Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01158/21.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/27/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:MEIOS GRACIOSOS DE IMPUGNAÇÃO; SUSPENSÃO DO PRAZO; INTEMPESTIVIDADE DA PRÁTICA DE ACTO PROCESSUAL
Sumário:1 - Enquanto partes integrantes de um Estado de direito formal e material, a Administração e os cidadãos estão subordinados à lei, o que é de dizer que em prossecução do princípio da legalidade, a Administração apenas pode prosseguir no quanto a lei lho permitir, sendo que, quanto aos cidadãos, devem pautar a sua vivência em sociedade, designadamente na sua relação com as entidades públicas, com observância pelo direito vigente, sendo nesse âmbito basilar, como assim dispõe o artigo 6.º do Código Civil, que a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem os isenta das sanções nela estabelecidas.

2 – O acto que aprecia a Reclamação e que não a acolhe, mantendo assim a decisão já proferida, podendo ser sindicado jurisdicionalmente, contar ele apenas podem todavia ser invocadas invalidades imputáveis ao acto que aprecia essa Reclamação e já não ao acto que a mesma visa, que por ter sido mantido, se tem por consolidado na ordem jurídica administrativa.

3 – Tendo as Autoras deduzido Reclamação do acto administrativo que lhe indeferiu o pedido de pagamento de créditos laborais, e que por essa via, face ao disposto no artigo 59.º, n.º 4 do CPTA, estava suspenso o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, não tendo sido proferida qualquer decisão administrativa sobre aquele requerimento e tendo decorrido o prazo de 30 dias a que se reporta o artigo 192.º, n.º 2 do CPA, tendo sido retomado o cômputo do prazo de 3 meses a que alude o artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA [e considerando já as suspensões do prazo], o seu termo ocorreu anos antes da remessa ao Tribunal a quo da Petição inicial.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO

MM... e AA... [devidamente identificadas nos autos], Autoras na acção que interpuseram contra o Fundo de Garantia Salarial [também devidamente identificado nos autos], vieram apresentar recurso da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga datada de 22 de novembro de 2021 pela qual foi julgada procedente a excepção dilatória atinente à intempestividade da prática de acto processual, e que consequentemente, absolveu o Réu da instância.
*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencaram a final as conclusões que ora se reproduzem:

“CONCLUSÕES:
Face ao exposto impõe-se que a sentença recorrida seja revogada e substituída, pois:
A) Vem o presente recurso interposto da sentença proferida no âmbito dos presentes
autos que julgou procedente a excepção de intempestividade da prática de acto processual e absolveu a Ré da instância, isto porque não pode o Recorrente conformar-se com a mesma.
B) O Tribunal considerou que a acção foi intempestiva por ter sido interposta após o
prazo de 3 meses previsto no artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA.
C) Entendem as Recorrentes, todavia, que se impunha uma decisão diversa da recorrida.
DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO
D) As Recorrentes pretende, com o presente recurso, ver reapreciada, quer a matéria de facto, quer a matéria de Direito plasmada na sentença.
E) Quanto à matéria de facto, entendem as Recorrentes que, salvo o devido respeito, deverão ser tidos em consideração os seguintes factos:
F) As Recorrentes só foram notificadas do acto ora impugnado no dia 01.07.2021 - cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial.
G) E do teor do mesmo, resulta explícita e claramente que as Recorrentes tinham, a partir dessa notificação, “(…) o prazo de: - 3 meses, para impugnar judicialmente.” - cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial. Este facto foi ignorado pela sentença proferida, designadamente quanto aos factos provados.
H) Daí que as Recorrentes entendam que instauraram tempestivamente a acção.
I) SEM PRESCINDIR, quanto à matéria de Direito, mesmo que assim não se entendesse, as Recorrentes interpuseram a acção dentro do prazo que constava da notificação do acto impugnado, prazo esse fixado pela Ré na notificação enviada àquelas.
J) Com efeito, existindo dissonância entre o prazo legalmente previsto e aquele do qual as Recorrentes foram informadas na notificação que lhes foi feita não pode ser superada em termos que lhe sejam desfavoráveis, sob pena de intoleravelmente se violentar o direito à tutela jurisdicional efectiva que lhe assiste a concretizar numa impugnação na via contenciosa e, por essa forma, impossibilitar o exercício dos seus meios de audiência e defesa – neste sentido, cfr. o Acórdão do STA de 10.02.2010, relator MIRANDA DE PACHECO, e o Acórdão do TCA-Norte, de 12.04.2018, relatora PAULA MOURA TEIXEIRA, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
K) Assim sendo, e salvo o devido respeito, a acção foi tempestivamente interposta.
L) A sentença de que se recorre viola os artigos 58.º e 59.º do CPTA.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. no que o patrocínio se revelar insuficiente, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que considere tempestivamente interposta a acção pelas Recorrentes e determine o prosseguimento dos autos em conformidade, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!.”
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O Recorrido Fundo de Garantia Salarial não apresentou Contra alegações.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido do seu não provimento.
***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelas Recorrentes, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitadas pelas Recorrentes, e patenteadas nas suas Alegações resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida (i) padece de erro de julgamento em matéria de facto, e também, se (ii) padece de erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do disposto dos artigos 58.º e 59.º do CPTA.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“Com relevo para a decisão a proferir, em torno da matéria de exceção, julgam-se provados os seguintes factos:
1. O contrato de trabalho entre as Autoras e a sua ex-entidade patronal cessou no dia 05.04.2014;
2. Em 13.04.2015, foi instaurada uma ação de insolvência contra a ex-entidade patronal das Autoras, na sequência da qual, em 28.05.2015, esta veio a ser declarada insolvente – cfr. doc. 5 junto com a petição inicial;
3. Os créditos reclamados foram integralmente verificados e reconhecidos no processo de insolvência – cfr. doc. 6 junto com a petição inicial;
4. Em 19.10.2015, as Autoras requereram o pagamento de créditos laborais junto do Réu – cfr. fls. 1 e 20 do PA inserido no SITAF;
5. Por ofícios datados de 07.04.2017, remetidos a 11.04.2017, foram as Autoras notificadas do seguinte – cfr. fls. 77 e 78 do PA no SITAF:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

