Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02271/17.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/07/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:LUÍS MIGUEIS GARCIA
Descritores:DIREITO À PROVA;
Sumário:I) – O «“direito à prova” postula a ideia as partes têm o direito (i), por via de ação e da defesa, de utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal, de (ii) contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal, bem como o (iii) direito à contraprova.» (Ac. deste TCAN, de 05-04-2024, proc. n.º 002329/15.4BEPRT-S1).*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

SCom01, Unipessoal, Ldª (R. ..., ..., loja 14, ... ...) interpõe recurso jurisdicional em acção administrativa por si intentada contra o Município ... (Paços do Concelho, Praça ..., ... ...) e contra-interessados «AA», «BB», «CC», «DD», «EE», «FF», «GG», «AA», e «HH», id. nos autos, que o TAF do Porto julgou improcedente.

A recorrente estende sob “conclusões”:

1.O presente recurso vem interposto dos despachos de fls e da sentença os quais foram inteiramente desfavoráveis à Recorrente, e com os quais a mesma não se conforma, por entender que padecem de nulidade e erro de julgamento que quanto aos factos que quanto ao direito.
2. Os despacho sobre que incide o presente recurso não constituem uma “decisão de natureza discricionária” insusceptível de recurso, mas antes e verdadeiramente uma decisão vinculada, aos casos legalmente previstos, em que o tribunal tem o poder de indeferir a prova requerida pelas partes, nomeadamente, por a mesma se mostrar claramente desnecessária à boa decisão da causa, bem como quanto à não realização de audiência prévia.
3. E, o despacho recorrido de fls. traduz uma decisão de rejeição de um meio de prova, e, por isso, o mesmo é susceptível de recurso, nos termos e para os efeitos do artigo 644º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil.
4. O despacho de fls. objecto deste recurso não cumpre as exigências legais, na medida em que não se mostra devidamente fundamentado pois não permite perceber em concreto os factos, as razões pelas quais a prova requerida se mostra claramente dilatória, desnecessária, assente ou irrelevante, nem incide sobre a realidade onde seja evidente a desnecessidade de produção de prova testemunhal, e era imprescindível tal fundamentação.
5.A tendência “confortável” de decidir apenas com base em documentos que constam dos autos, leva, muitas das vezes, a que a jurisdição administrativa cometa erros e proceda a uma verdadeira denegação de justiça, como sucedeu no caso dos autos.
6. A produção da prova requerida era essencial para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, desde logo num tema central e definitivo que é o de saber se havia ou não violação dos limites legais do ruído.
7. Pois só com por via da prova testemunhal é que o Tribunal poderia perceber como é que o relatório de medição acústica efectuado pelo Recorrido, havia sido deliberadamente falseado para dar um resultado acima do valor legal limite, e, também só pela prova testemunhal o Tribunal perceberia a recusa de funcionários do Recorrido em fazer nova medição (mesmo quando da Direcção Jurídica havia dito o contrário).
8. O facto da entidade ser acreditada não é por si só suficiente para se poder concluir que a medição foi bem feita ou que não foi deliberadamente adulterada.
9.Também a matéria (igualmente da maior relevância) referente às influências e interesses da funcionária da Recorrida, A. «II», não são alcançáveis, nem se podem provar por meros documentos. Importava pois apurar o relacionamento e os contactos havidos entre os reclamantes e os funcionários do Réu.
10.E, para tanto, não bastava uma simples apreciação da prova documental.
11. Apesar de ter convidado as partes a indicarem a matéria de facto para prova testemunhal, depois, o Mmº Juiz “a quo” surge com uma decisão surpresa de indeferimento da prova seguido da sentença, e nem sequer esclarece quais em concreto os pontos de facto indicados pelas partes para produção de prova testemunhal que não carecem de tal prova e porque é que assim entende.
12.A prova testemunhal e por declarações de parte requeridas pela aqui Recorrente têm em vista a prova dos factos vertidos, entre outros, nos artigos 2º a 29º, 31º, 37º a 42, 45º, 47º, 51º a 53º, 55º a 57º, 61º a 64º, 67º, 69º a 79º, 88º a 92º, 103º, 111º a 114º, 116º, 123º a 132º, 136º a 155º, 157º a 162º, 166º, 168º, 171º, 178º, 179º, 184º, 187º, 195º a 197º, 199º, 201º, 207º, 209º a 212º, 225º, 226º a 241º da p.i. e contraprova da matéria vertida nos artigos 5º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 16º, 17º, 18º, 21º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º a 40º, 48º, 49º, 50º, 52º, 53º, 65º, 66º, 67º e 68º da contestação de fls., os quais contêm, em parte, matéria de facto que foi impugnada e que não se encontra integralmente reflectida nos documentos juntos aos autos, nem no processo instrutor, para além de que até contradizem elementos e informações documentais.
13. Os documentos particulares, incluindo, aqueles que constam do P.A. (procedimento administrativo) não têm força obrigatória plena e não são mais do que meros documentos particulares, o que assume particular relevância à luz do actual regime do ónus da prova e atento o supra exposto.
14.A matéria de facto dada como provada, constante dos itens 1. a 32. da Parte “Matéria de Facto” tinha sofrido profundas alterações, caso tivessem sido prestados os depoimentos das testemunhas arroladas pelas partes e tomadas as declarações de parte requeridas.
15. Diz-se na douta sentença recorrida (pág. 25) que “a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, referidos em cada um dos números do probatório, concretamente, os documentos constantes dos procedimentos administrativos juntos e os documentos do processo físico juntos pelas partes, nos termos expressamente referidos no final de cada facto” porém, a Recorrente não foi notificada de quaisquer documentos juntos pela Recorrida nem do processo instrutor.
16.O que consubstancia nulidade (artigo 195º do CPC) que desde já se suscita e invoca para os devidos efeitos legais. E, essa omissão, na pratica negou à Recorrente o exercício do direito fundamental ao contraditório, e prejudica os direitos e garantias da Recorrente, que dessa feita não pôde contraditar, nem responder, nem organizar cabalmente a defesa da sua tese.
17. A prova documental, resultante dos documentos juntos aos autos e dos procedimentos administrativos, individual e isoladamente considerados, não se revela suficiente para dela extrair quaisquer ilações, nem tão-pouco para dar como assentes e provados os factos que passaram a constar da sentença, e para tanto impor-se-ia a produção dos demais meios de prova e, em particular, da prova testemunhal e da prova por declarações de parte.
18. O tribunal “ a quo” não podia actuar como actuou e decidir como decidiu, ao impedir a prova testemunhal e a prova por declarações de parte requeridas, pois esses eram os meios de que a Recorrente dispunha para demonstrar a matéria de facto vertida no seu requerimento inicial e nos articulados que se lhe seguiram e, portanto, salvo melhor entendimento, o tribunal “a quo” errou, ao dispensar estes meios de prova com os fundamentos que invocou (em bom rigor, a aplicação do disposto no artigo 90º, nº 3 do CPTA).
19.No despacho, sentença recorridos o Juiz a quo não fez correcta aplicação da lei, porquanto atendendo, ao ónus da prova, à força probatória dos documentos em causa, ao facto a Recorrente não ter sido notificada dos documentos e processo instrutor juntos pelo Recorrido para sobre os mesmos se poder pronunciar, às questões em causa e aos factos invocados pela Recorrente na sua p.i., a inquirição das testemunhas arroladas pela ora Recorrente e a tomada de declarações de parte do seu legal representante, e o exercício do contraditório quanto à prova que foi junta, revelam-se indispensáveis para a correcta decisão do pleito e para a garantia do princípio da tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legítimos.
20.O artigo 90º, nº 3 do CPTA, não diverge, na essência, da norma contida nos artigos 410º e 411º do Código de Processo Civil (CPC), de acordo com os quais, a recusa da produção de prova pelo Juiz só pode ocorrer quando seja manifestamente impertinente ou dilatória, o que não é o caso, nem tal foi referido ou fundamentado no despacho de fls. recorrido.
21. Ora, no despacho recorrido, o tribunal “a quo” não fundamenta minimamente o seu juízo sobre a desnecessidade de prova, sendo certo que não invoca qual a prova que é manifestamente desnecessária, impertinente ou dilatória, o que, em qualquer caso, não se verifica nos presentes autos, sendo que, o tribunal “a quo” só poderia negar à ora Recorrente a possibilidade de produzir prova nos termos gerais de direito, previstos no CPTA, na lei civil e processual civil, se tivesse previamente entendido e decidido que as tais questões e tal matéria de facto são irrelevantes para a solução jurídica a dar ao pleito, o que não sucedeu, até porque, em qualquer dos casos, não seriam irrelevantes para a solução, nem tão-pouco impertinentes ou dilatórias.
22. O despacho e a sentença recorridos descuram que o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e o sistema processual em si mesmo é enformado por uma ideia não restritiva no que respeita à matéria da actividade probatória, sendo nesta linha que aponta o artigo 413º do CPC ao estatuir que o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas.
23.O direito à prova surge no nosso ordenamento jurídico processual constitucional como uma motivação natural, por um lado, da garantia da acção e da defesa e, por outro, como uma emanação dos direitos, liberdades e garantias que merecem tutela constitucional e que se materializam, no domínio jurisdicional, pela garantia de, por via da acção e da defesa as partes terem o direito de, querendo, utilizarem os direitos de prova que a lei coloca à sua disposição. As normas processuais não podem deixar de ser interpretadas em conformidade com este direito à prova constitucionalmente garantido, restringindo-se e condicionando-se ao máximo as limitações ao direito em causa.
24.O entendimento do douto despacho recorrido, de que pode, nos termos em que o fez, dispensar a prova testemunhal (e as declarações de parte) requerida pela ora Recorrente, constitui uma interpretação e aplicação errada do artigo 90º, nº 3 do CPTA e uma profunda violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado nos artigos 20°, n.ºs 1 e 4 e 268°, nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
25. As decisões recorridas devem ser revogadas e substituídas por outra que ordene, a notificação do processo instrutor com prazo para pronuncia e ainda determine a produção de prova, procedendo-se à selecção da matéria de facto, temas da prova e se dê lugar à apreciação e admissão dos respectivos requerimentos probatórios, sob pena de violação dos artigos 2º, 7º, 7º-A, 8º, 87º-B, nº 1, 90º nº 3, do CPTA e 410º, 411º, 412º, 413º, 414º, 445º, 607º do CPC, sendo que, o referido despacho é ainda nulo atento o artigo 615º, nº 1 alínea b) do CPC, com as legais consequências.
26.A não notificação da prova do Recorrido e do p.a., nem a possibilidade de contraditório ao mesmo bem como a subsistência de matéria de facto controvertida carecida de prova e a não admissão da realização dos actos instrutórios requeridos traduz-se ainda numa violação ao princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado na Constituição da República Portuguesa, mas também, no plano internacional, na Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, vulgo Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no Tratado da União Europeia, na Carta Direitos dos Direitos Fundamentais da União Europeia e reconhecido pela jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia.
27.A previsão da tutela jurisdicional efectiva e de um processo equitativo impõe que as partes possam ter a possibilidade de contraditar a prova e de realizar todas as diligências instrutórias que considerem necessário para provar os factos que alegam e que considerem fundamentais para o apuramento da verdade material e convenientes para a obtenção de uma pronúncia de mérito sobre o pedido (e a causa de pedir) requerido. A inobservância deste princípio importa para a Recorrente a desconsideração e violação de uma das mais elementares garantias de um Estado de Direito.
28.Em concretização deste e de outros preceitos, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já afirmou, em múltiplos acórdãos, que, por força do direito fundamental dos particulares a um processo equitativo, “… o tribunal tem a obrigação de proceder a um exame efectivo dos meios, argumentos e elementos de prova oferecidas pelas partes”, (sublinhado nosso) não sendo admissível que desconsidere liminarmente, por entender desnecessária, in casu, a prova testemunhal, ainda antes de a mesma se realizar, privando a parte de recorrer a todos os expedientes que tem à sua disposição e violando, também, a própria estrutura do processo administrativo enquanto processo de partes e onde vigora o princípio do dispositivo (cfr. Acórdão do TEDH, Kraska, de 19 de Abril de 1993, A 254-B, pág. 49, § 30; Decisão de 20 de Maio de 1996, Queixa nº 24.667/94, Déc. Rap. 85-A, pág. 103; e IRINEU CABRAL BARRETO, in A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 4ª edição, Coimbra Editora, 2010, págs. 142, 143 e 165).
29.Por força do artigo 6º nº 3 do Tratado da União Europeia, “Do direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros”, sendo que os Estados-Membros estão sujeitos a um princípio de lealdade ao Direito da União Europeia, devendo assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes dos Tratados (cfr. artigo 4º nº 3 do TUE).
30.O artigo 47º, parágrafo segundo (§2), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, cujo valor jurídico vinculativo é reconhecido no artigo 6º nº 1 do TUE e cujo respeito pelos Estados-Membros, nomeadamente no exercício da função jurisdicional do Estado resulta do nº 1 do artigo 51º e, bem assim, da jurisprudência do TJUE (cfr. acórdão de 13 de Julho de 1989, processo 5/88, Wachauf, Colect. 1989, p. 2609; acórdão de 18 de Junho de 1991, ERT, Colect. 1991, p. I-2925; acórdão de 18 de Dezembro de 1997, processo C-309/96, Annibaldi, Colect. 1997, p. I-7493), estabelece que “Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa…”, sendo que, como resulta do supra exposto, o direito a um processo equitativo é um corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
31.Finalmente, a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo a afirmar, desde a década de 60, o princípio da tutela jurisdicional efectiva, no seu sentido mais amplo. A título de exemplo, na década de 80, no caso Johnston, o Tribunal de Justiça qualifica explicitamente o princípio da tutela jurisdicional efectiva como um direito fundamental que se baseia nas tradições constitucionais dos Estados-Membros e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. O mesmo entendimento tem vindo a ser reafirmada pela jurisprudência deste Tribunal, como são exemplo os acórdãos Traghetti del Mediterraneo, Heylens, Bozetti, Comissão c. Grécia e Hansen, SPA Salgoil, Rewe Zentrale e, por fim, o caso Comet.
32.A respeito da necessidade de fundamentação do despacho que indefere a produção de prova requerida, a jurisprudência dos nossos tribunais tem também decidido que “o despacho proferido ao abrigo do artigo 90º, n.º 3 do CPTA, que indefere requerimentos dirigidos à produção de prova testemunhal sobre certos factos, não se mostra devidamente fundamentado quando não permite perceber as razões pelas quais se verifica a clara desnecessidade da prova requerida, nem incide sobre realidade onde seja evidente a desnecessidade de produção dessa prova, o que tornava imprescindível essa fundamentação” - cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 18-12-2014, sob processo n.º 08110/11, Rel. por Esperança Mealha, disponível para consulta no sítio www.dgsi.pt.
33.Em face do exposto, e sempre com a devido respeito, o M.ma Juiz “a quo” errou, pois, a Recorrente tinha que ter sido notificada da prova da Recorrida e do processo instrutor com prazo para se pronunciar (o que consubstancia nulidade)
34.e por outro lado, deveria ter ordenado e aberto período de produção de prova quanto à matéria de facto acima referida, matéria que é relevante para a boa decisão da causa e apreciação e boa decisão da matéria apreciada na sentença recorrida.
35.Além de que, a falta ou insuficiente e deficitária fundamentação de um despacho que indefira ou que se pronuncie pela inadmissibilidade da prova testemunhal requerida, é sancionada com nulidade.
36.No caso, não só a lei exige, a notificação do p.a. e dos documentos da parte contrária e respectivo direito ao contraditório como a decisão do juiz em indeferir a realização das diligências de prova tem que ser fundamentada, como as irregularidades em que incorreu o despacho proferido pela Juiz “a quo” podem influir no exame e na decisão da causa, até porque da inquirição das testemunhas arroladas, o tribunal teria tido conhecimento de elementos cruciais para tomar uma decisão diversa daquela que acabou por proferir. Não o tendo feito, não só se transgridem aqueles princípios, como também se desvirtuam os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva e do processo equitativo, plasmados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
37. Houve, por conseguinte, a omissão de actos e formalidades que a lei prescreve, com influência no exame e decisão da causa, o que, gera nulidade, que expressamente se invoca nos termos do artigo 195º do CPC, e, incorreu em omissão de pronúncia o que gera a nulidade do despacho e da sentença recorridos - artigo 615º n.º1, alínea d) do CPC.
38.E, em suma, quanto aos despachos recorridos, não está minimamente fundamentado o indeferimento da produção de prova testemunhal pelo que viola o artigo 90º, nº 3, 118° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e também o artigo 154° do Código de Processo Civil; a notificação da prova, o direito ao contraditório e a produção de prova (tanto a requerida, como a prova testemunhal e por declarações de parte, como a que viesse a revelar-se necessária ao apuramento da verdade, e que fosse por isso determinada oficiosamente) era no caso indispensável para o apuramento de matéria facto controvertida, relevante e indispensável para uma decisão justa, pelo que a sua preterição traduz uma violação do direito à tutela jurisdicional efectiva e os artigos 2°, 7°, 7°-A, 8°, 87°, n° 1, 118°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 410°, 411°, 412°, 413°, 414°, 445°, 607° do Código de Processo Civil; os referidos despachos são ainda nulos, atento os artigos 195º e 615°, n° 1 alínea d) do CPC.
39. A douta sentença recorrida e respetivos despachos constituem decisões surpresa, com as legais consequências, pois que, a Recorrente ainda aguardava para ser notificada da junção do p.a. e para se pronunciar quanto ao mesmo, tal como, aguardava a marcação da audiência prévia (até porque tinha sido notificada para indicar a matéria de facto.
40. A Recorrente labora e sempre laborou sem violar os limites do ruído e, como tal, não há motivo para estar sujeita a medida gravíssima de encerramento preventivo.
41. Como se vê na sentença do Juizo Local Criminal (junta a fls. e que a douta sentença recorrida não valorou devidamente) a medição acústica efectuada pela CM... não está correcta e foi adulterada (nesse processo judicial a Recorrida era parte e conformou-se com a dita sentença, dela não recorreu e do teor da mesma consta que a medição foi adulterada!!!)
42.Os motivos que levaram o Recorrido, em dado momento, a decidir pelo encerramento, deixaram de existir (se é que alguma vez existiram), então não faz qualquer sentido a posição do Recorrido, de ter tomado essa decisão de encerramento e de continuar (ainda hoje) a pretender concretizar essa decisão de encerramento.
43.Sendo também uma falsa questão a estória das queixas, pois que, a Recorrente laborou durante mais de um ano no local sem haver quaisquer queixas, e resulta dos factos provados que a Policia foi ao local e não constatou qualquer ruido nem poluição – facto provado 7º -, a moradora no piso imediatamente por cima do local de laboração da Autora, disse que não era audível ruído do estabelecimento da Autora – facto provado 17º, no facto provado 18º, resulta que a reclamante até desistiu da reclamação e do facto provado 19º resulta que três dos reclamantes não estavam disponíveis para deixar fazer medições de ruído.
44. Nenhum dos contra-interessados se interessou por tomar posição no processo o que é bem demonstrativo do grau de gravidade do ruído ou melhor da inexistência de qualquer problema
45. Só por graça de mau gosto é que em face de tudo isto se pode dizer, como se diz na douta sentença recorrida e diz o Recorrido, que há ruido grave e prejudicial para a saúde.
46. A douta sentença recorrida fez uma erradas interpretação e aplicação dos factos, e em violação da lei.
47. O Recorrido aplicou uma medida que é uma medida cautelar e urgente, quando no momento em que a toma, nada tem que lhe permita dizer que: é necessário lançar mão dessa medida, que ainda existe algo a acautelar, que há urgência e/ou que o encerramento preventivo é sequer necessário.
48.O acto de encerramento preventivo baseou-se em elementos errados além de que o Recorrido toma essa decisão depois de a Recorrente lhe comunicar que fez uma série de obras e intervenções que o Recorrido, não cuidou de ir verificar e medir
49. A douta sentença recorrida, errou, pois que na verdade não estavam preenchidos os elementos normativos do tipo, que permitissem ao Recorrido lançar mão de medida tão gravosa, havendo, assim, violação dos artigos 2º, 3º, 7º, 11º, 13º, 14º, 18º, 24º, 26º, alínea e), 27º e 34º do Regulamento Geral do Ruído (RGR) (DL 278/2007 de 01/08), 151º, 152º e 153º do CPA e 268º, nº 3 da CRP.
50.O Recorrido, antes de lançar mão desta medida cautelar, podia e devia promover a adopção das medidas previstas no artigo 13º, nº 2 do RGR e por essa ordem decrescente, e, ao não o fazer errou e violou o disposto no artigo 13º, nº 2 e 27º do RGR.
51. E, como na verdade não houve a violação de norma ou regulamento, logo, não há lugar a qualquer medida.
52.Os artigos 2º, 3º, 7º, 11º, 13º, 14º, 18º, 24º, 26º, alínea e) e 27º do Regulamento Geral do Ruído (RGR) (DL 278/2007 de 01/08), não se bastam com a mera suspeita, nem permitem lançar mão do encerramento preventivo apenas e tão só numa suspeita, sem qualquer grau de certeza.
53.Além de que, resulta dos autos e do supra descrito que a decisão de encerramento é extemporânea, desnecessária, excessiva e ilegal
54.As normas do Regulamento Geral do Ruído que respeitam às medidas de tutela e medidas cautelares, como a que foi aplicada no caso vertente, e os critérios que regem a sua aplicação propugnam um especial dever da Administração em actuar de harmonia com os princípios que disciplinam a sua actividade, nomeadamente, o da boa-fé, proporcionalidade, necessidade, adequação os quais impunham (se tivesse sido observado) que o Recorrido procedesse a uma nova medição dos níveis de pressão sonora, antes de aplicar uma medida tão onerosa como a que aplicou.
55. A aplicação de uma medida cautelar, como aquela que está em causa na situação sub judice, não pode ocorrer se a situação de desconformidade for susceptível de ser sanada, como efectivamente foi, posto que a Recorrente realizou as obras e intervenções necessárias para pôr termo a tal situação de alegado incumprimento dos níveis de ruído.
56.O acto do Recorrido ao decretar o encerramento preventivo violou os artigos 2º, 3º, 7º, 11º, 13º, 14º, 18º, 24º, 26º, alínea e), 27º e 34º do Regulamento Geral do Ruído (RGR), ferindo aquele acto de nulidade/anulabilidade, além de que, violam, os princípios fundamentais de natureza administrativo-constitucional invocados, da legalidade (artigo 3º CPA) necessidade, adequação e da proporcionalidade (artigos 7º e 8º do CPA), e ainda o princípio da prossecução do interesse público (artigo 4º do CPA) e da imparcialidade (artigo 9º do CPA).
57. A ser necessário uma qualquer medida (e não era) nunca seria necessário lançar mão da medida cautelar de encerramento preventivo e sem audiência prévia, portanto, também por isso de forma desadequada, desproporcional e excessiva.
58.Até porque foram implementadas medidas correctivas, a Recorrente juntou medição por entidade acreditada e diversos dos supostos reclamantes deixaram de ter interesse em reclamar, até houve quem deixasse de se queixar e a Policia refere não haver ruído.
59.A douta sentença recorrida entende, a nosso ver também aqui erradamente, que não há vício de fundamentação (artigo 152º do CPA), pois, tinha que que haver fundamentação que explica e justifica os motivos e fundamentos e dá a conhecer o iter cognoscitivo para se aplicar essa medida em concreto, e não outra, das demais previstas no artigo 27º do RGR.
60. E, nada disso consta da fundamentação o que, a nossa ver e à luz do artigo 152º do CPA consubstancia vicio por falta/insuficiente fundamentação e a douta sentença recorrida ao assim não considerar errou em violação do referido artigo 152º do CPA.
61. E, ainda a esta propósito, importa dizer que a sentença recorrida também errou quando diz “…em sede de audiência de interessados foi remetido em anexo ao oficio comunicado à A. o relatório acústico elaborado pelo Municipio R. (cf. Pontos 22 e 23 do probatório)” pois que, dos pontos 22 e 23 do probatório não está dado como provado que a Autora recebeu qualquer anexo, nem que recebeu ou lhe foi remetido o relatório acústico em anexo .
62. Não estando provado como não está a notificação do referido relatório, a tese seguida na douta sentença recorrida da fundamentação per relationem (artigo 153º do CPA) caí por terra e fica votada ao insucesso. Assim, conclui-se, ao contrário do que se diz na douta sentença recorrida, que o acto padece mesmo de vicio de fundamentação.
63. E, no que concerne à decisão de ordenar o encerramento preventivo, o despacho (doc. 1), não explicita claramente, os motivos, sentido, alcance e fundamentos da decisão de aplicação da medida cautelar, e o Recorrido tinha que fundamentar a sua decisão explicando e justificando quais os motivos para lançar daquele medida cautelar em concreto, e, não o fez!.
64.Da informação não resulta nem está especificada a existência de quaisquer danos em concreto para a saúde de alguém e nada se diz quanto ao preenchimento do pressuposto legal ínsito na expressão “grave” (porquê? Quando? De que forma? Onde?).
65. Impedindo, dessa feita, o destinatário de percorrer o iter cognoscitivo do decisor e de perceber como é que o Recorrido dá um salto (de uma situação que tem apenas uma reclamação com mais de um ano, sem surgirem mais reclamações, com obras e reparações entretanto efectuadas) para a decisão de encerramento preventivo, sem explicar o porquê em concreto da necessidade e justeza de tal medida. E, não demonstra nem a necessidade, nem a proporcionalidade, nem a verificação fáctica dos pressupostos legais para a sua aplicação (aliás, nem uma linha existe que explique quais os graves danos para a saúde e sociedade decorrem ou decorreram de tal factualismo).
66.Sem explicitar porque é que do cardápio das medidas, optou e decidiu pela medida cautelar de encerramento provisório, tal como na fundamentação também não está explicado, o que há a acautelar que justifica aquela medida, nem que tipo de ruido é, se é permanente ou esporádico, quando ocorreu se é que ocorreu, que tipo zona é atento o mapa de ruido.
67.Na verdade, o Recorrido apenas invoca a existência de ruído em ensaios que realizou no interior de uma habitação, sem explicar que ensaios foram esses, quais as condições dos mesmos, qual o ruído da envolvente e sem demonstrar que o ruido medido no interior de uma habitação provinha (exclusivamente) da actividade da Autora na rua ..., ..., ....
68.O acto administrativo em causa apresenta assim vicio de fundamentação, sendo anulável por vício de forma de falta de fundamentação e de violação da lei (cfr. artigos 2º, 3º, 7º, 11º, 13º, 14º, 18º, 24º, 26º, alínea e), 27º e 34º do Regulamento Geral do Ruído (RGR) (DL 278/2007 de 01/08) e 151º, 152º e 153º do CPA e 268º, nº 3 da CRP, o que a douta sentença recorrida erradamente assim não entendeu.
69.Por força de imposição constitucional o disposto no artigo 121º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo estatui o dever de audiência dos interessados “antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta” e, no procedimento em concreto, o artigo 27º do DL 9/2007 estabelece esse dever “…devendo a entidade competente…. proceder à audiência do interessado concedendo-lhe prazo não inferior a três dias para se pronunciar”.
70.Não houve qualquer audiência prévia quanto ao acto impugnado o que se impunha, uma vez que o acto em causa lesa os direitos e interesses da Recorrente, pois estava a trabalhar e com a concretização desta medida fica impedida de o fazer com todos os prejuizos que essa situação lhe acarreta, para além da comunicação e publicidade a terceiros que afectam, indelevelmente, a Autora.
71. Nem o relatório de medição acústica efectuado pela Recorrida foi notificado à Recorrente, nem para audiência prévia.
72. Ao contrário do que é dito na sentença recorrida, houve violação do dever legal de audiência prévia do interessado estando o acto administrativo em apreço também ferido do vício de forma por violação do Artº 27º, nº 3 do DL 9/2007 e dos artigos 121º, nº 1, 122º e 124º do CPA.
73.A falta de audiência prévia é geradora de nulidade/anulabilidade até por preterição de uma formalidade essencial e que impede o direito constitucional fundamental de audiência prévia e do contraditório.
74.Ao contrário do que entendimento perfilhado na sentença recorrida , o Vereador do Recorrido não tem competência legal para tomar a decisão impugnada, pois que não tem norma habilitante e é incompetente para proferir tal decisão, atento o disposto nos artigos 26º e 30º do citado diploma legal.
75.E, não se trata de uma competência própria da Câmara, nem do Presidente de Câmara nos termos dos artigos 33º e 35º do regime juridico das autarquias locais Lei 75/2013 (ex- artigo 69º da Lei 169/99), assim o despacho em causa foi proferido por um Vereador sem competência para o efeito
76.A delegação de competências indicada no despacho, não delega competências para aplicar a medida de encerramento preventivo, até porque não pode delegar competências que não tem e que não são delegáveis.

Conclui o recorrido Município:

A. O despacho de fls. … que julgou improcedente a produção de prova testemunhal e por declarações de parte, bem como a ulterior sentença proferida pelo tribunal a quo, ora colocados em crise pela Recorrente são bem fundamentados, demonstrando uma aplicação exemplar das normas jurídicas.
B. A Recorrente pretende ver declarada a invalidade do acto de encerramento preventivo do estabelecimento que explora na Rua ..., ..., nesta cidade ..., ordenado no despacho do Senhor Vereador com o Pelouro da Inovação e Ambiente da CM..., datado de 14 de Junho de 2017.
C. A lavandaria industrial em apreço funciona em clara e flagrante ilegalidade e em violação dos direitos dos vizinhos, aqui Contrainteressados, que apresentaram inúmeras queixas, as quais se encontram bem documentadas no PA.
D. Por despacho de fls. …, entendeu o tribunal a quo que a prova documental junta aos autos era suficiente para, na lide cautelar, proferir decisão de mérito.
E. Tal despacho não decorre de um “erro” do tribunal, como propugna a Recorrente, mas antes de um correcta análise da prova contida nos autos, conjugada com uma interpretação adequada das normas adjectivas.
F. A Recorrente pretende colocar em crise prova documental de índole técnico - adequada e própria para fazer prova dos níveis de ruído em apreço - através da produção de prova testemunhal, o que não deverá merecer acolhimento.
G. O procedimento administrativo, que culminou na prática do acto impugnado, teve origem numa reclamação apresentada nove vizinhos, ora Contrainteressados nos presentes autos, junto dos serviços municipais no dia 28 de Setembro de 2016, onde consta o seguinte: “no primeiro trimestre deste ano começou a laborar uma lavandaria industrial na rua ..., ..., no rés-do-chão dum prédio habitacional que enlouquece os vizinhos nas redondezas tal é o ruído ensurdecedor e cheiros de quando em vez, insuportáveis12 [12 Cfr. fls. 3 do PA.] [nosso sublinhado]. E os reclamantes acrescentam ainda que “as máquinas desta lavandaria são imensas e medonhas e forma postas no prédio com a ajuda de gruas de grande porte. Este proprietário não se compadece da nossa contestação e repulsa e acha-se com todos o direito de continuar sabendo das nossas constantes queixas do monstruoso e continuado barulho e de cheiros que motivam vómitos e que já provocaram até alergias de todo o corpo. Este barulho começa às 7 horas da manhã e prolonga-se ininterruptamente às vezes até às 23 horas. Não podemos arejar a casa e vivemos de portas e janelas trancadas13 [13 Cfr. fls. 3 do PA.] [nosso sublinhado].
H. Na sequência da reclamação dos nove vizinhos, ora Contrainteressados, os serviços municipais consultaram a base de dados GAE e o docin (sistema de gestão documental do Município ...), tendo verificado que não se encontra qualquer registo desta actividade (o estabelecimento não tem horário afixado, nem está aberto à recepção directa de clientes, sendo certo que, nos termos da reclamação que deu mote ao procedimento administrativo, a actividade se inicia às 7h00 e por vezes se prolonga até às 23h00).
I. No dia 19 de Dezembro de 2016, foi realizada uma visita técnica ao local, com a presença do gerente da Recorrente (Sr. «JJ»), tendo sido solicitado o envio de evidências das intervenções realizadas e sugerido um isolamento antivibrático nas máquinas, bem como uma consulta a uma empresa especializada em acústica. A Recorrente, através do seu gerente, comprometeu-se a remeter os elementos solicitados na primeira semana de Janeiro de 2017, mas nada foi enviado.
J. Consultados dois reclamantes, foi referido que continuam incomodados com o ruído e referem também questões de poluição atmosférica e de cheiros de esgotos, desde que iniciou a laboração esta lavandaria industrial.
K. Por outro lado, foi solicitada informação relativa à situação do estabelecimento em apreço, tendo-se concluído que a actividade em funcionamento (lavandaria) não estava de acordo com o uso urbanístico (garagem).
L. Foi realizado um ensaio acústico para recolha de amostras de ruído ambiente com carácter sigiloso, no período diurno, nos dias 25 de Janeiro de 2017 e 6 de Fevereiro de 2017, e de ruído residual nos dias 9 e 16 de Fevereiro de 201714 [14 Cfr. fls. 57 e 58 do PA.].
M. Tendo sido elaborado, em 21 de Fevereiro de 2017, o relatório de ensaio nº Rel_A.17.02.001 – vide fls. 59 e seguintes do PA -, que conclui que nas condições apresentadas não se verifica a conformidade da situação específica de ruído com os limites estabelecidos na alínea b), nº1 do artigo 13º do Decreto-Lei nº 9/2007 de 17 de Janeiro (Regulamento Geral do Ruído - RGR).
N. Do tratamento de dados obtidos foi possível verificar que o funcionamento do equipamento perturbador no período diurno não cumpre o valor definido na alínea b) do n.º 1 do artigo 13. O valor obtido está 4 dB(A) acima do valor limite estabelecido na legislação (5 dB(A)).
O. Os valores obtidos provocados pela referida actividade consubstanciam, nos termos do disposto no artigo 27º do Regulamento Geral do Ruído (RGR), a produção de danos graves para a saúde humana e para o bem-estar da população.
P. É possível aplicação directa de medida cautelar, uma vez que ultrapassa a bitola internamente definida (e validada superiormente pelo gabinete do Pelouro) para valor de LAeq (Nível sonoro contínuo equivalente) superior a 3 dB(A).
Q. A Recorrente foi notificada em 24 de Abril de 201715 [15 Cfr. fls. 83 e 84 do PA] do resultado do ensaio acústico e da consequente intenção do Recorrido em ordenar o encerramento do estabelecimento até que fossem adoptadas medidas de cessação da incomodidade.
R. A Recorrente foi assim notificada para exercer o seu direito de audiência prévia, tendo apresentado a sua pronúncia no dia 3 de Maio de 201716 [16 Cfr. fls. 85 e seguintes do PA.].
S. As medidas apresentadas são pontuais, e não se encontram fundamentadas por um estudo/balanço acústico da situação de incomodidade sonora que pretendem minimizar.
T. Contactados os reclamantes da residência onde se efectuou a avaliação acústica, a percepção dos mesmos é de que a situação de incomodidade sonora terá piorado.
U. Face à persistência da incomodidade sonora, considerando a fragilidade das medidas de minimização acústica apresentadas e o horário contínuo de laboração da actividade, foi logo ponderada a determinação do encerramento preventivo do estabelecimento, até que fossem adoptadas as medidas de cessação da incomodidade sonora eficazes.
V. Foi assim com naturalidade que foi praticado o acto de encerramento preventivo do estabelecimento que a Recorrente.
W. O acto está bem fundamentado, não padece de erro nos pressupostos, de falta de audiência prévia, de incompetência, nem viola princípios legais e constitucionais atinentes à actividade administrativa.
X. Pelo que foi acima aduzido e pelos fundamentos constantes das decisões judiciais recorridas proferidas pelo tribunal a quo, é entendimento do Recorrido que as mesmas não merecem qualquer reparo, devendo ser confirmadas por V. Exas.
*
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, emitindo parecer no sentido de não provimento do recurso; respondeu o recorrido.
*
Dispensando vistos, cumpre decidir.
*
Factos, elencados pelo tribunal “a quo” como provados:
1.º - Na Conservatória do Registo Predial ... encontra-se descrita a fracção autónoma designada pela letra A, do prédio descrito sob o n.º 693/19890406, da freguesia ..., concelho ..., sito na Rua ..., ..., composta de armazém, no rés-do-chão, com entrada pelo n.º 290 e logradouro nas traseiras, inscrita na matriz sob o artigo 11290-A – cfr. fls. 416 a 417 dos autos do Processo cautelar n.º 1713/17.3BEPRT;
2.º - Para o prédio sito na Rua ..., ..., foi emitido o alvará de licença de utilização n.º 302/1967, de 3 de Novembro de 1967 – cfr. fls. 45 do processo administrativo n.º 472/66, apenso aos autos do Processo cautelar n.º 1713/17.3BEPRT;
3.º - Para a fracção autónoma e ao abrigo do Regime do Arrendamento Urbano, artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 321-B/90, foi emitida para a fracção descrita em 1.º a licença de utilização n.º 191/2000, em 09 de Fevereiro de 2000, para o destino de armazém – cfr. licença a fls. 74 do processo administrativo n.º 472/66, apenso aos autos do Processo cautelar n.º 1713/17.3BEPRT;
4.º - A A. é uma sociedade comercial que tem por objecto a lavagem e limpeza a seco de têxteis e peles e franchises de lavandaria, com sede na Rua ..., ..., loja 14, no ..., com o capital social de €1.500,00, do qual, na data de apresentação dos presentes autos, era único titular «JJ», seu único gerente – cfr. impressão da certidão permanente com o código de acesso: 7504-5880-3111, documento n.º 2 junto com a petição inicial;
5.º - Em 28 de Abril de 2015, a A., como segunda outorgante, celebrou um contrato de arrendamento não habitacional com «KK», na qualidade de cabeça-de-casal da herança indivisa de «LL», como primeiro outorgante, do qual consta designadamente:
(…) PRIMEIRA
O Primeiro Outorgante é proprietário (…) da fracção autónoma designada pela letra „A‟ correspondente a um estabelecimento comercial no Rés-do-Chão com entrada pelo n.º ...90, da rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 11290, com o Alvará de Licença de Utilização nº 302/67, emitido pela Câmara Municipal .... (…)
QUINTA
O arrendamento destina-se, exclusivamente, à actividade de lavagem e limpeza a seco de têxteis e peles, onde a Arrendatária exercerá a sua actividade comercial (…)
SEXTA
É da exclusiva responsabilidade da Segunda Outorgante a obtenção dos documentos, autorizações e licenças necessárias para o cabal exercício da sua actividade, não podendo ser imputada ao Senhorio qualquer responsabilidade pela sua não obtenção. (…)” - cfr. contrato de arrendamento junto como documento n.º 3 com a petição inicial;
6.º - Em 28 de Setembro de 2016, foi apresentado no Gabinete do Munícipe da Câmara Municipal ..., por «AA», uma reclamação subscrita pelo próprio e por «BB», «CC», «DD», «EE», «FF», «GG», «AA» e «HH», da qual consta, designadamente:
(…) no primeiro trimestre deste ano começou a laborar uma lavandaria industrial na rua ..., ..., no rés-do-chão dum prédio habitacional que enlouquece os vizinhos das redondezas tal é o ruído ensurdecedor e cheiros de quando em vez, insuportáveis.
(…) As máquinas desta lavandaria são imensas e medonhas e foram postas no prédio com a ajuda de gruas de grande porte.
(…) Este barulho começa às 7 horas da manhã e prolonga-se ininterruptamente às vezes até às 23 horas. Não podemos arejar a casa e vivemos de portas e janelas trancadas. (…)” - cfr. documentos de fls. 2, 3, 25 e 26 do processo administrativo nº 051...6... apenso, doravante designado PA;
7.º - Em 29 de Setembro de 2016, foi lavrada pela Polícia de Segurança Pública uma participação, da qual consta, designadamente:
(…) Comunicação da Ocorrência (…)
Data/Hora: 2016-09-29 / 01:10h (…)
Local (ais) da Ocorrência Tipo: Residência particular: Domicílio (…)
Morada: rua ..., ..., ... ... (…)
Tipo de Ligação: Participante Nome: «DD» (…)
Morada: rua ..., ... (…)
Informações complementares
- Por na data e hora acima mencionado quando me encontrava no serviço de patrulha auto ter-me sido comunicado pela central rádio desta Policia para deslocar-me ao local de ocorrência em virtude haver reclamação de ruído de vizinhança.
- No local contactei com «DD» (item Participante), que informou ouvir ruído de máquinas de lavar roupa, proveniente de uma lavandaria existente na mesma artéria no nº 290.
- A Participante reclama também da poluição de fumo ou vapor expelido das chaminés, que fica impregnado na roupa que habitualmente deixa no exterior da habitação para secar, provocando consequentemente alergias na epiderme dos filhos.
- Face ao exposto efectuei diligências no intuito de verificar a presença de algum funcionário a laborar na referida lavandaria, tendo as mesmas resultado infrutíferas.
- Mais informo que no local da ocorrência não constatei o ruído nem visualizei qualquer tipo de poluição.” – cfr. participação de fls. 20 e 21 do processo administrativo – PA;
8.º - Pelo ofício n.º 448...6..., datado de 09/11/2016, da Direcção Municipal de Proteção Civil, Ambiente e Serviços Humanos (DMPCASU), notificado em 25/11/2016, foi comunicado à ora A., entre o mais, o seguinte:
ASSUNTO: ACTIVIDADE RUIDOSA - Pedido de intervenção relativo à incomodidade sonora resultante do funcionamento da lavandaria sita na rua ..., ... - Processo nº 051...6...
Na sequência de um abaixo-assinado de nove munícipes residentes na zona, temos conhecimento de que a actividade descrita em epígrafe está a ocasionar incómodo sonoro a munícipes residentes na proximidade.
Apesar de desconhecermos ainda se o estabelecimento de V. Ex.as está ou não em incumprimento, valemo-nos desta oportunidade para explicar o procedimento de fiscalização adoptado por estes serviços na instrução de reclamações de ruído.
Assim, o passo seguinte compreende a realização de medição acústica sigilosa, de verificação do cumprimento dos limites legais do critério de incomodidade sonora (…), a realizar pelo Laboratório ... (…).
No caso de se verificar incumprimento da legislação serão V. Ex.as notificados para proceder à implementação de medidas de minimização de ruído. (…)
A exploração de medidas que tenham efectivamente reflexos práticos na percepção dos reclamantes é fundamental, caso contrário os serviços municipais terão de realizar uma medição acústica sigilosa que, caso venha a verificar a violação dos limites legais, poderá resultar no limite na cessação de utilização ou encerramento preventivo do estabelecimento. (…)
Face ao exposto, solicita-se ponto de situação relativamente às diligências efectuadas no prazo de dez dias úteis. (…)” – cfr. ofício e certidão de notificação de fls. 28 a 31 do PA;
9.º - Em 13 de Dezembro de 2016, a A. respondeu ao ofício indicado no ponto antecedente, por «MM», com o seguinte teor:
Em resposta à vossa comunicação de pedido de intervenção relativo à incomodidade sonora com a v/referência 448...6..., e processo 051...6... informamos que assumimos uma postura pró-activa adoptando medidas robustas que garantissem o direito ao sossego nas habitações mais próximas.
As medidas passaram por:
- Construção de uma parede em pladur com isolamento de lã de rocha, na zona que separa a área das habitações da restante área do armazém, a qual não tem habitações por cima e onde está implementada a zona do serviço de lavandaria.
- Colocação de tubagens nas máquinas de secar com chaminé, a fim de reduzir o ruido sonoro.
- Reparação e manutenção dos equipamentos, tendo sido substituído rolamentos em duas máquinas que por este motivo estavam a causar ruído sonoro acima do normal.
Pedimos ainda ao senhorio do imóvel para visitar as instalações em plena actividade e constatar o ruido sonoro resultante da nossa actividade, o qual referiu que não achava que pudesse causar incomodo.
Face ao exposto, acreditamos que a incomodidade sonora resultante do exercício da nossa actividade tenha reduzido e acreditamos estar a cumprir os limites legais. No entanto, estamos disponíveis para colaborar em mais alguma intervenção que julguem necessária no sentido de garantir o direito ao sossego. (…)” – cfr. impressão de mensagem de fls. 32 do PA;
10.º - Em 27 de Dezembro de 2016, nos serviços do R. foi emitida a informação 727...6..., da qual consta, designadamente, o seguinte:
(…) 2.2.4 Notificado em 25-11-2016, no tempo adequado apresentou resposta registo 353...6...; as medidas de minimização da incomodidade sonora passaram por: construção de uma parede de isolamento, deslocação de tubagens nas máquinas de secar com chaminé, reparação e manutenção dos equipamentos com substituição de rolamentos em duas máquinas;
2.2.5 Efectuada em 19-12-2016, visita técnica ao local com a presença do gerente, Sr. «JJ», foi solicitado o envio de evidências desta intervenção, mais foi sugerido um isolamento antivibrático nas máquinas e uma consulta a empresa especializada em acústica, ficando de remeter elementos na primeira semana de janeiro de 2017.
2.2.6 Consultados dois reclamantes, continuam incomodados com o ruído e referem também questões de polução atmosférica e de cheiros de esgotos, desde que iniciou a laboração esta lavandaria industrial.
3. Proposta de Despacho
Face ao exposto, propõe-se:
3.1. Aguardar meados de janeiro para prosseguimento do processo, com ponto de situação das eventuais intervenções efetuadas pelo estabelecimento.
3.2. Remeter as reclamações relativas aos cheiros provenientes de esgotos e das chaminés, para entidades com responsabilidade na matéria (…)” - cfr. informação de fls. 34 e 35 do PA;
11.º - Em 10 de Janeiro de 2017, pela Directora da ..., Ambiente e Serviços Urbanos da Câmara Municipal ..., foi proferido despacho “Concordo. Proceda-se conforme proposto” – cfr. despacho a fls. 36 do PA;
12.º - Em 12 de Janeiro de 2017, nos serviços do R. foi emitida informação com o seguinte teor:
Na visita técnica de 19-12-2016, foram tiradas fotos e sugeridas outras intervenções, indicando a primeira semana de janeiro 2017 como prazo. Não foi rececionado qualquer elemento do estabelecimento. Contactada por reclamante em 11-01-2017 informou que a situação de incomodidade persiste sem alterações e indicou o contacto telefónico do reclamante com melhor posicionamento para uma avaliação acústica. Propõe-se que o processo seja encaminhado para o laboratório de ruído para efeito de agendamento da avaliação acústica. (…)” – cfr. informação a fls. 39 do PA;
13.º - Em 13 de Janeiro de 2017, sobre a informação indicada no ponto antecedente, foi proferido o seguinte despacho:
(…) dar cumprimento ao meu despacho de 04 Janeiro 2017: notifique o estabelecimento do resultado da visita técnica, e da aparente persistência de reclamações e comunicar data-limite para nos serem remetidas evidências e diligências robustas – sob pena de avançarmos com medição sigilosa e, no caso de confirmar violação, poder resultar em processo C.O. e encerramento preventivo. (…)”; – cfr. fls. 39 do PA;
14.º - Em 20 de Janeiro de 2017, nos serviços do R. foi emitida informação com o seguinte teor:
Considerando que chegaram novos elementos, pedido de reunião e contacto de reclamantes, conforme analisado em reunião informal, pedido de agendamento foi remetido ao laboratório, aguardando-se eventuais resultados para prosseguimento do processo. À consideração.” – cfr. fls. 40 do PA;
15.º - Em 26 de Janeiro de 2017, foi proferido despacho pelo Chefe da Divisão Municipal de Gestão Ambiental da Câmara Municipal ...: “Vv. À (…) «NN» p/ agenda/ e conclusão urgente do ensaio. Devolver à gestora” - cfr. fls. 40 do PA;
16.º - Em 21 de Fevereiro de 2017, foi emitido pelo Laboratório de Ruído da Câmara Municipal ..., com a acreditação n.º L0574, junto do IPAC, “RELATÓRIO DE ENSAIO - MEDIÇÃO DOS NÍVEIS DE PRESSÃO SONORA - CRITÉRIO DE INCOMODIDADE”, do qual consta designadamente, o seguinte:
(…) CONDIÇÕES DE ENSAIO
4.1. Data e período de avaliação
As medições foram efectuadas nas condições de funcionamento da actividade, referidas pelo reclamante como estando na origem da incomodidade no período diurno, como se pode verificar no seguinte quadro:

De acordo com a disponibilidade do estabelecimento em proceder ao seu encerramento, foram realizadas nos dias 9 e 16 de Fevereiro às 9h46 as amostras de ruído residual. Sob ponto de vista acústico a contribuição das fontes que compõe o ruído residual nos dias e horários supracitados é similar à contribuição das fontes verificadas no ruído ambiente.
4.2. Local de medição
(…)

(…)
8. CONCLUSÕES
Pela análise dos resultados da avaliação acústica (ponto 7) conclui-se que nas condições apresentadas no ponto 4 e para o período de referência avaliado, não se verifica a conformidade da situação específica de ruído com os limites estabelecidos na alínea b), nº 1 do artigo 13º do Decreto-lei nº 9/2007, de 17 de Janeiro.
Para o período de referência diurno, o valor obtido está acima 4 dB(A) do valor limite estabelecido na legislação (5dB(A)). (…)” – cfr. fls. 59 a 69 do PA;
17.º - No dia 08 de Março de 2017, às 20h:00, não era audível ruído do estabelecimento da A. na habitação da reclamante “«OO»”, com morada na rua ..., .... – cfr. documento intitulado de pedido de avaliação acústica a fls. 71 e 72 do PA;
18.º - No dia 15 de Março de 2017, às 20h:00, realizado contacto com a mesma reclamante, consta que “Contacto (durante a tarde) para agendamento. Reclamante Desistiu” – cfr. documento intitulado de pedido de avaliação acústica a fls. 71 e 72 do PA;
19.º - Em 24 de Março de 2017, foi emitida a informação 774...7..., da qual consta, designadamente, o seguinte:
(…) 2.3 Descrição da situação actual
2.3.1 Foi efectuada a avaliação acústica, na habitação dum reclamante. Tentou-se efectuar outra avaliação em residência do prédio onde se encontra instalada a lavandaria (r/c) mas não houve disponibilidade de três dos reclamantes contactados.
2.3.2 Foi realizado ensaio acústico para recolha de amostras de ruído ambiente com carácter sigiloso, no período diurno, nos dias 25 de Janeiro de 6 de Fevereiro; e de ruído residual nos dias 9 e 16 de Fevereiro de 2017. Foi elaborado o relatório com refª Rel_A.17.02.001. (…)
2.3.4 (…) O valor obtido está acima 4 dB(A) do valor limite estabelecido na legislação (5dB(A)).
2.3.5 É possível aplicação directa de medida cautelar uma vez que ultrapassa a bitola internamente definida (e validade superiormente pelo gabinete do Pelouro) para valor de LAeq (Nível sonoro contínuo equivalente) superior a 3 dB(A). (…)” - cfr. relatório de fls. 74 a 81 do PA;
20.º - Sob a informação indicada no ponto antecedente recaiu o seguinte despacho do Chefe da Divisão Municipal de Gestão Ambiental da Câmara Municipal ..., em 03 de Abril de 2017:
Concordo. Pelos factos e fundamentos expressos na informação que antecede, propõe-se o quadro de actuação do ponto 3 da informação 774...7..., que seja notificado o estabelecimento da intenção do Município ordenar aplicação da medida cautelar de encerramento preventivo do mesmo, nos termos do disposto no artigo 27º do Regulamento Geral do Ruído e que seja despoletado o respectivo processo contra-ordenacional.” - cfr. despacho de fls. 81 do PA;
21.º - Em 05 de Abril de 2017, foi emitido despacho pela Directora da DMPCASU, sobre a informação 774...7..., com o seguinte teor: “Concordo. Notifique-se os interessados e que seja despoletado o respectivo processo contraordenacional.” - cfr. despacho de fls. 81 dos autos;
22.º - Pelo ofício nº 674...7..., datado de 03/04/2017, e notificado em 24 de Abril de 2017, foi comunicado à A. que, designadamente:
(…) cumpre-nos informar que nos dias 25 de Janeiro, 6, 9 e 16 de Fevereiro de 2017, foi efectuada medição acústica relativa ao incómodo provocado pelo funcionamento do estabelecimento supra citado verificando-se o incumprimento dos valores estabelecidos no Regulamento Geral de Ruído, nos termos da alínea b) do ponto 1 do artigo 13º do Decreto-lei nº 9/2007, de 17 de Janeiro, conforme Relatório de Ensaio com a refª Rel_A.17.02.001, cuja cópia se anexa.
O incumprimento detectado através destes ensaios, consubstancia níveis de ruído graves para a saúde humana, pelo facto de exceder os limites legais em 4 dB(A). Pelo exposto, ficam V. Ex.as notificados (…) que é intenção do Município ordenar o encerramento do estabelecimento, até que sejam adoptadas as medidas de cessação da incomodidade que evitem a produção de danos graves para a saúde humana e para o bem estar das populações, que estão a ser provocadas pelo referido funcionamento.
Assim, dispõem V. Ex.as de um prazo de 5 dias úteis contados após recepção da presente notificação para se pronunciar sobre esta proposta de decisão.(…)” - cfr. ofício de fls. 83 do PA;
23.º - De acordo com certidão de notificação, do Agente Principal, n.º 1514/...36..., no dia 24 de Abril de 2017, foi notificado «PP» do ofício transcrito no ponto antecedente – cfr. certidão de notificação de fls. 84 do PA;
24.º - Em 03 de Maio de 2017, a A. remeteu aos serviços do R. «MM» com o seguinte teor:
Assunto: Resposta à proposta de decisão ref. 674...7... (…) foi nossa principal preocupação tentar perceber qual a fonte do ruido particular que foi mencionado no relatório como “ruido dos equipamentos‟.
Identificamos que uma das máquinas de secar roupa com maior capacidade produzia bastante mais ruído que as restantes na saída da exaustão do ar, assim procuramos de imediato junto de entidades competentes uma solução para minimizar o ruído.
Os problemas detectados foram os seguintes:
- Estrangulamento do diâmetro da tubagem de saída do ar (Redução de 300 mm para 200 mm conforme imagem 1 anexa)
- Curva de 90º em vez de duas meias curvas de 45º cada (Imagem 2 com curva de 90º)
- Terminal da tubagem (Alteração do “chapéu” para um “focinho de saída” com corte a 45º. Imagens 5 e 6)
Estes erros na instalação técnica estavam a provocar maior velocidade na exaustão e dessa forma maior ressonância.
A solução apresentada consistiu em alterarmos a tubagem de saída do ar para os 300mm de diâmetro (…) e alteração da curva de 90º para duas curvas de 45º (…), solução já implementada. Também será introduzido um silenciador na tubagem, conforme nota de encomenda em anexo para reduzir em cerca de 50% o ruído produzido, a previsão de entrega pelo fornecedor será entre o dia 5 e 8 de Maio, procedendo-se de imediato à sua instalação (…).
Pelo exposto apelamos à vossa compreensão no sentido de poderem aguardar até ao próximo dia 8 e até lá não ordenar o encerramento do estabelecimento e, se possível, efectuar nova medição acústica no sentido de confirmar que as mediadas adoptadas cessaram a incomodidade provocada pelo funcionamento da nossa actividade. (…)”; - cfr. mensagem de fls. 85 a 94 do PA;
25.º - Por «MM» datada de 11/05/2017, a A. informou o R. de que: “Conforme indicado em email anterior, vimos a comunicar que para conclusão da solução de minimizar o ruído, já foi feita a instalação do silenciador na tubagem de exaustão do ar (…)” - cfr. mensagem de fls. 102 do PA;
26.º - Em 23 de Maio de 2017, nos serviços do R. foi emitida a informação 511...7..., da qual, para além do já constante da informação 774...7..., consta, designadamente, o seguinte:
“(…) 2.3.9 Notificado em 24-04-2017, no prazo adequado em 03-05-2017 apresentou resposta (…). As medidas apresentadas são pontuais, não se encontram fundamentadas por um estudo/balanço acústico da situação de incomodidade sonora que pretendem minimizar.
2.3.10 Contactados os reclamantes da residência onde se efectuou a avaliação acústica, a percepção dos mesmos é de que a situação da incomodidade sonora terá piorado.
2.3.11 Face à persistência da incomodidade sonora, considerando a fragilidade das medidas de minimização acústica apresentadas e o horário contínuo de laboração da actividade, será de ponderar a determinação do encerramento preventivo do estabelecimento, até que sejam adoptadas medidas de cessação da incomodidade sonora eficazes.
2.3.12 As medidas de minimização da incomodidade sonora a propor devem ser sustentadas por estudo acústico, para além de ser apresentado o alvará que ateste a legalização da utilização do espaço onde decorre actividade em funcionamento (lavandaria), para serviços, pois está em desacordo com o uso urbanístico (garagem). (…)” - cfr. informação de fls. 109 a 114 do PA;
27.º - Em 14 de Junho de 2017, e sobre a informação constante do ponto antecedente, foi proferido despacho pelo Vereador do Pelouro da Inovação e Ambiente da Câmara Municipal ..., com o seguinte teor:
Ordeno a aplicação da medida cautelar de encerramento preventivo do estabelecimento “[SCom01...]”, sita na rua ..., ..., nos termos do disposto no artigo 27.º do Regulamento Geral do Ruído (…) com fundamento nos factos constantes da presente informação, devendo ser concedido um prazo de cinco dias, para a sua execução voluntária.
O Vereador do Pelouro da Inovação e Ambiente
(no uso da competência delegada pelo Presidente da Câmara conforme O.S. nº ...3... de 12/11/2013)”; - cfr. despacho de fls. 113 do PA;
28.º - Pelo ofício n.º 539...7... da DMPCASU, datado de 21/06/2017, foi comunicado à A., entre o mais, o seguinte: “(…) fica V. Exa. por este meio notificado da decisão proferida em 14/06/2017 no processo instaurado nos termos do disposto no art. 27.º do Regulamento Geral de Ruído, pelo Exmo. Vereador do Pelouro da Inovação e do Ambiente, nos termos do nº 3 do art.º 57.º da Lei 169/99 de 18 de Setembro e republicada pela Lei n.º 5-A/2002 de 11 de Janeiro e da Ordem de Serviço nº ...3... de 12/11/2012(…) Anexa-se a 511...7... com o respectivo despacho de Decisão. (…)”; - cfr. ofício de fls. 123 do PA;
29.º - De acordo com certidão de notificação, do Agente Principal, n.º 3243/...77..., no dia 05 de Julho de 2017, foi notificado «PP» do ofício transcrito no ponto antecedente – cfr. ofício e certidão de notificação de fls. 83 e 84 do PA;
30.º - Em 06 de Julho de 2017, foi emitido Relatório de Ensaio - MEDIÇÃO DOS NÍVEIS DE PRESSÃO SONORA - Critério de incomodidade interior pela sociedade [SCom02...] UNIPESSOAL, LDA., do qual consta designadamente, o seguinte:
(…) Relatório: RA003.06.17.rev.01 (…)
Tipo de ensaio - Critério de Incomodidade
Datas do ensaio - 21 a 23 de Junho de 2017 (…)
Cliente - «KK» e outros (…)
Identificação da actividade - Laboração de estabelecimentos de serviços “[SCom03...]” Caracterização do espaço
- Edifício constituído por 3 andares acima do solo. No résdo-chão está situada a lavandaria, que foi alvo de reclamação devido ao ruído que provoca no decorrer da sua actividade. As medições foram efectuadas na sala do piso 1. O horário do estabelecimento é das 07:00 às 19:00. (…)
7. ANÁLISE DOS RESULTADOS E CONCLUSÃO
(…) Da análise dos resultados do ensaio efectuado, e tendo por base o disposto no nº 1, artigo 13º do Decreto-lei nº 9/2007 de 17 de Janeiro, verifica-se o Cumprimento dos valores limite regulamentares impostos, já que:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)” – cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial;
31.º - Em 20 de Julho de 2017, foi elaborada a informação n.º 327...7..., no âmbito do processo administrativo n.º 113393/17..., em que figura como titular do processo “«KK» e Outros” – cfr. documento n.º 1 junto pelo Réu com o requerimento de 3 de Agosto de 2017 aos autos do Processo Cautelar n.º 1713/17.3BEPRT;
32.º - Em 21 de Julho de 2017, foi emitido parecer interno pela Divisão Municipal de Gestão Ambiental da Câmara Municipal ..., no âmbito do processo n.º 113393/17..., em que é requerente «KK» e outros, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
(…) 3. Após a análise do relatório de ensaio Medição dos Níveis de Pressão Sonora, Critério de Incomodidade Interior com refª RA003.06.17, foi possível constatar o seguinte:
i. O motivo de ensaio referido no item 1 do relatório não é referente a uma reclamação, mas sim a pedido de licenciamento, devendo contemplar os vários regimes de funcionamento da actividade;
j. Não refere de forma clara o nº de polícia do local receptor, não é 290, mas poderá ser 286, 1º, direito ou esqº;
k. Em termos de identificação de fontes de ruído, solicita-se esclarecimentos adicionais, se foi efectuada avaliação de todas as fontes inerentes ao funcionamento da lavandaria, ou se especificamente avaliou-se exclusivamente a torre de extracção.
l. No item 6 (resultados) do relatório supra citado, só foram apresentados os resultados obtidos nas medições realizadas no dia 21 de Junho de 2017, faltando os referentes ao dia 23 de Junho.
m. Falta apresentação de todos os valores obtidos LAeq,t em bandas de terço de oitavas (…)
n. Falta esquema da localização das posições do microfone;
o. Falta esclarecer se foi contabilizado o nº de passagens de veículos ligeiros, pesados entre outros;
p. Pelos resultados obtidos de LAr no ruído ambiente do dia 21 de Junho, existem indícios de ciclos diferentes de funcionamento da actividade, ou seja, o valor de LAr da medição P1R1M1 difere 8 dB(A) do valor obtido na medição P2R1M2 e 7 dB(A) da medição P3R1M3, solicita-se assim esclarecimentos (…).
q. Não foi incluída a fundamentação da representatividade das amostras recolhidas face aos intervalos de tempo de referência em causa.
4. PARECER
□ Favorável □ Favorável Condicionado x Desfavorável
Fundamentação: Não estão reunidas condições para emissão de parecer favorável de pedido de alteração de utilização. (…)” – cfr. documento n.º 3 junto pelo Réu com requerimento de 3 de Agosto de 2017 aos autos do Processo Cautelar n.º 1713/17.3BEPRT.
*
A apelação.
→ Junção de documentos.
- não admitida, pois o art.º 615º do CPC, apenas concede (nas suas contidas hipóteses), “juntar documentos às alegações”, não a junção “agora, e já após a interposição do recurso”; o que se estende aos documentos por segunda vez juntos (sob aperfeiçoamento, de reconhecimento de assinaturas; documentos que nem sequer correspondem aos antes juntos);
- não fosse já o bastante, não deixaria de se confrontar a possibilidade de admissão para com as exigências de regra quanto à possibilidade de prestação de depoimentos de parte por escrito;
- determina-se o desentranhamento;
- anómalo, a apresentante é condenada no pagamento das custas, com 2 (duas) UC´s de tx. de justiça.
→ Nulidade: o contraditório da prova.
A recorrente tem por razão o seu contraditório quanto a “prova documental, resultante dos documentos juntos aos autos e dos procedimentos administrativos”.
Foi também por referência a “documentos juntos aos autos” que o tribunal “a quo” se expressou em termos de convicção seu julgamento.
Como decorre supra a propósito de cada item factual, nada mais tais documentos vão para além do que o próprio Autor juntou com a p. i., um documento junto na providência cautelar, e PA(´s) também havia aí sido junto.
E é quanto a este(s) último que a recorrente pretende extrair efeito da sua censura; tem por alcance que a decisão sob recurso seja modificada em favor de “outra que ordene, a notificação do processo instrutor com prazo para pronuncia”.
Mas o tribunal “a quo” podia servir-se na acção principal dos documentos do apenso; e, efectivamente, foi apensado (cfr. termo de 12-10-2017); cumprindo com o que as partes poderiam e deveriam contar, em obrigação ope legis.
E como observou no seu despacho de sustentação “a junção do processo administrativo n.º 051...6... foi dada a conhecer à ora A. ainda em sede do processo cautelar apenso aos presentes autos principais, que correu sob o n.º 1713/17.3BEPRT (os autos cautelares), tendo sido ordenada a notificação de tal junção à ora impetrante pelo despacho de 14/08/2017, que seguiu pelo expediente da secretaria de 17/08/2017.
E os processos administrativos n.ºs 472/66 e 1/69, juntos na sequência do despacho de 14/03/2018, proferido naquele mesmo apenso de processo cautelar, deram entrada nesses autos pelo requerimento da então Entidade Requerida, ora Entidade Demandada, em 26/03/2018, cujo conhecimento (da junção dos novos processos administrativos) foi dado à ora A. por intermédio da notificação entre mandatários da mesma data, em conformidade com o previsto no artigo 25.º, n.º 2, do CPTA (cf. páginas 547 e 548 do SITAF).”.
Sendo feita essa notificação - o bastante - e atingido o fim de lei, não repercute irregularidade com influência no exame e decisão; aliás, exuberantemente se mostra pela causa articulada, e no que é fulcro de relevo no contexto de resolução das questões lançadas no litígio, importando em prova aos pressupostos de facto do agir administrativo, que é do conhecimento da autora/recorrente ensaio(s) acústico(s) em que ele assentou, pelo que irregularidade seria afastada por abuso processual.
→ A produção de prova: necessidade.
A anteceder o saneador-sentença verteu:
«Indefiro os requerimentos probatórios apresentados, nomeadamente, para inquirição de testemunhas do A. e do R. e para declarações de parte do representante legal da A., por se concluir que, para o conhecimento e julgamento da matéria objecto deste processo, é suficiente a prova documental já junta ao processo físico e ao processo administrativo (PA), nos termos do artigo 90.º, n.º 3, do CPTA.
Notifique.
***
Considerando que o processo contém todos os elementos probatórios necessários à apreciação das questões suscitadas e que as partes se pronunciaram já, nos seus articulados, sobre as questões de direito a dirimir nos presentes autos, dispondo, assim, o processo de todos os elementos necessários para que o Tribunal profira sentença, procede-se ao conhecimento imediato do mérito da causa, com dispensa de audiência prévia, nos termos do n.º 2 do artigo 87.º-B, do CPTA, proferindo-se, de seguida, o competente despacho saneador-sentença, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 88.º do CPTA.».
Em seu confronto, doseando o que merece empregar mais esforço de útil análise, desde logo sumariamente se podem afastar alguns pontos de censura da recorrente:
- confronta expressa tomada de decisão que se encontra fundamentada; «Em função de vários aspetos jurídico-processuais, é variável o grau de exigência de fundamentação das decisões proferidas no processo. O dever de fundamentação da sentença é, em regra, mais exigente do que o dever de fundamentação de decisões interlocutórias, sendo que, quanto a estas, pode ser exigível uma fundamentação mais ou menos perfuntória, conforme o que decidem.» (Ac. RP, de 10-03-2022, proc. n.º 8027/14.7T8PRT.P1); de todo o modo, há que distinguir a falta de motivação da motivação deficiente, incompleta ou errada; tendo a fundamentação que ser aferida globalmente, só se verifica nulidade em caso de falta absoluta de fundamentação, o que não é o caso;
- em rigor, não se trata de despacho de rejeição de meios de prova, antes de não enveredar por instrução com produção de prova;
- que não é imposta por lei, não acarretando nulidade processual;
-também não o sendo a falta de audiência prévia, quando perante hipótese de dispensa;
- toca o conteúdo o direito à produção de prova, e “tal interrogação não se insere no vício de nulidade de sentença, por omissão e/ou excesso de pronúncia, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento” (Ac. deste TCAN, de 13-09-2023, proc. n.º 01165/23.9BEPRT).
Vendo, então, da sua bondade.
Assinala a recorrente: “A prova testemunhal e por declarações de parte requeridas pela aqui Recorrente têm em vista a prova dos factos vertidos, entre outros, nos artigos 2º a 29º, 31º, 37º a 42, 45º, 47º, 51º a 53º, 55º a 57º, 61º a 64º, 67º, 69º a 79º, 88º a 92º, 103º, 111º a 114º, 116º, 123º a 132º, 136º a 155º, 157º a 162º, 166º, 168º, 171º, 178º, 179º, 184º, 187º, 195º a 197º, 199º, 201º, 207º, 209º a 212º, 225º, 226º a 241º da p.i. e contraprova da matéria vertida nos artigos 5º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 16º, 17º, 18º, 21º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º a 40º, 48º, 49º, 50º, 52º, 53º, 65º, 66º, 67º e 68º da contestação de fls., os quais contêm, em parte, matéria de facto que foi impugnada e que não se encontra integralmente reflectida nos documentos juntos aos autos, nem no processo instrutor, para além de que até contradizem elementos e informações documentais.”.
A recorrente apoia o direito à prova como direito imanente a uma tutela jurisdicional efectiva e processo equitativo; na exponenciação do seu descontentamento com a sorte da lide a si desfavorável convoca instrumentos normativos internacionais; mas é suficiente à solução do caso o que vinga pela ordem jurídica interna, na coincidência do que se reconhece reflectir, preservando subsidiariedade, matéria estruturante ao ordenamento jurídico europeu, como o que rodeia a prova, para um julgamento justo (art.º 6 da CEDH).
Lê-se no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2017, de 12/07, que «O artigo 20.º da CRP garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente legítimos (n.º 1), determinando ainda que esse direito fundamental possa ser efetivamente exercido através de um processo equitativo (n.º 4).
O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º, CRP – enquanto «norma-princípio estruturante do Estado de Direito Democrático (art. 2.º)» (J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anotação ao artigo 20.º, p. 409) – constitui, porventura, a maior das garantias de defesa dos demais direitos fundamentais dos cidadãos, compreendendo o direito de ação ou de acesso aos tribunais, o direito ao processo perante os tribunais, o direito à decisão da causa pelos tribunais e o direito à execução das decisões dos tribunais (cfr. idem, p. 414). Por seu turno, deve este direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, sobretudo na vertente do direito de ação, ser efetivado mediante um processo equitativo, que reclama, também nas palavras de. J.J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA (cfr. ob. cit., p. 415): «(1) direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo (…); (2) o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas; (3) direito a prazos razoáveis de ação ou de recurso (…); (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em tempo razoável; (6) direito ao conhecimento dos dados processuais; (7) direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo; (8) direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas».
«A previsão da tutela jurisdicional efectiva e de um processo equitativo impõe que as partes possam ter a possibilidade de realizar todas as diligências instrutórias que considerem necessário para provar os factos que alegam e que considerem fundamentais para o apuramento da verdade material e convenientes para a obtenção de uma pronúncia de mérito sobre o pedido (e a causa de pedir) requerido» (Ac. deste TCAN, de 21-06-2024, proc. n.º 00285/21.9BECBR-S1).
Bem entendido, «O direito à prova não é um direito absoluto. O que significa que é admissível o estabelecimento de limites ao direito à prova. Do ponto de vista constitucional, importa apenas que esses limites estejam previstos na lei e respeitam o princípio da proporcionalidade. Sendo que a proporcionalidade desses limites pressupõe, por sua vez: que exista justificação material; que sejam adequados aos fins a atingir; que os limites operem na justa medida da realização desses fins. A doutrina e a jurisprudência têm aludido a este propósito a limites extrínsecos (que surgem da conciliação do direito à prova com outros direitos ou situações juridicamente protegidas) e a limites intrínsecos (que são estabelecidos pela lei ao definir o conteúdo do direito à prova). Mas aqui interessa apenas referir estes últimos, com destaque para os que se manifestam no juízo prévio sobre a admissibilidade dos meios de prova indicados pelas partes e que será sempre um juízo de licitude, de legalidade, de necessidade e de relevância das provas.
A inexistência de factos alegados ou a evidência de que a prova oferecida não vai incidir sobre esses factos são fundamento legal de indeferimento do requerimento de prova por desnecessidade. Em segundo lugar, a prova só é necessária se os factos alegados forem controvertidos. Se não existir controvérsia sobre estes factos, a prova é evidentemente desnecessária e deve ser também indeferida com esse fundamento.
Recai assim sobre o juiz indagar se a prova produzida é relevante. O dever de investigar factos necessitados de prova não existe quando esses factos não relevem para a decisão a proferir, considerando todas as soluções plausíveis da questão de direito invocada. O dever de inquirir só existe, por isso, relativamente a factos que relevem para a resolução das questões debatidas no processo.» (Ac. deste TCAN, de 16-02-2023, proc. n.º 01017/08.2BECBR).
«As partes não podem ser limitadas ou condicionadas no seu direito à prova, mas desde que respeitados os condicionalismos previstos para a sua admissibilidade, de entre os quais, (i) estejam em causa factos, isto é, ocorrências da vida, acontecimentos, ou situações apreensíveis pelos sentidos, (ii) tais factos integrem o objeto do litígio, (iii) tais factos sejam controvertidos, porque foram impugnados pela parte contrária ou sobre eles não foi produzida prova e (iv) se apresentem relevantes para a decisão a proferir.» (Ac. do STA, de 09-01-2025, proc. n.º 018/23.5BEPDL).
Com sã convivência, permite o art.º 88º, n.º 1, b), do CPTA, “Conhecer total ou parcialmente do mérito da causa, sempre que a questão seja apenas de direito ou quando, sendo também de facto, o estado do processo permita, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos ou de algum dos pedidos deduzidos, ou de alguma exceção perentória.”.
O tribunal “a quo” teve “suficiente a prova documental”.
Mas, a nosso ver, com erro.
O que se encontra sob questão tem a sua particular pertinência quanto ao que na decisão recorrida foi tratado assim:
«2) Vício de violação de lei por alegada existência de erro sobre os pressupostos de facto e de direito
A A. aduz, em síntese, que a decisão impugnada foi tomada com base em erro quanto aos seus pressupostos de facto e de direito, porque a actividade do seu estabelecimento não é ruidosa, nem gerou ruído superior aos limites legais admissíveis, não sendo de admitir a medição realizada pelo Município R., quer porque o impetrado não é isento neste procedimento, quer porque tal medição não foi feita de acordo com normas de qualidade e ainda porque a actividade do estabelecimento da A. não integra o conceito de atividade ruidosa permanente, não resultando do acto em causa que exista algum dano grave a acautelar, sendo ainda de considerar que a A. fez obras e intervenções na fracção do seu estabelecimento, sem que o Município R. tivesse verificado e medido, novamente, o nível de ruído.
Antes de mais, cumpre precisar que não tem aplicação no presente caso a Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, aprovada pela Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na medida em que tal Lei estabelece o regime aplicável às contraordenações ambientais e do ordenamento do território – cfr. n.º 1 do seu artigo 1.º –, ao passo que a decisão ora posta em crise prende-se não com a aplicação de uma contraordenação ambiental, mas antes com a aplicação de uma medida cautelar, ao abrigo do RGR.
Resulta da factualidade provada que a A. é uma sociedade comercial que tem por objecto a lavagem e limpeza a seco de têxteis e peles e franchises de lavandaria, utilizando a fração em questão para tal actividade.
Decorre da alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do RGR, que “1 - O presente Regulamento aplica-se às actividades ruidosas permanentes e temporárias e a outras fontes de ruído susceptíveis de causar incomodidade, designadamente:
(…)
c) Laboração de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços”, integrando o conceito de actividade ruidosa permanente “a actividade desenvolvida com carácter permanente, ainda que sazonal, que produza ruído nocivo ou incomodativo para quem habite ou permaneça em locais onde se fazem sentir os efeitos dessa fonte de ruído, designadamente laboração de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços”.
Deste modo, tendo presente o âmbito subjectivo de aplicação do RGR e desenvolvendo a A. a actividade de serviços de limpeza a seco de têxteis e peles e franchises de lavandaria, é de ser qualificada, para efeitos deste diploma legal, como uma actividade ruidosa permanente desenvolvida por um estabelecimento comercial, quando em período de laboração.
Acresce que, por conta do exercício da actividade da A., foi apresentada por terceiros uma reclamação por causa desse ruído (cf. ponto 6.º do probatório), tendo a A. sido notificada pelos serviços do R. para a necessidade de proceder à implementação “de medidas que tenham efectivamente reflexos práticos na percepção dos reclamantes”, devendo comunicar o “ponto de situação relativamente às diligências efetuadas” (cf. ponto 8.º do probatório).
A A., na sequência, remeteu uma mensagem ao Município R., na qual identifica uma série de intervenções realizadas com vista a garantir “o direito ao sossego nas habitações mais próximas”, e referindo, expressamente, que substituiu “rolamentos em duas máquinas que por este motivo estavam a causar ruído acima do normal” (cf. ponto 9.º do probatório), ou seja, com tal resposta, a ora A. admitiu naquela ocasião que a sua actividade causava um ruído acima do normal.
Neste seguimento, foi realizada deslocação ao local, informando os serviços do R. que solicitaram o envio de “evidências desta[s] intervenções” e sugeriram “um isolamento antivibrático nas máquinas e uma consulta a empresa especializada em acústica”, mas que, contactados os reclamantes, os mesmos referiram que “continuam incomodados com o ruído” (cf. ponto 10.º do probatório).
Do exposto, resulta que, contrariamente ao alegado pela A., a sua actividade produziu ruído – pelo menos em função da avaria das mencionadas máquinas – que incomodou os vizinhos e motivou a apresentação de reclamação. O Município R. ainda sugeriu a adopção de uma medida – isolamento das máquinas – e a realização de um estudo acústico para averiguar das providências necessárias, não resultando do processo administrativo que tal medida tivesse sido adotada pela A., ou sequer promovido o ensaio acústico.
Por terem persistido as queixas, o Município R. determinou a realização de um ensaio acústico, o qual foi realizado pelo Laboratório do Ruído da Câmara Municipal ..., concluindo o mesmo que “não se verifica a conformidade da situação específica de ruído com os limites estabelecidos na alínea b), nº 1 do artigo 13º do Decreto-lei nº 9/2007, de 17 de Janeiro. Para o período de referência diurno, o valor obtido está acima 4 dB(A) do valor limite estabelecido na legislação (5dB(A)).” (cf. ponto 16.º do probatório).
O referido estudo do Município R. foi realizado no dia 15 de Janeiro de 2017 e nos dias 06, 09 e 16 de Fevereiro de 2017, entendendo a A., contudo, que o mesmo não é válido, porque, segundo propugna, não foi realizado ao abrigo das respectivas normas de qualidade, e, porque, tendo a mesma A. promovido a realização de um ensaio acústico a suas expensas nos dias 21 a 23 de Junho de 2017, tem que prevalecer o ensaio por si promovido, que concluiu que a actividade da A. cumpria os critérios de não incomodidade (cf. ponto 29.º do probatório).
O ensaio acústico realizado pelo Laboratório do Município R. possui a acreditação L0574 do IPAC, não se vendo motivos, antes tal garantia conferida por entidade externa, para colocar em causa a medição dos níveis de ruído e os resultados obtidos pelo ensaio acústico realizado pelo Laboratório do ora impetrado.
Aliás, não é pela circunstância da avaliação acústica promovida pela A. ter concluído que a sua actividade cumpria com os critérios de não incomodidade, que, sem mais, fica posta em causa a avaliação acústica realizada pelo Município R. noutras datas, antecedentes às da A., desde logo, porque os ensaios acústicos dos serviços do R. foram realizados em circunstâncias de tempo e modo diversas.
Enfatiza-se, também, que o ensaio acústico relevante é aquele cujas conclusões foram tidas em conta aquando da fundamentação do acto administrativo impugnado, ou seja, o ensaio do Município R., realizado no dia 15 de Janeiro de 2017 e nos dias 06, 09 e 16 de Fevereiro de 2017, já que, proferida a decisão impugnada em 14/06/2017, atendendo ao princípio do “tempus regit actum”, ao R. não é de exigir que tivesse em conta o ensaio acústico promovido pela A. nos dias 21 a 23 de Junho de 2017, pois, como facilmente se verifica, tal ensaio realizou-se em datas posteriores à da prolação do acto administrativo impugnado, não se exigindo que o autor de um acto administrativo, por manifesta impossibilidade material, cronológica e lógica, deva ter em consideração elementos factuais ainda inexistentes no momento da sua prática.
Acresce que, nos termos da alínea d) do artigo 26.º do RGR, “A fiscalização do cumprimento das normas previstas no presente Regulamento compete:
(…)
d) Às câmaras municipais e polícia municipal, no âmbito das respectivas atribuições e competências”.
Ora bem, para que a Câmara Municipal ... consiga cumprir com as suas atribuições e competências nesta matéria, tem de poder elaborar os necessários estudos acústicos, de forma a averiguar do cumprimento, ou não, dos critérios de incomodidade previstos no RGR, não se vendo razões objectivas para a A. colocar em crise um ensaio realizado por um laboratório do próprio município, sobretudo, quando esse mesmo serviço tem a chancela técnica de uma acreditação independente concedida por entidade externa. Improcede o atrás epigrafado vício.».
Patenteia neste juízo que, focando atenção aos pressupostos presentes na “fundamentação do acto administrativo impugnado, ou seja, o ensaio do Município R., realizado no dia 15 de Janeiro de 2017 e nos dias 06, 09 e 16 de Fevereiro de 2017”, o tribunal “a quo” retirou logo do dito ensaio um vigor probatório que ultrapassaria qualquer maior necessidade de prova.
Mas mal.
A existência de tal meio probatório, em serventia a matéria de facto sob controvérsia - patentemente; tanto que o tribunal “a quo” não buscou justificação em ver questão “apenas de direito”, antes reputou “suficiente a prova documental” precisamente por importar dirimir questão de facto, no que a prova é instrumental à apreensão da realidade dos factos (art. 341.º CC) -, nada justificaria ao julgador dispensar a produção de um outro meio de prova, subentendendo/elegendo o enunciado fáctico em causa já estar por aí provado; no caso, nada obstaculiza que pudessem/possam ser tomadas declarações de parte ou a produção de prova testemunhal (o que, acontece, nomeadamente por os factos já estarem plenamente provados por documento ou por outro meio de prova com força probatória plena – o que aqui não é o caso).
«Detendo o julgador administrativo, de harmonia com os normativos enunciados, amplos poderes inquisitórios em matéria de investigação e de instrução probatória o mesmo poderá ter em consideração os elementos probatórios que se mostrem constantes do processo administrativo/instrutor, enquanto lastro documental à sua disposição, sem que daí derive ou possa derivar qualquer entendimento que limite ou condicione a possibilidade do autor apresentar ou indicar e produzir outros meios de prova com os quais vise contraditar os pressupostos factuais nos quais se estribou o ato administrativo impugnado.» - Ac. do STA, de 29-10-2015, proc. n.º 014/12.
«(…) se é apodítico que, regra geral, a infirmação por parte do Réu dos factos alegados pelo Autor traduz a existência de materialidade controvertida, não se pode afirmar que assim também não seja nas situações em que o próprio Autor, em sede de libelo inicial, entibece os pressupostos fácticos em que a Administração ancorou a sua decisão administrativa.
25. De facto, também a situação de refutação da validade existencial da materialidade adquirida no procedimento administrativo - que consubstancia na plena invocação de erro nos pressupostos de facto que estribaram a decisão administrativa - traduz a existência de materialidade controvertida no processo judicial em curso.
26. Desta feita, sendo este tecido fáctico controvertido essencial à boa decisão da causa, impunha-se a possibilidade de produção de prova neste desígnio, sob pena de se coartar o “direito à prova” dos seus apresentantes.
27. De facto, este “direito à prova” postula a ideia as partes têm o direito (i), por via de ação e da defesa, de utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal, de (ii) contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal, bem como o (iii) direito à contraprova.» - Ac. deste TCAN, de 30-09-2022, proc. n.º 00747/17.2BEAVR (tb Ac. deste TCAN, de 05-04-2024, proc. n.º 002329/15.4BEPRT-S1).
Certo que, «A capacidade que as provas requeridas terão de convencer o julgador sobre os enunciados fácticos em discussão é coisa distinta, que se afere em momento posterior, não podendo constituir fundamento para a sua rejeição.» (Ac. deste TCAN, de 10-01-2025, proc. n.º 00058/24.7BEVIS).
E também sem dúvida que «Detetando-se a existência de matéria de matéria de facto contravertida essencial à boa decisão da causa, não pode o Tribunal a quo avançar para o julgamento da causa sem proceder à abertura de um período de produção de prova, sob pena de violação do “direito à prova” das partes» (Acs. deste TCAN, de 28-01-2022, proc. n.º 00149/11.4BELSB; de 30-09-2022, proc. n.º 00747/17.2BEAVR); «Detetando-se a existência de matéria de matéria de facto contravertida essencial à boa decisão da causa, não pode o Tribunal a quo avançar para o julgamento da causa com preterição das fases processuais que lhe antecedem, sob pena de violação do disposto no artigos 90º e 91º do CPTA.» (Ac. deste TCAN, de 02-07-2021, proc. n.º 00134/17.2BELSB).
«O conhecimento imediato do mérito da causa só se realiza no despacho saneador se o processo possibilitar esse conhecimento; caso contrário, i. e., se os elementos fornecidos não justificarem essa antecipação, o processo deve prosseguir para a fase de instrução, realizando-se a apreciação daquele mérito na decisão final.» - Ac. do STJ, de 15-10-2024, proc. n.º 2725/22.0T8VRL.G1.S1.
Não poderá subsistir a decisão interlocutória; implicando a anulação do subsequente saneador-sentença, de prematura oportunidade; prejudicando maior conhecimento.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogando o supra identificado despacho interlocutório e anulando o saneador-sentença.
Custas: pelo recorrido.
Porto, 07 de Março de 2025.

Luís Migueis Garcia, por redistribuição.
Ana Paula Martins
Celestina Caeiro Castanheira