Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00773/21.7BEPRT |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 09/13/2024 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS |
Descritores: | LEI DA AMNISTIA; APLICAÇÃO AO PROCESSO JUDICIAL; IDADE; SANÇÃO DA SUSPENSÃO DE FUNÇÕES; RESTITUIÇÃO DE SALÁRIOS; INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE; ARTIGOS 6º E 14.º DA LEI DA AMNISTIA (LEI N.º 38-A/2023, DE 02.08); |
Sumário: | 1. A aplicação da Lei da Amnistia em processo disciplinar movido por entidade administrativa, como é o caso, cabe à Administração e não aos Tribunais. 2. Neste sentido, de resto, dispõe o artigo 14.º da Lei da Amnistia (Lei n.º 38-A/2023, de 02.08): “Nos processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, compete ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação.” 3. A ideia subjacente a este preceito é a seguinte: competente para aplicar as medidas previstas na Lei da Amnistia é quem aplicou a sanção criminal ou disciplinar. 4. Os juízes, em qualquer instância judicial, não são os juízes do “julgamento” da infracção nem da condenação. E apenas podem aplicar a Amnistia a sanções aplicadas nos processos judiciais, como decorre, a contrario, do citado preceito. Não podem aplicar a Lei da Amnistia, directamente, nos processos administrativos, disciplinares. Fazendo-o, violam o referido artigo 14.º da Lei da Amnistia e, com ele, o princípio constitucional da separação de poderes. 5. Não importa aqui saber se a Lei da Amnistia tem eficácia ex tunc ou ex nunc. Importa extrair da Lei da Amnistia a única solução compatível com a letra da lei: o tribunal não pode aplicar a Lei da Amnistia ao caso concreto em processo administrativo. E sendo certo que retirar efeitos jurídicos para o processo judicial da Lei da Amnistia aplicável ao processo disciplinar é aplicar a Lei da Amnistia no processo administrativo. 6. Os artigos 6º e 14º da Lei da Amnistia de 2023, na interpretação contrária a esta, são inconstitucionais, por violação do princípio constitucional, da separação de poderes. 7. No caso concreto não se poderia, mesmo sob entendimento diverso destas normas, aplicar a Lei da Amnistia por não ter ficado provada a idade da autora - artigo 6º da Lei da Amnistia. 8. Esta lei estabelece uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude – artigo 1º da Lei 38-A/2023, de 02.08. 9. Neste contexto é que se compreende o requisito da idade, para as pessoas imputáveis em razão da idade (a partir dos 16 anos) mas com idade inferior a 30 anos à data da prática do facto. 10. Por isso carece de fundamento a distinção entre infracções disciplinares e infracções penais para afastar das primeiras o requisito da idade.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Maioria |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
1 |
Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Ministério Público veio interpor RECURSO JURISIDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto -1-, de 13.10.2023, pela qual foi julgada extinta a instância na acção que «AA» moveu contra a Ordem dos Médicos -para anulação da deliberação do Conselho Superior desta Ordem, de 24.11.2020, que determinou a execução da sanção disciplinar de suspensão do exercício da medicina por um ano - por inutilidade superveniente da lide, face à recente Lei da Amnistia, a Lei nº 38-A/2023. Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida viola claramente o disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto (“Lei da Amnistia”), por ter considerado amnistiado um ilícito disciplinar sem prova de que o mesmo não constitui ilícito penal não amnistiado, nem verificação se a sanção aplicável a tal ilícito é superior a suspensão. A Recorrida, Autora na acção, contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida. * Cumpre decidir já que nada a tal obsta. * I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. A presente ação administrativa foi instaurada por «AA», contra a Ordem dos Médicos, com os seguintes pedidos: “a) Se digne declarar a prescrição da sanção disciplinar de suspensão do exercício de medicina pelo período de um ano, que foi aplicada à Autora pelo anterior Conselho Nacional de Disciplina, a 02 de Março de 2010, no âmbito do processo n.