Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00055/14.0BEPNF |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 10/26/2023 |
Tribunal: | TAF de Penafiel |
Relator: | Irene Isabel Gomes das Neves |
Descritores: | CONVOLAÇÃO; RECLAMAÇÃO GRACIOSA; REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO; |
Sumário: | I. A revisão do acto tributário por iniciativa da administração tributária pode ser efectuada a pedido do contribuinte, como resulta do disposto no n.º 7 do artigo 78.º da LGT, a revisão oficiosa nos termos reservados à AT pode ser realizada a “pedido do sujeito passivo”, que a pode espoletar não obstante a intempestividade do procedimento para a Reclamação Graciosa. II. Constitui um poder/dever da AT, que decorre do respeito pelo princípio da colaboração com os contribuintes (cf. art. 59.º da LGT e 48.º, n.º 1 do CPPT), assim como aos princípios da celeridade e eficiência [cf. arts. 55.º da LGT, e 10.º do CPA, na redação então em vigor, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d) do CPPT], não estava legitimada a escudar-se na circunstância de estarmos perante formas processuais distintas, para negar a pretendida convolação do pedido de reclamação em pedido de revisão oficiosa. III. O erro imputável aos serviços (artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT), concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à Administração, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Recorrente ([SCom01...], Lda.), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 11 de outubro de 2016, que julgou improcedente a acção administrativa especial que instaurou contra Autoridade Tributária e Aduaneira, visando a anulação do despacho do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças ... que lhe indeferiu a reclamação graciosa deduzida contra a liquidação adicional de retenção na fonte de IRS e acrescidos, relativamente ao exercício de 2010, com fundamento em intempestividade, inconformada vem apresentar o presente recurso. Alegou, formulando as seguintes conclusões: « (...) i. Está em causa nestes autos o despacho, dado a conhecer à Recorrente pelo oficio com o n.º de saída ..41, remetido via fax em 10-01-2014, pelo qual em 30-12-2013, a Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças ..., inferiu a reclamação graciosa apresentada da liquidação adicional de retenção na fonte de IRS e acrescido, referente ao ano de 2010, no montante a pagar de €35.146,77 (trinta e cinco mil cento e quarenta e seis euros e setenta e sete cêntimos), com fundamento em intempestividade e, assim, sem tomar conhecimento da (i)legalidade da liquidação (cfr. doc. n.º 1 da petição). ii. Está na base da liquidação adicional em causa naquele procedimento de reclamação graciosa um procedimento inspectivo de que a Recorrente foi alvo, que decorreu sob a ordem de serviço n.º ...59, de que resultou o relatório de inspecção tributária (RIT), que foi elaborado e validado, em 21-03-2013, ao abrigo da invocação de poderes subdelegados pelo Director de Finanças Adjunto contida no Despacho n.º ...11, publicado no Diário da República n.º 214, de 08-11-2011 e notificado à Recorrente por meio do oficio n.º ....9/0505, de 25-03-2013., de que resultou, nomeadamente, a correcção à matéria colectável em alegados rendimento de capitais pagos ao sócio «AA». iii. Com base na referida correcção, foi efectuada à Recorrente liquidação adicional de retenção na fonte de IRS e acrescido, referente ao ano de 2010, no montante a pagar de €35.146,77 (trinta e cinco mil cento e quarenta e seis euros e setenta e sete cêntimos). iv. Dessa liquidação adicional a Recorrente apresentou a reclamação graciosa, a que veio a ser atribuído o n.º ....................80 – IRS (...9/2013), e que foi indeferida nos termos supra expostos, isto é, decidindo-se «INDEFIRO a pretensão do reclamante, por intempestividade» (sic doc. n.º 1 da petição), e, assim, não foi determinada a convolação do requerimento inicial de reclamação graciosa em requerimento revisão oficiosa de acto tributário, prevista no art. 78.º da LGT, e isto, como resulta da decisão da reclamação graciosa atacada na presente acção, sem que a Administração Tributária e Aduaneira (AT) tenha apreciado efectivamente essa possibilidade. v. A Recorrente instaurou a presenta acção, atacando o indeferimento da reclamação graciosa sem determinação da convolação requerida (ou sequer apreciar, concretamente, essa possibilidade, contrariamente ao que se refere na sentença recorrida). vi. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos supra referendados em que o Tribunal a quo, além do mais, decidiu nos seguintes termos: «Assim, para além do pedido de revisão a deduzir no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do nº 1 do artigo 78º da LGT, o sujeito passivo de imposto tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do ato, dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efectuar, previstos no referido artigo. Porém, nestes casos, o pedido de revisão não pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, como sucede no caso da reclamação efectuada no prazo da reclamação administrativa, mas apenas o erro imputável aos serviços (cfr. parte final do nº 1 do artigo 7 8), injustiça grave ou notória (cfr. nº 4) ou a duplicação de coleta (cfr. nº6; no mesmo sentido pode ler-se Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e cimentada, Editora Encontro da Escrita, 4a. Edição, 2012, pág. 714). Compulsado o probatório coligido, sublinhe-se, em primeiro lugar, que o pedido de reclamação administrativa incidiu sobre uma liquidação adicional, adveniente de correções meramente aritméticas, levadas a cabo pela AT, que não sobre uma autoliquidação, não tendo aqui aplicação o disposto no nº 2 do artigo 78º. Em segundo lugar, atente-se que a Autora, no exercício do direito de audição prévia sobre o projecto de decisão da reclamação administrativa, se limita a pedir a convolação deste procedimento em revisão de ato tributário. Por fim, analisada a petição de reclamação administrativa, conclui-se que em momento algum a Autora prova, ou sequer alega, que tenha existido um erro imputável aos serviços na liquidação adicional em causa, que se verifique uma injustiça grave ou notória ou ainda que exista duplicação à coleta. Contrariamente, invoca a reclamante, aqui Autora, meras ilegalidades que, no seu entender, afetam a validade de tal liquidação. Ora, é também jurisprudência pacifica que não pode o sujeito passivo alicerçar o seu pedido de revisão de ato tributário em mera ilegalidades da