6. Por ofícios datados de 27.04.2017, remetidos a 05.05.2017, foram as Autoras notificadas do seguinte – cfr. fls. 79 a 82 do PA no SITAF:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


7. Em 01.06.2017, as Autoras apresentaram reclamação junto do Réu – cfr. fls. 83 a 99 do PA no SITAF;
8. Por ofícios datados de 18.01.2021, remetidos a 21.01.2021, foram as Autoras notificadas do seguinte – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

9. Por ofícios datados de 08.02.2021, remetidos a 18.02.2021, foram as Autoras notificadas do seguinte – cfr. fls. 116 a 119 do PA no SITAF:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

10. A petição inicial que origina os presentes autos foi remetida a este Tribunal, em 06.07.2021 – cfr. registo SITAF.
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Com interesse e relevância para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado ou não provado.
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Fundamentação:
Os factos dados como assentes supra tiveram por base os documentos constantes dos autos e do processo administrativo incorporado no SITAF, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e/ou não resultaram controvertidos.”
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Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aditamos ao probatório, com respeito pela temporalidade nele seguida, por densificação, rectificação ou complemento, os factos que seguem:

6A – Complementamos o vertido no ponto 6 do probatório, no sentido de que os referidos ofícios foram recebidos pelas Autoras em 11 de maio de 2017;

8 – Precedendo informações e decisões dos serviços do Réu no sentido da improcedência das duas Reclamações apesentadas pelas Autoras - Cfr. fls. 99 a 106 do PA no SITAF -, a que se reporta o ponto 7 do probatório, por ofícios datados de 18.01.2021, remetidos a 21.01.2021, foram as Autoras notificadas do seguinte – Cfr. fls. 112 a 115 do PA no SITAF:
[mantém-se o teor dos ofícios, como constantes da Sentença recorrida]

9A – Complementamos o vertido no ponto 9 do probatório, no sentido de que os referidos ofícios foram recebidos pelas Autoras em 02 de março de 2021.
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pelo qual foi julgada procedente a excepção dilatória relativa à intempestividade da prática de acto processual atinente à apresentação da Petição inicial para além do prazo de 3 meses a que se reporta o artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, e absolvido o Réu da instância.