º ...06; b) Se digne declarar a invalidade (anulabilidade) da deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Médicos, datada do dia 24 de Novembro de 2020 (e notificada à Autora no dia 23 de Dezembro de 2020) que determina a execução da sanção disciplinar de suspensão do exercício de medicina pelo período de um ano, que foi aplicada à Autora pelo anterior Conselho Nacional de Disciplina, a 02 de Março de 2010, no âmbito do processo n.º ...06.”. 2. A sentença recorrida considerou aplicável aos presentes autos a amnistia consagrada pelo artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, considerando amnistiada a sanção disciplinar em causa aplicada pela Ordem dos Médicos à Autora, e declarou a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide. 3. A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto (doravante “Lei da Amnistia”), estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude. 4. Desta amnistia ficam, porém, excluídas as infrações disciplinares que constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados por essa mesma lei e cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão (artigo 6.º da citada Lei). 5. Em momento algum da sentença é descrita e analisada a infração disciplinar em causa para se poder concluir (ou não) se a mesma constitui ou não ilícito criminal. 6. Na verdade, a sentença recorrida nem sequer identifica a infração disciplinar em causa nos autos! 7. Desconhece-se, pois, em absoluto se o ilícito disciplinar em apreço constitui crime, na afirmativa, que crime; o que impede, nomeadamente, de descortinar se poderá integrar o crime de ofensa à integridade física grave que está excluído de perdão e amnistia nos termos do art. 7.º, n.º 1, al. a), iii). 8. A sentença também não contém elementos que permitam apurar a idade da Autora à data da prática dos factos que constituíram a infração disciplinar, para permitir verificar se, caso a infração disciplinar constitua simultaneamente crime “amnistiável”, tal ilícito penal está efetivamente amnistiado (o que apenas aconteceria se tivesse entre 16 e 30 anos, nos termos do art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto). 9. Acresce ainda que não há quaisquer elementos na sentença que permitam aferir se à infração disciplinar em causa (que, através da sentença, se desconhece qual seja) não é abstratamente aplicável sanção superior a suspensão, o que também é requisito de aplicação da Lei da Amnistia, nos termos do já citado artigo 6.º. 10. Face ao exposto, a sentença em crise viola claramente o disposto no artigo 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto (“Lei da Amnistia”), por ter considerado amnistiado um ilícito disciplinar sem prova de que o mesmo não constitui ilícito penal não amnistiado, nem verificação se a sanção aplicável a tal ilícito é superior a suspensão. 11. Pelo que a sentença deverá ser revogada por violação da lei. * II –Matéria de facto. A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte: 1. A Autora é médica inscrita na Ordem dos Médicos (cfr. fls. 1 do processo administrativo; facto não controvertido). 2. Em 06/06/2002 foi autuado o processo disciplinar nº ...02, contra a Autora, no Conselho Disciplinar Regional da Ordem do Médicos (cfr. fls. 1-2 do processo administrativo incorporados nos autos cautelares apensos nº 225/21.5BEPRT). 3. Por deliberação de 09/01/2006, o Conselho Disciplinar Regional do Norte da Ordem dos Médicos aplicou à autora a pena disciplinar de um ano de suspensão (cfr. fls. 565-676 do processo administrativo). 4. Por deliberação, sem data, o Conselho Nacional de Disciplina da Ordem dos Médicos decidiu negar provimento ao recurso interposto pela Autora, mantendo a sanção disciplinar de um ano de suspensão (cfr. fls. 732-759 do processo administrativo). 5. Em 07/05/2010, a ora Autora apresentou acção administrativa especial de impugnação de acto junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a qual tramitou sob o número de processo 1367/10.8BEPRT e na qual pugnou pela anulação da deliberação do Conselho Nacional de Disciplina da Ordem dos Médicos que a havia punido com a sanção disciplinar de suspensão por um ano do exercício de actividade médica (por consulta ao SITAF). 