liquidação adicional em causa, mas antes, e exclusivamente, nos indicados fundamentos previstos naquele artigo 78º da LGT (neste sentido, e também a titulo meramente exemplificativo, invoca o Tribunal o Acórdão do TCA Sul, de 16/ 01 /2014, P. 07170/13, bem como os doutos arestas no mesmo citado, disponível em www.dgsi.pt). [...] Consequentemente, bem andou a AT ao decidir pela impossibilidade de convolação, porquanto não invocou a Autora, em sede de audição prévia (nem tampouco em sede de petição de reclamação), fundamentos e pressupostos legais susceptíveis de configurar alguma das situações previstas no referido artigo 78º da LGT.» e, daí, e do mais que consta da decisão recorrida, concluiu «Por tudo o exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente, absolvendo a Fazenda Pública do pedido.» vii. Em suma: O Tribunal a quo julgou improcedente a presente acção, desde logo, por entender: 1. Que a convolação só era possível se fosse possível o requerimento de revisão; 2. Que o requerimento de revisão, da iniciativa do contribuinte, só é admissível, quando apresentado depois de decorrido o prazo de reclamação graciosa, quando os fundamentos invocados na revisão correspondam, exclusivamente a um dos seguinte: a. Erro imputável aos serviços; b. Injustiça grave ou notória; c. Duplicação de colecta. 3. Que os fundamentos invocados no requerimento inicial de reclamação graciosa, a convolar em requerimento de revisão, não são reconduzíveis a qualquer dos fundamentos referidos no ponto anterior (mormente, que não correspondem a erro imputável aos serviços). viii. Quer isto dizer que o Tribunal a quo entende que não cabe no erro imputável aos serviços qualquer ilegalidade, e isto sem que, no entanto, na decisão recorrida, se diga, afinal, o que corresponderia a erro imputável ao serviço. ix. Não é assim, razão pela qual a sentença recorrida tem necessariamente de ser revogada e substituída por outra que decida em sentido oposto, julgado procedente a acção e, por consequência, condenando a AT a determinar a convolação da reclamação graciosa em revisão oficiosa do acto tributário ali em causa. x. É que, no sentido diametralmente oposto ao que se defende na sentença recorrida, não «é também jurisprudência pacífica que não pode o sujeito passivo alicerçar o seu pedido de revisão de ato tributário em mera ilegalidades da liquidação adicional em causa, mas antes, e exclusivamente, nos indicados fundamentos previstos naquele artigo 78º da LGT (neste sentido, e também a titulo meramente exemplificativo, invoca o Tribunal o Acórdão do TCA Sul, de 16/01/2014, P. 07170/13, bem como os doutos arestas no mesmo citado, disponível em www.dgsi.pt)». xi. Aliás, o acórdão invocado na sentença recorrida não trata sequer de saber quais sejam as ilegalidades que devem entender-se como correspondendo a erro imputável aos serviços para os efeitos do que vem disposto na parte final do n.º 1 do art. 78.º da LGT. xii. Outrossim, é hoje doutrina e jurisprudência pacífica que, para os efeitos do que seja erro imputável aos serviços nos termos previstos na parte final do n.º 1 do art. 78.º da LGT, deve entender-se não apenas o lapso, mas também o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, além de ser também pacífico hoje na jurisprudência que essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afectada pelo erro. xiii. Ademais, na redacção aplicável ao caso dos autos, o próprio erro na autoliquidação se entendia como imputável aos serviços para aqueles efeitos. xiv. Por maioria de razão, estando em causa, como nos autos, uma liquidação adicional da AT, isto é, uma liquidação efectuada pela AT na sequência de correcções determinadas também pela AT no âmbito de procedimento inspectivo levado a cabo também por esta, sempre haverá de entender-se que qualquer vício da liquidação ou do procedimento lhe está subjacente é imputável aos serviços. xv. Tal como defende a nossa jurisprudência, «I – A revisão do acto tributário por iniciativa da administração tributária pode ser efectuada a pedido do contribuinte, como resulta do artigo 78. º n.º 7, da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT, no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou, no caso o tributo não ter sido pago, a todo o tempo), ficando com isso investido de um direito a uma decisão sobre o pedido formulado. II – E o “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º. n” 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também. o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afectada pelo erro.» (sic Acórdão STA, de 14.03.2012, proc. n.º 01007/11) (sublinhado e destaque nossos). «(...) A revisão oficiosa é, por definição, a revisão do acto tributário por iniciativa da AT que pode ter lugar no prazo de quatro anos a contar da liquidação ou a todo o tempo, se o tributo não estiver pago (cfr. nº 1 do artº 78º da LGT). (...) E à luz do princípio de que o que pode ser feito oficiosamente pode ser feito a pedido dos interessados, que é corolário dos princípio da prevalência da substância sobre a forma e dos direitos constitucionais de petição e de participação, nada impede que os interessados requeiram à AT a revisão dos actos tributários, mesmo nos casos em que o artº 78º prevê que a revisão é da iniciativa dos serviços.» (sic Acórdão TCAS, de 25.11.2009, proc. n.º 02842/09). xvi. É que, «erro imputável aos serviços» concretiza qualquer Ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, com ressalva do erro na autoliquidação que, pata o efeito, é equiparado aos daquela primeira espécie - art. 78º, n.º 2 in fine.» (sic Acórdão STA, de 22.03.2011, proc. n.º 01009/10) (sublinhado e destaque nossos), e, «I -A convolação justfica-se por razões de economia processual, pelo que só deve ser efectuada quando tiver alguma utilidade. Não deve operar-se, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei, a convolação de um procedimento de revisão do acto tributário noutro de reclamação graciosa, se a petição é intempestiva para o efeito. II - A revisão do acto tributário por iniciativa da administração tributária pode ser efectuada a pedido do contribuinte, como resulta do artigo 78.º, n.º 6, da LGT, na redacção da Lei nº 55-13/2004 (actual nº 7) e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT, no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou, no caso o tributo não ter sido pago, a todo o tempo), ficando com isso investido de um direito a uma decisão sobre o pedido formulado. III - Ora o erro imputável aos serviços (artigo 78.