q) O encerramento das contas relativas ao exercício de 2010 foi efetuado pela Técnica Oficial de Contas Dr.ª «BB».
R) A Dra. «BB» iniciou as suas funções como TOC da impugnante em junho de 2011.
S) A nova TOC, em junho de 2011, não dispunha dos elementos físicos da contabilidade.
T) Em 05/08/2011, no âmbito do processo de arresto n.º ..6/.....TVPRT, que correu termos nas Varas Cíveis do Porto, ... Vara, 1.ª Secção, em que foi Requerente a aqui impugnante e Requerido «AA», foram arrestados e entregues aos representantes da impugnante os seguintes documentos: pastas bancos 2009 de janeiro a dezembro de 2009, pasta serviços de janeiro a dezembro 2009, pastas caixa de janeiro a dezembro 2009, pastas diversos de janeiro 2009 a dezembro de 2009, pastas bancos de janeiro a dezembro de 2010, pastas caixa janeiro a dezembro de 2010, pastas serviços de janeiro a dezembro de 2010, pasta diversos de janeiro a dezembro de 2010, pastas bancos janeiro a maio de 2011, pastas caixa de janeiro a abril de 2011, pastas serviços janeiro a abril de 2011, pastas diversos janeiro a abril de 2011 – doc. cinco junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido, não impugnado.
U) Em 10/08/2011, no âmbito do processo de arresto n.º ..6/.....TVPRT, que correu termos nas Varas Cíveis do Porto, ... Vara, 1.ª Secção, em que foi Requerente a aqui impugnante e Requerido «AA», foram arrestados e entregues aos representantes da impugnante os seguintes documentos: pastas infantário 2009, pastas infantário 2010, pastas infantário 2011, pastas saúde oral 2010, pasta hospital escola, pasta projeto doenças, pasta projeto arquivo digital de literatura experimental portuguesa, pasta projeto psicológica, pasta projeto CEAA 2010, pasta projeto pass, pasta projeto teorização portuguesa do jornalismo, pasta projeto Jean Monet, pasta ocupação científica jovens férias, pasta projeto Bonamidi, pasta projeto POPH, projeto Camar, projeto aimar, projeto civitas, projeto professor Nelson Barros, projeto POPH formadores, projeto timor, pastas gastos gerais 2010, pastas projeto CEAA 2009, projeto POPH 2010, projeto POPH doc contabilidade, pasta gastos gerais 2011, pasta projetos CEAA, pasta aquisições intra-comunitárias, pasta avisos relacionados com os projetos, documentos diversos relativamente à pasta bancos 2009, documentos diversos relativamente à pasta serviços 2009, documentos diversos relativamente à pasta bancos 2010, documentos diversos relativamente à pasta serviços 2010, pasta documentos pendentes, dossier fiscal anos 2007 a 2009 e suporte digital - doc. seis junto com a p.i., que aqui se dá por integralmente reproduzido, não impugnado.
V) A impugnante dedica-se a “desenvolvimento de atividades de promoção da educação; do ensino; da cultura e da investigação científica; da formação profissional e corporativa, da saúde pública; são ainda finalidade da Fundação: a educação para a saúde e a prestação de cuidados de saúde; a proteção ambiental e extensão comunitária” – cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 1.º.
W) Dos documentos da prestação de contas verifica-se que as prestações de serviços registadas como “prestação de serviços isentas de IVA” representam as percentagens infra indicadas como rendimentos da impugnante:
2011(*) 2010 2009 2008 2007
Prest. Serv. Isentas de IVA/Total dos rendimentos 95,79% 99,31% 98,74% 99,58% 99,45%

cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 1.º
X) Os valores que constam dos documentos da prestação de contas são apresentados no seguinte quadro:
Demonstrações Financeiras 2011(*) 2010 2009 2008 2007
Demostrações Resultados
Vendas e Serviços Prestados 20.955.117,68 21.269.086,54 20.563.072,32 20.550.682,92 19.330441,56

IES – Anexo D
Demostrações Resultados
Vendas 59.834,60 23.161,11 29.581,84 27.892,57 39.222,15
Prestações de serviços 20.895.283,08 21.245.925,43 20.533.490,48 20.522.790,35 19.291.219,41
20.955.117,68 21.269.086,54 20.563.072,32 20.550.682,92 19.330.441,56

Balancete contabilístico – Prestações de serviços isentos de IVA (Propinas)
Conta 721x Prest. Serv. Isentas de IVA art.º 9 20.072.993,07 21.122.451,91 20.304.487,03 20.463.470,48 19.224.024,85

(*) contas certificadas pelo Revisor de Contas

cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 1.º
Y) Da análise dos documentos contabilísticos apresentados verifica-se que a conta da contabilidade relativa a “diferimentos” é utilizada e o seu saldo é divulgado no Balanço - cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 2.º.
Z) O período económico da impugnante coincide com o ano civil, pelo que os diferimentos registados e divulgados no passivo terão em conta que o período letivo se desenrola entre os meses de setembro de um ano e junho do ano seguinte - cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 2.º.
AA) Era utilizada como prática contabilística para efeitos de especialização económica desses rendimentos de acordo com o exercício a que respeitam, a sua divisão por esses dez meses, imputando-se a cada exercício a fração correspondente ao número de meses em que os cursos se desenvolvem em cada ano civil e a especialização dos exercícios económicos era uma prática de registo e mensuração desses rendimentos de acordo com o exercício a que respeitam – periodização económica (regime do acréscimo/especialização dos exercícios) - cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 3.º.
BB) A conta de proveitos diferidos/diferimentos constante do Balanço (passivo) é uma conta agregadora, pelo que inclui o diferimento de propinas e taxas de frequência e de diferimento de outros rendimentos - cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 3.º.
CC) Dos balanços apresentados verifica-se a divulgação no passivo dos valores a seguir indicados por anos (valores em euros) na rubrica diferimentos:
Ano 2011 Ano 2010 Ano 2009 Ano 2008 Ano 2007
845.236,61 4.646.209,28 5.944.386,61 8.037.381,91 8.634.855,38
cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 3.º.
DD) No quadro abaixo indica-se o valor total (divulgado no balanço-passivo) discriminado por “conta”, conforme evidenciado nos balancetes analíticos apresentados, onde estão registados como “anuidades” e “outros diferimentos”.
Demostrações Financeiras Ano 2011 Ano 2010 Ano 2009 Ano 2008 Ano 2007
Balanço – Passivo
Diferimentos/Proveitos Diferidos 845.236,61 4.646.209,28 5.944.386,61 8.037.381,91 8.634.855,38