6. Em 18/04/2019, foi exarada sentença no âmbito do referido processo judicial, que julgou improcedente a acção intentada pela ora Autora, e absolveu a entidade demandada do pedido (por consulta ao SITAF). 7. A decisão referida no ponto antecedente transitou em julgado (por consulta ao SITAF). 8. Por deliberação de 24/11/2020, o Conselho Superior da Ordem dos Médicos deliberou a execução da sanção disciplinar de suspensão pelo período de um ano aplicada à autora (cfr. fls. 830-831 do processo administrativo). 9. Por sentença proferida em 27/05/2021 no processo cautelar nº 225/21.5BEPRT foi determinada a suspensão da deliberação referida no ponto antecedente (por consulta ao SITAF). * III - Enquadramento jurídico. A decisão recorrida procedeu ao seguinte enquadramento jurídico, na parte aqui relevante: “(…) Atendendo ao quadro factual antecedente, cumpre apreciar e decidir se a infracção disciplinar imputada à autora foi ou não amnistiada e, nessa medida, se se verifica a inutilidade superveniente da presente lide. * No dia 02/08/2023 foi publicada na 1ª série do Diário da República a Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, prevendo o artigo 2º, nº 2, alínea b) desta Lei a sua aplicabilidade às: “Sanções relativas a infracções disciplinares (…) praticadas até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6º”. Determina o citado artigo 6º, no que para aqui releva, que: “São amnistiadas as infracções disciplinares (…) que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão (…)”. No caso dos autos, constata-se que a autora foi punida, em suma, por violação dos deveres deontológicos previstos nos artigos 6º, nº 1, 26º e 27º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos. E, por isso, o acto impugnado determinou a execução da pena da sanção disciplinar de um ano de suspensão, prevista nos artigos 12º, alínea c), 14º e 17º, nº 1, alínea b) do Estatuto Disciplinar da Ordem dos Médicos. Estamos, portanto, diante de uma infracção disciplinar (i) praticada antes de 19/06/2023 (artigo 2º, nº 2, alínea b) da Lei nº 38-A/2023), (ii) que não é passível de constituir ilícito criminal (artigo 6º), (iii) que não é punível com pena superior à de suspensão (artigo 6º) e que (iv) não foi praticada por um “funcionário”, nem com violação de direitos, liberdades e garantias pessoais de outrem (artigo 7º, nº 1, alínea k). A amnistia vem referida no artigo 127º do Código Penal (CP) como uma das causas de extinção da responsabilidade criminal e, quanto aos efeitos jurídicos, prescreve o nº 2 do artigo 128º do CP, que: “a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança” (sublinhado meu). Vale, pois, isto por dizer que a infracção disciplinar sancionada pelo acto impugnado se deve considerar amnistiada, por via da lei, concretamente, pelo artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, o que, no caso concreto, faz cessar a execução da pena, que se encontrava suspensa por força da sentença proferida nos autos cautelares apensos nº 225/21.5BEPRT. E assim sendo, é incontornável que extinto o processo disciplinar, por via da amnistia, faz cessar a execução da pena, o que conduz inevitavelmente à inutilidade superveniente da presente lide, por à autora não sobrar qualquer outro interesse processual em obter a anulação jurisdicional do acto ora impugnado (cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14/11/1991, processo nº 023920, e de 31/05/2000, processo nº 041298, e de 23/06/1992, processo nº 025393, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt) . Em conformidade com o exposto, deve ser declarada a extinção da presente instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos previstos no artigo 277º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, ao que se proverá em sede de dispositivo. (…)”. A decisão está suficientemente fundamentada na perspectiva do que serão os requisitos para a aplicação da Lei da Amnistia, excluindo desses requisitos, porque não enunciado, o requisito da idade. Trata-se, na nossa perspectiva, de um erro de direito na interpretação da mais recente Lei da Amnistia. Mas não de deficiente fundamentação. Discordamos