º. nº 1, in fine, da LGT). concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, com ressalva do erro na autoliquidação que, para o efeito, é equiparado aos daquela primeira espécie (are 78º, nº 2 do mesmo diploma legal).» (sic Acórdão STA, de 05.11.2014, proc. n.º 01474/12) (sublinhado e destaque nossos). xvii. No mesmo sentido, «I – Não apenas o pedido de revisão apresentado dentro do prazo de reclamação administrativa, mas também o pedido de revisão oficiosa da liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços apresentado no praza de 4 anos, aproveitam ao sujeito passivo para efeitos de lançar mão da impugnação judicial. II – O “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afectada pelo erro.» (Acórdão STA, de 19.11.2014, proc. n.º 0886/14) (sublinhado e destaque nossos). xviii. Aliás, a própria AT, por instrumento que a vincula, reconhece: «A revisão do acto tributário, quando o fundamento consiste em erro imputável aos serviços, constitui um poder-dever da administração fiscal e não um direito do contribuinte, porquanto uma ver verificados os respectivos pressupostos, previstos no art. 78.º da LGT, a sobredita revisão não está sujeita a um qualquer pedido do contribuinte ou de juízo de oportunidade, estando a administração fiscal legalmente vinculada a rever o acto tributário.». «Face à redacção vigente do art. 78.º da LGT, o erro na autoliquidação (...) é, sem excepção, equiparado a erro imputável aos serviços, pelo que a revisão do acto tributário constitui um poder-dever da Administração, apenas limitado pelos pressupostos da parte final do n.º 1 do art. 78.º da LGT.». (sic. Parecer de 12.12.2014 da Direcção de Serviços de Justiça Tributária). xix. É manifesto que a Recorrente, na reclamação graciosa que apresentou, imputa ao acto reclamado (que em função da convolação devida será o ato revidendo) erro quanto aos seus pressupostos factuais bem como ao enquadramento jurídico dado pela AT – assim invocando contra aquele acto tanto erro de facto como erro de direito (cfr. reclamação graciosa junta com o PA). xx. Decidindo nos termos em que decidiu, o Tribunal a quo incorreu em violação da lei, nomeadamente do disposto nos arts. 78.º n.º 1 e n.º 3 da LGT, 52.º do CPPT, 98.º n.º 3 e 4 do CPPT, 53.º do CPPT e 97.º n 3 do CPPT ex vi 2.º da LGT e 2.º do CPPT, tudo a implicar a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que, julgando procedente a presente acção, condene a AT a determinar a convolação da reclamação graciosa e reviso oficiosa do acto tributário em causa. xxi. Na decisão que indeferiu a reclamação graciosa que é objecto da presente acção, a AT decide nos seguintes termos: «Cumpre decidir I – Sobre a apreciação dos fundamentos apresentados, mesmo sendo intempestivo o requerimento inicial de reclamação graciosa, dir-se-á que, A sua apreciação se torna inútil, uma vez que não é tempestivo o pedido, pelo que não irá produzir qualquer efeito, no futuro, sendo proibida a prática, nos termos do preceituado no artº 57º nº 1 da LGT. II – Quanto à convolação do requerimento, nos termos desci7.to no ponto 4, desta peca, diremos que, como também, foi referido pelo reclamante, o mesmo não é de aplicação, uma vez tratar-se de formas processuais diferentes. III – Quanto à convolação da petição de reclamação graciosa em revisão de acto tributário, nos termos do artº 78º nº1 da LGT, o mesmo não é possível, por não reunir os requisitos previstos no referido normativo. Conclui-se que, o reclamante, em sede de contraditório, não apresenta factos novos, susceptíveis de alterar o sentido de indeferimento por intempestividade, proferido no projecto de despacho, oportunamente notificado.» (sic doc. n.º 1 da petição). xxii. Resulta assim que a AT afirma que a reclamação é intempestiva e que a convolação não é possível (i) porque são formas processuais diferentes e (ii) porque não estão reunidos os requisitos previstos no referido normativo, sem que, naquela decisão a AT diga em que medida é que estarem em causa diferentes meios procedimentais interferiria coma possibilidade de convolação – nem se compreende, pois que a figura da convolação só é ponderável exactamente quando estejam em causa diferentes meios de reacção, como a AT não diz afinal quais seriam os requisitos do art. 78.º da LGT que não estariam cumpridos para ser possível a convolação – isto é, a decisão da AT padece de vício de fundamentação. xxiii. Não obstante o referido e não obstante a Recorrente ter atacado aquela decisão na presente acção também pelo vício de fundamentação de que padece, o Tribunal a quo decidiu que não ocorre vício de fundamentação, e, assim, incorre em erro de julgamento a implicar, igualmente, a revogação da decisão recorrida e substituição por outra que reconheça o apontado vício à que é objecto dos presentes autos. TERMOS EM QUE, e nos mais de Direito c o douto suprimento de V.Exas., julgando procedente o presente recurso se cumprirá a LEI e JUSTIÇA.» 1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma: « I. A decisão recorrida nos presentes autos é absolutamente legal, devida e suficientemente fundamentada com decidiu a Douta Sentença agora impugnada, tendo sido dadas à Recorrente oportunidade de participação, que aliás nem sequer aproveitou, tendo a AT dado integral cumprimento aos princípios do inquisitório e do contraditório, conforme decorre do relatório dos Serviços de Inspeção Tributária, quer do processo de reclamação graciosa. II. A Requerente, nunca alegou nem referiu a possibilidade de ter havido no ato de liquidação do imposto a prática de qualquer injustiça grave ou notória, assim está desde logo excluída a possibilidade da revisão do ato tributário poder eventualmente escudar-se na situação prevista nos números 4 e 5 do artigo 78.