Para aqui se extracta a essencialidade da fundamentação aportada na decisão recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
A intempestividade da prática de ato processual é uma exceção dilatória expressamente prevista no artigo 89º, n.º 4, alínea k) do C.P.T.A., que, a ser procedente, determinará a absolvição da instância do Réu, isto é, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa.
O prazo de impugnação contenciosa, para atos anuláveis, encontra-se previsto no artigo 58º, n.º 1, alínea b) do C.P.T.A. e é de três meses desde a notificação do ato, o qual se suspende com a utilização de meios de impugnação graciosa, retomando-se ou com a notificação da decisão quanto à impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal de decisão, consoante o que ocorra em primeiro lugar (artigo 59º, n.º 4 do C.P.T.A.).
Cotejada a matéria de facto dada supra como assente, verifica-se que as Autoras foram notificadas do ato de indeferimento, por ofícios remetidos em 05.05.2017, apresentaram reclamação em 01.06.2017 e, até aos ofícios de janeiro de 2021, nenhuma nota tiveram sobre o andamento do processo.
Considerando que o prazo para decisão da reclamação é de 30 (trinta) dias, nos termos do artigo 192º, n.º 2 do C.P.A., tendo a mesma sido apresentada em junho de 2017, verifica-se que o prazo de decisão se completou previamente à efetiva decisão. Ora, a suspensão, do artigo 59º, n.º 4 do C.P.T.A., cessa com o decurso do prazo de decisão da impugnação administrativa ou com a efetiva decisão, consoante a que ocorrer em primeiro lugar.
Assim, o prazo para intentar a presente ação retomou a contagem com o decurso de trinta dias, após a apresentação da reclamação. E, neste seguimento, a presente ação, apresentada em julho de 2021, é intempestiva.
Além disso, sempre se pode referir, apesar de não alterar o desfecho da presente ação, que nem se afigura que a reclamação tenha entrado dentro dos 15 dias úteis, não sendo apta a suspender o prazo para ação judicial. Contudo, não resultou provada a data da notificação das Autoras, quanto ao ato de indeferimento, pelo que se desconsidera esta circunstância, assumindo que a reclamação foi apresentada em tempo.
Por fim, não colide com este entendimento a circunstância de o Réu ter proferido decisão expressa, quanto à reclamação, em janeiro de 2021, uma vez que o prazo, para a via judicial, já há muito havia decorrido. Apenas poderiam as Autoras sindicar esta decisão da reclamação, por vícios próprios da mesma, mas já não quanto ao indeferimento da sua pretensão, que se consolidou em 2017. Uma vez que as Autoras não imputam vícios a esta decisão da reclamação, é de manter a decisão supra empreendida, julgando-se procedente a exceção de intempestividade da prática de ato processual, o que impede o conhecimento do mérito e determina a absolvição do Réu da instância (artigo 89º, n.ºs 1, 2, 4, al. k) do C.P.T.A.).
[…]”
Fim da transcrição

Resulta do extraído supra, que o Tribunal a quo julgou verificada a intempestividade da apresentação da Petição inicial que motivou os autos, por terem as Autoras sido notificadas do acto de indeferimento expresso da sua pretensão, da autoria do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, datado de 06 de abril de 2017, que lhes foi remetido por ofícios datados de 27 de abril de 2017, em 05 de maio de 2017 [e que receberam em 11 de maio de 2017], e por apenas em 06 de julho de 2021 terem remetido ao Tribunal a quo a Petição inicial, por não ter a Reclamação administrativa apresentada em 01 de junho de 2017 a virtualidade de manter suspenso o prazo de impugnação contenciosa, de três meses [a que se reporta o artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA] até que a mesma [Reclamação] venha a ser apreciada e decidida.

Com o assim julgado não concordam as Recorrentes, que no âmbito das conclusões das suas Alegações de recurso sustentam em suma que não ocorre a julgada intempestividade, e para suporte desse seu entendimento e em torno de que ocorre erro de julgamento quanto à matéria de facto, referem que só foram notificadas do acto impugnado no dia 01 de julho de 2021 e que dele consta terem o prazo de 3 meses para impugnar judicialmente a decisão, remetendo neste conspecto para o documento n.º 1 junto com a Petição inicial, factualidade que referem ter sido ignorada pelo Tribunal a quo [Cfr. conclusões E), F) e G)], e por outro lado, que também ocorre erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do direito, mormente, dos artigos 58.º e 59.º, ambos do CPTA, com fundamento em que se existe dissonância entre o prazo legalmente previsto e aquele de que foram notificadas, disso não podem ser responsabilizadas em termos de impossibilitar o ulterior exercício dos seus direitos [Cfr. conclusões I), J), K) e L)].

