Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00252/15.1BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/05/2025
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:PAULA MOURA TEIXEIRA
Descritores:IRS;
INCUMPRIMENTO DO ART.º 640.º DO CPC;
QUESTÕES NOVAS;
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Seção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
O Recorrente, «AA», contribuinte n.º ...87, melhor identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a impugnação judicial relativa as liquidações adicionais de IRS dos anos de 2009 e 2010, no montante de € 86.985,57.

O Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…)
1ª) O recurso vem interposto da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida pelo recorrente contra liquidações de IRS, que foram praticadas com referência aos anos de 2009 e 2010, no montante global de € 86.985,57.
2ª) A prova foi erradamente apreciada.
3ª) O direito foi erradamente interpretado e aplicado.
4ª) As liquidações impugnadas padecem do vício de violação de lei por assentarem em pressupostos de facto errados.
5ª) As liquidações impugnadas enfermam do vício de violação de lei por assentarem em decisivos erros de direito.
6ª) As liquidações impugnadas são ilegais por duplicação de coleta, derivada da duplicação da matéria coletável.
7ª) As liquidações impugnadas são ilegais por a matéria coletável ter sido erroneamente quantificada.
8ª) Na sentença errou-se ao não se reconhecer que foi violado pela AT o disposto nos artigos 6º do RCPITA e 58º da LGT, uma vez que não foram realizadas as diligências necessárias para a descoberta da verdade material, e 104º da CRP, por não ter sido respeitado o princípio da tributação do rendimento real.
9ª) Assim, a sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e consequentemente ser revogada a sentença recorrida, com todas as consequências legais, nomeadamente a anulação das liquidações impugnadas, o reembolso do que tiver sido arrecadado e a condenação da AT nas custas, assim se cumprindo a Lei e se fazendo Justiça (…)

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto deste Tribunal emitiu parecer, promovendo o convite ao Recorrente a formular conclusões que observem o citado dispositivo legal, indicando as normas jurídicas violadas e as que, no seu entender, deviam ter sido aplicadas, sob pena de não se conhecer do recurso, nos termos do disposto nos art.º639 n.º3 do C.P.C. e 282.º n. º7 do CPPT.

O Recorrente foi convidado a corrigir as conclusões, não tendo efetuado qualquer alteração significativa, acrescentando somente a conclusão n.º 8.

Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, submetendo-se à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento, por incorreta apreciação e valoração da matéria de facto, com a consequente errada aplicação do direito, designadamente as disposições dos artigos 6º do RCPITA e 58º da LGT, uma vez que não foram realizadas as diligências necessárias para a descoberta da verdade material, e 104º da CRP.

3. JULGAMENTO DE FACTO
3. Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “(…)
Factos provados:
1. O impugnante tem como actividade principal a produção de azeite a que corresponde o CAE 10412 - Fls. 31 do PA (Fls. 5 do Relatório de Inspecção);
2. A contabilidade do impugnante foi objecto de inspecção tributária que incidiu nos exercícios de 2009 e 2010 - Fls. 30/V do PA (Fls. 4 do Relatório);
3. Dá-se aqui por reproduzido o Relatório de Inspecção, com o seguinte destaque:
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

4. Nesta sequência o Impugnante foi notificado das liquidações adicionais em sede de IRS dos anos de 2009 e 2010 e para paga o montante global de 86.985,57 € - doc 1 a 4 da PI;
5. O Impugnante deduziu reclamação graciosa e interpôs de recurso hierárquico que foram indeferidos - doc 5 da PI;
6. O Impugnante canaliza toda a colheita de azeitonas para a produção no seu lagar de azeite;
7. No lagar de azeite é utilizada toda a sua produção e as produções de pequenos proprietários locais;
8. A contrapartida que o Impugnante recebe desses pequenos proprietários traduz-se numa maquia correspondente a 15% do azeite produzido.
Cfr. Depoimento das testemunhas «BB», que há vinte anos que trabalha para o Impugnante no Lagar a que os autos se reportam e «CC», que trabalhou no Lagar do Impugnante nos anos de 2009, 2010 e 2011.
Não se provou:
a) Que as entradas no lagar são minuciosamente controladas, desde logo através de um Ticket donde consta o peso, a identificação completa do cliente, a hora, a matrícula do veículo utilizado no transporte;
b) Que com o conjunto dos supra referidos documentos fosse elaborado um mapa com toda a informação relevante;
c) Que fosse elaborada uma lista com todos os dados relevantes relativa à compra de amêndoa a pequenos produtores locais, como seja a identificação completa do vendedor, quantidade e preço;
d)Que a AT desconsiderasse a quantidade de oliveiras e amêndoas novas;

Os depoimento das testemunhas «BB» e «CC» (que vão no sentido inverso do aqui exposto) são desmentidos pela declaração do próprio Impugnante a fls. 55 e 56 do PA. Ou seja, o próprio Impugnante respondeu que ia tentar localizar as facturas e vendas a dinheiro (à pergunta de qual o destino das facturas e vendas a dinheiro que se encontram em falta nos anos de 2009 e 2010); que os preços praticados se aproximam de 0,30 € (à pergunta de quais os preços praticados na compra da azeitona); que não consegue, com precisão, indicar aas quantidades compradas, contudo no ano de 2009 estas foram reduzidas devido a um ano fraco de produção. A produção própria é em média 15.000 kg/ano (à pergunta quais as quantidades de amêndoa que comprou a pequenos agricultores em 2009 e 2010, e qual a produção própria); que os preços praticados nos anos de 2009 e 2010 fora, aproximadamente, entre 0,50, 0,60 e 0,80 €, dependendo da qualidade (à pergunta de quias os preços praticados na compra da amêndoa); que não possuo quaisquer documentos comprovativos das importâncias pagas relativas às compras de azeitona e amêndoa a pequenos agricultores, pelo que dada a dificuldade de obtenção desses documentos foram considerados preços médios de compra (à pergunta se possui documentos comprovativos das importâncias pagas referentes a compras a pequenos agricultores de azeitona e amêndoa)
Ou seja, aquilo que se retira do termo de declarações é que a actividade do Impugnante era fiscalmente desorganizada.
Relativamente ao facto ínsito em d), e apesar do depoimento das testemunhas «DD» e «EE» (que disseram que o Impugnante possuía quantidade apreciável de oliveiras e amendoeiras novas) cfr. Relatório a fls. 10 onde a AT expressamente faz referência que “os anos de 2009 e 2010 foram caracterizados pela criação de um projecto de renovação de parte de actividade de produção com a plantação de novos olivais e amendoais (...)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. No presente recurso, o Recorrente invoca que a prova foi erradamente apreciada [cf. na conclusão 2.ª) do presente recurso].
O recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Quer a alteração da matéria de facto ou errada apreciação e valoração da prova, pressupõe o erro do julgamento de facto, o qual ocorre quando, da confrontação dos meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o julgamento efetuado é desconforme com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.
O erro deve ser demonstrado pelo Recorrente, delimitando o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera incorrer em erro e fundamentar as razões da sua discordância, especificando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes do processo que, no seu entender, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adotada pela decisão recorrida.
Por força do artigo 640.º, nºs 1 e 2 do CPC, para que o TCA possa proceder alteração da matéria de facto, devem ser indicados os pontos de facto considerados incorretamente julgados, indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
No caso, de se tratar de prova testemunhal, (o que no caso aconteceu) através da indicação exata das passagens da gravação bem como as concretas questões de facto controvertidas, com indicação, no seu entender, de qual a decisão alternativa deve ser proferida pelo tribunal de recurso, em sede de reapreciação dos meios de prova, relevantes, não sendo permitidos recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto.
A Recorrente na conclusão 2.º limita-se a dizer que a prova foi erradamente apreciada, porém, compulsada a motivação das alegações é também genérica reportando ao erro na apreciação da prova.
Destarte não tendo sido cumprido, o ónus que sobre si impendia, nos termos do nº1 do art.º 640.º do CPC, improcede o alegado erro de julgamento de facto.

4.2. O Recorrente alega nas conclusões 3.ª), 4.ª), 5.ª) e 7.ª) que o direito foi erradamente interpretado e aplicado; as liquidações impugnadas padecem de vício de violação de lei por assentarem em pressupostos de facto errados; as liquidações impugnadas enfermam do vício de violação de lei por assentarem em decisivos erros de direito. E que as liquidações impugnadas são ilegais por a matéria coletável ter sido erroneamente quantificada.
Se atentarmos no teor das conclusões o recurso centra-se nas liquidações, ou seja, no ato tributário.
Por força do disposto no nº 1 do artigo 627.º do CPC que “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos”.
O recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Como é sabido, o objeto do recurso, nos termos do n.º 1 do art.º 627.º do CPC são as decisões judiciais e não os atos administrativos e tributários praticados pela Administração Fiscal.
O recurso terá de demonstrar a sua discordância com a decisão proferida, ou melhor, os fundamentos por que o Recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie.
O Recorrente terá de convocar argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada.
A propósito da imposição do ónus de alegação do recorrente já referia Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 357 que “(...) em vista obrigar o recorrente a submeter expressamente à consideração do tribunal superior as razões da sua discordância para com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que o recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie.(…)”.
Como se referiu no acórdão do STA de 11/5/2011, Processo n.º 04/11, constituindo o recurso jurisdicional “ … um meio de impugnação da decisão judicial com vista à sua alteração ou anulação pelo tribunal superior após reexame da matéria de facto e/ou de direito nela apreciada, correspondendo, assim, a um pedido de revisão da legalidade da decisão com fundamento nos erros e vícios de que padeça, pelo que está votado ao insucesso o recurso que se alheia totalmente da fundamentação factual e/ou jurídica que determinou a decisão de improcedência da impugnação.”
Se o Recorrente se alheou em absoluto das razões que fundamentaram a sentença recorrida, não atacando o julgado, não pode o tribunal de recurso alterar o decidido pelo tribunal a quo, já que a tal se opõe o preceituado no artigo 627.º do CPC.

Nesta conformidade, não sendo a questão em causa de conhecimento oficioso, tendo a mesma sido conhecida pela decisão recorrida e não vindo questionado o julgamento em que assentou, não pode este Tribunal conhecer agora essa questão (artigo 627º, nº 1 do CPC), pelo que o recurso nunca poderia obter provimento nesta parte.
Resta-nos, pois, concluir que as alegações e conclusões são inoperantes, para pôr em questão o julgado, pelo que se julga improcedente o recurso, também neste segmento.

4.3. O Recorrente alega na conclusão 6.ª) que as liquidações são ilegais por duplicação de coleta, derivada da duplicação da matéria coletável.
E na conclusão 8.ª) alega que a sentença errou ao não reconhecer que foi violado pela AT o disposto nos artigos 6.º do RCPITA e 58.º da LGT, uma vez que não foram realizadas as diligências necessárias para a descoberta da verdade material, e art.º 104º da CRP, por não ter sido respeitado o princípio da tributação do rendimento real.
Apreciando.
Lida e analisada a sentença recorrida bem como a petição inicial e contestação, delas não consta a alegação de ilegalidade por duplicação de coleta bem como nada foi alegado e decidido quanto à violação pela AT dos referidos artigos.
O recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in Recurso no Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., 2014, Almedina, pp. 92 “(…) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal a quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados à reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…) “(grifado nosso).
Da interpretação do n.º 1 do art.º 627.º do CPC º o tribunal de recurso fica impedido de conhecer questões que não tenham sido anteriormente apreciadas.
Assim, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas sendo que delas não se conhece.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso, e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, nesta instância, nos termos do art.º 527.º do CPC.

Porto, 5 de junho de 2025


Paula Maria Dias de Moura Teixeira (Relatora)
Irene Isabel das Neves (1.ªAdjunta)
Jorge Manuel Monteiro da Costa (2.º Adjunto)