Balancetes Analíticos Ano 2011 Ano 2010 Ano 2009 Ano 2008 Ano 2007
Diferimentos/Proveitos Diferidos
Anuidades 797.152,85 4.628.000,00 5.931.704,70 8.028.277,08 8.627.700,90
Outros 48.083,76 18.209,28 12.681,91 9.104,83 7.154,48
845.236,61 4.646.209,28 5.944.386,61 8.037.381,91 8.634.855,38

cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 3.º.
EE) No balancete analítico de suporte à prestação de contas relativas ao ano de 2010 (ano civil coincidente com o ano económico) a conta “2821-anuidades” (conta “2741-anuidades” nos termos do POC) evidenciava um saldo credor (passivo) de € 4.628.000,00 - cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 4.º.
FF) Pelo “extrato de conta de conferência” apresentado dos registos efetuados no exercício económico de 2010, a conta “2821-anuidades” evidenciava um movimento de abertura no montante de € 5.931.704,70 (lançamento em 01.002010 – mês “00”, mês de abertura) - cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 5.º.
GG) No encerramento de contas de 2009, o saldo final da conta “2741- anuidades”, evidenciado no balancete analítico de encerramento, era um saldo credor (passivo) no montante de € 5.931.704,70 - cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 6.º.
HH) O valor evidenciado no balanço analítico de 2009 em “acréscimos e diferimentos/proveitos diferidos” é de € 5.944.386,61 e engloba o saldo da conta “2741- anuidades” - cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 7.º.
II) O valor da rubrica de diferimentos evidenciado no balanço-passivo e que totaliza € 5.944.386,61 era assim detalhado (balancete analítico de encerramento de contas de 2009 – saldos credores):
2741 Anuidades ------------------------------------------ 5.931.704,70 €
2745 Subsídios p/ investimento ------------------------ 12.681,91 €
274 Diferimentos --------------------------------------- 5.944.386,61 €
cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 7.º e 8.º.
JJ) Pelo registo detalhado dos dados informáticos, CDs, dos elementos apreendidos, verifica-se que os recibos emitidos a alunos eram emitidos por ordem sequencial e numérica ao longo dos anos - cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 9.º.
KK) Verifica-se que nesses dados informáticos (CDs com recibos detalhados em folha de cálculo excel) que a numeração dos recibos está ali indicada com os números sequenciais por anos:
Recibo Número
166580 - último recibo de 2008
166581 - primeiro recibo de 2009
206503 - último recibo de 2009
206504 - primeiro recibo de 2010

Cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 9.º.

LL) Todos os recibos emitidos a alunos da impugnante no exercício de 2009 constam do detalhe dos dados informáticos apreendidos - cf relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 9.º.
MM) Os documentos de prestação de contas anuais englobam os valores acumulados do mês 1 ao mês 12 – cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 10.º.
NN) Analisada a base de dados com o detalhe da totalidade dos recibos emitidos para 2009 o valor agora calculado de propinas e taxas de frequência não anuladas e com datas compreendidas no período de julho a dezembro de 2009, totaliza o montante de € 8.069.231,94 – cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf, resposta ao quesito 10.º.
OO) Com base nos valores detalhados dos recibos de setembro de 2009 a junho de 2010 (10 meses), o valor total a reconhecer no exercício económico de 2009 é de € 6.293.450,40, assim detalhado:
Ano de 2009
Soma do Valor dos Recibos 8.069.231,94 €
Diferimento para 2010 1.775,781,54 €
Imputação a 2009 (por diferença)6.293.450,40 €

- cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf e esclarecimentos de fls. 1534 do Sitaf - resposta ao quesito 11.º.
PP) O valor calculado agora a diferir para o exercício de 2010 é de € 1.775.781,54, mas contabilisticamente foram registados como “diferimentos/anuidades” o montante de € 5.931.704,70 - cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf e esclarecimentos de fls. 1534 do Sitaf, resposta ao quesito 12.º.
QQ) O valor calculado agora a diferir para o exercício de 2010 é de € 1.775.781,54 (valor calculado para os recibos de propinas e taxas de frequência emitidos no segundo semestre de 2009, que poderia ser diferido para o exercício de 2010 aplicando o princípio do acréscimo – valores recebidos em 2009 por serviços a serem prestados no ano de 2010) – cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf e esclarecimentos de fls. 1534 do Sitaf, resposta ao quesito 13.º.
RR) O valor que consta dos documentos contabilísticos como “diferimentos” para o exercício de 2011 é o valor de € 4.628.000,00 - cf. relatório pericial de fls. 1501 e esclarecimentos de fls. 1534 do Sitaf, resposta ao quesito 14.º.
SS) Através da análise de detalhe dos recibos emitidos (suporte informático – CD) o valor calculado agora a diferir em 2010 para o exercício de 2011 soma € 1.678.701,91 – cf. relatório pericial de fls. 1501 do Sitaf e esclarecimentos de fls. 1534 do Sitaf, resposta ao quesito 14.º.

Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa, não se provou:
1) Face ao comportamento do TOC «AA» de recusa em proceder ao encerramento do exercício de 2010, a impugnante deixou de ter interesse em que ele procedesse a tal encerramento e solicitou esse serviço à Dr.ª «BB».
2) O anterior TOC não procedia de forma sistemática a conciliação bancária.
3) As receitas relativas aos pagamentos dos alunos eram contabilizadas com base nos recibos, ou seja, os recibos eram emitidos não após o efectivo recebimento dos valores devidos pelos alunos, mas em contrapartida da entrega de um qualquer meio de pagamento, designadamente cheques.
4) Como não era realizada conciliação bancária, a não apresentação a pagamento dos cheques, ou a sua posterior anulação ou revogação, ou a devolução destes por falta de pagamento, não era tomada em consideração para nenhum efeito.
5) Existiam por isso situações de cheques que nunca tinham sido depositados ou pagos, mas cuja entrega pelos alunos havia dado origem, de forma automática, à emissão de recibo pelos valores neles titulados.
6) Não havendo conciliação bancária, nem sendo considerados os consequentes movimentos de anulação/rectificação decorrentes das causas já referidas, haveria necessariamente uma diferença entre os recibos emitidos e contabilizados como proveitos ou ganhos e os benefícios económicos (recebimentos) efectivamente obtidos.
7) Não existindo conciliação bancária e sendo os recibos emitidos aquando da entrega do meio de pagamento, naturalmente que, no caso dos cheques, mesmo que viessem a ser pagos, existia uma diferença entre a data do recibo e a data do efectivo pagamento dos cheques.
8) A nova TOC, em junho de 2011, teve que iniciar o seu trabalho sem quaisquer elementos dos exercícios precedentes e sem os documentos do primeiro trimestre de 2011 e, não obstante, teve que reconstituir a contabilidade do exercício de 2010, o que foi executando à medida que foi obtendo os elementos que o foram permitindo, embora sempre sem conseguir determinar com rigor os saldos iniciais do exercício.
9) Quando a actual TOC iniciou as suas funções, em meados de 2011, teve que refazer a contabilidade desse exercício desde o início do ano, sem, contudo, poder validar quaisquer saldos iniciais.
10) Na medida do possível, foi reconstituindo a contabilidade de 2010 para proceder também ao seu encerramento, defrontando-se a TOC também com idêntica dificuldade por não ter elementos relativos ao encerramento do exercício de 2009 e assim sucessivamente.
11) Face à falta de conciliação bancária, procedeu então a essa conciliação com base nos extractos de que foi dispondo, de 2010 e de 2011.
12) Como o anterior TOC não procedia a conciliação bancária, optava por fazer a movimentação dos valores através da conta de caixa, designadamente no que se referia ao recebimento das prestações de serviços e depósitos, que eram contabilizados por contrapartida de caixa.
13) A reconstituição da contabilidade de 2010 operada a partir de Junho de 2011, implicou o acerto dessa conta de caixa e a imprescindibilidade de proceder de forma retroactiva e até onde fosse possível, à conciliação bancária.
14) Essa conta "21111999 - cliente diversos" foi utilizada para fazer esse rastreio retroactivo, sendo elaborada ao mesmo tempo que era executada, com as dificuldades já expostas, a contabilidade do exercício em curso, de 2011, com a realização também da conciliação bancária desde o início desse ano.
15) No final de 2011, encontrava-se feita a conciliação bancária relativa quer ao exercício de 2010 quer ao exercício de 2011, mas não a de 2009 e de anos anteriores.
16) Em resultado dessa conciliação, foi então verificado que por referência a 31/12/2010 existia um saldo devedor na conta 21111999 - cliente diversos, que era movimentada a débito por contrapartida dos recibos emitidos pela Fundação e a crédito pelo depósito em instituição bancária das quantias recebida, ou seja, o valor dos recibos emitidos era superior ao valor do dinheiro creditado na conta bancária, naquele montante.
17) Por efeito da sistemática conciliação bancária, em 31/12/2011 o valor a débito de tal conta era diferente e inferior ao saldo verificado a 31/12/2010, sendo de 50.517,38 euros.
18) Considerados apenas os dois exercícios em relação aos quais se procedeu a tal conciliação bancária, isto significa que em 2011 a Fundação emitiu recibos cujo valor total é inferior ao do dinheiro creditado na conta bancária nesse exercício.
19) A diferença entre os saldos a 31/12/2010 e a 31/12/2011 evidencia que em 31/12/2010 existiam pagamentos relativamente aos quais tinha sido já emitido recibo, mas relativamente aos quais se verificou que o dinheiro só deu entrada na conta bancária no ano de 2011: ou foram pagamentos por cheque ainda em trânsito para cobrança bancária, ou só posteriormente depositados, ou de dinheiro recebido na secretaria que também ainda não tinha sido depositado.
20) Esse saldo restante, verificado à data de 31/12/2011 não respeita, portanto, nem ao exercício de 2011 nem ao exercício de 2010, mas sim a exercícios anteriores, relativamente os quais tal conciliação bancária não foi feita.
21) Tal saldo foi apurado apenas porque passou a ser feita a conciliação bancária e porque tal conciliação não podia ser estendida a data anterior a 1/1/2010.
22) Os valores a crédito em 2010 e até essa data eram o resultado da emissão de recibos e não do pagamento efectivo do respectivo valor.