Vejamos.

Os recursos jurisdicionais constituem os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, razão pela qual é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso, os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Tendo presente que a aferição da pretensão recursiva se afere pelas conclusões apresentadas a final das Alegações de recurso e bem assim, tendo também presente o extraído supra a partir da Sentença recorrida, adiantamos desde já que não assiste razão alguma às Recorrentes e que bem decidiu o Tribunal a quo, cujo julgamento não merece qualquer censura jurídica.

Quanto ao fundamento do recurso na parte atinente à matéria de facto, as Recorrentes laboram num erro, sendo que a invocação por si prosseguida no sentido de o Tribunal a quo ter ignorado que só foram notificadas do acto impugnado no dia 01 de julho de 2021, traduz até, afinal, o exercício de uma lide temerária.

Efectivamente, mal se compreende esta alegação, quando é certo que decorre da causa de pedir imanente à Petição inicial, assim como do pedido formulado a final, que as Recorrentes identificam os despachos impugnados como sendo os datados de 08 de fevereiro de 2021 [confundindo até neste conspecto a data do ofício com a data da prolação do invocado despacho de 18 de janeiro de 2021], e que os receberam em 02 de março de 2021, tendo para tanto identificado os documentos 1 e 2 que juntaram para prova dessa factualidade.

Ora, esses documentos n.ºs 1 e 2 em nada se reportam à data de 01 de julho de 2021 invocada pelas Recorrentes.

Daí que não ocorre assim o invocado erro de julgamento da matéria de facto, pelo que por aqui falece a pretensão recursiva.

E porque não lograram as Recorrentes convencer este Tribunal de recurso, por que termos e pressupostos é que a Petição inicial que remeteram ao Tribunal a quo tem de ser tempestivamente considerada em ordem à efectivação da sua tutela jurisdicional, por aqui tem de falecer a final a sua pretensão na totalidade.

Com efeito, como assim resultou provado e de resto assim fundamentou o Tribunal a quo, o acto administrativo que se projectou sobre as suas esferas de direitos, está constante do ponto 6 do probatório, sendo relativo a despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, datado de 06 de abril de 2017, que lhes foram remetidos em 05 de maio de 2017, por ofícios datados de 27 de abril de 2017, e que as mesmas receberam em 11 de maio de 2017.

A partir da sua notificação, e tendo subjacente o disposto no artigo 59.º, n.º 2 do CPTA, iniciou-se o prazo de 3 meses a que se reporta o artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, para que as Autoras, enquanto destinatárias desses actos, e caso assim o quisessem, o pudessem sindicar judicialmente.

Resulta do probatório que as Autoras deitaram entretanto mão de um meio de impugnação administrativa, por via de Reclamação, que veio a ser indeferida nos termos constantes do ponto 9 do probatório.

Ora, na relação jurídica administrativa estabelecida entre as Autoras, ora Recorrentes e o Réu, ora Recorrido, o acto administrativo que nos termos e para efeitos do disposto no artigo 148.º do CPA e do artigo 51.º, n.º 1 do CPTA, comporta para si lesividade efectiva na sua esfera jurídica de direitos e interesses, por ter toda a aptidão a produzir efeitos jurídicos concretos na situação atinente ao indeferimento do pedido de créditos laborais, é a decisão proferida pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, datada de 06 de abril de 2017, que lhes foi notificada em 11 de maio de 2017 – Cfr. ponto 6 do probatório.

Como resultou provado, dessa decisão datada de 06 de abril de 2017, as Autoras ora Recorrentes decidiram apresentar Reclamação em 01 de junho de 2017, cuja argumentação não foi acolhida – Cfr. pontos 7 e 8 do probatório -, tendo por isso sido mantida a decisão de indeferimento anteriormente proferida e comunicada às Autoras, que o foi no sentido de que os requerimentos que haviam apresentado ao Réu em 19 de outubro de 2015, para pagamento de créditos laborais, havia sido apresentado depois de esgotado o prazo a que se reporta o artigo 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.

