Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Braga que julgou procedente a impugnação deduzida por V.., contribuinte nº e D.., contribuinte fiscal nº , residentes em Edifício do Meirim, lugar da Venda Nova, Bloco 1, Feitosa, Ponte de Lima, contra a liquidação do IRS do ano de 1998, no montante de € 3.888,74, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
1ª) A liquidação oficiosa, objecto da impugnação, resulta de procedimentos de controlo interno, documentados no processo, levados a efeito pelo director distrital de finanças competente, ao abrigo exclusivamente das normas contidas nos nºs.4 e 5 do artº 66º e do artº 67º (actuais 65º e 66º) do CIRS, inseridas no seu capítulo II – “Determinação do rendimento colectável”.
2ª) Os referidos procedimentos de controlo interno que culminaram com a alteração dos elementos declarados pelo sujeito passivo e pela consequente liquidação oficiosa não foram iniciados e tramitados ao abrigo do RCPIT aprovado pelo DL nº 413/98, de 31/12, sendo certo que o sujeito passivo não foi alguma vez notificado de que contra ele foi instaurado procedimento de inspecção tributária, cuja regulamentação consta do RCPIT.
3ª) Os actos procedimentais de controlo interno, documentados nos autos, não são actos materiais de inspecção tributária, quer técnico-juridicamente, quer em termos de operatividade aferida nos termos e para os efeitos do RCPIT.
4ª) Os referidos actos procedimentais, em causa, praticados pelo director de finanças, integram a sua competência material e funcional estabelecida nos artºs 66º e 67º do CIRS, estando, além disso, excluídos do âmbito do procedimento de inspecção (artº 2º do RCPIT), não integrando o director de finanças qualquer dos grupos funcionais a que alude o artº 19º do RCPIT.
5ª) Nem a letra, nem o espírito da norma do nº 5 do artº 45º da LGT, aplicada “in casu”, consentem, a nosso ver a interpretação extensiva que dela se fez na douta sentença.
6ª) A letra do referido normativo, entendida como ponto de partida e limite da interpretação, afasta o sentido e alcance que lhe foi atribuído na douta sentença – que, por isso, considerou, “in casu”, verificada sem fundamento, - a existência de um procedimento de inspecção sujeito ao RCPIT.
7ª) A razão de ser da norma em questão – elemento teleológico - prende-se com o fim visado pelo legislador de acelarar a conclusão do procedimento de inspecção tributária – e só deste – atenta a sua (prévia) regulação pelo RCPIT.
8ª) Este RCPIT compreende por remissão, o complexo normativo que integra a norma interpretada e aplicada (artº 45º, nº 5 da LGT) atentos os seus conteúdos normativos (elemento sistemático), bem como as razões históricas de um e de outra.
9ª) Inexistiam / inexistem, assim, na situação em apreço os pressupostos fixados no nº 5 do artº 45º da LGT, vinculados ao regime legal do procedimento de inspecção tributária, para se poder concluir, como fez o Mmº Juiz “a quo”, pela caducidade (decretada) do direito à liquidação.
10ª) Ao operar, com a norma do nº 5 do artº 45º da LGT aplicando-a, “in casu”, indevidamente, terá sido a mesma violada por erro sobre os pressupostos.
Termos em que, concedido provimento ao recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a impugnação improcedente.
2. O MºPº emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (v. fls. 81).
3. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.
4. São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância e que relevam para a decisão:
a)Por ofício de 03/10/2000 o impugnante foi notificado de um projecto de decisão, da Administração Tributária (Administração Fiscal) no sentido de não considerar os benefícios fiscais a que os impugnantes teriam direito, segundo a declaração de IRS por eles entregue para o ano em questão – v. fls. 12 e 13.
b)Por ofício de 24/01/2002, o impugnante foi notificado da conversão, daquele despacho, em definitivo- fls. 14 a 15.
c)A liquidação data de 02.10.02 – v. fls. 11.
Ao abrigo do disposto no artº 712º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil, e por se encontrarem provados nos autos e relevarem para a decisão, aditam-se ao probatório os seguintes factos:
d) Os impugnantes apresentaram, na Repartição de Finanças de Ponte de Lima, a sua declaração mod. 2 de IRS, relativa ao ano de 1998 e a rendimentos que receberam nesse ano, declaração essa acompanhada de anexo H – Benefícios Fiscais – Doc. nº 1.
e) No campo 8 da referida declaração fizeram constar o facto de o sujeito passivo “A” sofrer de incapacidade superior a 60%, situação prevista no nº 5 do artº 44º do Estatuto de Benefícios Fiscais, redacção do Decreto Lei nº 187/92, de 25/08, conforme documentos emitidos pela autoridade de saúde competente – Doc. nº .
f) Com base na declaração referida na alínea d) supra, foi emitida a liquidação nº 56033739040, com data de 04.11.1998, tendo sido processado a favor dos impugnantes um reembolso na importância de € 1.899,98.
g) Para além das notificações referidas nas alíneas a) e b) supra, não consta dos autos que a Administração Tributária tenha comunicado aos impugnantes a realização de qualquer acção de inspecção tributária, efectuada ao abrigo do disposto no Decreto Lei nº 413/98, de 31 de Dezembro.
5. A única questão a decidir no presente recurso é a de saber se nos autos ocorreu algum procedimento de inspecção tributária, ao abrigo do disposto no Decreto Lei nº 413/98, de 31 de Dezembro e, neste caso, se caducou o direito de liquidação da Fazenda Pública tal como previsto no artº 45º da LGT.
Esta questão foi já tratada, nomeadamente, no Acórdão do STA, de 10.03.2005 - Recurso nº 1227/04l, no qual se escreveu o seguinte:
“3.2. O Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo DL 413/98, de 31-12 estabelece no artº 1° que o presente diploma regula o procedimento de inspecção tributária, definindo, sem prejuízo de legislação especial, os princípios e as regras aplicáveis aos actos de inspecção.
Da matéria factual assente resulta que os impugnantes não foram objecto de qualquer inspecção pois que, como se escreve na decisão recorrida, nunca foram notificados que sobre eles incidia qualquer acto de inspecção o que é exigido pelo artº 37º e seguintes do RCPIT.
E igualmente não resulta da matéria factual assente que o procedimento de inspecção tenha sido preparado, programado e planeado nos termos do artº 44º e seguintes do mesmo Regulamento.
Não resulta, ainda, que tenham sido praticados os actos do procedimento de inspecção a que se refere o artº 53º e seguintes, como não foram os impugnante notificados das conclusões de qualquer relatório como se encontra estabelecido no artº 60 e seguintes do citado regulamento.
Como se escreve na sentença recorrida os impugnantes somente foram notificados do «projecto de decisão» referido no ponto 5 da matéria de facto dada como assente, situação que é diferente de uma inspecção e daí que não tendo sido notificados que contra eles se encontrava a decorrer um procedimento de inspecção, não podiam os impugnantes presumir que qualquer notificação ou qualquer acto de liquidação é efectuado com base no RCPIT.
Não ocorrendo procedimento de inspecção, nos termos do RCPIT, não é este diploma aplicável, não ocorrendo, por isso, as alegadas violações do mesmo diploma legal.
É que a Administração Fiscal apenas enviou aos impugnantes o ofício de fls. 16, acompanhado do projecto de fls. 17, no qual, depois de afirmar que os atestados não justificavam, à face dos novos preceitos legais, a incapacidade, referia que se procedia à alteração dos elementos declarados “pelo que na nova liquidação a efectuar, não serão considerados os benefícios fiscais …” resultantes da apresentação daqueles atestados.
Como do mesmo projecto resulta a AF serviu-se não do citado RCPIT mas antes do preceito normativo que invoca ao afirmar que “usando a faculdade que me é conferida pelo n°4 do Artº 66° do código do IRS, procedo à alteração dos elementos declarados, pelo que na nova liquidação a efectuar, não serão considerados os benefícios fiscais a que se refere o Artº 44° do Estatuto dos Benefícios Fiscais”.
E dispunha o nº 4 do artº 66° do CIRS (actual nº 4 do artº 65), que a AF pode proceder à alteração dos elementos sempre que devam ser efectuadas correcções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correcções decorrentes de divergência dos actos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.
Não sendo aplicável à situação dos autos o RCPIT não pode ocorrer violação dos seus preceitos normativos”.
Não temos melhores argumentos legais que nos permitam decidir diferentemente daquele alto Tribunal, pelo que, em face do que ficou dito, procedem as conclusões das alegações e, em consequência, o recurso.
6. Nestes termos e pelo exposto concede-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e mantendo-se a liquidação impugnada.
Custas pelos impugnantes apenas em 1ª instância, uma vez que não apresentaram contra-alegações.
Porto, 09 de Fevereiro de 2006
João António Valente Torrão
Moisés Rodriguues
Dulce Neto |