Inexistem outros factos não provados com relevância para a decisão da causa.

Motivação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal na consideração dos factos provados alicerçou-se no teor dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados, bem como à prova testemunhal da seguinte forma:
Alínea Q) dos factos provados: A convicção do Tribunal resultou da consideração dos depoimentos de «BB», contabilista, que declarou que assumiu as funções de técnica oficial de contas (TOC) da impugnante em junho de 2011, bem como do depoimento de «AA», contabilista, anterior TOC da impugnante que confirmou esta factualidade.
Alínea R) dos factos provados: A convicção do Tribunal resultou da consideração dos depoimentos de «BB», contabilista, que declarou que assumiu as funções de técnica oficial de contas (TOC) da impugnante em junho de 2011, bem como do depoimento de «AA», contabilista, anterior TOC da impugnante que confirmou esta factualidade.
Alínea S) dos factos provados: A convicção do Tribunal resultou da consideração dos depoimentos de «BB», contabilista, que declarou que assumiu as funções de técnica oficial de contas (TOC) da impugnante em junho de 2011, bem como do depoimento de «AA», contabilista, anterior TOC da impugnante que confirmou esta factualidade.
Alíneas V) a SS) dos factos provados: A convicção do Tribunal resultou da consideração do relatório pericial junto aos autos e respetivos esclarecimentos de fls. 1501 e 1534 do Sitaf, respetivamente, tendo os srs. peritos respondido neste sentido no que tange à matéria vertida nestas alíneas, não se vislumbrando razões para discordar do parecer técnico dos srs. Peritos.
Com efeito, os srs. Peritos esclareceram que os cálculos efetuados e valores apresentados foram efetuados tendo por base o princípio do acréscimo, conforme consta na parte introdutória de resposta ao quesito 11. Mais esclareceram que os documentos objeto de análise no âmbito do relatório de perícia colegial constam da base de dados que contém todas as faturas/recibos emitidos de janeiro de 2009 a dezembro de 2011 que é igual em termos dos respetivos documentos com a base de dados apreendida pela AT e constante da folha de excel (suporte informático CD), detalhando o procedimento da seguinte forma, não se vislumbrando critério desadequado:
Procedimento detalhado:
a) Obtenção da Base de Dados com a indicação das propinas/taxas de frequências pagas e não anuladas (Faturas/recibo emitidas), aluno a aluno, com informação do "Ano letivo" a que respeitam os documentos emitidos;
b) Selecionar todos os documentos não anulados (Faturas/recibo emitidas), por aluno, referente a cada ano letivo;
c) Determinar o valor total pago, por cada aluno, entre julho e dezembro do ano n, com referência ao ano letivo n/n+1;
d) Calcular, com base no valor da "dívida" (que corresponde ao valor total da propina a pagar em cada ano letivo por cada aluno), o valor de propinas/taxas de frequência a imputar ao ano n (4 meses - Setembro a Dezembro de n - do total dos 10 meses);
e) Comparar, para cada aluno, o valor pago no ano n (obtido conforme descrito em c) com o valor das propinas/taxas de frequência a imputar ao ano n (obtido conforme descrito em d);
f) O valor pago no ano n, calculado conforme descrito em c), que é superior ao valor das propinas/taxas de frequência a imputar ao ano n, calculado conforme descrito em d), corresponde ao valor a diferir de n para n+1 por cada aluno;
g) O somatório do valor a diferir apurado por aluno (calculado conforme descrito em f), corresponde ao valor total a diferir em n para n+1.

Procedimento detalhado da metodologia aplicada na análise dos diferimentos calculados no exercício de 2009 a diferir para 2010
Os documentos analisados, a metodologia seguida e cálculos realizados foram os acima explicitados. De uma forma particularizada descrevemos a metodologia aplicada aos cálculos apresentados para o ano letivo 2009/2010 em que foi a seguinte:
a) Análise da Base de Dados com informação de todas as faturas/recibos ("FR") emitidas e respetivo ano letivo a que respeitam;
b) Selecionar as Faturas/recibo emitidas entre julho e dezembro de 2009, não anuladas, relativas a propinas/taxas de frequência do ano letivo 2009/2010;
c) Determinar o valor pago em 2009, por aluno, documento a documento, não anulado, e relativo ao ano letivo 2009/2010 (Fatura/recibo - FR);
d) Calcular, com base no valor da "dívida" (que corresponde ao valor total da propina a pagar por cada aluno no ano letivo 2009/2010), o valor a imputar a 2009 (4/10 meses);
e) Comparar, para cada aluno, o valor pago no ano 2009, do ano letivo 2009/2010, com o valor das propinas/taxas de frequência a imputar ao ano 2009 (4/10 mesas);
f) O valor pago por cada aluno em 2009 que é superior ao valor das propinas/taxas de frequência a imputar ao ano de 2009, corresponde ao valor a diferir em 2009 para 2010.
g) A diferença entre o total pago de propinas/taxas de frequência até 31.12.2009, referente ao ano letivo 2009/2010, e o valor a diferir, desse mesmo ano letivo, em 31.12.2009 para 2010, corresponde ao valor a imputar como rendimento a 2009.
Entende a FP que na resposta ao quesito décimo quarto, o colégio de peritos extrapolou o âmbito da questão colocada na peritagem, pois nesse quesito perguntava-se qual o valor diferido pela impugnante de 2010 para 2011, pelo que a resposta passava, portanto, apenas pela identificação do montante do diferimento efetuado.
Não se perguntava, nem tinha que ser respondido qual o montante do diferimento que devia ter sido efetuado pela contribuinte, como foi feito pelas senhoras peritas.
Contudo, não se acompanha a argumentação da FP, pois saber qual o valor que consta dos documentos contabilísticos como “diferimentos” para o exercício de 2011 (alínea RR) do probatório) e o valor calculado agora a diferir em 2010 para o exercício de 2011 (alínea SS) do probatório) são respostas que estão contidas no quesito, atendendo à alegação da impugnante, pelo que o Tribunal insere no probatório a alínea SS).