De resto, aquando da dedução da Reclamação administrativa as Autoras bem sabiam qual o efectivo alcance da decisão por elas visada, pois que explicitaram que foram notificadas da “… decisão de indeferimento do pedido de atribuição de créditos emergentes de contrato …”, tendo subjacente a alegação de que “… o indeferimento do pagamento dos créditos laborais prende-se com o facto de o requerimento não ter sido apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.” – Cfr. ponto 7 do probatório.

Enquanto partes integrantes de um Estado de direito formal e material, a Administração e os cidadãos estão subordinados à lei, o que é de dizer que em prossecução do princípio da legalidade, a Administração apenas pode prosseguir no quanto a lei lho permitir, sendo que, quanto aos cidadãos, devem pautar a sua vivência em sociedade, designadamente na sua relação com as entidades públicas, com observância pelo direito vigente, sendo nesse âmbito basilar, que a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem os isenta das sanções nela estabelecidas – Cfr. artigo 6.º do Código Civil.

O facto de as Autoras, ora Recorrentes, terem prosseguido um entendimento de que o acto que era lesivo da sua esfera jurídica de direitos, e assim impugnável, era/foi aquele constante do ofício a que se reporta o documento 1 junto com a Petição inicial, datado de 08 de janeiro de 2021 – Cfr. ponto 9 do probatório; Cfr. alínea G) das conclusões -, que em suma, dava conta de que o requerimento para pagamento de créditos foi indeferido, em termos de pretenderem alcançar por via da acção que intentaram, a sua anulação e a condenação do Réu no pagamento dos créditos que entendiam ser devidos, não podia vir a ter um bom resultado, pois resulta claro que embora referindo-se essa notificação ao indeferimento do pagamento de créditos [o que pode inculcar a ideia de que o pedido que formularam foi indeferido uma 2.ª vez], resulta depois da respectiva fundamentação, que esse indeferimento se reporta à Reclamação apresentada pelas Autoras, porque não tinham as mesmas apresentado outra factualidade que pudesse obstar ao sentido decisório do despacho datado de 06 de abril de 2017, ou seja, de que o requerimento de pagamento de créditos laborais não tinha sido apresentado no prazo de 1 ano a contar da data em que cessou o contrato de trabalho.

Com efeito, o teor das notificações em sede de audiência previa, datadas de 07 de abril de 2017, enviadas em 11 de abril de 2017 – Cfr. ponto 5 do probatório -, era muito claro, por forma a que as Autoras ora Recorrentes ficassem a saber e a conhecer que foram formalmente notificadas de que o pedido que efectuaram pelo seu requerimento datado de 19 de outubro de 2015 ia ser indeferido, pelos fundamentos dados a conhecer. Assim como em face do teor das notificações em sede de audiência prévia, datadas de 18 de janeiro de 2021, enviadas em 21 de janeiro de 2021 – Cfr. ponto 8 do probatório -, também era muito claro, por forma a que as Autoras ora Recorrentes ficassem a saber que foram formalmente notificadas de que a Reclamação que apresentaram em 01 de junho de 2017 ia ser indeferida, pelos fundamentos dados a conhecer. Assim como em face do teor das notificações que lhes foram enviadas após o decurso de ambos os prazos de audiência prévia.

Tendo-se as Autoras determinado por vir a apresentar Reclamações em 01 de junho de 2017, e onde alegaram no fundo que a decisão de indeferimento estava errada, pedindo a final o deferimento dos créditos [como assim também o vieram a invocar na Petição inicial], não podiam as Autoras obnubilar que o prazo de impugnação judicial dos actos que determinam o indeferimento da sua pretensão se iniciou na data em que os receberam, ou seja, em 11 de maio de 2017.

E se bem que, em conformidade com o que assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo, tendo aquelas Reclamações graciosas sido deduzidas perante o autor do acto, e que por essa via, face ao disposto no artigo 59.º, n.º 4 do CPTA, estava suspenso o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo datado de 06 de abril de 2017, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, não tendo sido proferida qualquer decisão administrativa sobre aquela Reclamação e tendo decorrido o prazo de 30 dias a que se reporta o artigo 192.º, n.º 1 do CPA, tendo sido retomado o cômputo do prazo de 3 meses a que alude o artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA [e considerando já as suspensões do prazo], o seu termo ocorreu muito antes de findar o ano de 2017, pelo que, como bem apreciou e decidiu o Tribunal a quo, ao ter julgado que quando a Autora deu entrada no Tribunal da Petição inicial que motiva os autos, em 06 de julho de 2021, já há muito que estava transcorrido o referido prazo de 3 meses.