º da LGT. III. E mesmo que alegasse não houve qualquer injustiça grave ou notória na tributação em causa, ou manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. IV. A convolação da reclamação graciosa em procedimento de revisão do ato tributário ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT é impossível, por iniciativa da Recorrente, uma vez que devendo o respetivo pedido ser formulado no prazo da reclamação graciosa, a Requerente não o fez, como a própria reclamação graciosa por si apresentada foi extemporânea. V. E, sendo a situação que motivou a liquidação devidamente explicitada e fundamentada nos termos constantes do Relatório dos Serviços de Inspeção Tributária, ao contrário do alegado pela Recorrente, não existe uma obrigatoriedade legal da AT convolar uma reclamação graciosa num pedido de revisão oficiosa do ato tributário em causa, com fundamento em erro imputável aos serviços, que a Requerente não provou e que efetivamente não houve. VI. O pedido de revisão oficiosa previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, ainda que por iniciativa da AT, não é, nem pode ser, uma forma de criar um novo mecanismo de reclamação graciosa, independentemente do decurso dos prazos legalmente fixados, o que criaria um procedimento para contornar aqueles prazos já decorridos. VII. Se a AT convolasse a reclamação graciosa extemporânea em revisão do ato tributário, como pretende a Requerente, estaria a violar os princípios da decisão, da definição das situações jurídicas, da celeridade e da economia processual, orientadores da atividade administrativa e fiscal e a praticar atos na sua essência inúteis. VIII. A apresentação da reclamação graciosa não evidenciava nenhum erro na forma de processo, e que por isso não havia que promover qualquer convolação da mesma. IX. E, como é evidente, a reclamação graciosa (art.ºs 70.º e 99.º do CPPT ) era o meio correto e adequado para questionar a legalidade do ato tributário, nos termos que agora aqui Recorrente o fez, mas tinha que ser dentro do prazo legal para o efeito. X. Não existe assim, no presente caso, qualquer erro na forma de processo, o único erro que existiu foi da parte da Recorrente, no cumprimento do prazo para o exercício do direito, e bem decidiu o ato recorrido fundamentadamente, no sentido de não poder haver qualquer convolação procedimental, atendendo, para mais, que os institutos da reclamação graciosa e da revisão do ato tributário são profundamente distintos, no que se refere aos seus conteúdos, prazos e requisitos. XI. O prazo para apresentar uma reclamação graciosa de uma liquidação, é um prazo que tem que ser necessariamente cumprido, tal como o procedimento de convolação de uma reclamação em revisão do ato tributário do artigo 78.º n.º 1 da LGT, obedece a prazos e requisitos específicos. XII. O artigo 78.º n.º 1 da LGT, não pode ser interpretado como um mecanismo à disposição de quem não cumpriu o prazo da reclamação graciosa, conseguir à mesma ver a sua pretensão analisada e decidida. XIII. Assim, em conclusão, a Requerente não cumpriu o prazo de apresentação de reclamação graciosa, a AT não está obrigada a convolar o procedimento, não existiu qualquer erro na forma de processo, não estão reunidos os pressupostos de revisão do ato tributário por iniciativa da AT, designadamente por não existir qualquer erro imputável aos serviços, e a decisão recorrida nos presentes autos é absolutamente legal, devida e suficientemente fundamentada como decidiu e bem, a Douta Sentença agora impugnada Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser considerado improcedente em toda a sua extensão, mantendo-se na ordem jurídica a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.». 1.3. Foi notificado o Ministério Público junto deste Tribunal. 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: As questões sob recurso e que importa decidir, suscitada e delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, consiste em saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito, nomeadamente do disposto nos arts. 78.º n.º 1 e n.º 3 da LGT, 52.º do CPPT, 98.º n.º 3 e 4 do CPPT, 53.º do CPPT e 97.º n 3 do CPPT ex vi 2.º da LGT e 2.º do CPPT, ao não determinar a condenação da AT na convolação da reclamação graciosa em revisão oficiosa do acto tributário em causa. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «Com pertinência para a apreciação da presente lide, resulta provada a seguinte factualidade: 1. No âmbito da Ordem de Serviço nº ...59, foi realizada uma ação inspetiva à Autora, relativa aos exercícios de 2009 e 2010 e de âmbito geral; 2. A 18/03/2013, os Serviços de Inspeção Tributária (doravante SIT) elaboraram o correspondente Relatório de Inspeção Tributária (doravante RIT); 3. Do relatório identificado supra, e no que respeita a “III – Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria coletável. III – 1) Falta de retenção na fonte a título definitivo sobre lucros/adiantamentos por conta de lucros colocados à disposição de «AA»”, consta o seguinte: “(...) Segundo a contabilidade da [SCom01...], «AA» era credor da empresa, no início de 2010, do montante de € 56.183,29, conforme consta contabilística 27.8.2.1.2. – Outros Devedores e Credores/ Empréstimos de Sócios/ «AA». Em 15-05-2010, a [SCom01...] emitiu cheque nº ...11 sobre o Banco 1... à ordem de «AA», com o valor € 189.450,77:
Face a este registo contabilístico, notificou-se a sociedade na pessoa do seu sócio-gerente (ponto 4 da segunda Notificação), «EE», em 30-11-2012, para justificar, comprovando documentalmente, a diferença verificada entre o registo contabilístico e o movimento financeiro. Em resposta, de 17-12-2012, a [SCom01...] afirmou que: «Os suprimentos realizados haviam sido indevidamente contabilizados, uma vez que, tendo sido concretizados por entregas do sócio-gerente «AA», foram relevados como tendo sido efetuados por todos os sócios na proporção das respetivas quotas. Daí que o reembolso tenha sido dirigido àquele sócio, tendo-se optado na contabilização por anular as contas correntes que se mostravam indevidamente em aberto.» A empresa alega que a sua contabilidade se encontrava errada e que o movimento em concreto foi realizado para corrigir esse erro. Contudo não apresentou qualquer elemento que comprove o alegado, nem foi observado nos elementos consultados qualquer indício do mesmo. Assim, constata-se que foram transferidos € 189.450,77 da [SCom01...] para «AA», sendo que apenas foi registado na contabilidade a transferência de € 42.137,47. Isto é, «AA» recebeu € 147.313,30 da [SCom01...], sem que esse valor corresponda a qualquer responsabilidade sua face à sociedade. Face ao exposto, verificou-se uma transferência do património financeiro da [SCom01...] para «AA» omissa à contabilidade, pelo que a mesma se considera a título definitivo e não com intenção de futuro reembolso da mesma por parte de «AA» à empresa. Esta transferência detetada constitui rendimento de capitais do sócio, nos termos do seu art.º 5.