Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01130/19.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/11/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS;
REQUISITOS FORMAIS DAS FACTURAS;
CORRECÇÕES COM OS DOIS FUNDAMENTOS; DEDUÇÃO DO IVA;
Sumário:I - Perante motivação das correcções subjacentes aos actos de liquidação assente em vários fundamentos de direito, sem que um deles seja impugnado, se esse fundamento, por si só, tem aptidão e é suficiente para fundar a pretensão tributária da AT, é irrelevante apreciar os vícios imputados aos demais fundamentos que sustentam as liquidações.

II - É despiciendo apurar se a AT errou de facto e de direito ao concluir que as facturas não tinham subjacentes operações reais, se essas mesmas facturas não podem dar lugar à dedução do IVA, por falta de requisitos formais.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«X, Lda.», pessoa colectiva n.º ..., com os demais sinais nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do ..., proferida em 09/01/2023, que julgou improcedente a impugnação judicial visando liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios, referentes aos quatro trimestres do ano de 2014, no valor global de €111.335,72.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I. Questão decidenda
i. O presente recurso tem por objeto a sentença do Tribunal a quo que julgou improcedente a impugnação judicial interposta com o propósito de anular as liquidações adicionais de IVA, e respetivos juros compensatórios, do período de 2014, emitidas pela AT;
ii. Com o presente recurso, a Recorrente pretende questionar o raciocínio que o Tribunal a quo fez de que a AT tinha invocado dois motivos autónomos para corrigir o exercício do direito à dedução do IVA aqui em apreço: um de que as operações tituladas pelas faturas são simuladas, outro de que as faturas que titularam tais operações não cumpriram com as formalidades previstas no n.º 5 do artigo 36º do Código do IVA;
iii. Portanto, a questão decidenda aqui em apreço consiste, então, em saber se, de facto, a AT invocou dois motivos autónomos para efetuar as correções ao exercício do direito à dedução do IVA em apreço – a alegada simulação das operações tituladas nas faturas e a preterição das formalidades dessas faturas -, como defende o Tribunal a quo;
II. Direito
iv. A exposição, a descrição e a valoração dos indícios que a AT fez nas pp. 9 a 23 do relatório de inspeção tributária em apreço, conduziram à conclusão de que «foi manifestamente impossível levar a cabo tais serviços de construção», o que não se aceita e sem prescindir;
v. Trata-se de uma exposição e fundamentação «típica» de correções por fatura falsas;
vi. Tais indícios nunca poderiam ser per si aptos a concluir-se pela preterição das formalidades de faturas;
vii. As conclusões do relatório de inspeção tributária em apreço são, portanto, claras e unívocas em qualificar, no entender da AT, as operações como simuladas, com as consequências fiscais daí resultantes, ou seja, desconsiderar os gastos e o IVA deduzido;
viii. A AT vem mencionar en passant o n.º 5 do artigo 36º do Código do IVA, mas daí não se retira um qualquer motivo autónomo e separado do anteriormente mencionado;
ix. A AT, por força do seu entendimento da alegada existência de faturas falsas, também concluiu que o descritivo das faturas não se encontra correto e, portanto, que infringe, alegadamente, o n.º 5 do artigo 36º do Código do IVA;
x. A relação que a AT estabelece entre a simulação das operações e o incumprimento das formalidades das faturas, o que não se aceita, é apenas instrumental e consequencial;
xi. E, portanto, se verificar que a AT não cumpriu com o ónus de prova que lhe competia e que as operações tituladas pelas faturas foram efetivamente realizadas, conforme foi amplamente demonstrado nos presentes autos, em sede de petição inicial e da audiência de julgamento, para onde se remete e se dá aqui por inteiramente reproduzido, então ter-se-à de concluir que as faturas cumprem com todos os requisitos formais do n.º 5 do artigo 36º do Código do IVA;
xii. E, consequentemente, não fica prejudicado o exercício do direito à dedução pela Recorrente, como a Recorrente defendeu na petição inicial da impugnação judicial para onde remete e dá aqui por inteiramente reproduzido;
xiii. Deste modo, podemos concluir que o único motivo alegado pela AT para efetuar as correções em sede de IVA aqui em apreço foi o facto de as operações tituladas pelas faturas aqui em causa serem alegadamente simuladas e, portanto, o Tribunal a quo não pode invocar que a Recorrente não impugnou todos os motivos ou fundamentos subjacentes às liquidações aqui em apreço;
xiv. Por conseguinte, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por conseguinte, a sentença recorrida deve ser revogada, com todas as consequências legais.
Pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por conseguinte, a sentença recorrida deve ser revogada, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o presente recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao entender que a AT invocou dois motivos autónomos para efectuar as correcções ao IVA considerado indevidamente deduzido – a simulação das operações tituladas nas facturas (artigo 19.º, n.º 3 do CIVA) e a preterição das formalidades dessas facturas (artigo 36.º, n.º 5, alínea b) do CIVA).

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, considero provados os seguintes factos:
1. «X, Lda.», NIPC: ..., aqui Impugnante, encontra-se coletada pela atividade principal de “Estudos de mercado e sondagens de opinião” – CAE: 73200, e enquadrada em sede de IVA no ano de 2014, no regime normal com periodicidade trimestral – facto extraído e não contestado dos capítulos II.3.1 e II.3.3 do relatório de inspeção tributária, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 116 a 187 do ficheiro de fls. 742 a 928 do processo eletrónico.
2. Em 28/03/2014, a sociedade «Y, Lda.», contribuinte n.º ..., emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º ...48, no valor de € 60.050,00, acrescida de € 13.811,50 de IVA, com o seguinte descritivo: “Reparação de estragos causados por inundação Remodelação Total da Sala de reuniões” – cfr. fatura junta como Anexo III do projeto de relatório, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 197 do ficheiro de fls. 543 a 740 do processo eletrónico e Doc. n.º ...1 da p.i., de fls. 99 do processo eletrónico.
3. Em 29/05/2014, a sociedade «Z, Lda.», contribuinte n.º ..., emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º....../2, no valor de € 76.066,23, acrescida de € 17.499,95 de IVA, com o seguinte descritivo: “Videos Institucionais” – cfr. fatura junta como Anexo V do projeto de relatório, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 43 do ficheiro de fls. 742 a 928 do processo eletrónico.
4. Em 29/05/2014, a sociedade «W, S.A.», contribuinte n.º ..., emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º ...38, no valor de € 154.060, acrescida de € 35.433,80 de IVA, com o seguinte descritivo: “Consultoria Especializada no Projeto .../Lagacy Construção e Montagem de infraestruturas Metálicas” – cfr. fatura junta como Anexo V do projeto de relatório, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 44 do ficheiro de fls. 742 a 928 do processo eletrónico.