A notificação da decisão datada de 18 de janeiro de 2021, não é indutora de fazer as Autoras incorrer em qualquer erro, por se tratar apenas da externalização da decisão de que a final as suas Reclamações não foram acolhidas e de que mantinha o Réu a decisão já anteriormente comunicada, datada de 06 de abril de 2017, encerrada nos pressupostos dados a conhecer, que o foi no sentido do indeferimento do pagamento dos requeridos créditos laborais, levando-a ao conhecimento das suas destinatárias [as Autoras, ora Recorrentes] e do que estava ao seu dispor do ponto de vista processual, caso assim entendessem, mormente de reagir por via judicial ou administrativa contra essa decisão. Só que essa reacção apenas podia ter como objecto, a decisão de não acolhimento/indeferimento da Reclamação, ou seja, e como assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo, por vícios próprios, mas já não quanto à decisão proferida em 06 de abril de 2017, que apreciou concretamente os pedidos efectuados por cada uma das Autoras ora Recorrentes.

A actuação das Autoras segundo o direito por si perspectivado, no sentido de que o acto que quiseram sindicar no Tribunal a quo é o acto que vem a apreciar a sua Reclamação, estava sempre condicionada à observância de prazos legais para qualquer um desses exercícios [gracioso ou contencioso], e que o seu decurso – de prazos legalmente fixados – importa na consolidação de acto administrativo em que é visado.

Julgamos assim ser incontornável que o computo do prazo efectuado pelo Tribunal a quo está correcto, pois que atenta a data a que se reporta o indeferimento do pedido formulado por requerimento de 19 de outubro de 2015, em 06 de abril de 2017, e a data da entrada em juízo da Petição inicial, em 06 de julho de 202, o prazo para a sindicância desse acto junto do Tribunal há muito que estava decorrido.

Daí que não assiste razão às Recorrentes na sua pretensão recursiva, sendo forçoso concluir que a Sentença recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe vêm imputados, improcedendo a totalidade das conclusões das suas Alegações.
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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Meios graciosos de impugnação; Suspensão do prazo; Intempestividade da prática de acto processual.

1 - Enquanto partes integrantes de um Estado de direito formal e material, a Administração e os cidadãos estão subordinados à lei, o que é de dizer que em prossecução do princípio da legalidade, a Administração apenas pode prosseguir no quanto a lei lho permitir, sendo que, quanto aos cidadãos, devem pautar a sua vivência em sociedade, designadamente na sua relação com as entidades públicas, com observância pelo direito vigente, sendo nesse âmbito basilar, como assim dispõe o artigo 6.º do Código Civil, que a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem os isenta das sanções nela estabelecidas.

2 – O acto que aprecia a Reclamação e que não a acolhe, mantendo assim a decisão já proferida, podendo ser sindicado jurisdicionalmente, contar ele apenas podem todavia ser invocadas invalidades imputáveis ao acto que aprecia essa Reclamação e já não ao acto que a mesma visa, que por ter sido mantido, se tem por consolidado na ordem jurídica administrativa.

3 – Tendo as Autoras deduzido Reclamação do acto administrativo que lhe indeferiu o pedido de pagamento de créditos laborais, e que por essa via, face ao disposto no artigo 59.º, n.º 4 do CPTA, estava suspenso o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, não tendo sido proferida qualquer decisão administrativa sobre aquele requerimento e tendo decorrido o prazo de 30 dias a que se reporta o artigo 192.º, n.º 2 do CPA, tendo sido retomado o cômputo do prazo de 3 meses a que alude o artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA [e considerando já as suspensões do prazo], o seu termo ocorreu anos antes da remessa ao Tribunal a quo da Petição inicial.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelas Recorrentes MM... e AA..., e consequentemente, em manter a Sentença recorrida.
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Custas a cargo das Recorrentes – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. -, sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea h), do RCP.
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Notifique.
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Porto, 27 de maio de 2022.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro