Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01306/12.1BEBRG-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/21/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:TIAGO MIRANDA
Descritores:REQUERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVA;
ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL;
Sumário:
I - Nos termos do artigo 613º nº 1do CPC, “1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”. Esta regra aplica-se também aos despachos. Conforme nº 3 do mesmo artigo: “3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos”.

II – A Autora, ao pedir que fosse determinada a inquirição das testemunhas por si indicadas, depois de notificada de despacho que decidira o contrário, requereu uma nova pronúncia, uma revisão do já decidido em despacho anterior.

III - Ante tal pedido, a Mª Juiz a qua, em vez de indeferir o requerido com fundamento em quaisquer razões para “manter” o antes decidido” devia, no rigor dos conceitos, indeferi-lo simplesmente por estar esgotado, quanto ao respectivo objecto, o poder do Tribunal.

IV – O meio processual de que dispunha a Autora para discutir e reverter o primeiro despacho era a apelação autónoma, nos termos do artigo 644º nº 2 alª d) do CPC.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
“[SCom01...], LDA.”, Autora no processo em epígrafe, em que é Ré “Município ...”, interpõe recurso relativamente ao despacho emitido na audiência de julgamento de 30 de Janeiro de 2024 que indeferiu o seu requerimento de inquirição das testemunhas por si antes indicadas, à matéria do novo tema de prova “Ausência de autos de medição ou de situação de trabalhos relativamente à factura em questão nestes autos”.
Rematou a alegação de recurso com as seguintes conclusões:
«- CONCLUSÕES:
A - Vem, a Autora inconformada, interpor recurso de Apelação contra o despacho proferido em sede de audiência de discussão e julgamento realizada no dia 30 de Janeiro de 2023 Lapso: quis-se dizer, seguramente, 2024., que decidiu: “(...) a não realização de nova inquirição das testemunhas indicadas pela Autora por esta constituir a repetição de actos já praticados nos presentes autos e, esta repetição, se mostrar inútil para apuramento da matéria de facto relativa ao tema de prova agora em questão.”
B - A apelante recorre de direito, da douta decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto Lapso. Quis-se, por certo, dizer Braga., a que se reportam os autos supra, porquanto: a) O despacho recorrido, incorreu em erro de julgamento de direito, violou o Tribunal “a quo” o disposto nos artigos 342°, n.° 2, do Código Civil, o princípio do inquisitório (artigo 411° do CPC), o princípio do dever de gestão processual (artigo 6° do CPC), o princípio do contraditório (Artigo 3.°, n.° 3 do CPC), e do princípio de igualdade de armas (artigo 4° do CPC), ex vi artigo 1° do CPTA. Assim como, o direito de acção e defesa previsto no n°1 do Artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.
Senão vejamos,
C - Em 06/09/2017 foi proferida sentença nos presentes autos a qual julgou a presente acção totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.
D - A Autora inconformada com o teor da Sentença interpôs o competente recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, o qual decidiu “... CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar-se a presente acção parcialmente procedente, condenando-se o Réu, aqui Recorrido, a pagar à Autora, aqui Recorrente, a quantia que se vier a liquidar quanto à factura reclamada nos autos.”
E - Por sua vez, o Município ... interpôs recurso de revista do Acórdão proferido pelo TCA Norte para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual proferiu Acórdão no sentido de: “Daí que, perante a constatação da ausência de fixação de factualidade relevante para a apreciação da pretensão objecto da acção e que erradamente não foi sinalizada pelo TCA/N impõe-se que se observe o n.° 3 do art. 682.° do CPC/2013 ex vi do art. 140.° do CPTA. Caso o TCA/N não tiver possibilidade de fixar tal factualidade deverão os autos baixar ao TAF para ampliação da factualidade quanto a tal alegação.