Ponto 1) dos factos não provados: A convicção do Tribunal resultou da falta de prova desta factualidade, pois as testemunhas inquiridas não demonstraram conhecimento sobre a mesma.
Com efeito, «BB», contabilista, que declarou que assumiu as funções de técnica oficial de contas (TOC) da impugnante em junho de 2011, não demonstrou conhecimento direto sobre as razões que motivaram o não encerramento das contas por parte do anterior TOC e o que determinou a cessação da relação profissional estabelecida entre «AA», contabilista, anterior TOC da impugnante, e a impugnante.
«CC», contabilista, sócia de «BB» na empresa de contabilidade “[SCom02...]”, que colaborou com «BB» na execução da contabilidade da impugnante também não demonstrou conhecimento direto sobre as razões que motivaram o não encerramento das contas por parte do anterior TOC e o que determinou a cessação da relação profissional estabelecida entre «AA», contabilista, anterior TOC da impugnante, e a impugnante.
«EE», Revisora Oficial de Contas (ROC) da impugnante desde 2011 também não demonstrou conhecimento direto sobre as razões que motivaram o não encerramento das contas por parte do anterior TOC e o que determinou a cessação da relação profissional estabelecida entre «AA», contabilista, anterior TOC da impugnante, e a impugnante.
Por fim, «AA», contabilista, TOC da impugnante até maio de 2011 afirmou que o dissídio entre ele e a impugnante esteve relacionado com o facto de a testemunha ter detetado faltas de dinheiro no caixa não justificadas e que os responsáveis da impugnante se comprometeram a justificar, mas em vez de procederem a tal justificação dispensaram os seus serviços em maio de 2011.
Deste modo, o Tribunal não ficou convencido sobre a matéria alegada de que a impugnante deixou de ter interesse em que o TOC «AA» procedesse ao encerramento do exercício de 2010 por este se recusar a encerrar as contas ou por outros motivos relacionados com a justificação de saídas de caixa. Ante o exposto, o Tribunal é forçado a dar como não provada esta factualidade por nenhuma das testemunhas inquiridas ter esclarecido as razões que motivaram a dispensa dos serviços do TOC «AA» e as razões que motivaram o não encerramento das contas por parte de «AA».
Ponto 2) dos factos não provados: A convicção do tribunal resultou da falta de prova desta factualidade, pois as testemunhas inquiridas não demonstraram conhecimento sobre a mesma.
Com efeito, «BB», contabilista, que declarou que assumiu as funções de técnica oficial de contas (TOC) da impugnante em junho de 2011, referiu que a conciliação bancária estava deficiente em relação aos valores que se encontravam no banco e aos valores que se encontravam no caixa e que conciliaram aquilo que lhe foi possível.
Declarou ainda que não conseguiu apurar integralmente a conciliação bancária de 2010, porque não conseguiu encontrar correspondência entre os movimentos por falta de documentos justificativos.
Deste modo, o Tribunal não ficou convencido que a conciliação bancária de 2010 não estava feita por o anterior TOC não proceder de forma sistemática a tal conciliação ou se por falta de documentos por parte da impugnante que justificassem os movimentos.
«CC», contabilista, sócia de «BB» na empresa de contabilidade “[SCom02...]”, que colaborou com «BB» na execução da contabilidade da impugnante também apontou para a falta de documentos que justificassem os movimentos, pelo que o Tribunal não ficou convencido que a conciliação bancária de 2010 não estava feita por o anterior TOC não proceder de forma sistemática a tal conciliação ou se por falta de documentos que justificassem os movimentos.
«EE», Revisora Oficial de Contas (ROC) da impugnante desde 2011 também não demonstrou conhecimento direto sobre esta factualidade.
Por fim, «AA», contabilista, TOC da impugnante até maio de 2011 afirmou que efetuava a conciliação bancária, mas o que sucedeu foi a falta de muitos documentos justificativos de saída de verbas por parte dos responsáveis da impugnante. Ante o exposto, o Tribunal é forçado a dar como não provada esta factualidade por nenhuma das testemunhas inquiridas ter logrado esclarecer a factualidade vertida neste ponto.
Pontos 3) a 7) dos factos não provados: A convicção do tribunal resultou da falta de prova desta factualidade, pois as testemunhas inquiridas não demonstraram conhecimento sobre a mesma. Com efeito, «BB», aludiu a situações em que o cheque para pagamento da propina era emitido em dezembro, o recibo era emitido e o valor era só depositado em janeiro apontando, assim, para situações em que ocorria discrepância entre o recebimento e o depósito, mas não conseguiu quantificar situações e respetivos valores.
Deste modo, foi um depoimento genérico não tendo a testemunha revelado razão de ciência sobre a factualidade vertida neste ponto. «CC», não demonstrou conhecimento sobre a factualidade vertida neste ponto.
«EE», Revisora Oficial de Contas (ROC) não demonstrou conhecimento direto desta factualidade, pois afirmou que sempre que se vencia a propina era emitido um recibo (inexistia na altura fatura), desacompanhado do pagamento, mas quando questionada sobre a sua razão de ciência quanto a esta factualidade afirmou não ter conhecimento direto, que foi a explicação que lhe deram na altura pelos serviços da contabilidade, pelo que o Tribunal não ficou convencido sobre esta factualidade.
Ademais, como vimos anteriormente, também não ficou demonstrada a falta de conciliação bancária ou se o que sucedeu foi falta de muitos documentos justificativos de saída de verbas por parte dos responsáveis da impugnante.
Ponto 8) a 10) dos factos não provados: O Tribunal não ficou convencido sobre esta factualidade, pois a testemunha «BB» afirmou que o exercício de 2010 estava contabilizado pelo anterior TOC, mas não estava encerrado, que o anterior TOC já tinha feito os registos contabilísticos do ano de 2010, os registos das contas, dos proveitos, das despesas, dos salários, tudo o que envolvia custos e proveitos da instituição e o que estava por fazer era apenas o fecho oficial do exercício, a entrega do resultado.
Afirmou que estavam em agosto de 2011, com a pressão de fechar as contas e, por isso, os pormenores de conciliação foram depois desenvolvidos em 2011 para fazer o ajuste daquilo que parecia não estar bem.
Deste modo, o Tribunal não ficou convencido sobre a alegada necessidade de “reconstituir a contabilidade do exercício de 2010”, pois segundo a testemunha já estaria tudo contabilizado, só faltaria o fecho e encerraram o exercício, não obstante não encontrarem documentos justificativos.
Ademais, a impugnante alega a falta de elementos para efetuar o trabalho por parte da nova TOC, mas do probatório resulta que na providência de arresto foram arrestadas as pastas de 2009, 2010 e 2011 relativas a bancos, caixa, serviços, dossier fiscais, suporte digital, pelo que o Tribunal não ficou convencido sobre a falta de elementos para encerrar a contabilidade.
Alega a falta de elementos para determinar com rigor os saldos iniciais do exercício de 2010, mas do probatório resulta que na providência de arresto foram arrestadas as pastas de 2009 (bancos, caixa, serviços, dossier), pelo que o Tribunal é forçado a dar como não provada esta factualidade. «CC», contabilista, que colaborou com a TOC «BB» no encerramento do exercício de 2010 declarou que em agosto de 2011 ficaram na posse dos documentos e que o encerramento foi feito pela nova TOC.
Declarou que tinha as pastas, vendas, compras, bancos, caixa, “tinha tudo”, tinha as pastas (faturas, recibos, documentos físicos do ano de 2010), o que não tinha era documentos justificativos de muitos movimentos.
Este depoimento é consentâneo com o que resulta do probatório que na providência de arresto foram arrestadas as pastas de 2009, 2010 e 2011 relativas a bancos, caixa, serviços, dossier fiscais, suporte digital, pelo que o tribunal não ficou convencido sobre a falta de elementos para encerrar a contabilidade.
O depoimento da testemunha aponta, antes, para situações em que ocorria discrepância entre o recebimento e o depósito e falta de documentos justificativos, o que é uma situação diversa da falta de elementos para encerrar a contabilidade.
Esta testemunha alega que não “mexeram em 2009”, que não tiveram acesso aos documentos de 2009, mas do probatório resulta que na providência de arresto foram arrestadas as pastas de 2009 (bancos, caixa, serviços, dossier), pelo que o Tribunal é forçado a dar como não provada esta factualidade (a impossibilidade de determinar com rigor os saldos iniciais do exercício).
Pontos 11), 12), 13), 14), 15), 16) dos factos não provados: A convicção do tribunal resultou da falta de prova desta factualidade, pois as testemunhas inquiridas não demonstraram conhecimento sobre a mesma.
Com efeito, «BB», contabilista, que declarou que assumiu as funções de técnica oficial de contas (TOC) da impugnante em junho de 2011, referiu que a conciliação bancária estava deficiente em relação aos valores que se encontravam no banco e aos valores que se encontravam no caixa e que conciliaram aquilo que lhe foi possível.
Declarou ainda que não conseguiu apurar integralmente a conciliação bancária de 2010, porque não conseguiu encontrar correspondência entre os movimentos por falta de documentos justificativos.
Deste modo, o Tribunal não ficou convencido que a conciliação bancária de 2010 não estava feita por o anterior TOC não proceder de forma sistemática a tal conciliação ou se por falta de documentos por parte da impugnante que justificassem os movimentos.
Por conseguinte, o Tribunal não ficou convencido que foi por o anterior TOC não proceder a conciliação bancária que se optou por fazer a movimentação dos valores através da conta de caixa, designadamente no que se referia ao recebimento das prestações de serviços e depósitos, que eram contabilizados por contrapartida de caixa, ou se foi por falta de apresentação dos justificativos de movimentos por parte da impugnante. «CC», contabilista, sócia de «BB» na empresa de contabilidade “[SCom02...]”, que colaborou com «BB» na execução da contabilidade da impugnante também apontou para a falta de documentos por parte da impugnante que justificassem os movimentos, pelo que o Tribunal não ficou convencido que a conciliação bancária de 2010 não estava feita por o anterior TOC e que foi por isso que se optou por fazer a movimentação dos valores através da conta de caixa, designadamente no que se referia ao recebimento das prestações de serviços e depósitos, que eram contabilizados por contrapartida de caixa, ou se foi por falta de apresentação dos justificativos de movimentos por parte da impugnante.
«EE», Revisora Oficial de Contas (ROC) da impugnante desde 2011 também não demonstrou conhecimento direto sobre esta factualidade. Por fim, «AA», contabilista, TOC da impugnante até maio de 2011 afirmou que efetuava a conciliação bancária, mas o que sucedeu foi a falta de muitos documentos justificativos de movimentos por parte da impugnante.
Ante o exposto, o Tribunal é forçado a dar como não provada esta factualidade por nenhuma das testemunhas inquiridas ter logrado esclarecer a factualidade vertida neste ponto.
Pontos 17) a 22) dos factos não provados: A convicção do Tribunal resultou da falta de prova desta factualidade, pois «BB» declarou que a conciliação bancária estava deficiente em relação aos valores que se encontravam no banco e aos valores que se encontravam no caixa, em 2010 começaram a fazer o que conseguiram de conciliação bancária de 2010 e em 2011 pormenorizaram para fazer a verificação daquilo que vinha do ano anterior; fez a conciliação bancária e com esta acertou os valores reais do banco e os valores reais do caixa com a conclusão do que o que estava no caixa devia estar conciliado também ou no banco; há uma diferença entre a data do recebimento e a data da entrada efetiva; fez a conciliação bancária com base nos extratos de conta; fez a conciliação no final de 2011 e tinha uma diferença de € 50.517,38 que não conseguiu justificar; mas em 2010 a conciliação bancária ainda não ficou toda feita; na conciliação bancária de 2010 não conseguiram apurar na totalidade porque faltaram documentos; fez a conciliação bancária até onde foi possível, mas 2009 não tinha elementos para tal, nem anos anteriores.
Deste modo, atendendo à assumida falta de documentos justificativos o Tribunal não ficou convencido sobre esta factualidade. «CC», contabilista, que colaborou com a TOC «BB» no encerramento do exercício de 2010 declarou que em 2011 apuraram um valor de cerca de € 50.000,00 através da conciliação bancária, mas que teriam que recuar diversos exercícios para saber a origem da diferença, daí que atendendo à falta de documentos justificativos o Tribunal não ficou convencido sobre esta factualidade.

3. Atentas as conclusões extraídas da motivação de recurso, que sintetizam as razões do pedido e recortam o thema decidendum, as questões que reclamam solução neste recurso consistem em aferir do acerto do valor da causa, do erro de julgamento da matéria de facto, bem, como do julgamento de direito, conforme invocado nas conclusões de recurso.

4. Do valor da causa:
Nos termos do art. 97º-A nº 1 al. a) do CPPT, o valor atendível para efeito de custas, nas acções que correm termos nos tribunais tributários, sempre que seja impugnada a liquidação é o da importância cuja anulação se pretende.
Ora, na presente acção, a impugnante visa a anulação da liquidação de IRC de 2010 e juros compensatórios, que importa o valor global de € 844.091,23, pelo que é este o valor a fixar à causa.
Assiste, pois, razão à recorrente neste ponto.

5. Do julgamento da matéria de facto:
A recorrente insurge-se contra o julgamento de facto efectuado na sentença recorrida, no que aos factos não provados concerne, entendendo que o Tribunal errou, devendo dar-se como provados os factos nº 2 a 7 e 16 a 20.
Vejamos.
Ponto 2 dos factos não provados: da motivação da matéria de facto, efectuada pela sentença recorrida, ressalta que o Tribunal a quo conhecia as condições em que ocorreu a cessação do contrato de prestação de serviços de contabilidade por «AA», pois disso deu conta em diversos momentos da motivação. Porém, o facto de a cessação de tal relação não ter sido pacífica, não significa que não se possa valorar o depoimento do anterior TOC, «AA». Além disso, perscrutando a motivação da sentença relativamente ao ponto 2 dos factos não provados, verifica-se que as várias testemunhas apontaram a falta de documentos que possibilitassem a conciliação bancária, não só o anterior TOC, nenhuma referindo ter conhecimento de que «AA» não efectuava a conciliação bancária de forma sistemática.
Dos pontos concretos dos depoimentos identificados pela recorrente, analisados pelo Tribunal, não resulta a conclusão que aquela pretende. De facto, não era por a conciliação bancária estar deficiente ou não ter sido feita naquele período, que se pode concluir que nunca foi feita ou não o era por sistema. De notar que na sentença recorrida entendeu-se que a incorrecta conciliação bancária poderá ter sido causada pela ausência de documentos de suporte, sendo que não vemos motivo para alterar tal asserção.
Do mesmo modo, afigura-se-nos correcta a apreciação feita pelo Tribunal recorrido relativamente aos factos não provados sob os nºs 3 a 7, segundo a qual, o depoimento de «BB» mostrou-se vago e genérico. E, analisado o depoimento, constata-se que a testemunha referiu a situação de o recibo ser emitido contra a entrega do meio de pagamento e não do efectivo pagamento, ocorrendo discrepância temporal entre estes momentos, porém, como bem se diz na sentença, não foram referidos montantes nem quantificadas as situações em que sucedeu que os cheques não obtiveram bom pagamento, pelo que não se poderá considerar provados os factos 3 a 7, como pretende a recorrente.

Quanto ao facto não provado nº 16, assiste razão à recorrente, pelo que este facto deverá constar do rol de factos provados.

Os factos não provados 17 a 20 foram assim considerados por o Tribunal recorrido ter entendido que não foi produzida prova suficiente, já que as testemunhas referiram que não conseguiram apurar a origem da diferença de € 57.517,38.
E dos elementos agora trazidos pela recorrente não se vislumbra outra conclusão. Na verdade, as testemunhas não lograram explicar a origem da diferença daquele montante nem se o mesmo ocorreu, limitando-se a avançar uma possibilidade que não comprovaram.
Além disso, resulta da análise do direito de audição, efectuada no RIT, que a AT consultou os elementos contabilísticos do ano de 2011, apreendidos no processo de inquérito nº 15.../.....TDPRT, verificando que a referida conta apresenta um saldo de abertura de €78.726,91 (apurado em 2010), débitos derivados de recibos emitidos e devoluções de meios de pagamento e créditos por contrapartida dos depósitos bancários, apresentando um saldo final de € 98.587,33.
Acresce que, para comprovar a tese de que o saldo devedor resultaria de cheques devolvidos ou pagamentos feitos em 2011, a impugnante teria de apresentar os respectivos documentos, designadamente a cópia dos cheques, documentos bancários comprovativos da data das transferências ou depósitos em numerário, o que não sucedeu.
Deste modo, não se altera a matéria relativa aos pontos 17 a 20.

6. Do julgamento de direito:
Em primeiro lugar, a recorrente considera que a diferença de saldos da conta 21111999 – Clientes diversos, a 31.12.2010 e 31.12.2011, evidencia que em 31.12.2010 existiam pagamentos de alunos, cujo recibo já tinha sido emitido mas o valor só deu entrada em 2011.
Porém, conforme resulta do probatório, não resultou provado que em 31.12.2011, o saldo da conta era inferior (facto não provado nº 17), em virtude da conciliação bancária efectuada, sendo que nada resultou provado a este respeito.
Como se referiu na sentença sub judice, “No caso dos autos, a IT ao analisar a conta de terceiros, conta 21111999-clientes diversos, que era movimentada a débito por contrapartida dos recibos emitidos pela Fundação ... (Fundação ...) e a crédito pelo depósito em instituição bancária das quantias recebidas apresentava um saldo de € 78.726,91 de quantias recebidas e não depositadas em Instituições bancárias. Com efeito, considerando que se regista nessa conta um saldo de € 78.726,91 sendo a contrapartida o reconhecimento como Prestação de Serviços da Fundação ..., isto é, Réditos reconhecidos no exercício, e não tendo sido apresentadas provas documentais de cheques não apresentados a desconto, cheques devolvidos de alunos, depósitos não relevados contabilisticamente, ou seja, a falta de relevação contabilística da anulação desse saldo (total ou parcialmente) por via da anulação dos respetivos recibos é forçoso concluir estarmos na presença de valores com destino desconhecido.”.
E não vemos motivo para divergir desta conclusão.
Com efeito, em face da matéria de facto não provada, não apresentando a recorrente documentos que justifiquem o destino do valor do saldo da conta clientes diversos e nada se comprovando quanto aos beneficiários, natureza, origem e finalidade do saldo apurado, deve este ser qualificado como despesa não documentada (art. 88º do CIRC).

