Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01832/12.2BEBRG |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 05/23/2024 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | VIRGÍNIA ANDRADE |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; ARTIGO 58.º-A DO CIRC; VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO; |
Sumário: | I. Quando se verifica diferença positiva entre o Valor Patrimonial Tributário definitivo de imóvel e o valor constante de escritura pública, essa diferença tem de resultar numa correcção na declaração de rendimentos do exercício em questão, linha 257 do quadro 07 da declaração modelo 22 do IRC. II. Tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira procedido à notificação do novo Valor Patrimonial Tributário previamente à outorga da escritura pública, não se verifica a violação do princípio da colaboração. III. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 236.º do CC “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele prevalecendo o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, teria deduzido do comportamento do declarante, só assim não se verificando se este último”.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte 1 – RELATÓRIO A Fazenda Pública vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 28.04.2017 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a impugnação intentada por [SCom01...], CRL contra a liquidação adicional de IRC n.º ...58, relativa ao exercício de 2008, no montante de €44.855,34. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: 1ª. – Salvo melhor entendimento, para a recorrente, a douta sentença em recurso errou no julgamento de direito pois devia ter aplicado o artigo 58º A, nº1, nº2 e nº3, alínea a), do CIRC, com a redacção em vigor em 2008 e não podia interpretar e aplicar o principio da colaboração que sobre a AT pendia sem atentar ao quadro legal da reforma dos impostos sobre o património ou, caso seja entendido o contrário, sem atentar ao quadro legal dos meios de reacção contra o VPT fixado para prédio urbano. 2ª. – Do referido artigo 58º A, nº1, nº2 e nº3, alínea a), do CIRC, decorre que, para efeito de determinação do lucro tributável, quer o alienante, quer o adquirente do direito de propriedade sobre bem imóvel terão que adoptar, por referência ao valor do contrato e ao VPT definitivo, o maior valor, pelo que, 3ª. – Uma vez fixado o VPT em termos irreversíveis, sendo ele o maior valor, decorre também daquela norma do artigo 58º A, do CIRC, que o alienante adoptará o maior valor mediante uma correcção da declaração de rendimentos do respectivo exercício dela fazendo contar a diferença o VPT definitivo e o valor do contrato 4ª. – Tendo sido detectado, em sede de acção inspectiva realizada em 2012, que o alienante nunca adoptou o maior valor de um dos prédios que, em conjunto com outros dois, alienou em 2008, tinha o tribunal a quo que aplicar o referido artigo 56º A, nº1, nº2 e nº3, alínea a), do CIRC, com a redacção em vigor à data dos factos. 5ª. – Não podia o Tribunal a quo afastar a aplicação daquele artigo 58º A, do CIRC, interpretando e aplicando o principio da colaboração que sobre a AT pendia, sem atentar ao quadro legal da reforma dos imposto sobre o património que se iniciou com o Decreto Lei 287/2003, de 12 de Dezembro e terminou com o Decreto Lei 60 A/2011 que determinou a avaliação geral dos prédios urbanos e, em consequência, se encontrava em vigor à data da alienação de prédio urbano em 2008. 6ª. – A referida reforma dos impostos sobre o património determinou a avaliação geral dos prédios urbanos nos termos do CIMI no prazo máximo de 10 anos e, até que se procedesse a essa avaliação geral, determinou a aplicação pontual das regras do CIMI para fixação dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos em três casos, a saber, aos prédios novos, aos prédios objecto de primeira transmissão na vigência do CIMI e aos prédios objecto do pedido a que alude o artigo 30º, nº1, e nº2, do CIMT, pelo que, 7ª. – A avaliação de prédio urbano por iniciativa do alienante (em 2007), em momento anterior à primeira transmissão do mesmo na vigência do CIMI (em 2008), não era susceptível de ser levada à matriz, atento o quadro legal da reforma dos impostos sobre o património, suas regras de actualização transitória dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos. 8ª. – Acresce que, no quadro legal da reforma dos impostos sobre o património, a relação jurídico-tributária entre a AT e o adquirente diverge, sendo distinta, da relação jurídico-tributária entre a AT e o alienante, pelo que, 9ª. – Não podia o Tribunal a quo afastar o referido artigo 58º, nº1, nº2 e nº3, alínea a), do CIRC, interpretando e aplicando o principio da colaboração que pendia sobre a AT com base numa relação jurídico-tributária alheia e que, ao abrigo do artigo 27º, nº1, alínea a), do referido Decreto Lei 287/2003, acarreta uma liquidação adicional de IMT. Caso seja entendido, por qualquer motivo, o contrário: 10ª. – Não podia o Tribunal a quo afastar a aplicação do referido artigo 58º, nº1, nº2 e nº3 alínea a), do CIRC, interpretando e aplicando o princípio da colaboração que sobre a AT pendia, sem atentar a todos os meios de reacção, legalmente previstos, contra o VPT fixado para prédio urbano. 