F - Consequentemente, o Tribunal Central Administrativo Norte determinou que “(...) subsistindo ainda materialidade controvertida relevante para decisão dos autos que não consta dos temas de prova, havendo, por isso, de reformular os mesmos, e submetê-los a instrução, impõe-se determinar a baixa dos autos para prosseguimento de ulteriores trâmites, o que se determina expressamente”.
G - Em cumprimento do determinado pelos Tribunais Superiores, em 24 de Novembro de 2021, realizou-se audiência prévia enunciando-se o seguinte tema de prova: Ausência de autos de medição ou de situação de trabalhos relativamente à factura em questão nestes autos.
H - Em 5 de Janeiro de 2023, foram as partes notificadas, para no prazo de 10 dias “indicarem das testemunhas arroladas as que pretendem que sejam inquiridas ao tema de prova agora formulado.”
I - A Autora apresentou requerimento datado de 17 de Janeiro de 2023, indicando para o efeito todas as testemunhas arroladas no requerimento probatório apresentado nos autos.
J - Por despacho datado de 20 de Fevereiro de 2023, a Juiz do Tribunal “a quo” admitiu os róis de testemunhas juntos aos autos pelas partes.
K - Em 14 de Novembro de 2023, iniciou-se a audiência de discussão e julgamento pela audição das declarações de parte do Autor e das testemunhas arroladas pelo Réu.
L - Por despacho datado de 15 de Novembro de 2023 Negrito do relator., o Tribunal “a quo” decidiu: “(...) Conforme referido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no seu acórdão constante destes autos, a matéria de facto que agora cumpre apurar constitui matéria de excepção peremptória (n° 3 do art. 576° CPC), na medida em que a sua verificação, ou seja, a não existência de autos de medição ou de situações do trabalho, justificaria o não pagamento pretendido pela autora (arts. 202° e ss. e 207° a 211° do RJEOP).
De acordo com o disposto no n° 2 do art. 342o do Código Civil “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.”.
Assim, conclui-se que a prova da matéria de facto agora em apreciação compete ao Réu e não à Autora.
Notificadas as partes, vieram estas requerer a inquirição de todas as testemunhas anteriormente arroladas ao novo tema de prova formulado.
Admitiu-se a inquirição de todas as testemunhas, conforme requerido.
Acontece que, considerando que ao juiz se encontra vedada a prática de actos inúteis, como emanação do princípio do dever de gestão processual (art. 6° CPC), considera-se impertinente, atentas as regras do ónus da prova, nova inquirição das testemunhas indicadas pela Autora, uma vez que estas já foram inquiridas aos factos cuja prova compete a esta.
Pelo exposto, decide-se a não realização de nova inquirição das testemunhas indicadas pela Autora por esta constituir a repetição de actos já praticados nos presentes autos e, esta repetição, se mostrar inútil para apuramento da matéria de facto relativa ao tema de prova agora em questão, cujo ónus cabe ao Réu.
Considerando que falta apenas a inquirição de uma testemunha do Réu designa-se para continuação de audiência final o dia 28 de Novembro, pelas 10h00.
O Sublinhado e negrito é nosso.
M - Em 22 de Novembro de 2023 a Autora submeteu requerimento por meio do qual, invocou, além do mais que: “(...) o dever de gestão processual tem como finalidade diminuir os custos, o tempo e a complexidade do procedimento, devendo, para a obtenção desse fim, promover as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusar o que for impertinente ou meramente dilatório (art.°. 6.°, n.° 1, do C.P.C.).
6 - A Autora em requerimento probatório indicou de forma consciente as testemunhas que deveriam ser ouvidas quanto ao tema de prova em discussão nos presentes autos, isto é, “ausência de autos de medição ou de situação de trabalhos relativamente à factura em questão nestes autos.”
7 - O Douto Tribunal admitiu a prova testemunhal arrolada pela Autora, quanto à matéria de facto agora em apreciação.
8 - O tema de prova em discussão “ausência de autos de medição ...” cujo ónus de prova incumbe à Ré, não é argumento válido, para afastar a produção de prova da Autora.
9 - Pois, ainda que, à Autora não lhe incumbe o ónus de prova, esta tem todo o interesse em objectivamente demonstrar a inveracidade da factualidade aduzida pela Ré, o que consubstancia exercício do contraditório.
10 - Com a não realização da inquirição das testemunhas à Autora está vedado o exercício do contraditório, com a finalidade de efectivamente demonstrar nos autos que os trabalhos a que se reporta a factura dos autos, foram efectivamente medidos.
11 - Afigura-se-nos, por isso, relevante, não só para o prosseguimento dos autos, mas também para o apuramento da verdade, boa decisão da causa e justa composição do litígio, que se realize a inquirição das testemunhas arroladas pela Autora.
12 - O que se requer.
N - Por despacho datado de 14 de Dezembro de 2023, foi ordenada a notificação do Réu para dizer o que tiver por conveniente acerca do teor do requerimento apresentado pela Autora.
O - Em 10 de Janeiro de 2024, o Réu apresentou requerimento nos presentes autos por meio do qual informou que: “(...) Somos de parecer, salvo o devido respeito, que bem andou o Tribunal ao decidir conforme decidiu no douto despacho de 15 de
Novembro 2023.”