do entendimento sufragado na decisão recorrida. Não importa saber se a Lei da Amnistia tem eficácia ex tunc ou ex nunc. Importa determinar se o Tribunal podia ou não aplicar a Lei da amnistia ao caso concreto, encontrando-se verificados todos os seus pressupostos, e se podia, com esse fundamento, não conhecer, no todo ou em parte, do objecto da acção, com fez. Entendemos que não. Os tribunais não são segunda instância administrativa sob pena de violação do princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa. O objecto da decisão do Tribunal de Primeira Instância não é processo disciplinar em si – a que possa pôr termo por aplicação da Lei da Amnistia ou outra razão qualquer -, mas a decisão punitiva que pode, por exemplo, ter recusado a aplicação da Lei da Amnistia. A aplicação da Lei da Amnistia em processo disciplinar movido por entidade administrativa, como é o caso, cabe à Administração e não aos Tribunais. Neste sentido, de resto, dispõe o artigo 14.º da Lei da Amnistia (Lei n.º 38-A/2023, de 02.08): “Nos processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, compete ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação.” A ideia subjacente a este preceito é a seguinte: competente para aplicar as medidas previstas na Lei da Amnistia é quem aplicou a sanção criminal ou disciplinar. Os juízes, em qualquer instância judicial, não são os juízes do “julgamento” da infracção nem da condenação. E apenas podem aplicar a amnistia a sanções aplicadas nos processos judiciais, como decorre, a contrario, do citado preceito. Não podem aplicar a Lei da Amnistia, directamente, nos processos administrativos, disciplinares. Fazendo-o, violam o referido artigo 14.º da Lei da Amnistia e, com ele, o princípio constitucional da separação de poderes. Sendo certo que retirar efeitos jurídicos para o processo judicial da Lei da Amnistia aplicável ao processo disciplinar mais não é do que aplicar a Lei da Amnistia no processo judicial. Os artigos 6º e 14º da Lei da Amnistia de 2023, na interpretação feita na decisão recorrida, são inconstitucionais, por violação deste princípio constitucional, da separação de poderes. Pelo que não cabia ao Tribunal recorrido aplicar à acção judicial a Lei da Amnistia, antes se impunha conhecer de mérito, logo por aqui. Olhando para o caso concreto, de qualquer modo, sempre seria de não aplicar a recente Lei da Amnistia de 2023. Dispõe o artigo 6º da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08): “São amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar. Por seu turno dispõe o n.º 1 do artigo 2º do mesmo diploma: “Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º. Quanto ao requisito de não constituir crime não amnistiado na decisão recorrida diz-se que a infracção em causa não constitui sequer crime. E com acerto nesta parte. Como se refere na página 33 da sentença, transitada em julgado, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 18.04.2019, no processo 1367/10.8 PRT, a julgar improcedente a acção intentada pela ora Recorrida para anulação do acto sancionador dado à execução que a puniu com a sanção disciplinar de um ano de suspensão do exercício de funções: “Ora, não resultando demonstrado o demonstrado o nexo ligante entre as sequelas que atualmente padece o menor «BB» e a atuação médica da Autora [Cfr. fundamentação de facto] não se discute aqui se a infracção disciplinar constituiu ilícito criminal …”. Não se chega sequer à questão de saber se é ilícito criminal amnistiável ou não porque já está definido que não houve sequer ilícito criminal. Tal assim que, tanto quanto resulta dos autos, não houve qualquer procedimento criminal deduzido contra a Autora. No que se refere à sanção máxima aplicável temos por seguro de que, independentemente da infracção em causa, não lhe seria aplicável sanção superior à suspensão. Quer na sentença proferida no processo 1367/10.8 PRT, acima citada, quer no acto punitivo que esta apreciou (cf. fls. 565 a 676 do processo administrativo junto autos cautelares apensos nº 225/21.5BEPRT), é referida a infracção como punível pelos artigos 6º, n.º1, 26~e 27º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos. Mas acima da pena de suspensão aqui aplicada, apenas se prevê a pena de expulsão – artigo 14º, n.º1, alíneas c) e d) do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Médicos (Regulamento n.º 631/2016, de 20.05. Ora nunca foi conjecturada no processo disciplinar sequer a hipótese de aplicação desta sanção máxima, sendo certo que sempre exigiria, para sua aplicação, o acordo de dois terços dos membros efectivos do conselho disciplinar competente – n.º 7 deste artigo 14. Pelo que também este requisito se tem por verificado. Quanto ao requisito da idade – que a deixo recorrida desconsiderou – entendemos que é um pressuposto essencial para a aplicação desta Lei da Amnistia de 2023. Esta lei estabelece uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude – artigo 1º da Lei 38-A/2023, de 02.08. Neste contexto é que se compreende o requisito da idade, para as pessoas imputáveis em razão da idade (a partir dos 16 anos) mas com idade inferior a 30 anos à data da prática do facto. Por isso carece de fundamento a distinção entre infracções disciplinares e infracções penais para afastar das primeiras o requisito da idade. No caso de infracção disciplinar que constitui, em simultâneo, ilícitos criminais estão excluídos do seu âmbito, expressamente, ilícitos disciplinares que sejam também ilícitos criminais não amnistiados – artigo 6º. Ora os crimes praticados por pessoas com mais de 30 anos à data da prática dos factos não estão amnistiados. O Tribunal recorrido deveria, portanto, ter-se munido de documento autêntico do qual resultasse a idade da Autora para concluir pela verificação – ou não – deste requisito. A Autora, de resto, notificada, por despacho de 12.03.2024 da Subsecção Administrativa Comum deste Tribunal, para juntar aos autos certidão de nascimento, não o fez (cf. este despacho e voto de vencido no acórdão de 17.05.2024 daquela Subsecção, no SITAF). Tanto quanto resulta dos autos, a Autora teria, de acordo com as regras da experiência comum, mais de 30 anos de idade à data da prática dos factos Licenciou-se em Medicina 19.09.1991 – facto sob a alínea A) provado na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 18.04.2019, no processo 1367/10.8 PRT. Os factos sujeitos à punição em apreço foram praticados em Outubro de 2000. Pelo que, para ter menos de 30 anos à data da prática dos factos teria de ter concluído a licenciatura em medicina com 21 anos, o que é muito inverosímil. Já não seria, portanto, uma “jovem” nos termos e para os efeitos desta Lei da Amnistia. Em todo o caso, como se referiu, sendo oficiosamente aplicada a Lei da Amnistia de 2023 deveria estar documentada nos autos a verificação, por documento autêntico, deste requisito, o que não sucede. Pelo que não deveria ter sido aplicada a amnistia ao caso concreto. * IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO O RECURSO pelo que: 1. Revogam a decisão recorrida. 2. Determinam a baixa dos autos para que prossigam os seus normais termos para conhecimento de mérito se nada mais a tal obstar. Custas deste recurso pela Recorrida dado ter apresentado contra-alegações. * Porto, 13.09.2024 Rogério Martins Fernanda Brandão Paulo Ferreira de Magalhães, vencido com conforme voto que se segue: Voto de vencido: Não acompanho a fundamentação de direito, assim como o segmento decisório vertidos no projecto de Acórdão, por duas ordens de razões. Por um lado, por considerar que a Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, em face do disposto no seu artigo 11.º - parte inicial -, é imediatamente aplicável pelo Tribunal a quo, enquanto instância de julgamento, e por outro lado, por considerar que a amnistia das infracções disciplinares [assim como das infracções disciplinares militares], praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados por aquela Lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão - ou a prisão disciplinar no caso das infracções militares [o que assim foi apreciado e decidido acontecer nestes autos], não está indexada a que a visada tenha de ter entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto integrativo de infracção. Negaria assim provimento ao recurso interposto. Porto, 13 de setembro de 2024. Paulo Ferreira de Magalhães, 1.º Adjunto |