11ª. – O VPT fixado para prédio urbano pode ser objecto de segunda avaliação ou de impugnação judicial directas, a requerer ou a apresentar, respectivamente, no prazo de 30 dias ou de 90 dias, a contar da notificação do resultado da primeira avaliação, pelo que, 12ª. – Até ao termo do prazo mais longo (90 dias), o VPT de prédio urbano fixado nos termos do CIMI por iniciativa do alienante em momento anterior à sua primeira transmissão na vigência do CIMI não é susceptível de produzir efeitos, quer ao nível do alienante, quer ao nível do adquirente, nomeadamente, para efeito de erro de declaração da vontade de qualquer um deles, susceptível de ser imputado à AT. 13ª. – A douta sentença em recurso violou o artigo 58º, nº1, nº2, nº3 alínea a), do CIRC, com a redacção em vigor em 2008 e interpretou e aplicou o artigo 59º, nº1, da LGT (principio da colaboração), com violação do artigo 15º, nº1 e nº4 e do artigo 27º, nº1, alínea a), ambos do Decreto Lei 287/2003, do artigo 30º, nº1, e nº2, do CIMI por remissão do artigo 27º, nº1, alínea a), do Decreto Lei 287/2003, ou caso seja entendido o contrário, interpretou e aplicou o referido artigo 59º, nº1, da LGT com violação do artigo 76º, nº1, do CIMI e artigo 134º, nº1, do CPPT. Nestes termos e nos mais de direito que serão doutamente supridos por Vs. Exas. deverá o presente recurso obter provimento e a douta decisão em recurso ser revogada.” A Recorrida deduziu contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso. Remetidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, por decisão sumária de 9.06.2022, foi declarada a incompetência do Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia para conhecer do recurso, tendo sido declarada a competência deste Tribunal. A Exmo. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos ao abrigo do disposto no artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. ** Objecto do recurso O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do disposto no artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir do erro de julgamento de direito. ** 2 - Fundamentação 2.1. Matéria de Facto O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz: “A) Em 31 de Março de 2007, a Impugnante apresentou modelo 1 do IMI, no competente SF (Serviço de Finanças) que veio a ser registada com o nº...46, relativo ao prédio seguinte: Prédio urbano destinado a armazém e actividade industrial, sito na Avenida..., em Vila ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...51 e descrito na Conservatório do Registo predial ... com o nº...77 – cf. doc. juntos com a contestação sob o n.º 1 e 2; B) Em virtude dessa apresentação a AT procedeu à primeira avaliação do prédio ao abrigo das normas do CIMI (ficha nº1888632); C) Da respectiva ficha de avaliação consta, além do mais, como data de avaliação, 3 de Outubro de 2007 e, como resultado dessa avaliação (isto é, VPT [valor patrimonial tributário]), € 867 700,00 (oitocentos e sessenta e sete mil e, setecentos euros) – cf. doc. juntos com a PI sob o n.º 9 e com a contestação sob o n.º 1 e 3, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais; D) A Impugnante foi notificada da ficha de avaliação mencionada na al. anterior, por via postal registada com AR (aviso de recepção), referência postal RY 08........4 9 PT – cf. doc. juntos com a contestação sob o n.º 4; E) Em 25 de Janeiro de 2008, através de escritura pública outorgada no Cartório Notarial ..., sito em Vila ..., a Impugnante alienou ao Banco 1... SA, NIPC ...34, três imóveis pelo valor global de € 1.148.000.00 (Um milhão cento e quarenta e oito mil euros), aos quais, foram declarados os seguintes valores parciais:
F) Em 25 de Janeiro de 2008 a AT procedeu à liquidação de IMT, doc. n.º ...03, no montante de € 61.942,03, para o sujeito passivo – Banco 1..., S.A, NIPC ...34, com o seguinte facto tributário: Aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis – cf. doc. junto com a PI sob o n.º 3, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais; G) Na liquidação de IMT identificada na al. anterior, são identificados os seguintes bens, com os seguintes VPT e valores declarados: ■ Bem – 1 – prédio: ...51- Vila ... – VPT € 53.688,47 – Valor declarado - € 600.535,00; ■ Bem – 2 – prédio: ...50 - Vila ... – VPT € 9.275,44 – Valor declarado - € 156.419,00; ■ Bem – 3 – prédio: ...59 - Vila ... – VPT € 2.535,89 – Valor declarado € 391.046,00; - cf. doc. junto com a PI sob o n.º 3, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais; H) Na liquidação de IMT referida em G., consta, quanto ao valor global do acto ou contrato: € 1.148.000,00; - cf. doc. junto com a PI sob o n.º 3, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais; I) Em 9 de Maio de 2012, pela Ordem de Serviço OI2012....81, foi ordenada a realização de acção inspectiva à situação tributária da Impugnante, relativa ao ano de 2008, tendo como motivo a análise do dossier fiscal; J) No dia 19 de Julho de 2012, a impugnante recebeu dos Serviços de Inspecção Tributária, Direcção de Finanças ..., Autoridade Tributária e Aduaneira (A.T.), um “Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção”, através do qual tomou conhecimento que a A.T. se propunha a efectuar correcções, de natureza meramente aritmética, à matéria colectável em IRC, relativa ao exercício de 2008; K) No referido relatório de inspecção consta que a Impugnante tinha desrespeitado o disposto no artigo 58º-A, do CIRC (à data da realização da inspecção, artigo 64º, do CIRC), porquanto relativamente à transmissão do prédio urbano com o art. ...51.º, para efeito de determinação do lucro tributável da Impugnante, esta tinha considerado o valor atribuído no contrato (€ 600 535,00) o qual era inferior ao VPT fixado (€ 867 700,00), motivo pelo qual foi acrescido ao lucro tributável a diferença positiva entre o VPT e o valor do contrato, no montante de € 267 165,00, obtido, como já se disse, pela diferença entre € 867 700,00 (VPT) e € 600 000,00 (valor do contrato); L) A Inspecção Tributária entendeu que a impugnante deveria ter acrescentado na linha 257 do quadro 07 da declaração modelo 22 do IRC de 2008 a diferença positiva entre o VPT definitivo do imóvel e o valor constante da escritura, diferença essa de € 267.165.00 (€ 867.700.00 – € 600.535.00) – cf. pág. 6/10 do relatório de inspecção, junto com a PI sob doc. n.º 3 a 10; M) Em 30 de Julho de 2012, a impugnante exerceu o direito de audição, nos termos do artº 60º da LGT, através do qual manifestou a sua discordância relativamente às correcções propostas - cf. doc. n.º 2 junto com a PI; N) No exercício do direito de audição, a impugnante declarou que: (i) tratou-se de um erro numa formalidade exigida pelo Notário de fazer a distribuição do preço global do negócio pelos três imóveis alienados (ii) o valor do contrato era o valor real de transmissão dos 3 prédios, (iii) o valor do contrato era superior à soma do VPT dos 3 prédios (iV) os € 600 535,00 atribuídos ao prédio em causa se devia a mero lapso na distribuição do valor total do contrato por cada um dos prédios; O) Em 16 de Agosto de 2012 a impugnante recebeu dos referidos Serviços de Inspecção Tributária, Direcção de Finanças ..., o “Relatório de Inspecção Tributária”, o qual mantinha na íntegra as correcções propostas no projecto supra referido, mais referindo que ¯(…) não foi da responsabilidade da Autoridade Tributária a distribuição do valor do negócio por cada um dos três artigos.‖ - cf. doc. n.º 3 junto com a PI; P) Em 22-08-2012, a AT procedeu à liquidação adicional de IRC, n.º ...58 relativa ao exercício de 2008, na qual constava um imposto a pagar, incluindo juros compensatórios, no montante de € 44.855,34 – cf. doc. n.º 4 junto com a PI; Q) A Impugnante apresentou a presente impugnação contra a liquidação identificada em P. * Factos não provados: Inexistem outros factos a considerar, com relevância para a boa apreciação e decisão da presente causa. * Motivação: Alicerçou-se a convicção do Tribunal no teor dos documentos constantes dos autos.” ** 2.2. Aditamento oficioso à fundamentação de facto: Dispondo os autos dos elementos probatórios para o efeito indispensáveis e ao abrigo do disposto no artigo 662.º n.º 1 do CPC, afigura-se-nos ser de alterar a decisão sobre a matéria de facto assente, proferida em 1ª instância relativamente ao ponto D). Assim, o ponto D) da matéria de facto provada passará a ter a seguinte redacção: D) A Impugnante foi notificada da ficha de avaliação mencionada na al. anterior, por via postal registada com AR (aviso de recepção), referência postal RY 08........4 9 PT, em 23.11.2007– cf. doc. juntos com a contestação sob o n.º 4. *** 2.3 – O direito Constitui objecto do presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal e Fiscal de Braga, que julgou procedente a impugnação intentada por [SCom01...], CRL contra a liquidação adicional de IRC n.º ...58, relativa ao exercício de 2008. 2.3.1. O erro de julgamento de direito Consideraram os Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... que deveria a Recorrida ter acrescido, na linha 257 do quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, do ano de 2008, o montante de €267.165.00, respeitante à diferença positiva entre o Valor Patrimonial Tributário definitivo do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...51 e ... valor constante da escritura outorgada em 25.01.2008. A Juíza do Tribunal a quo decidiu que, atenta a falta de colaboração da Autoridade Tributária e Aduaneira, a teoria apresentada pela Recorrida e transmitida ainda na fase de procedimento administrativo, aquando do exercício de direito de audição, é plausível, não vislumbrando da actuação da Recorrida qualquer intenção de fuga aos impostos. A Recorrente, discordando do assim decidido, sustenta, no essencial, que a sentença em recurso errou no julgamento de direito pois devia ter aplicado o artigo 58.º- A nº1, nº 2 e nº 3, alínea a) do CIRC, com a redacção em vigor em 2008 e não podia interpretar e aplicar o principio da colaboração que sobre a AT pendia sem atentar ao quadro legal da reforma dos impostos sobre o património. Vejamos. Como dispunha à data dos factos o artigo 58.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas “1- Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto. 2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável. 3 - Para aplicação do disposto no número anterior: a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato; b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel. 4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos. 5 - Relativamente ao adquirente, o disposto no número anterior não é aplicável quando se trate de correcção ao valor das reintegrações do imóvel, caso em que as relativas a exercícios anteriores serão consideradas como custo do exercício em que o valor patrimonial tributário se tornar definitivo. 6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correcções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efectivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.” Assim, face ao que decorre de tal normativo, para efeitos da determinação do lucro tributável os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis têm de adoptar pelo maior valor de entre o valor patrimonial tributário e o valor contratualizado. No caso presente, e como decorre do ponto E) da matéria de facto assente, em 25.01.2008 foi outorgada escritura pública de compra e venda do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...51, a que foi atribuído o montante de €600.535,00, constando da mesma que o Valor Patrimonial Tributário ascendia a €53.688,47 Não obstante, à data da outorga da referida escritura e desde 3.10.2007, o Valor Patrimonial Tributário do sobredito imóvel ascendia a €867.700,00. Nesta medida, o Valor Patrimonial Tributário do imóvel no montante de €867.700,00 é superior ao montante pelo qual foi escriturado - €600.535,00. Como tal, e no cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 58.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, a Recorrida teria que efectuar uma correcção na declaração de rendimentos do exercício em questão, acrescentado na linha 257 do quadro 07 da declaração modelo 22 do IRC a diferença positiva entre o Valor Patrimonial Tributário definitivo do imóvel e o valor constante da escritura, na ordem dos €267.165,00 (€ 867.700.00 – € 600.535.00). No entanto, o Tribunal a quo decidiu que, considerando a proximidade da data da avaliação do imóvel (30.10.2007) relativamente à data da outorga da escritura pública de compra e venda (25.01.2008), e, ainda ao facto de na liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissões emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, aquando da celebração da escritura, o Valor Patrimonial Tributário do imóvel em questão ainda não estar actualizado, ou seja, ainda possuir o Valor Patrimonial Tributário na ordem dos €53.688,47, a teoria apresentada pela Recorrida e transmitida à Autoridade Tributária e Aduaneira, aquando do exercício de direito de audição é plausível, não vislumbrando da actuação da Recorrida qualquer intenção de fuga aos impostos. Ora, não podemos concordar com o assim decidido, isto porque, em questão não está a intenção da Recorrida em pagar menos impostos, ou a culpa na sua actuação, pois não estamos em sede de processo crime, mas no âmbito de uma relação jurídico-tributária. Com efeito, em questão nos presentes autos está só o cumprimento de norma legal que impunha à Recorrida proceder à correcção da modelo 22 de IRC, acrescentado na linha 257 do quadro 07 o montante de €267.165,00, o que, in casu, não se verificou. Defende também a Autoridade Tributária e Aduaneira que não podia o Tribunal a quo afastar a aplicação do referido artigo 58.º nº 1, nº 2 e nº 3 alínea a) do CIRC, interpretando e aplicando o princípio da colaboração que sobre a AT pendia sem atentar ao quadro legal da reforma dos impostos sobre o património. Isto porque, considerou o Tribunal a quo que para além do negócio ter sido celebrado por um preço único, não podendo a venda do imóvel em causa nos presentes autos ser analisada como sendo um negócio, mas sim como uma parte do mesmo, não podia também a Autoridade Tributária e Aduaneira ter efectuado a liquidação do IMT com base no Valor Patrimonial Tributário anterior, atendendo à colaboração reciproca que recai sobre esta. Vejamos. Dispõe o n.º 1 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária, sob a epígrafe “Princípio da colaboração” que “Os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco” Acresce que, o Decreto Lei n.º 60-A/2011, de 30.11 veio concluir a reforma dos impostos sobre o património, na senda do estatuído pelo Decreto Lei 287/2003, de 12.11, que estabeleceu um conjunto de disposições transitórias respeitantes à fixação do prazo máximo para proceder à avaliação geral dos prédios urbanos e, enquanto essa avaliação não fosse efectuada, as regras de actualização transitória dos seus valores patrimoniais tributários. Com efeito, veio a ser estabelecido o prazo máximo de 10 anos após a entrada em vigor do Código do IMI para proceder à avaliação geral dos prédios urbanos. Nesta senda, e nos termos do disposto no artigo 15.º nº 1 do Decreto Lei n.º 287/2003, de 12.11, enquanto não se procedesse à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz seriam avaliados, nos termos do Código do IMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor. Nos termos do artigo 27.º nº 1, alínea a) do Decreto Lei n.º 287/2003, “1 - O IMT relativo aos prédios cujo valor patrimonial tributário tenha sido determinado nos termos do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, e enquanto não for efectuada a avaliação geral da propriedade imobiliária, nos termos previstos no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), é liquidado, sem prejuízo das regras especiais previstas no CIMT, nos termos seguintes: a) O imposto relativo aos prédios urbanos é provisoriamente liquidado pelo valor constante do acto ou do contrato ou pelo valor patrimonial tributário inscrito na matriz à data da liquidação, consoante o que for maior, sendo a liquidação corrigida oficiosamente, sendo caso disso, logo que se torne definitivo o valor da avaliação a levar a efeito nos termos previstos no n.º 1 do artigo 15.º do presente diploma, relativamente a todas as primeiras transmissões que ocorrerem após a entrada em vigor do CIMT” Ademais, o artigo 30.º nº 1 e nº 2 do CMIT, na redacção do referido Decreto-Lei n.º 287/2003 que o aprovou, passou a dispor que “1. Antes da celebração do acto ou contrato, os sujeitos passivos podem requerer, ao abrigo do CIMI, a avaliação dos imoveis quando fundamentadamente considerem excessivo o valor patrimonial tributário inscrito na matriz que serviu de base à liquidação do IMT, procedendo-se à reforma da liquidação, sendo caso disso, logo que a avaliação se torne definitiva. 2. O resultado da avaliação efectuada nos termos do número anterior, será levada à matriz para todos os efeitos legais.” Retornando ao caso sob apreciação e como resulta da matéria de facto assente, ponto A), a Recorrida apresentou em 31.01.2007 a modelo 1 do IMI no Serviço de Finanças, que veio a ser registada com o nº ...46, relativo ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...51. Nessa sequência, foi efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira a avaliação do prédio ao abrigo das normas do Código do IMI (ficha nº 1888632), tendo resultado no Valor Patrimonial Tributário de €867.700,00 – cfr. pontos B) e C) da matéria de facto assente. Em resultado da avaliação prosseguida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a Recorrida foi notificada da ficha de avaliação – cfr. ponto D) da matéria de facto assente. Ora, apesar do Valor Patrimonial Tributário do imóvel em questão nos presentes autos não se encontrar actualizado à data da emissão da liquidação de IMT, a Recorrida foi notificada da ficha de avaliação do sobredito imóvel em 23.11.2007 - cfr. ponto D) da matéria de facto assente. Assim, tendo a Recorrida sido notificada do novo Valor Patrimonial Tributário em 23.11.2007 e tendo sido outorgada a escritura pública do sobredito imóvel em 25.01.2008 (cfr. ponto E) da matéria de facto assente), não vislumbramos em que medida a Autoridade Tributária e Aduaneira violou o princípio da colaboração, nem se percepciona em que medida é que a Recorrida à data da outorga da escritura desconhecia o novo Valor Patrimonial Tributário, não se afigurando assim a existência de qualquer ilegalidade da liquidação impugnada. Relativamente ao valor atribuído ao imóvel também não podemos concordar com o decidido, isto porque, não obstante, decorrer da escritura pública a venda por parte da Recorrida de 3 imóveis pelo valor global de €1.148.000.00, da própria escritura resulta a indicação parcelar do valor de venda de cada um desses imóveis – cfr. ponto E) da matéria de facto assente. Ora, dentro dos limites da lei e segundo o princípio da liberdade contratual (cfr. artigo 405.° do Código Civil, as partes têm a faculdade de livremente fixar o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos na lei ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver Ora, o artigo 236.º do CC que rege a interpretação da declaração negocial, estabelece no seu nº 1 que “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.”, estatuindo ainda no seu nº 2 que “Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.” Como tal, o significado atribuído pelas partes deve reger-se pelo que dispõe tal preceito legal, prevalecendo o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, teria deduzido do comportamento do declarante, só assim não se verificando se este último, em termos de razoabilidade, não puder contar com a atribuição de tal sentido à sua declaração, ou então, verificada a situação prevista no n.º 2 se o declaratário conhecer o sentido que o declarante pretendeu exprimir através da declaração, caso em que o negócio valerá “de acordo com a vontade comum das partes (…), quer a declaração seja ambígua, quer o seu sentido (objectivo) seja inequivocamente contrário ao sentido que as partes lhe atribuíram.” – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, (in Código Civil Anotado, 4ª edição, vol. I, pág. 224) Tal excepção será de aplicar se se conhecer, a par da declaração negocial em análise, aquela que teria sido a vontade real das partes. In casu, não se vislumbra em que medida poderá ter ocorrido erro na formalidade exigida pelo Notário de fazer a distribuição do preço global do negócio pelos três imóveis alienados, uma vez que a Recorrida poderia ter suprido o erro por meio da rectificação da escritura, o que não logrou fazer. Assim, independentemente do valor global atribuído à venda conjunta dos três imóveis, há que atender, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 58.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, ao valor atribuído individualmente ao imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...51. Nestes termos, concluímos pela procedência do recurso, revogando-se a sentença recorrida e mantendo na ordem jurídica a liquidação de IRC do exercício de 2008. Concedendo-se procedência ao recurso pelas razões supra aduzidas, queda-se prejudicada a questão suscitada pela Recorrente respeitante à inaplicabilidade do artigo 58.º-A n.º 1 e n.º 2 e n.º 3 alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, interpretado e aplicado o princípio da colaboração sem atentar a todos os meios de reacção contra o Valor Patrimonial tributário fixado para o prédio urbano em questão nos presentes autos. *** Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte SUMÀRIO: I. Quando se verifica diferença positiva entre o Valor Patrimonial Tributário definitivo de imóvel e o valor constante de escritura pública, essa diferença tem de resultar numa correcção na declaração de rendimentos do exercício em questão, linha 257 do quadro 07 da declaração modelo 22 do IRC. II. Tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira procedido à notificação do novo Valor Patrimonial Tributário previamente à outorga da escritura pública, não se verifica a violação do princípio da colaboração. III. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 236.º do CC “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele prevalecendo o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, teria deduzido do comportamento do declarante, só assim não se verificando se este último”. *** 3 – Decisão Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial totalmente improcedente. Custas pela Recorrida. Porto, 23 de Maio de 2024 Virgínia Andrade Graça Valga Martins Irene Isabel das Neves |