P - Reaberta, a audiência de discussão e julgamento, agendada para o dia 30 de Janeiro de 2023 Novo lapso: 2024., a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” proferiu o seguinte despacho: “(...) Veio a Autora apresentar requerimento, junto a fls. 906 destes autos, para que fossem inquiridas testemunhas por si indicadas para prova do tema a que se destina a presente sessão de audiência final. Notificado, o Réu pronunciou-se, a fls. 915 dos autos, no sentido do indeferimento do requerido, conforme já decidido por despacho, junto a fls. 880 destes autos, e oportunamente notificado às partes. Considerando todos os fundamentos já expostos no despacho, que se encontra junto a fls. 880 destes autos, principalmente o ordenado pelo Supremo Tribunal Administrativo, o Tribunal mantém o já decidido.
Q - Ora, com o devido respeito que é muito, discorda a Apelante da decisão do Tribunal a quo em não ter permitido a inquirição das testemunhas arroladas pela Autora, e, no entanto, ter inquirido todas as testemunhas arroladas pela Ré, aduzindo, para tanto que: ao juiz se encontra vedada a prática de actos inúteis, como emanação do princípio do dever de gestão processual (art. 6° CPC), considera-se impertinente, atentas as regras do ónus da prova, nova inquirição das testemunhas indicadas pela Autora, uma vez que estas já foram inquiridas aos factos cuja prova compete a esta.”
S - Compulsados os presentes autos, constata-se que, por despacho datado de 20 de Fevereiro de 2023, a Juiz do Tribunal “a quo” admitiu os róis de testemunhas juntos aos autos pelas partes - Autora e Ré - procedendo, desse modo, à actualização e estabilização da instância quanto aos meios de prova admitidos, designadamente, a produção de prova testemunhal.

T - As testemunhas que a Autora pretendia que fossem inquiridas foram inicialmente admitidas pelo Tribunal “a quo” para serem inquiridas, inclusive, foram notificadas para comparecerem na primeira data da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 14 de Novembro de 2023.
U - Pois, entendeu e bem a Autora que os seus depoimentos eram essenciais ou, pelo menos, úteis para a justa composição do litígio e descoberta da verdade material, quanto ao novo tema de prova em discussão (Ausência de autos de medição ou de situação de trabalhos relativamente à factura em questão nestes autos), pois tiveram intervenção directa na execução dos trabalhos da empreitada.
I - Desse modo, os depoimentos das testemunhas arroladas da Autora, eram esclarecedores quanto aos factos que ao Tribunal “a quo” cumpre conhecer.
X - Neste quadro, afigura-se evidente a importância da inquirição das testemunhas da Autora para a realização do fim último do processo - o da prossecução do “interesse público do Estado na prestação da tutela jurisdicional”, na “justa e célere composição do litígio”, objectivo que deve ser comum a todos, constituindo para o juiz um autêntico dever, como aliás resulta do disposto no art. 6°, n° 1, do CPC.
Z - Em suma, tanto a Autora como o Réu usaram da mesma faculdade que a lei processual lhes concedeu, de utilizar como meio de prova, a prova testemunhal, para fazer valer em juízo as suas posições.

AA - Contudo, já no decurso da realização da audiência de discussão e julgamento a Juíza do Tribunal “a quo” abusivamente e sem fundamento válido para tal, decidiu não inquirir as testemunhas devidamente arroladas e admitidas da Autora.
AB - Desde já se diz, salvo sempre melhor e douto entendimento, afigura-se em termos resumidos, que o procedimento adoptado pela Meritíssima Juiz, de apenas permitir a inquirição das testemunhas do Réu em claro desfavor do exercício da respectiva contraprova da Autora, exterioriza uma posição parcial relativamente àquele.
AC - Impedida como foi a Autora de produção de prova testemunhal, em sede de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal “a quo” violou o princípio do inquisitório (artigo 411° do CPC), o princípio do dever de gestão processual (artigo 6° do CPC), o princípio do contraditório (Artigo 3.°, n.° 3 do CPC), e do princípio de igualdade de armas (artigo 4° do CPC).
AD - No entanto, os poderes/deveres do Juiz consagrado nestas disposições, designadamente, o poder/dever de gestão processual e as regras do ónus de prova, não podem ser fundamento para subversão do legalmente determinado por disposição imperativa e peremptória, isto é, o exercício da contraprova.
AE - A iniciativa da prova cabe, em princípio, à parte a quem aproveita o facto dela objecto - e não ao tribunal, uma vez que o juiz julga secundum allegata et probata (art. 346° do C.C., e art. 414° do C.P.C.).

AF - Assim, a regra geral constante do artigo 342° do CC aponta uma repartição de ónus de prova independentemente da posição processual da parte, atribui, como regra, o ónus de prova em função do direito “sub judice”, onerando a parte que invoca o direito relativamente aos factos constitutivos e a parte contra quem o direito é invocado com os factos modificativos ou extintivos ou impeditivos.
AG - O poder/dever indevidamente usado nos presentes autos pela Juiz do Tribunal “a quo” - princípio da gestão processual - não é absoluto, tem os seus limites nos direitos das partes.
AH - Como bem refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 21/06/2022, in WWW.dgsi.pt, que refere e bem que “(...) Esta regra tanto se aplica ao aspecto substancial como formal, havendo, claramente, limites traçados que não podem ser ultrapassados, desde logo o assegurar de um processo equitativo e os princípios previstos no n°2 do art. 630° do CPC: igualdade das partes, contraditório, aquisição processual ou admissibilidade de meios de _prova, bem como, o princípio do dispositivo e o da auto-responsabilidade das partes. (...).”
AI - Assim sendo, muito mal andou o Tribunal “a quo” ao admitir toda a produção da prova testemunhal arrolada pelo Réu e vedar posteriormente em sede de audiência a produção de prova testemunhal arrolada de forma tempestiva e inicialmente admitida, a da Autora/Apelante.
AJ - Pois, ainda, que o ónus de prova competisse ao Réu competiria à Autora nos termos do n.° 2, do artigo 342° do CC, a contra prova.

AK - Violou grosseiramente o princípio da igualdade de armas, que se prende no seu essencial com o direito de defesa e a possibilidade de em condições iguais apresentar e contraditar provas.
AL - Igualmente, só pode improceder o argumento expandido no Despacho que ora se impugna de que ao juiz se encontra vedada a prática de actos inúteis, como emanação do princípio do dever de gestão processual (art. 6° CPC).
AM -Porquanto, o argumento atinente à necessidade de privilegiar o andamento célere do processo a prática de actos inúteis nunca pode colidir com o princípio supremo da busca e descoberta da verdade material e da justa composição do litígio.
AN - Pois, na verdade, o Tribunal Central Administrativo Norte determinou que “(...) subsistindo ainda materialidade controvertida relevante para decisão dos autos que não consta dos temas de prova, havendo, por isso, de reformular os mesmos, e submetê-los a instrução, impõe-se determinar a baixa dos autos para prosseguimento de ulteriores trâmites, o que se determina expressamente”.
AO - E, assim sendo, não cumpriu o Tribunal “a quo” o disposto no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de submetê-los a instrução”.
AP - Neste quadro, afigura-se evidente a importância da inquirição das testemunhas da Autora para a realização do fim último do processo - o da prossecução do “interesse público do Estado na prestação da tutela jurisdicional”, na “justa e célere composição do litígio”, objectivo que deve ser comum a todos, constituindo para o juiz um autêntico dever, como aliás resulta do disposto no art. 6°, n° 1, do CPC.
AQ - Deste modo, o presente recurso jurisdicional merece, pois, provimento, devendo ser revogado o despacho recorrido e determinada a baixa dos autos à 1a instância, para que aí prossigam os autos com a inquirição das testemunhas já identificadas no requerimento apresentado pela Autora.
(…)
Termos em que, nos melhores de direito, com o mui douto suprimento de V. Exas deve ser revogado o despacho recorrido, devendo, em consequência, ser substituído por outro que admita a audição das testemunhas da Autora, seguindo-se os ulteriores termos de direito».

Notificado, o Recorrido não respondeu à alegação

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II - Do objecto do recurso
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações.

Assim, a questão que a Recorrente pretende ver apreciada em apelação consiste em saber se o despacho recorrido, ao indeferir o seu requerimento de inquirição das testemunhas por si indicadas, relativamente ao novo tema de prova “Ausência de autos de medição ou de situação de trabalhos relativamente à factura em questão nestes autos” deve ser revogado por violar o direito do Autor a produzir contraprova relativamente a essa matéria de excepção (peremptória) alegada pelo Réu e o princípio da igualdade de armas das partes.

III – Apreciação do recurso
Para apreciação desta questão relevam e quase bastam as ocorrências processuais descritas nas supratranscritas conclusões A a P, apenas havendo que lhe acrescentar um facto que aditaremos nos seguintes termos:

L-1: O despacho a que alude a alínea L foi notificado aos mandatários de ambas as partes por notificação electrónica de 16/11/2023.

Vejamos:
Uma vez notificado às partes e não recorrido, o despacho de 15 de Novembro de 2023 transitou em julgado – trânsito que ocorreu em 20 do mês seguinte (cf. artigos 138º nº 1 e 248º do CPC).
Assim, embora a Recorrente discuta a fundamentação do despacho de 15 de Novembro, não é esse que está em causa.
Foi emitido um despacho em 11 de Novembro, devida e oportunamente notificado e, na sequência de requerimento de 22 seguinte, desta feita em 30 de Janeiro seguinte, outro despacho.
O despacho cuja legalidade está em questão é tão só o despacho de 30 de Janeiro, pelo qual a Mª Juiz tão só decidiu manter o já decidido em 15 de Novembro.
Na verdade, neste segundo despacho - o ora recorrido - impunha-se o indeferimento do requerido pela Autora e ora Recorrente, se bem que não exactamente com a fundamentação invocada.
É que, nos termos do artigo 613º nº 1do CPC, “1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”. Esta regra aplica-se também aos despachos. Conforme nº 3 do mesmo artigo: “3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos”.
Assim, uma vez proferido o despacho de 15 de Novembro, o Juiz da primeira instância deixou de poder tomar qualquer decisão sobre o mesmo objecto. Ora é isso o que a Autora lhe vem pedir pelo requerimento de 22 seguinte.
A única via processual que assistia à Autora, ore recorrente, para obstar à aplicação e obter a reversão da decisão de 15 de Novembro era o recurso desse despacho, recurso que, em ordem à sua utilidade prática, seria de apelação autónoma e de subida imediata, conforme artigo 644º nº 2 alª d) do CPC. Não o tendo feito, aquele primeiro despacho consolidou-se na ordem jurídica.
Voltemos ao despacho recorrido:
Quando foi apresentado esse requerimento de 22 de Novembro, ainda não transitara o despacho de 15, mas isso não bole com a conclusão de que o poder jurisdicional da primeira instância – de decidir sobre o objecto desse requerimento – se encontrava extinto, sendo certo que o que a Autora requereu foi uma nova pronúncia, uma revisão do já decidido.
Ante tal pedido, a Mª Juiz a qua, em vez de indeferir o requerido com fundamento em quaisquer razões para “manter” o antes decidido” devia, no rigor dos conceitos, indeferi-lo simplesmente por estar esgotado, quanto ao respectivo objecto, o poder do Tribunal, conforme vimos acima.
Sem embargo, o indeferimento da pretensão da Autora era a decisão que Ordem Jurídica impunha, pelo que a resposta à questão acima enunciada é negativa, se bem que por esta outra razão.

Conclusão
Do exposto, resulta a improcedência do recurso.

Custas
Vencida, a Recorrentes arcará com as custas do recurso: artigo 427º do CPC.

Dispositivo
Assim, acordam em conferência os juízes da subsecção de contratos públicos da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 21/3/2025

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Ricardo Jorge Pinho Mourinho de Oliveira e Sousa
Maria Clara Alves Ambrósio