º do Código do IRS, configurando-se como lucros ou adiantamentos por conta de lucros pagos ao seu titular. (...) Este rendimento também estava sujeito a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 21,5%, tendo em conta as alterações produzidas pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação (...). Deste modo, deveria ter sido retido imposto sobre o seguinte rendimento pago ao sócio da [SCom01...], no valor de € 31.672,36, em Maio de 2010. (...)”; 4. A 09/04/2013, foi comunicada à Autora, por via eletrónica, a demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR, no valor de € 31.672,36, acrescido de juros compensatórios, no valor de € 3.474,41; 5. Na comunicação identificada supra, constava como data limite de pagamento a data de 05/06/2013; 6. A 10/07/2013, foi comunicada à Autora, por via eletrónica, a cobrança coerciva de dívida, no montante de € 35.490,68; 7. A 03/10/2013, a Autora apresentou junto do Serviço de Finanças ... uma designada “reclamação graciosa” contra o ato de liquidação adicional de retenção na fonte de IRS, pedindo a sua anulação bem como dos correspondentes juros compensatórios, e à qual foi atribuído o nº ...80; 8. Na identificada reclamação graciosa, afirma a Autora, entre outros, o seguinte: “(...) 15. Acontece porém que, tal como foi dado a conhecer aos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), o sócio «AA» tinha efetuado suprimentos em valor muito superior àquela quantia de € 189.450,77 que lhe foi devolvida. 16. Apenas, esse registo contabilístico não se encontrava devidamente efetuado, 17. Uma vez que, quando o sócio «AA» efetuou aqueles suprimentos, estes foram erradamente contabilizados como se tivessem sido efetuados por cada um dos sócios na proporção em que estes participavam no capital da Reclamante. 18. Aquando do registo da restituição daquele valor de suprimentos ao sócio «AA», foi constatado o registo errado aquando da sua constituição, 19. Pelo que, a contabilidade da Reclamante, no sentido de que as contas sociais refletissem a realidade verificada, corrigiu o registo de suprimentos constante nas contas dos referentes sócios – que lhes foram imputados (erradamente) – saldando-as, e imputando o valor remanescente à conta de suprimentos do sócio «AA». (...) 33. É que, é a própria AT a afirmar no RIT que na contabilidade da Reclamante cotava no início de 2010 um crédito de suprimentos a favor do sócio «AA» no valor de € 56.183,29, 34. E, não obstante a presunção que fez de que todo o valor pago o foi ao sócio «AA», desconsiderando a contabilidade da Reclamante, 35. Os SIT desconsideraram também a informação contabilística quanto ao valor de suprimentos registado a favor do sócio «AA» e apenas imputaram à restituição de suprimento a quantia de € 42.137,47. (...) 50. É que as presunções referidas supra no ponto 45 não são presunções ope legis, mas sim presunções efetuadas motu proprio pela AT – a partir daquilo que considera serem indícios ao seu dispor – portanto, de forma indireta. (...)”; 9. A 04/12/2013, a AT comunicou à Autora, por via de telefax, o projeto de decisão sobre a reclamação graciosa, para exercício do direito de audição; 10. Do projeto de decisão constava, nomeadamente, o seguinte: “(...) O reclamante foi notificado via eletrónica, em 9 de Abril de 2013. Para cumprimento do nº. 4 do artº. 140º do CIRS (30 dias), terminavam em 9 de Maio de 2013. Para cumprimento do artº. 70º do CPPT, (120) dias, seriam contados a partir de 9 de Maio de 2013, terminando em 6 de Setembro de 2013. Tendo o reclamante, apresentado o presente procedimento gracioso, através de fax, em 3 de Outubro de 2013, é o mesmo intempestivo. Sem prescindir, sempre se dirá, quanto ao fundamento apresentado pelo reclamante de que não foi notificado da liquidação, a mesma não é sindicável em procedimento gracioso, mas sim em oposição fiscal, nos termos do preceituado nos artºs. 203º e 204º do CPPT. No prazo de 30 dias após a citação. Face ao exposto fica precludida a apreciação dos outros fundamentos apresentados. (...)”; 11. A 16/12/2013, a Autora exerceu o seu direito de audiência prévia, do qual consta, nomeadamente, o seguinte: “(...) 7 – Com aquela reclamação graciosa pretendia a Reclamante que fossem reapreciados os factos tributários considerados na liquidação adicional de retenção na fonte de IRS que lhe foi efetuada nos termos em que deixou exposto na petição da reclamação. (...) 9 – Isto é, o que se pretendeu com a reclamação apresentada foi (e é ainda) a alteração dos pressupostos da liquidação adicional de IRS, de 2010, e, por consequência, a sua anulação. 10 – Com vista a esse fim, prevê o ordenamento jurídico mais do que um meio gracioso possível. (...) 12 – Além daquele meio de reação, prevê ainda o ordenamento jurídico tributário a figura da revisão de ato tributário, nos termos constantes do art. 78.º n.º 1 da LGT. (...) 20 – Assim, entendendo a AT que a petição de reclamação graciosa apresentada pela Reclamante é extemporânea, antes de decidir pelo seu indeferimento com tal fundamento, deverá a AT aferir da possibilidade da convolação do requerimento inicial de reclamação graciosa noutro meio procedimental passível de determinar a apreciação da liquidação nos termos requeridos pela Reclamante no requerimento inicial de reclamação graciosa que apresentou. (...) 21 – tanto mais que é inequívoca a (i) tempestividade daquele requerimento para abertura de procedimento de revisão de ato tributário, como é inequívoco que (ii) o pedido e causa de pedir ali formulados, devidamente interpretados, têm perfeita adequação àquela nova forma de procedimento. (...) Termos em que deve o presente procedimento de reclamação graciosa ser convolado em procedimento de revisão oficiosa de ato tributário correspondente à liquidação adicional de retenção na fonte de IRS, ano de 2010 (art. 78.º da LGT), na eventualidade da AT entender que o seu requerimento processual é extemporâneo para efeito de reclamação graciosa desta (...); 12. A 08/01/2014, por fax, foi comunicada à Autora a decisão final de indeferimento da reclamação graciosa; 13. Da decisão supra identificada constam os seguintes fundamentos: “(...) I – Sobre a apreciação dos fundamentos apresentados, mesmo sendo intempestivo o requerimento inicial de reclamação graciosa, dir-se-á que, A sua apreciação torna-se inútil, uma vez que não é tempestivo o pedido, pelo que não irá produzir qualquer efeito, no futuro, sendo proibida a sua prática, nos termos do preceituado no artº 57º º 1 da LGT. II – Quanto à convolação do requerimento, nos termos descritos no ponto 4 desta peça, diremos que, como também foi referido pelo reclamante, o mesmo não é de aplicação, uma vez tratar-se de formas processuais diferentes. III – Quanto à convolação da petição de reclamação graciosa em requerimento de revisão de ato tributário, nos termos do artº 78º nº 1 da LGT, o mesmo não é possível, por não reunir os requisitos previstos no referido normativo. Conclui-se que, o reclamante, em sede de contraditório, não apresenta factos novos, suscetíveis de alterar o sentido de indeferimento por intempestividade, proferido no projeto de despacho, oportunamente notificado. (...)”; 14. A petição inicial da presente ação administrativa especial deu entrada nos presentes autos a 27/01/2014. * Factos não provados: Com relevância para a decisão da causa, não se deram quaisquer factos como não provados. Motivação da decisão sobre a matéria de facto: Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais. A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes. Concretizando, a factualidade vertida nos pontos 1 a 3 resulta provada atenta a análise do teor dos documentos juntos a fls. 98 e seguintes do PA. Já a matéria de facto dada como assente nos pontos 4 e 5 advém do constante a fls. 50 e 51 do PA, e aquela dada como assente no ponto 6 resulta do teor de fls. 23 do referido processo. A matéria de facto dada como provada nos pontos 7 e 8 decorre da análise do constante a fls. 1 e seguintes do PA. Por outro lado, a factualidade descrita nos pontos 9 a 11 resulta provada após análise dos documentos juntos a fls. 122 e seguintes do PA. Já aquela vertida nos pontos 12 e 13 advém da análise do teor dos documentos juntos a fls. 134 e seguintes do indicado processo. Finalmente, o facto descrito no ponto 14 supra resulta provado atento o constante de fls. 1 dos presentes autos.» 2.2. De direito Importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de direito que lhe são imputados pela Recorrente. Como foi já referido supra, em causa nos presentes autos está o Recurso interposto pela Autora/Recorrente da sentença que declinou a sua pretensão de declaração da ilegalidade do acto que lhe indeferiu o seu pedido de convolação da reclamação graciosa [que interpusera do ato de liquidação adicional de retenção na fonte de IRS e acrescidos, referente ao exercício de 2010], na revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT, com fundamento de que a primeira fora interposta depois de excedido o prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, se tratar de processos distintos e não se verificarem os pressupostos da revisão. Argumenta a Recorrente que a decisão em crise padece de erro de julgamento de direito, pois “(...) é hoje doutrina e jurisprudência pacífica que, para os efeitos do que seja erro imputável aos serviços nos termos previstos na parte final do n.º 1 do art. 78.º da LGT, deve entender-se não apenas o lapso, mas também o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, além de ser também pacífico hoje na jurisprudência que essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afectada pelo erro”, a que acresce “(...) estando em causa, como nos autos, uma liquidação adicional da AT, isto é, uma liquidação efectuada pela AT na sequência de correcções determinadas também pela AT no âmbito de procedimento inspectivo levado a cabo também por esta, sempre haverá de entender-se que qualquer vício da liquidação ou do procedimento lhe está subjacente é imputável aos serviços.”, sustentando a sua argumentação por via da citação de vasta jurisprudência e concluindo que “Decidindo nos termos em que decidiu, o Tribunal a quo incorreu em violação da lei, nomeadamente do disposto nos arts. 78.º n.º 1 e n.º 3 da LGT, 52.º do CPPT, 98.º n.º 3 e 4 do CPPT, 53.º do CPPT e 97.º n 3 do CPPT ex vi 2.º da LGT e 2.º do CPPT, tudo a implicar a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que, julgando procedente a presente acção, condene a AT a determinar a convolação da reclamação graciosa e reviso oficiosa do acto tributário em causa”. . Desde já se antecipa que a Recorrente tem razão. O Tribunal a quo, além do mais, pois que a questão da intempestividade da Reclamação Graciosa é dado adquirido e não impugnado, decidiu nos seguintes termos: «Assim, para além do pedido de revisão a deduzir no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do nº 1 do artigo 78º da LGT, o sujeito passivo de imposto tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do ato, dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efectuar, previstos no referido artigo. Porém, nestes casos, o pedido de revisão não pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, como sucede no caso da reclamação efectuada no prazo da reclamação administrativa, mas apenas o erro imputável aos serviços (cfr. parte final do nº 1 do artigo 7 8), injustiça grave ou notória (cfr. nº 4) ou a duplicação de coleta (cfr. nº6; no mesmo sentido pode ler-se Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e cimentada, Editora Encontro da Escrita, 4a. Edição, 2012, pág. 714). Compulsado o probatório coligido, sublinhe-se, em primeiro lugar, que o pedido de reclamação administrativa incidiu sobre uma liquidação adicional, adveniente de correções meramente aritméticas, levadas a cabo pela AT, que não sobre uma autoliquidação, não tendo aqui aplicação o disposto no nº 2 do artigo 78º. Em segundo lugar, atente-se que a Autora, no exercício do direito de audição prévia sobre o projecto de decisão da reclamação administrativa, se limita a pedir a convolação deste procedimento em revisão de ato tributário. Por fim, analisada a petição de reclamação administrativa, conclui-se que em momento algum a Autora prova, ou sequer alega, que tenha existido um erro imputável aos serviços na liquidação adicional em causa, que se verifique uma injustiça grave ou notória ou ainda que exista duplicação à coleta. Contrariamente, invoca a reclamante, aqui Autora, meras ilegalidades que, no seu entender, afetam a validade de tal liquidação. Ora, é também jurisprudência pacifica que não pode o sujeito passivo alicerçar o seu pedido de revisão de ato tributário em mera ilegalidades da liquidação adicional em causa, mas antes, e exclusivamente, nos indicados fundamentos previstos naquele artigo 78º da LGT (neste sentido, e também a titulo meramente exemplificativo, invoca o Tribunal o Acórdão do TCA Sul, de 16/ 01 /2014, P. 07170/13, bem como os doutos arestos no mesmo citado, disponível em www.dgsi.pt). [...] Consequentemente, bem andou a AT ao decidir pela impossibilidade de convolação, porquanto não invocou a Autora, em sede de audição prévia (nem tampouco em sede de petição de reclamação), fundamentos e pressupostos legais susceptíveis de configurar alguma das situações previstas no referido artigo 78º da LGT.» e, daí, e do mais que consta da decisão recorrida, concluiu «Por tudo o exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente, absolvendo a Fazenda Pública do pedido.» (fim de transcrição, negritos nossa autoria) Vejamos então. A AT está sujeita a um conjunto de princípios, de entre os quais impera, como não poderia deixar de ser, o princípio da legalidade, não estando autorizada a efetuar liquidações de imposto que extravasem os estritos contornos da lei, a que deve obediência, tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 103.º, in fine, da Constituição da República Portuguesa, e concretizado no disposto no artigo 8.º da LGT. Por outro lado, no âmbito do procedimento tributário, não pode AT deixar de pautar a sua conduta no respeito pela prossecução do interesse público, e de acordo com, entre outros, os princípios da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da celeridade, e no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários (cf. artigo 55.º da LGT). A ser assim, temos por adquirido que quando “os Serviços” da AT tomam conhecimento da existência de um erro que lhes seja imputável, têm a obrigação de proceder à sua correção, no prazo de caducidade da liquidação se o imposto foi já pago, ou a todo o tempo se assim não aconteceu, tal como resulta do disposto n.º 1, in fine, do artigo 78.º da LGT. É, aliás, o princípio da legalidade que se encontra subjacente à própria existência da possibilidade de revisão oficiosa dos atos tributários, prevista no artigo 78.º da LGT. Ocorre que há muito que a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores – aliás, profusamente citada nas alegações de recurso pela Recorrente – preconiza o entendimento de que a interpretação correcta e adequada do disposto no artigo 78.º da LGT, à luz do supracitado princípio da legalidade, impõe que se deva aceitar que a revisão oficiosa da iniciativa da AT, dentro dos prazos de que a mesma dispõe para o efeito, pode também ela ser espoletada mediante requerimento dos sujeitos passivos (vejam-se nesse sentido, designadamente, os Acórdãos proferidos pelo STA em 24.05.2006, no proc. 01155/05; em 12.07.2006, no proc. 0402/06; em 15.11.2006, no proc. 028/06; em 22.03.2011, no proc. 01009/10; em 14.03.2012, no proc. 01007/11; em 06.02.2013, no proc. 0839/11; em 02.07.2014, no proc. 01950/13; em 18.11.2015, no proc. 01509/13; em 04.05.2016, no proc. 0407/15; em 09.11.2016, no proc. 01524/15; e em 03.02.2021, no proc. 02683/14.5BELRS 0181/18). Com efeito, e tal como é referido com evidente clareza num dos supracitados acórdãos “É hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento” (cf. Acórdão do STA proferido em 04.05.2016, no proc. 0407/15). Efectivamente, “podem os contribuintes provocar a revisão (cf. n.º 7 da norma) a levar a efeito pela A. Fiscal, visto se entender a mesma revisão como um poder-dever (natureza vinculada), pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Fazenda Pública tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266, n.º 2, da C.R.P., art. 55, da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei” (cf. Acórdão do STA, proferido em 03.02.2021, no proc. 02683/14.5BELRS 0181/18). Ora, sendo a revisão oficiosa um poder-dever da AT, além do mais, em obediência ao supracitado princípio da legalidade, e atendendo ao expressamente disposto no já referido n.º 7 do artigo 78.º da LGT, nos termos do qual a revisão oficiosa pode ser realizada a “pedido do sujeito passivo” não deixa de estar ao alcance do sujeito passivo a possibilidade de desencadear a mesma, ainda que se mostre ultrapassado o prazo para a reclamação graciosa, como é aqui o caso. Entendimento este em sintonia, com o que vem sendo reconhecido pela jurisprudência do STA, quando propugna que a revisão oficiosa é admissível ainda que não tenha sido sequer interposta a reclamação graciosa prevista no artigo 131.º do CPPT, ou ainda que seja ultrapassado o prazo para o efeito, ali se fundamentando que“(…) contrária ao sentido do nº 2 do artº 78º da LGT e se reconduziria a uma restrição das possibilidades de revisão oficiosa, a interpretação (…) de que só seria possível a revisão oficiosa quando o contribuinte tivesse apresentado reclamação no prazo de dois anos”, pelo que “o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa não impede o impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta” (cf. Acórdão proferido pelo STA em 29.10.2014, no proc. 01540/13, e no mesmo sentido, os acórdãos proferidos em 12.09.2012, no proc. 476/12, em 14.06.2012, no proc. 259/12, em 14.03.2012, no proc. 1007/11, em 29.05.2013, no proc. 140/13, em 14.12.2011, no proc. 366/11, em 20.11.2007). Ora, do exposto, estamos aptos a concluir que, sendo admissível o pedido de revisão oficiosa pelo sujeito passivo nos termos e no prazo em que o mesmo é admissível para AT, ainda que após o esgotamento do decurso do prazo de reclamação graciosa, ou quando a mesma não chegue sequer a ser interposta, não ocorre dúvidas da admissibilidade da aplicação do disposto no artigo 52º do CPPT e, como tal, preconizar um verdadeiro erro na forma do procedimento, atento o esgotamento do prazo de reclamação, a Recorrente deveria ter lançado mão da revisão oficiosa, solução esta afastada pelo despacho reclamado e pela decisão recorrida, que cumpre aqui censurar e retirar as devidas ilacções. Mais se diga, atentando a que a AT se encontra obrigada, para além do mais, ao respeito pelo princípio da colaboração com os contribuintes (cf. artigos 59.º da LGT e 48.º, n.º 1 do CPPT), assim como aos princípios da celeridade e eficiência (cf. artigos 55.º da LGT, e 10.º do CPA, na redação então em vigor, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d) do CPPT), não estava legitimada a escudar-se na circunstância, além do mais, por estarmos perante formas processuais distintas, para negar a pretendida convolação do pedido de reclamação em pedido de revisão conforme discorre do despacho objecto de impugnação nos presentes autos, vide item 13 do probatório. Por fim, tem razão a Recorrente quando assaca erro de julgamento a afirmação contida na decisão em crise de que “analisada a petição de reclamação administrativa, conclui-se que em momento algum a Autora prova, ou sequer alega, que tenha existido um erro imputável aos serviços na liquidação adicional em causa, que se verifique uma injustiça grave ou notória ou ainda que exista duplicação à coleta. Contrariamente, invoca a reclamante, aqui Autora, meras ilegalidades que, no seu entender, afetam a validade de tal liquidação.” Com efeito, temos para nós, que no que tange a verificação do último pressuposto para decidir da convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão como estabelece para o efeito o artigo 78º da LGT, isto é, do erro imputável aos serviços, nos termos do n.º 1 daquele dispositivo legal, cumpre revelar que a Autora/Recorrente invocou em sede de reclamação graciosa vícios de violação de lei que considera serem de imputar à liquidação de retenção na fonte de IRS, designadamente quanto às correções efectuadas relativamente ao quantum e modum de contabilização dos suprimentos do sócio pela AT (cfr. item 8. do acervo probatório). Somos de concluir que os vícios imputados ao acto tributário porquanto atentam da legalidade das correcções à matéria tributável, integram, de forma evidente, o conceito de erro imputável aos serviços e constituem, [enquanto tal ou seja, para efeitos única e exclusivamente de aferição dos pressupostos da convolação], fundamento válido de pedido de revisão dos actos tributários. É que o erro imputável aos serviços, concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à Administração, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, com ressalva do erro na autoliquidação que, para o efeito, é equiparado aos daquela primeira espécie - artigo 78. °, n.º 2 in fine (neste sentido vide Acórdãos do STA de 10.04.2013, recurso 230/13, 11.04.2007, recurso 19/07, de 21.06.2000, recurso 24605, de 10.09.2008, recurso 358/08, de 12.09.2012, recurso 453/12 e de 05.11.2014, recurso 1472/12) . Por último, chamamos a colação pela sua alvura e presteza, o Acórdão do STA de 17.01.2018, proferido no processo n.º 1377/14, porquanto vai mais além, ao determinar oficiosamente a convolação da Reclamação Graciosa tida por intempestiva em Revisão do acto tributário, nos seguintes termos: “Razão por que, tal como decidido no acto de indeferimento que constitui o objecto imediato da presente impugnação, é intempestiva a reclamação apresentada. Não obstante, é legalmente possível e viável convolar esse procedimento de reclamação em procedimento de revisão previsto no art.º 78º da LGT, segundo o qual a liquidação pode ser objecto de revisão oficiosa no prazo de quatro anos (se o tributo tiver sido pago, como é o caso) com fundamento em erro imputável aos serviços. Com efeito, constitui jurisprudência pacífica e reiterada desta Secção do STA que a Administração Tributária tem o poder-dever, à luz do disposto no art.º 52º do CPPT, de proceder à convolação do procedimento de reclamação em procedimento de revisão do acto de liquidação sempre que na data em que aquela é apresentada ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão oficiosa podia ser pedida e ordenada. E a tal dever não obsta a intempestividade da reclamação, pois que, para o efeito, apenas é relevante a tempestividade do meio procedimental adequado - cfr. acórdãos de 6/10/2005, no proc. nº 0653/05, de 7/10/2009, nos procs. nº 0474/09, 0475/09 e 0476/09, de 02/11/2011, no proc. nº 0329/11, e de 14/12/2011, no proc. nº 0366/11. No mesmo sentido se pronuncia JORGE LOPES DE SOUSA ("Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado", 6ª ed. vol. I, p. 463.), salientando que em face do princípio da colaboração recíproca da administração tributária e dos contribuintes, de onde emerge, como corolário mínimo, que estes não percam direitos substantivos por meras razões formais, «será de efectuar a convolação quando o contribuinte utiliza um meio procedimental que, em princípio, é adequado, mas a utilização ocorre fora do prazo legal e há outro meio procedimental - com prazo mais longo, que ainda possa ser utilizado para, mesmo de forma menos intensa, dar alguma satisfação à pretensão do contribuinte. Embora numa situação deste tipo não se esteja perante um absoluto «erro na forma de procedimento», parece que, por mera interpretação declarativa (e, seguramente, se pode enquadrar a situação neste conceito, já que se está perante uma situação em que o meio escolhido não é, no momento em que foi utilizado, o que o contribuinte deveria utilizar, havendo, consequentemente um erro na forma de procedimento que deveria ter sido utilizada. Assim, por exemplo, se o contribuinte apresenta contra um acto de liquidação uma reclamação graciosa fora do prazo legal de 120 dias previsto no art.º 70º, nº 1, do CPPT, mas ainda está em tempo para pedir a revisão oficiosa prevista no art.º 78º da LGT, em vez de uma decisão de indeferimento da reclamação graciosa deverá ser, depois de constatada a intempestividade, efectuada a convolação do requerimento em que é pedido a reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa». Perante a violação de um tal poder vinculado para a administração tributária, impõe-se anular o acto que constitui o objecto imediato desta impugnação (acto de indeferimento, por extemporaneidade, da reclamação), o qual deve ser substituído, no procedimento, por acto que proceda à convolação em pedido de revisão oficiosa, tendo em conta que na data em que a reclamação foi apresentada ainda não se encontrava esgotado o prazo dentro do qual a revisão podia ser pedida e ordenada.” (fim de citação) A sentença recorrida, que assim não decidiu, não pode, pois, ser confirmada, pelo que procedem, as alegações de recurso. 2.3. Conclusões I. A revisão do acto tributário por iniciativa da administração tributária pode ser efectuada a pedido do contribuinte, como resulta do disposto no n.º 7 do artigo 78.º da LGT, a revisão oficiosa nos termos reservados à AT pode ser realizada a “pedido do sujeito passivo”, que a pode espoletar não obstante a intempestividade do procedimento para a Reclamação Graciosa. II. Constitui um poder/dever da AT, que decorre do respeito pelo princípio da colaboração com os contribuintes (cf. art. 59.º da LGT e 48.º, n.º 1 do CPPT), assim como aos princípios da celeridade e eficiência [cf. arts. 55.º da LGT, e 10.º do CPA, na redação então em vigor, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d) do CPPT], não estava legitimada a escudar-se na circunstância de estarmos perante formas processuais distintas, para negar a pretendida convolação do pedido de reclamação em pedido de revisão oficiosa. III. O erro imputável aos serviços (artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT), concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à Administração, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgando procedente acção, anular o acto de indeferimento da convolação em procedimento de pedido de revisão do acto tributário e condenar AT a deferir a requerida convolação. Custas pela Recorrida em ambas as instâncias. Porto, 26 de outubro de 2023 Irene Isabel das Neves Carlos Castro Fernandes Paulo Moura |