A recorrente insurge-se, igualmente, contra a correcção no valor de € 3.424.507,10, que a AT adicionou à matéria colectável de 2010 por entender que tal valor corresponde à constituição em excesso de rendimentos diferidos.
Como decorre dos factos provados, a principal fonte de rendimento da impugnante resulta de actividade de ensino, que, por se desenrolar em anos lectivos, abarca parte de dois exercícios económicos.
A correcção da AT teve por base a análise das propinas e anuidades relativas ao ano lectivo de 2010/11, recebidas durante o ano de 2010 e assentou no seguinte:
“(i) Conta ¯2821 – Anuidades - o pagamento de propinas reúne todas as condições para que a quantia a imputar a cada período económico possa ser fiavelmente determinada, respeitando-se o regime contabilístico e fiscal do acréscimo;
(ii) Como entre os elementos apreendidos pela Polícia Judiciária do Porto, se encontram dados informáticos contendo o detalhe de todos os recibos emitidos a alunos da Fundação ... em diversos anos, incluindo o exercício de 2010, decidiu-se separar de forma exaustiva, recibo a recibo, os réditos referentes ao exercício económico de 2010 dos réditos referentes ao exercício de 2011;
(iii) A metodologia utilizada consistiu em isolar todos os pagamentos efetuados no período de julho a dezembro de 2010, referentes a propinas e taxas de frequência não anuladas, por forma a averiguar os valores pagos relativos a serviços a serem prestados no exercido de 2011 e assim avaliar o rendimento diferido constituído no montante de € 4.628,000,00;
(iv) O montante global recebido pela Fundação ... no período de tempo referido, no que respeita a propinas e taxas de frequência, foi de € 8.360.663,13;
(v) Desse total, € 6.355.008,30 dizem respeito a pagamentos de propinas e taxas de frequência imputáveis ao exercício económico de 2010;
(vi) Resulta assim que, no período de julho a dezembro de 2010, o apuramento de pagamentos que incluem serviços a serem prestados no exercício de 2011 totalizam a quantia de € 2.005.654,83;
(vii) Este montante foi repartido de acordo com a política utilizada pela entidade (a mesma adotada pelas demais entidades do sector), a qual merece a nossa concordância, distribuído por 10 meses contados de setembro a junho do ano seguinte, apurando-se a verba de € 1.203.392,90, referente aos 6 meses do exercido de 2011, a constituir como rendimentos diferidos de 2010 (€2.005.654,83 x 6/ 10);
(viii) Desta forma, encontram-se constituídos em excesso rendimentos diferidos no montante de € 3.424.607,18 (€ 4.628.000,00 - € 1.203.392,90), que devem ser adicionados à matéria coletável do exercício de 2010”. (cfr. pág. 37 e 38 da sentença).
Em primeiro lugar, a impugnante alega que os rendimentos relativos ao exercício de 2010 contemplam também os diferimentos do ano anterior no total de € 5.931.704,71, sendo que, aplicando a mesma metodologia, este valor também teria de ser reduzido em 2010 e tributado em 2009, o que a AT não fez. Na verdade, alega a impugnante que, em vez montante de € 5.931.704,71 (também constituído em excesso em 2009), deveria ter diferido montante inferior, o que teria de ser levado em conta também pela AT.
Alega também que o excesso de diferimentos verificado provém de anos anteriores a 2010, o que deveria ter sido averiguado pela AT, sob pena de violação dos princípios do inquisitório, da legalidade e da tributação do lucro real (conclusões PP a RRR).
Mas não tem razão.
A este propósito expendeu-se na sentença:
(…) A questão que importa, primeiramente, responder é se se impunha à AT ter considerado um valor diferente do registado como - diferimentos/anuidades para 2010 e para 2011. A resposta é negativa, pois, como vimos, a AT tomou como certo estes valores, sendo que não lhe cabia alterá-los, indagar sobre a correção do mesmo, pois à AT não cabe refazer a contabilidade da impugnante, alterando valores de exercícios anteriores que não estão no âmbito do procedimento inspetivo. Com efeito, a Administração deve apurar os factos que determinam as correções sendo um corolário do princípio ínsito no art.º 74.º, n.º 1 da LGT segundo o qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, ou seja a Administração tem o dever de demonstrar os factos em que assentou as correções e foi o que sucedeu no caso dos autos.
(…)
Assim, não lhe competia, por iniciativa própria e oficiosa, averiguar da valia do saldo inicial de 2010, refazer a contabilidade da impugnante dos exercícios anteriores de 2009, 2008, etc, não lhe competindo proceder de forma retroativa. Caso contrário, estaríamos face a uma inversão do raciocínio e do iter procedimental, legalmente fixado, nos termos do qual, em primeiro lugar, a Administração deve apurar os factos que determinam as correções, só depois é que caberá ao sujeito passivo provar os factos constitutivos do seu direito. Deste modo, a AT demonstrou os pressupostos da sua atuação, pelo que caberá à impugnante demonstrar o erro na contabilização dos saldos por si registados a título de diferimentos.”
E esta tese é de sufragar, pois que compete ao sujeito passivo manter a contabilidade em ordem, por forma a permitir o apuramento da obrigação de imposto, tendo como obrigações acessórias, designadamente, a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações (art. 31º, nº 3 da LGT).
Por outro lado, a impugnante sempre teria a possibilidade de alegar e demonstrar o erro de contabilização do saldo inicial de 2010 da conta de diferimentos, mas não logrou conseguir.
Para tanto, a recorrente alegou que o excesso contabilizado é proveniente de exercícios anteriores, admitindo que vinha diferindo proveitos e adiando a tributação desde exercícios anteriores a 2009.
Como se diz na sentença (pág. 46), “(…) (note-se que a impugnante alega que o anterior TOC, Dr. «AA», havia também diferido para 2010 valor muitíssimo superior ao dos rendimentos correspondentes a 6/10 das propinas recebidas no ano de 2009 referentes ao ano lectivo de 2009/2010, tal como havia também efectuado nos exercícios a esse precedentes, pelo que o excesso de diferimento de rendimentos era muito anterior e, em qualquer caso, seguramente anterior ao exercício de 2010, nada havendo a acrescer neste, a esse propósito). Com efeito, se o valor calculado agora a diferir para o exercício de 2010 é de € 1.775.781,54, então o excesso decorrerá de exercícios anteriores a 2009, como bem sustenta a impugnante, mas tal não basta para inquinar de ilegalidade as correções efetuadas e, por via disso, a liquidação adicional.
Com efeito, cabia à impugnante alegar e provar que o excesso de diferimentos por si contabilizado (note-se que foi a impugnante que efetuou o registo do saldo inicial de diferimento de 2010 e, por isso, a AT tomou-o como certo, não se antevendo razões para não o tomar, como vimos) se deveu a erro contabilístico, ou seja que esse excesso não se reportava a proveitos efetivamente auferidos nos anos anteriores e que se tratou de um lapso, o que não aconteceu.”
Deste modo, não logrou a recorrente demonstrar que o excesso verificado em 2010 se deveu a lapso e que não respeita a rendimentos reportados a anos anteriores, mas ao invés, da sua alegação, conclui-se que foi levando a cabo o sucessivo diferimento de proveitos ao longo dos diversos anos, subtraindo-os à tributação, sendo a recorrente incapaz de elucidar quais os montantes que se referem a cada ano.
Com efeito, a impugnante não pode, consecutivamente, diferir rendimentos para anos seguintes, subtraindo-se, assim, à justa tributação dos proveitos obtidos em cada ano e agora pretender que esses rendimentos sejam corrigidos relativamente a exercícios anteriores em que já não é possível liquidar oficiosamente o imposto devido.
Na verdade, compete à impugnante manter a regularidade da contabilidade, declarando os rendimentos que correspondem a cada ano e sujeitando-se à respectiva tributação, não sendo responsabilidade da AT efectuar um exercício de correcção da contabilidade e efectuar os cálculos dos excessos diferidos de anos anteriores, sendo que a impugnante não refere sequer o montante que respeita a cada exercício.
A recorrente invoca, ainda, a violação do princípio da especialização dos exercícios, previsto no art. 18º do CIRC, que dispõe que os proveitos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios.
O CIRC consagra um critério económico, com respeito pelo rendimento acréscimo, segundo o qual, a imputação das componentes positiva e negativa do lucro tributável efectua-se a partir da verificação dos respectivos eventos económicos geradores dos rendimentos e sem consideração da sua efectivação financeira, pelo que é irrelevante o recebimento ou pagamento de uma quantia, mas sim o momento em que as obrigações nascem. O legislador estabeleceu como regra que apenas os réditos e gastos economicamente imputáveis a um determinado período são de considerar nesse período (balanceamento) e só os esses podem, por conseguinte, influenciar o seu resultado líquido e correspondente lucro tributável, devendo ser incluídos nas demonstrações financeiras do período.
Por seu turno, o nº 2 do art. 18º do CIRC, na redacção aplicável, prescreve que “as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”.
Como se decidiu no acórdão do TCA Sul de 30.9.2021, proferido no proc. nº 2312/09.9BELRS, “(…) «Não obstante, a aplicação do principio-regra da especialização dos exercícios não deve ser cega, ou de molde a redundar numa ofensa da justiça material, seja em benefício do sujeito passivo, seja em benefício do Estado. Será aconselhável aferir se a indevida contabilização num dado período obstou à tributação através de omissões deliberadas, com uma transferência de resultados entre períodos».
(…)
«Não põe em causa tal princípio a imputação, a um exercício, de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios. // Tal postulado é exigido pelo princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP, e 50.º da LGT. // Para efeitos do n.º 2 do mesmo dispositivo legal, “as componentes positivas ou negativas” não são “imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas” quando a sua não consideração, no exercício a que respeitam, se deve a erro contabilístico ou outro, do próprio contribuinte, já que tal norma há-de interpretar-se no sentido de que tais pressupostos, para serem relevantes, hão-de decorrer de situações externas que aquele não pode controlar». (…)”.
Vejamos o que se exarou na sentença, relativamente à pretensa violação do princípio da especialização de exercícios (pp. 48 e 49):
“(…) A impugnante realiza o seguinte raciocínio: se os proveitos se reportam a exercícios anteriores então a tributação dos mesmos em 2010 viola o princípio da especialização dos exercícios e da tributação do rendimento real, uma vez que não respeitam ao exercício de 2010. Ora, se esta situação sucede é porque a impugnante os diferiu, pelo que a aplicação destes princípios não pode ser feita de forma rígida de molde a permitir uma possível evasão fiscal. O diferimento dos proveitos resultou de uma opção do contribuinte para a qual não apresentou fundamento legal, pelo que estes princípios devem ceder perante os fins de prevenção geral da lei fiscal.
Na opinião de Tomás Cantista Tavares, no caso do diferimento do imposto, mesmo que o erro seja intencional, deve aceitar-se o afastamento do princípio da especialização desde que o SP proceda ao registo do rendimento ou gasto em exercício posterior, não podendo afastar-se desta obrigação alegando a caducidade do direito à liquidação: neste sentido, Tomás Cantista Tavares, ¯IRC e contabilidade: da realização ao justo valor‖, Almedina, ano de 2011, pág. 65 e ss.
Prossegue aquele autor que no caso de diferimento do imposto, existem dois condicionamentos e esclarecimentos, ou seja ¯no cometimento ao sujeito passivo de um acrescido ónus de cooperação, para se impedir que o seu erro (voluntário ou involuntário) sirva de álibi para se eximir ao pagamento do imposto: a) no diferimento temporal do proveito, o sujeito, embora laborando em erro, tenciona registar o ganho em ano fiscal ulterior. Não pode exonerar-se dessa inscrição (em exercício posterior) com o argumento da caducidade do direito à liquidação, se acaso adotasse o correto critério da especialização. O erro do contribuinte transmuda o exercício competente e relevante para a inscrição fiscal do proveito. […]O sistema fiscal não pode tolerar qualquer exclusão (mesmo parcial) de imposto, ainda que pretensamente coberta ou justificada por uma violação benigna (não censurável ou sem culpa), da especialização dos exercícios‖: cf. ob cit., págs. 70, 71 e 73.
Se a impugnante vinha contabilizando diferimentos ao longo de exercícios anteriores ao inspecionado adiando-se, deste modo, a tributação, não pode escudar-se na violação do princípio da especialização dos exercícios, pois, como afirma aquele autor, no caso de diferimento do imposto este princípio não pode servir de álibi para se eximir ao pagamento do imposto. O excesso verificado deve ser considerado no exercício em causa nos presentes autos, não podendo invocar a caducidade da liquidação por isso, tal como afirma aquele autor, sem prejuízo de ter a possibilidade de demonstrar que esses diferimentos não são reais, deveram-se a lapso, a situações externas não controláveis pela impugnante, não houve intenção de transferir os resultados ao longo dos exercícios adiando a tributação, o que não sucedeu (…)”.
Na situação vertente, a recorrente vem alegar que os proveitos diferidos não são reais, mas acumulados de anos anteriores, nada comprovando, em concreto a este respeito.
Na verdade, importaria demonstrar, ónus a cargo da impugnante, se o alegado erro na contabilização dos proveitos em causa foi ou não intencional ou, ao invés, se deveu a circunstâncias exógenas à própria sociedade, a ponto de, em tal circunstância, se tornar inexigível ao contribuinte, por razões de justiça material, a obrigatoriedade de inscrição contabilística do proveito no ano correspondente à constituição do direito em apreço.
Ora, a demonstração da ocorrência de factores inexoráveis e imprevisíveis para a impugnante que estão na base da contabilização dos proveitos em exercícios diferentes daquele que lhes corresponde não foi feita pela parte sobre a qual recai ónus da prova, a recorrente, pois esta não dissipou a dúvida sobre se o diferimento dos proveitos não acarretou a manipulação indevida do lucro tributável dos exercícios (neste sentido o acórdão citado).
Acresce que, também como se decidiu na sentença, não tendo a impugnante alegado e provado que os proveitos diferidos não são reais, não se pode dizer que foi violado o princípio da tributação pelo rendimento real.

Por fim, alega a recorrente que o Tribunal deveria ter valorado o resultado do relatório pericial no que concerne ao valor a diferir de 2010 para 2011, determinando a anulação parcial da liquidação.
Resulta da al. K) do probatório que a AT a Administração Tributária apurou a verba de € 1.203.392,90 a constituir como rendimentos diferidos de 2010 para 2011, pelo que considerou constituídos em excesso rendimentos diferidos no montante de € 3.424.607,10 (EUR 4.628.000 – € 1.203.392,90), que foram adicionados à matéria colectável, determinando assim a liquidação adicional de imposto.
Por outro lado, resulta do relatório pericial e da alínea SS) do probatório, que o valor calculado a diferir em 2010 para o exercício de 2011 é de € 1.678.701,91.
Ora, constando este valor da matéria de facto assente, suportado no relatório pericial elaborado pelos peritos e não impugnado pela FP, conclui-se que é este valor a ter em conta para cálculo da matéria colectável sobre que incidirá o imposto.
Assim, o excesso de rendimentos diferidos de 2010 para 2011 foi de € 2.949.298,09 (€ 4.628.000,00 – € 1.678.701,91), o que se decidirá, pelo que, nesta parte, assiste razão à recorrente.

Do remanescente da taxa de justiça:
Nos termos do nº 7 do art. 6º do RCP, nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Ora, a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
Na situação em apreço, verifica-se que a acção versou sobre questões que não revestiram especial complexidade sendo que, por outro lado, as partes não adoptaram incorrecta conduta processual, pelo que se mostram verificados os pressupostos de que depende a requerida dispensa.
Por outro lado, o valor a pagar a título de remanescente afigura-se-nos elevado em face do serviço prestado, a justificar a dispensa do pagamento do pagamento do remanescente como modo de obviar à violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade e da necessidade.
Assim, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 7, do RCP, defiro a pretensão da Fazenda Pública, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, em ambas as instâncias.

7. Decisão:
Em consonância com o que acabamos de expender, acordam em conferência os juízes deste Tribunal, em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
- determinar a redução da correcção relativa a diferimentos para o valor de € 2.949.298,09;
- confirmar a sentença no demais decidido.
Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento, considerando-se que a impugnante decaiu em 86%.
Dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Nos termos do art. 663º, nº 7, do CPC, elabora-se o sumário:
I – O saldo devedor de uma conta de clientes, sempre que não se comprovem os beneficiários, natureza e finalidade, deve ser qualificado como despesa não documentada.
II - Compete ao contribuinte o ónus de comprovar que o diferimento de proveitos ocorreu por motivo que não lhe é imputável.
* * *
Porto, 27 de Março de 2025

Graça Valga Martins
Virgínia Andrade
Maria Celeste Oliveira