5. Em 30/10/2014, a «H, Lda.»”, contribuinte n.º ..., emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º ...44, no valor de € 36.800,00, acrescida de € 8.464,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Reboco de paredes Reparação de Varandas Obras Feitas Sala 407” – cfr. fatura junta como Anexo III do projeto de relatório, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 177 do ficheiro de fls. 543 a 740 do processo eletrónico e Doc. n.º 25 da p.i., de fls. 83 do processo eletrónico.
6. Em 28/11/2014, a «H, Lda.»”, contribuinte n.º ..., emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º ...45, no valor de € 34.500,00, acrescida de € 7.935,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Levantamento e Reposição de Pavimento Obras Feitas Sala 407” – cfr. fatura junta como Anexo III do projeto de relatório, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 178 do ficheiro de fls. 543 a 740 do processo eletrónico e Doc. n.º 26 da p.i., de fls. 84 do processo eletrónico.
7. Em 30/12/2014, a «H, Lda.»”, contribuinte n.º ..., emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º ...47, no valor de € 33.700,00, acrescida de € 7.751,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Reparação de tectos Paredes Pintura Geral Obras Feitas Sala 507” – cfr. fatura junta como Anexo III do projeto de relatório, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 179 do ficheiro de fls. 543 a 740 do processo eletrónico e Doc. n.º 27 da p.i., de fls. 85 do processo eletrónico.
8. No cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs ................65/66/67, os ..., desencadearam procedimento inspetivo externo à aqui lmpugnante, de âmbito parcial (IVA e IRC) e com incidência sobre, entre outros, o ano de 2014 - cfr. relatório de inspeção tributária, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 116 a 187 do ficheiro de fls. 742 a 928 do processo eletrónico.
9. Em 07/12/2018, na sequência do procedimento inspetivo referido no ponto que antecede, foi elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária, relatório de inspeção tributária, onde foram efetuadas correções, entre outras, de natureza meramente aritmética relativas a IVA considerado como indevidamente deduzido no ano de 2014, no montante total de 90.895,25 - relatório de inspeção tributária, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 116 a 187 do ficheiro de fls. 742 a 928 do processo eletrónico.
10. As correções referidas no ponto que antecede, resultaram da seguinte fundamentação inclusa no relatório de inspeção, que dali se extrai:
“ (…)
De acordo com a informação cadastral constante da base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (…) a atividade principal da «X, Lda.» (de agora em diante designada por «X, Lda.» [1De acordo com o site da empresa e também com as faturas emitidas pelo sujeito passivo, este é conhecido pela sigla ...]) (…)
(…)
III - Descrição dos factos e das correções meramente aritméticas à matéria coletável
(…)
III - 3. Gastos contabilizados com base em faturas falsas
III - 3.1 «H, Lda.», NIPC ...
A contabilidade da «X, Lda.» releva três faturas supostamente emitidas em 2014 pelo sujeito passivo «H, Lda.», NIPC ..., no valor global de 105.000,00 EUR ao qual acresce IVA no montante de 24.150,00 EUR, relativos a encargos a titulo de serviços de construção (ANEXO III — folhas numeradas de 6 a 8, de 66), conforme a seguir se esquematiza:
N.º Doc InternoNº FaturaDataValorIVATotalDescritivo da fatura
(…)4430-10-201436.800,008.464,0045.264,00Reboco de paredes - reparação de varandas - obras feitas na sala 407
(…)4728-11-201434.500,007.935,0042.435,00Levantamento e reposição do pavimento - obras feitas na sala 407
(…)4530-12-201433.700,007.751,0041.451,00Reparação de tetos Pintura Geral - obras feitas sala 407
Totais105.000,0024.160,00129.150,00
Refira-se que nas mencionadas faturas foi indevidamente liquidado IVA, não tendo sido respeitada a regra de inversão do sujeito passivo, prevista da al. j), n.º 1 do art.º 2.º do Código do IVA, uma vez que, segundo o descritivo das referidas faturas, o mesmo evidencia a reparação de varandas, levantamento e reposição de pavimento e reparação de tetos e paredes, nas salas 407 e 507, sitas também nas instalações da «X, Lda.».
Acresce que, a análise efetuada pelos serviços de inspeção da unidade orgânica do ... permitiu concluir que as faturas emitidas por este fornecedor não titulam operações reais, depois de analisados em conjunto os elementos recolhidos, designadamente:
1. O comportamento fiscal desde a constituição da sociedade:
a. Não procedeu à apresentação da declaração anual de informação contabilística e fiscal e à declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) relativas aos períodos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014;
b. Não procedeu à apresentação de declarações periódicas de IVA a partir do 1° trimestre de 2011. As declarações periódicas de IVA apresentadas referentes aos períodos anteriores a este refletem que não realizou quaisquer transmissões de bens / prestações de serviços nos períodos de 2008, 2009 e 2010; e que não realizou quaisquer operações passivas nos períodos posteriores ao 3° trimestre de 2009.
c. Não procedeu à apresentação de qualquer Modelo 10 referente aos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014;
d. Não apresentou qualquer Declaração Mensal de Remunerações referente aos anos de 2013 e 2014;
e. Não procedeu à comunicação dos elementos das faturas emitidas (sistema e-fatura) referentes aos anos de 2013 e 2014;
f. Não procedeu à comunicação dos documentos de transporte (sistema e-fatura) referentes aos anos de 2013 e 2014;
g. Não procedeu à comunicação dos inventários (sistema e-fatura) respeitante a 31-12-2014 (ou seja, a partir do momento em que surgiu a obrigação legal de proceder a tal comunicação);
h. Nunca possuiu qualquer prédio, nem foi proprietário de qualquer viatura;
i. A cessação oficiosa para efeitos de IVA e de IRC, desde 2014-12-31, nos termos do n.º 2 do art.º 34.º do Código do IVA e do n.º 6 do art.º 8.º do Código do IRC, e subsequente procedimento administrativo de dissolução, que culminou com a decisão de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade «V, Lda.», e o consequente cancelamento da matrícula da mesma.
2. Outros elementos recolhidos através da base de dados da AT:
a. De acordo com a declaração anual de informação contabilística e fiscal, não existiu qualquer sujeito passivo a declarar ter efetuado transmissões de bens / prestações de serviços à «V, Lda.» nos anos de 2008 a 2014;
b. Não existiu qualquer sujeito passivo a comunicar ter emitido faturas em que o adquirente tenha sido a «V, Lda.» nos anos de 2013 e 2014;
c. Não existiu qualquer sujeito passivo a comunicar ter emitido documentos de transporte em que o destinatário ou adquirente tenha sido a «V, Lda.» nos anos de 2013 e 2014;
d. Não existiu qualquer sujeito passivo a declarar ter efetuado pagamentos de rendimentos sujeitos a retenção na fonte de IRC, e deles não dispensados nos anos de 2008 a 2014 à «V, Lda.»;
e. Não existiu qualquer sujeito passivo a declarar ter recebido rendimentos sujeitos IRS pagos pela «V, Lda.» nos anos de 2008 a 2014;
f. Não existiu qualquer sujeito passivo a declarar ter emitido "Faturas-Recibo" à «V, Lda.» nos anos de 2013 e 2014;
g. Não existiu qualquer sujeito passivo comunitário a declarar ter efetuado transmissões intracomunitárias de bens/prestações de serviços localizadas em território nacional à «V, Lda.» nos anos de 2008 a 2014;
h. Não existiu qualquer sujeito passivo a declarar a «V» como cliente ou fornecedor nos pedidos de reembolso de IVA por si efetuados nos anos de 2013 e 2014;
i. Não se verificou a existência de exportações ou importações efetuadas pela «V, Lda.» nos anos de 2013 e 2014;
j. A «V, Lda.» não celebrou qualquer contrato ou ato que fosse suscetível de produzir rendimentos sujeitos a IRS, bem como transmissões onerosas sujeitas a Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e transmissões gratuitas sujeitas a Imposto do Selo, sendo certo que nunca possuiu qualquer imóvel;
k. Ao nível de diversas obrigações acessórias, não se constatou, para os anos de 2013 e 2014, qualquer elemento indiciador do exercício de atividade por parte da «V, Lda.»;
I. Quanto ao sócio-gerente «AA», verificou-se que:
• Auferiu prestações sociais referentes a "Subsídios de desemprego, doença, parentalidade e rendimento social de inserção" junto do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL IP, NIPC ..., nos anos de 2011 a 2017;
• Nos anos de 2009 a 2017, não existiu qualquer entidade a declarar ter-lhe pago rendimentos sujeitos a IRS, não entregou qualquer declaração de rendimentos (Modelo 3) relativo a rendimentos por si obtidos sujeitos a IRS.
3. Sócio - gerente e ou trabalhadores
Verificou-se a impossibilidade de contacto com o gerente ou quaisquer empregados ou colaboradores aquando da deslocação à sede da sociedade, sendo que notificada por via postal, através de ofícios remetidos para o seu domicilio fiscal, bem como para o domicilio fiscal do seu sócio-gerente e para a morada do mesmo constante da Certidão Permanente da «V, Lda.», para que procedesse à apresentação, entre outros elementos, dos livros, registos contabilísticos e respetivos documentos de suporte, que está obrigado a possuir e a conservar, por força do disposto no art.º 123.º do Código do IRC e nos artigos 44.º e 52.º do Código do IVA relativos ao ano de 2014, todos os ofícios foram devolvidos.
4. Entidades fornecedoras de eletricidade e de água
Constatou-se que, com referência aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, a «V, Lda.» "não é titular de qualquer contrato de fornecimento de energia elétrica", e que no local da sua sede, sito na "RUA ... - LOJA ...0, ..., ... ...", "não foi possível identificar qualquer contrato de fornecimento de energia elétrica. A entidade fornecedora de água no concelho ..., informou que, para os períodos atrás mencionados, "não existe nenhum contrato de fornecimento de água" em nome da entidade inspecionada nem para o local da sua sede".
5. Alvará de construção
Conforme dados obtidos junto do IMPIC, "nunca foi detentora de alvará ou de título de registo para o exercício legal da atividade da construção" e que relativamente ao seu sócio-gerente, «AA», "não consta qualquer registo de que tenha sido representante legal de outras empresas de construção devidamente habilitadas para a atividade da construção.".
6. Contabilista Certificado (CC)
Os elementos recolhidos junto de um colaborador do CC, que indiciam a utilização de faturas por si emitidas e que não titulam serviços prestados/bens transmitidos;
7. Clientes da «V, Lda.»
Os elementos recolhidos junto dos clientes da «V, Lda.», designadamente as faturas emitidas e a que a inspeção teve acesso, cujo descritivo evidencia prestação de serviços de construção civil, verificou-se que:
a. Houve lugar à liquidação de IVA à taxa normal em vigor, pese embora os documentos emitidos titulassem serviços abrangidos pela regra de inversão do sujeito passivo a que se refere a al. j) do n.º 1 do art.º 2.º do Código do IVA, pelo que competiria aos respetivos adquirentes a liquidação do imposto
b. Não referem as quantidades e preço unitário dos serviços prestados.
Refira-se ainda que não foi possível obter quaisquer outros documentos que comprovassem a prestação de serviços/fornecimento de materiais, para além das próprias faturas.
No âmbito do presente procedimento de inspeção, foi notificada a «X, Lda.», na pessoa da sua diretora administrativa, para apresentar, relativamente às faturas emitidas pelo fornecedor «V, Lda.» constantes da contabilidade, no período de 2014 os seguintes elementos: (1) identificação e contactos das pessoas com quem negociaram os trabalhos efetuados; (2) Prazo e duração das obras e data da sua realização; (3) quantidade e identificação dos trabalhadores (se possível) envolvidos na concretização dos serviços; (4) Fotocópias dos documentos que serviram de meio de pagamento constante do extrato do fornecedor: «V, Lda.», conforme documento ANEXO (no caso de serem cheques, solicita-se fotocópia dos mesmos (frente e verso).
As informações apresentadas foram as seguintes, (cf. ANEXO III- folhas 1 a 24, de 66):
(1) Identificação e contactos das pessoas com quem negociaram os trabalhos efetuados — Sr. «AA»
(2) Prazo e duração das obras e data da sua realização — de Setembro/2014 a Dezembro/2014
(3) Quantidade e identificação dos trabalhadores (se possível) envolvidos na concretização dos serviços — Não temos conhecimento especifico e/ou técnico.
(4) Fotocópias dos documentos que serviram de meio de pagamento — Em anexo
Relativamente à identificação e contactos de pessoas que negociaram os trabalhos, o nome apresentado coincide com o nome do sócio gerente da «V, Lda.» e com o qual não foi possível obter qualquer contacto, conforme relatado pelos serviços de inspeção da unidade orgânica do ... e acima já referido.
De acordo com as datas apresentadas, a duração das obras terá sido de cerca de quatro meses.
De acordo com os elementos recolhidos pela inspeção da unidade orgânica do ..., designadamente os acima descritos no ponto 2 e que se transcrevem de seguida:
a. De acordo com a declaração anual de informação contabilística e fiscal, não existiu qualquer sujeito passivo a declarar ter efetuado transmissões de bens / prestações de serviços à «V, Lda.» nos anos de 2008 a 2014;
b. Não existiu qualquer sujeito passivo a comunicar ter emitido faturas em que o adquirente tenha sido a «V, Lda.» nos anos de 2013 e 2014;
c. Não existiu qualquer sujeito passivo a comunicar ter emitido documentos de transporte em que o destinatário ou adquirente tenha sido a «V, Lda.» nos anos de 2013 e 2014;
d. Não existiu qualquer sujeito passivo a declarar ter efetuado pagamentos de rendimentos sujeitos a retenção na fonte de IRC, e deles não dispensados nos anos de 2008 a 2014 à «V, Lda.»;
e. Não existiu qualquer sujeito passivo a declarar ter recebido rendimentos sujeitos IRS pagos pela «V, Lda.» nos anos de 2008 a 2014;
f. Não existiu qualquer sujeito passivo a declarar ter emitido "Faturas-Recibo" à «V, Lda.» nos anos de 2013 e 2014;
g. Não existiu qualquer sujeito passivo comunitário a declarar ter efetuado transmissões intracomunitárias de bens/prestações de serviços localizadas em território nacional à «V, Lda.» nos anos de 2008 a 2014;
h. Não existiu qualquer sujeito passivo a declarar a «V, Lda.» como cliente ou fornecedor nos pedidos de reembolso de IVA por si efetuados nos anos de 2013 e 2014;
i. Não se verificou a existência de exportações ou importações efetuadas pela «V, Lda.» nos anos de 2013 e 2014;
j. A «V, Lda.» não celebrou qualquer contrato ou ato que fosse suscetível de produzir rendimentos sujeitos a IRS, bem como transmissões onerosas sujeitas a Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e transmissões gratuitas sujeitas a Imposto do Selo, sendo certo que nunca possuiu qualquer imóvel;
k. Ao nível de diversas obrigações acessórias, não se constatou, para os anos de 2013 e 2014, qualquer elemento indiciador do exercício de atividade por parte da «V, Lda.»;
Em resultado da coleção de factos-índice acima elencados, conclui-se, forçosamente, que foi manifestamente impossível levar a cabo tais serviços de construção nesse período de tempo sem a existência de aquisição de materiais, ou de serviços subcontratados ou de contratação de trabalhadores.
A somar a esta conclusão encontra-se o facto de a «X, Lda.» não quantificar o número de trabalhadores envolvidos ou de os identificar.
Relativamente aos documentos que serviram de pagamentos das referidas faturas terão como suporte cheques emitidos sobre o banco Banco 1... e para os quais a «X, Lda.» apenas apresentou as fotocópias da frente dos cheques.
Neste sentido, foi desencadeado o procedimento para acesso a informação protegida pelo sigilo bancário, nos termos das als. a), b), e d) do n° 1 do art.º 63.º-B da LGT, concretamente:
i) Indícios da prática de crime em matéria tributária;
ii) Indícios de falta de veracidade do declarado;
iii) Impossibilidade de verificação de conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos.
A «X, Lda.», na pessoa da sua sócia e gerente, autorizou a AT a ter livre acesso a acesso às fotocópias, frente e verso, dos cheques emitidos sobre o banco Banco 1....
Decorrente da análise aos diferentes cheques (frente e verso) verificou-se que os mesmos foram emitidos ao portador e foram levantados ao balcão pelos colaboradores da «L» é uma entidade com relações especiais com a «X, Lda.», como estas são entendidas nos termos do art.º 63º do Código do IRC], «BB», NIF ... e «CC», NIF ... e pela colaboradora da ..., «DD», NIF ... (ANEXO III - folhas 39 a 54, de 66).
III - 3.2 «Y, Lda.», NIPC ...
A contabilidade da «X, Lda.» releva uma fatura n.º ...48, supostamente emitida em 28-03-2014 pelo sujeito passivo, «Y, Unipessoal Lda.», NIPC ..., no valor de 60.050,00 EUR ao qual acresce IVA no montante de 13.811,50 EUR, relativa a encargos a título de serviços de construção (reparação de estragos causados por inundação e remodelação total da sala de reuniões) - ANEXO III — folha 26, de 66.)
Refira-se que na mencionada fatura foi indevidamente liquidado IVA, não tendo sido respeitada a regra de inversão do sujeito passivo, prevista da al. j), n.º 1 do art.º 2.º do Código do IVA, uma vez que, segundo o descritivo da referida fatura n.º ...48, o mesmo evidencia a reparação de estragos causados por inundação e remodelação total da sala de reuniões.
1. O comportamento fiscal da sociedade, relativo aos períodos de 2013 a 2016:
a. Procedeu à apresentação da declaração anual de informação contabilística e fiscal, relativas aos períodos de 2013, 2014, 2015 e 2016 sem qualquer valor na Demonstração de Resultados por Naturezas.
b. Procedeu à apresentação da declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) relativa ao período de 2013 fora de prazo originando, desta forma, uma declaração não liquidável uma vez que foi emitida uma declaração oficiosa. A declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) relativa aos períodos de 2013, 2014, 2015 e 2016 foram apresentadas sem qualquer valor.
c. O sujeito passivo encontra-se cessado em sede de IVA desde 30-06-2017 e é não declarante nos seguintes períodos:
1) Entre o 4° trimestre de 2012 e o 1° trimestre de 2015, inclusive.
2) Entre o 1° trimestre de 2016 e o 2° trimestre de 2017, inclusive (período da cessação).
3) Refira-se que da análise às diferentes declarações periódicas de IVA no período que medeia aqueles dois períodos (2° trimestre de 2015 a 4° trimestre de 2015) se conclui que o sujeito passivo não desenvolveu qualquer atividade uma vez que as declarações foram apresentadas a zero.
4) Ou seja, trata-se de um sujeito passivo que desde o último trimestre de 2012 inclusive, ou é não declarante ou não exerceu qualquer atividade.
d. Não procedeu à apresentação de qualquer Modelo 10 referente aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016;
e. Não apresentou qualquer Declaração Mensal de Remunerações referente aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016;
f. Não procedeu à comunicação dos elementos das faturas emitidas (sistema e-fatura) referentes aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016;
g. Não procedeu à comunicação dos documentos de transporte (sistema e-fatura) referentes ao ano de 2014; refira-se que não foram consultados outros períodos.
h. Não procedeu à comunicação dos inventários (sistema e-fatura) respeitante a 31-12-2014 e períodos seguintes (ou seja, a partir do momento em que surgiu a obrigação legal de proceder a tal comunicação);
i. Nunca possuiu qualquer prédio;
j. Possui apenas uma viatura ligeira de passageiros da marca ... (..-..-ZX) até 2014-12-15.
2. Outros elementos recolhidos através da base de dados da AT, relativos aos períodos de 2013 a 2016:
a. De acordo com a declaração anual de informação contabilística e fiscal, não existiu qualquer sujeito passivo a declarar ter efetuado transmissões de bens / prestações de serviços à «Y, Unipessoal Lda.» nos anos de 2013 a 2016;
b. Apenas dois sujeitos passivos comunicaram, ter emitido faturas em que o adquirente tenha sido a «Y, Unipessoal Lda.», no ano de 2014, totalizando apenas o valor de 373,14 EUR;
c. Não existiu qualquer sujeito passivo a comunicar ter emitido documentos de transporte em que o destinatário ou adquirente tenha sido a «Y, Unipessoal Lda.» no ano de 2014;
d. Não existiu qualquer sujeito passivo a declarar ter efetuado pagamentos de rendimentos sujeitos a retenção na fonte de IRC, e deles não dispensados nos anos de 2013 a 2016 à «Y, Unipessoal Lda.»;
e. Não existiu qualquer sujeito passivo a declarar ter recebido rendimentos sujeitos IRS pagos pela «Y, Unipessoal Lda.» nos anos de 2013 a 2016;
f. Não existiu qualquer sujeito passivo a declarar ter emitido "Faturas-Recibo" à «Y, Unipessoal Lda.» nos anos de 2013 a 2016;
g. Não existiu qualquer sujeito passivo comunitário a declarar ter efetuado transmissões intracomunitárias de bens/prestações de serviços localizadas em território nacional à «Y, Unipessoal Lda.» nos anos de 2013 a 2016;
h. Não existiu qualquer sujeito passivo a declarar a «Y, Unipessoal Lda.» como cliente ou fornecedor nos pedidos de reembolso de IVA por si efetuados nos anos de 2013 a 2016;
i. Não se verificou a existência de exportações ou importações efetuadas peia «Y, Unipessoal Lda.» nos anos de 2013 a 2016;
j. A «Y, Unipessoal Lda.» não celebrou qualquer contrato ou ato que fosse suscetível de produzir rendimentos sujeitos a IRS, bem como transmissões onerosas sujeitas a Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e transmissões gratuitas sujeitas a Imposto do Selo, sendo certo que nunca possuiu qualquer imóvel;
k. Ao nível de diversas obrigações acessórias, não se constatou, para os anos de 2014 a 2016, qualquer elemento indiciador do exercício de atividade por parte da «Y, Unipessoal Lda.»;
3. Sócio-gerente e ou trabalhadores
Verificou-se que à data da emissão da fatura, 2014-03-28, era única sócia e gerente «EE», NIF .... Todavia, da consulta à Certidão Permanente verifica-se que esta terá renunciado à gerência em 2012-09-303 [3Contudo a publicação da renúncia apenas ocorreu em 2015-12-04]. Verificou-se também que a partir desta data e até 2015-12-04 não houve a designação de qualquer gerente, data na qual foi designado «FF», NIF ....
No 4 de setembro de 2018 os serviços de inspeção da unidade orgânica de ... ouviram em declarações o sujeito passivo «GG», NIF ..., cônjuge da sócia e gerente, «EE», NIF .... As declarações não foram reduzidas a termo pelo facto de este se recusar a assinar.
O sujeito passivo, «GG», começou por informar que, apesar de não ser sócio e gerente, foi ele quem geriu de facto os destinos da empresa até 30 de setembro de 2012, altura em que decidiu encerrar a empresa, uma vez que a conjuntura económica era desfavorável. Porém, no âmbito da atividade conheceu o sujeito passivo «FF», NIF ... que se mostrou interessado em adquirir a empresa. Assim, em 30 de setembro de 2012 a sócia e gerente, «EE», procedeu à cessão da sua quota, no valor de 5.000,00 EUR, pelo mesmo valor a «FF», transmitindo todo o ativo e passivo, sendo entregue também toda a documentação da contabilidade da empresa, no mesmo ato. Em simultâneo, aquela sócia gerente renuncia à gerência. Apresentou a ata nº ...4 da empresa, que evidencia as informações prestadas (ANEXO IV — folhas numeradas de 1 a 2) e onde é possível verificar que a sede da empresa também seria alterada para a Rua ..., ..., ... ..., ... e ..., ....
Acrescentou que só se apercebeu de que o novo dono da empresa não tinha efetuado as referidas alterações na Conservatória, quando começaram a aparecer coimas na sua residência por falta de entrega das declarações fiscais. Acrescentou que, só no final do ano de 2015, e após várias insistências, é que o «FF» procedeu às alterações na Conservatória.
Confrontado com a fatura n° ...48, supostamente emitida em 2014-03-28, informou que não foi emitida por ele, nem pelo seu cônjuge, nem por qualquer pessoa a seu mando e que desconhece, de todo, quem a possa ter emitido.
Na tentativa de contactar o "possível" gerente de facto, «FF», os serviços de inspeção tributária desta unidade orgânica:
1. Dirigiram-se à sede da empresa, Rua ..., ..., ... ..., ... e ..., ... e verificaram que naquela morada não existia qualquer empresa, uma vez que se tratava de um terreno que não tinha qualquer edificação. Foram ainda esclarecidos por vizinhos de que, naquele local, nunca se encontrou qualquer edificação.
2. Dirigiram-se ao domicilio fiscal de «FF», sito na Rua ..., ... ... onde foram informados de que já não morava naquele local uma vez que tal pessoa estaria a residir no estrangeiro há já algum tempo. Na posse destes dados e na tentativa de confirmação dos mesmos, foi solicitada ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (IMT) informação sobre o estado da carta de condução daquele sujeito passivo. A resposta obtida foi a de que a carta de condução se encontrava arquivada por ter sido trocada por equivalente título de condução belga em 2016-07-14.
3. Contactaram, via telemóvel, os familiares de «FF» sendo que a resposta obtida foi de uma irmã que informou não sabia do paradeiro do irmão e que nem queria saber acrescentando ainda que agradecia que os pais não fossem incomodados uma vez que já têm uma certa idade e já sofreram muito por causa do filho.
4. Acresce ainda que este sujeito passivo foi alvo de um procedimento de inspeção durante ano de 2014 (12-06-2014, data da assinatura da ordem de serviço por «FF» e 22-09-2014, data a assinatura da nota de diligência) pelos serviços da inspeção da unidade orgânica do .... Neste procedimento apurou-se que se tratava de um sujeito passivo emitente de faturação falsa. Com efeito, a inspeção tributária ouviu-o em declarações tendo este referido o seguinte:
Nunca exerci a actividade de sucatas. Dei inicio de actividade de comércio por grosso de sucatas e desperdícios metálicos, em 6 de Setembro de 2011, mas nunca vendi nem comprei sucata; Na altura encontrava-me numa situação económica difícil e através de uma pessoa, da qual não me lembro do nome fui convencido a emitir umas facturas de favor ao Sr...., dono da empresa ; - Assim, requisitei 1 livro de facturas e essa pessoa da qual não me lembro do nome indicava-me todos os valores a colocar nas facturas, as quantidades, as designações, tudo era dito por ele, eu só as preenchia; Pela emissão das facturas recebi pequenas quantias em numerário.
Neste sentido, não foi possível à inspeção tributária obter qualquer informação, em tempo útil, sobre o sujeito passivo «Y, Lda.».
Por tudo quanto foi exposto, conclui-se que a fatura em causa terá sido emitida no período em que houve um hiato na gerência, uma vez que de 2012-09-30 a 2015-12-04, de acordo com a Certidão Permanente, ninguém terá gerido a empresa.
4. Contabilista Certificado (CC)
As declarações fiscais, constantes do sistema informático da AT, evidenciam como CC o sujeito passivo, «HH», NIF .... Do contacto estabelecido com este sujeito passivo obteve-se os seguintes esclarecimentos:
O contribuinte com o NIPC ... — «Y, Lda.». foi-me apresentado pela anterior gerente («EE», titular do NIF ...)
Factos:
No dia 30 de setembro do ano de 2012, pela ata n.º ...4 foi efetuada uma cessão de quotas, como a sociedade é unipessoal a cedência foi de apenas uma quota transmitida da sócia «EE» para o sócio «FF».
Quem ficou incumbido de proceder às alterações da sociedade (registos e as necessárias alterações fiscais) foi a contabilista da altura.
Acontece que as alterações não foram efetuadas e a sócia cessante viu-se confrontada com citações da Autoridade Tributaria — AT e da Segurança Social.
A 06 de agosto de 2015 e a pedido da sócia cessante procedi à cessação da atividade em IVA com efeito a 30/09/2012 data em que renunciou à gerência por cessão da sua quota.
A 14/01/2016 a pedido do contribuinte fiz o reinicio da atividade em IVA.
Procedi à entrega de todas as declarações fiscais em falta desde 2012 até 2015 (Declarações periódicas de IVA, Modelo 22 e IES) sendo que os resultados foram sempre a zeros pelo facto de não me terem sido apresentados quaisquer documentos.
Como o atual sócio nunca se apresentou nas minhas instalações voltei a cessar a atividade em IVA a 25/07/2017 com efeitos a 30/06/2017 evitando assim a constituição de nova divida por falta de entrega das declarações.
Esta decisão de fazer a entrega das referidas declarações a zeros foi da iniciativa da sócia cessante.
Pessoalmente não conheço o atual sócio («FF»), nunca me foram liquidados quaisquer honorários pela prestação dos serviços, não obstante ter efetuado varias diligências para contactar o referido sócio.
É esta a atual situação deste contribuinte.
Refira-se ainda que não foi possível obter quaisquer outros documentos que comprovassem a prestação de serviços/fornecimento de materiais, para além da própria fatura.
Foi notificada a «X, Lda.», na pessoa da sua diretora administrativa, para apresentar, relativamente ás faturas emitidas pelo fornecedor «Y, Lda.». constante da contabilidade, no período de 2014 os seguintes elementos: (1) identificação e contactos das pessoas com quem negociaram os trabalhos efetuados; (2) Prazo e duração das obras e data da sua realização; (3) quantidade e identificação dos trabalhadores (se possível) envolvidos na concretização dos serviços; (4) Fotocópias dos documentos que serviram de meio de pagamento constante do extrato do fornecedor: «Y, Lda.», conforme documento ANEXO (no caso de serem cheques, solicita-se fotocópia dos mesmos (frente e verso).
As informações apresentadas foram as seguintes, (cf. ANEXO III - folhas 25 a 38, de 66):
(1) Identificação e contactos das pessoas com quem negociaram os trabalhos efetuados — Sr. «FF»
(2) Prazo e duração das obras e data da sua realização — 05/02/2014 a 28/03/2014
(3) Quantidade e identificação dos trabalhadores (se possível) envolvidos na concretização dos serviços — Não temos conhecimento especifico e/ou técnico.
(4) Fotocópias dos documentos que serviram de meio de pagamento — Em anexo
Relativamente à identificação e contactos de pessoas que negociaram os trabalhos, o nome apresentado coincide com o nome do "possível" sócio e gerente de facto da «Y, Lda.» e com o qual não foi possível obter qualquer contacto, conforme acima já referido.
As datas apresentadas, para a duração das obras, implica que esta terá sido de cerca de dois meses.
Ora, em resultado da coleção de factos-índice acima elencados, e que se transcrevem de seguida:
a. Procedeu à apresentação da declaração anual de informação contabilística e fiscal, relativas aos períodos de 2013, 2014, 2015 e 2016 sem qualquer valor na Demonstração de Resultados por Naturezas.
b. Procedeu à apresentação da declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) relativa ao período de 2013 fora de prazo originando, desta forma, uma declaração não liquidável uma vez que foi emitida uma declaração oficiosa. A declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) relativa aos períodos de 2013, 2014, 2015 e 2016 foram apresentadas sem qualquer valor.
c. O sujeito passivo encontra-se cessado em sede de IVA desde 30-06-2017 e é não declarante nos seguintes períodos:
1) Entre o 4° trimestre de 2012 e o 1° trimestre de 2015, inclusive.
2) Entre o 1° trimestre de 2016 e o 2° trimestre de 2017, inclusive (período da cessação).
3) Refira-se que da análise às diferentes declarações periódicas de IVA no período que medeia aqueles dois períodos (2° trimestre de 2015 a 4° trimestre de 2015) se conclui que o sujeito passivo não desenvolveu qualquer atividade uma vez que as declarações foram apresentadas a zero.
4) Ou seja, trata-se de um sujeito passivo que desde o último trimestre de 2012 inclusive, ou é não declarante ou não exerceu qualquer atividade.
d. Não procedeu à apresentação de qualquer Modelo 10 referente aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016;
e. Não apresentou qualquer Declaração Mensal de Remunerações referente aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016;
f. Não procedeu à comunicação dos elementos das faturas emitidas (sistema e-fatura) referentes aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016;
g. Não procedeu à comunicação dos documentos de transporte (sistema e-fatura) referentes ao ano de 2014; refira-se que não foram consultados outros períodos.
h. Não procedeu à comunicação dos inventários (sistema e-fatura) respeitante a 31-12-2014 e períodos seguintes (ou seja, a partir do momento em que surgiu a obrigação legal de proceder a tal comunicação);
i. Nunca possuiu qualquer prédio;
j. Possui apenas uma viatura ligeira de passageiros da marca ... (..-..-ZX) até 2014-12-15.
Acrescidos das informações recolhidas:
k. Do cônjuge da ex-sócia,
I. Do CC, que procedeu ao envio de todas as declarações fiscais relativas ao período de 2014, e efetuou a cessão de atividade cessação da atividade em IVA com efeito a 2012-09-30, data em que a ex-sócia renunciou à gerência por cessão da sua quota.
m. Do comportamento fiscal, do atual sócio gerente, «FF», ser de um sujeito passivo emitente de faturas falsas.
Conclui-se, forçosamente, que foi manifestamente impossível levar a cabo tais serviços de construção no período de dois meses sem a existência de aquisição de materiais, ou de serviços subcontratados ou de contratação de trabalhadores.
A somar a esta conclusão encontra-se o facto de a «X, Lda.» não quantificar o número de trabalhadores envolvidos ou de os identificar.
Relativamente aos documentos que serviram de pagamentos das referidas faturas terão como suporte 13 cheques emitidos sobre o banco Banco 1... e para os quais a «X, Lda.» apenas apresentou as fotocópias da frente de 12 cheques.
Neste sentido, foi desencadeado o procedimento para acesso a informação protegida pelo do sigilo bancário, nos termos das als. a), b), e d) do n° 1 do art.º 63.º-B da LGT, concretamente:
i) Indícios da prática de crime em matéria tributária;
ii) Indícios de falta de veracidade do declarado;
iii) Impossibilidade de verificação de conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos.
A «X, Lda.», na pessoa da sua sócia e gerente, autorizou a AT a ter livre acesso a acesso às fotocópias, frente e verso, dos cheques emitidos sobre o banco Banco 1....
Decorrente da análise aos diferentes cheques (frente e verso) verificou-se que os mesmos foram emitidos ao portador e foram levantados ao balcão pelo colaborador da «L» é uma entidade com relações especiais com a «X, Lda.», como estas são entendidas nos termos do art.º 63.º do Código do IRC.], «BB», e pela gerente, «II» (ANEXO III - folhas 55 a 66, de 66).
De acordo com informações prestadas pela gerente da empresa, terão sido os próprios prestadores dos serviços a exigir o pagamento em numerário.
Parece conveniente referir que o recurso a esta metodologia de pagamento (também utilizada no pagamento das faturas supostamente emitidas pelo sujeito passivo, «H, Lda.», cf. ponto III- 3.1) é típica no caso de emissão e utilização de faturas falsas. Num primeiro momento, é emitido um documento (cheque) que, aparentemente, permite o controlo interno e externo da operação subjacente. No entanto, uma análise mais fina, possibilitada pelo recurso à informação protegida pelo segredo bancário, permite concluir que o tal cheque emitido serviu para fazer levantamentos ao balcão. Estes levantamentos são concretizados por alguém (e.g. sócio, gerente, colaborador, familiar) relacionado ao utilizador da fatura.
De tudo o que foi dito pode-se gizar duas conclusões:
a) A partir da concretização do levantamento bancário, torna-se impossível continuar a tarefa de follow the money, principal objetivo de quem utiliza a fatura falsa, dificultando assim a atividade da inspeção.
b) É no entanto possível, não raras vezes, estabelecer um link precioso, na perspetiva da inspeção tributária, entre quem levanta (e.g. sócio, gerente, colaborador, familiar) e quem utiliza (sujeito passivo).
III - 3.3. Consultorias e prestações de serviços diversos
A contabilidade da «X, Lda.» reflete documentos contabilizados na conta "Trabalhos especializados", a título de Gastos (ANEXO V - folhas numeradas de 1 a 2), conforme se evidencia no quadro seguinte:
Doc InternoDataDiárioNº Doc6226-
Conservação e repação
...31
- IVA
dedutível OBS
FornecedorDescrição na fatura
DébitoDébito
(…)29-05-2014Compras276.086,7317.499,95«Z, Lda.»Videos institucionais
(…)25-06-2014Compras238154.060,0036.433,80METALOCARConsultoria Especealizada no Projeto .../Lagacy
Totais230.146,7352.933,75
Refira-se que ambos os fornecedores são clientes das empresas do universo da gerente «II».
Como demos devida nota no ponto II.3.3. deste relatório, a carteira de clientes da «X, Lda.» é constituída, na sua grande maioria, por empresas que recorreram a incentivos financeiros no âmbito de diversos programas comunitários.
Como é consabido, as candidaturas a fundos comunitários aportam às finanças públicas um risco acrescido no que concerne a ocorrência de situações suscetíveis de contrariar o ordenamento jurídico em vigor. Isso tem reflexos concretos quer ao nível da despesa pública (errada atribuição de incentivos públicos) quer ao nível da receita fiscal (incorreta determinação dos tributos).
As conclusões ora expostas decorrentes dos procedimentos de inspeção tributária, terão que ser forçosamente conjugadas com outras conclusões produzidas em outros procedimentos encetados por esta unidade orgânica. Com especial relevo para aquilo que se acaba de referir, atente-se nos documentos acima evidenciados cujo descritivo é "vídeos institucionais" e "consultoria especializada no Projeto de .../Lagacy", que permitem concluir que as faturas serão a forma de compensar fiscalmente a sobrefaturação aos clientes.
É também consabido que os promotores de projetos de investimento financiados pelos fundos comunitários recorrem, amiúde, à utilização de faturas sobrevalorizadas com objetivo de incrementar as taxas dos incentivos. Isto coloca aos emitentes dessas faturas (no caso «X, Lda.») um dilema que têm de resolver: a sobrefaturação tem de ser compensada de alguma forma.
No caso em apreço, é convicção da inspeção tributária (convicção essa corroborada por terceiros como se verá adiante) de que a referida sobrefaturação foi anulada por intermédio de improváveis e inusitados gastos debitados pelos promotores dos projetos de investimento beneficiários dos fundos comunitários.
Relativamente ao cliente/fornecedor «Z, Lda.» NIF ..., e às faturas emitidas às empresas do universo da gerente «II»: conforme já foi demonstrado no âmbito do procedimento de inspeção a este sujeito passivo, ao abrigo das ordens de serviço n.º ...50, ...46 e ...47, respetivamente para os períodos de 2014, 2015 e 2016, a gerência de facto da «L» foi também responsável pela gerência da «Z, Lda.». E muito provavelmente terá sido responsável pela relevação contabilística das mencionadas faturas na contabilidade. Refira-se ainda que, e conforme evidenciado no relatório referente ao referido procedimento de inspeção, os diferentes gerentes desta empresa em 2014 não sabem a que respeitam essas mesmas faturas.5 [5Os termos de declarações e as provas daquilo que ora se assevera, estão arquivados nos processos relativos às ações de inspeção dirigidas à «Z, Lda.»]
Relativamente ao cliente/fornecedor «W, S.A.», NIF ..., sublinhe-se a existência de faturas emitidas à «L» respeitantes a serviços relativos a projetos de especialidade de segurança rodoviária, projeto de especialidade metalomecânica, etc. Em resultado dos procedimentos de inspeção àquele cliente, e das declarações reduzidas a termo proferidas pelo seu presidente do conselho de administração, não foi possível detetar qualquer adesão à realidade dos serviços faturados, motivo pelo qual se desconsideram os gastos e o respetivo IVA.6 [6OS termos de declarações e as provas daquilo que ora se assevera, estão arquivados nos processos relativos às ações de inspeção dirigidas à «W, S.A.»]
Neste sentido, também as faturas emitidas à «X, Lda.» por estes dois fornecedores logram igual tratamento às faturas emitidas por aqueles fornecedores com destino à «L».
Neste sentido, de acordo com a análise aos documentos relacionados no quadro atrás referido, concluiu- se que são gastos incorridos ou suportados que não foram para obtenção ou garantir os rendimentos do sujeito passivo. Ou seja, destinaram-se tão-somente a compensar fiscalmente a sobrefaturação aos clientes.
III - 3.4. Fundamentação Legal
III - 3.4.1. Em sede de IVA
Nos termos do n.º 1 do art.º 19.º do Código do IVA, o apuramento do imposto é realizado utilizando o método do crédito do imposto (método subtrativo indireto) subtraindo ao IVA liquidado nas vendas e/ou prestações de serviços o IVA deduzido nas aquisições de bens e/ou serviços. A al. a) do n.º 2 da mesma norma refere que o imposto suportado só confere direito à dedução se mencionado em fatura passada na forma legal em nome e na posse do sujeito passivo.
E, considera-se que as faturas estão processadas de forma legal quando contenham os elementos constantes no art.º 36.º ou no art.º 40.º do Código do IVA.
Como refere Nuno Sá Gomes relativamente ao conceito de fatura,
…, para efeitos fiscais, parece de aceitar a noção que, de resto, está suposta no artigo 476.º do Código Comercial, segundo a qual a fatura é um documento escrito que incorpora uma declaração expressa onde se discriminam as coisas e serviços e respetivos preços relativos às operações económicas que ocorreram entre duas unidades económicas. E as faturas relativas ao IVA devem revestir os requisitos exigidos nos arts. 28.° e 35.º [atualmente artigos 29.° e 36.º] do CIVA.
Evidencia também, no que às faturas falsas diz respeito que,
Efetivamente, desde que a fatura diga respeito a uma operação económica, total ou parcialmente inexistente, ela é falsa, constituindo, portanto, um documento falso. E esta falsidade da fatura pode ser uma falsidade material ou gráfica (Ferrara), traduzindo-se então numa alteração total ou parcial de fatura existente, isto é, na viciação das respetivas datas, texto ou assinaturas, ou numa falsidade intelectual, isto é, afetando o conteúdo substancial do documento, declarando factos ou operações que não se deram. E a falsificação pode ser ainda, simultaneamente, falsificação material e intelectual. De qualquer modo, .... quer a falsificação material afetando a genuinidade ou autenticidade da fatura, quer a falsificação intelectual ou ideológica (falsidade) afetando a verdade no conteúdo da fatura, têm ambas, relevância penal. Evasão Fiscal, Infração Fiscal e Processo Penal Fiscal, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal N.º 177, 1997.
A titulo de exemplo, uma fatura onde conste como fornecedor dos bens e/ou serviços pessoa diferente da que efetivamente os terá fornecido, não cumpre os requisitos legais conforme a al. a) do n.º 5 do art.º 36.º do Código do IVA. Assim como, mesmo que o fornecedor que conste das faturas seja aquele que realmente forneceu os bens ou prestou os serviços, se os bens e/ou serviços que constam na descrição ou se o seu preço não corresponde à realidade, também nestes casos a fatura não cumpre os requisitos legais conforme as al.s b) e c) do n.º 5 do mesmo art.º 36.º.
Como se tal não bastasse, inviabilizando a dedução do IVA constante em faturas falsas o legislador previu no n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA que "Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura", ou seja, o imposto contido numa fatura falsa.
Verificando-se que um sujeito passivo utilizou faturas falsas como forma de documentar gastos que não demostrou corresponderem à realidade, deduzindo o IVA nelas contido, compete à AT carrear para o processo indícios seguros de que tais faturas são falsas.
Dispõe o n.º 1 do art.º 75.º da LGT que "presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízos dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos."
Todavia, a al. a) do nº 2 do mesmo preceito refere que esta presunção não se mostra devida se se verificarem erros, inexatidões ou outros indícios fundados de que a contabilidade não reflete a matéria tributável efetiva.
Ou seja, a presunção cessa quando, estando, embora a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexatidões, ou haja indícios fundados de que, apesar da sua correta organização, não reflete a matéria tributável efetiva.
Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), Processo: 01026/02, de 2003-05-077 [7No mesmo sentido deste Acórdão do STA, estão também: o Acórdão do STA relativo ao processo 0189/04, de 2004-10-27 e os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), relativos aos processos 00389/04. de 2005-03-17 e 00123/04, de 2006-02-23.] onde o relator evidencia, de uma forma muito clara, que basta a existência de indícios fundados:
Cabe nesta previsão, claramente, o caso de a contabilidade, impecavelmente organizada, se avaliada do ponto de visto técnico-contabilístico, no entanto omitir operações efectuadas; e cabe o caso inverso - o de incluir operações não efectuadas. Este último é aquele que correntemente se vem chamando de "facturas falsas", isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar. E, aqui, a lei não exige senão "indícios fundados", ou seja, não impõe à Administração a "prova provada" de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles "fundados indícios,
Nas palavras de Alberto Xavier,
Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indireta, a "factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxilio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indicio e o tema de prova. Conceito e Natureza do Ato Tributário, pág. 154.
Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que "permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência" Citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2º edição, pág. 311.
Ainda a este respeito, salienta o Acórdão do TCAN, Processo: 00092/07.1BEPNF, de 2014-11-27,
1. Desde que organizada de acordo com as exigências legais, as declarações dos contribuintes e os dados e apuramentos inscritos na contabilidade gozam da presunção de veracidade.
2. Esta presunção cessa quando, entre outras situações, existam indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
3. Estando em causa indícios de faturação falsa, a AT não tem que provar a falsidade das faturas; basta-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as faturas são «falsas» para cumprir o seu encargo probatório.
4. Feita esta prova indiciária, a lei faz cessar a presunção de boa-fé creditada às declarações e contabilidade do contribuinte e devolve-lhe o encargo de provar a materialidade das operações subjacentes à faturação indiciada.
5. Onerado com o ónus da prova da veracidade das operações materiais subjacentes à «faturação indiciada», os esforços que o contribuinte deve mobilizar para abalar os indícios de falsidade recolhidos não podem deixar de ser exigentes e sem margem para dúvidas. No mínimo, a prova que se exige do contribuinte deve ser tão rigorosa como a que se reclama à AT para fundamentar os indícios de falsidade.
6. Não basta ao contribuinte gerar a mera dúvida sobre a falsidade das faturas para conseguir ganho de causa. Estando onerado com a prova da materialidade das operações, se persistir a dúvida, esta resolve-se contra o beneficiário.
7. No arsenal probatório ao dispor do contribuinte todos os meios de prova são admissíveis, incluindo a prova testemunhal (art. 115°/1 do CPPT). Mas se fundar a sua prova «apenas» na prova testemunhal para demonstrar a materialidade das operações faturadas terá, reconhecida e compreensivelmente, dificuldades em fazê-lo.
Reitere-se o já referido que, nos termos da al. a) do n.º 2 e n.º 6 do art. 19.º do Código do IVA, o direito à dedução do IVA está condicionado ao cumprimento dos requisitos legais previstos no art.º 36.º do mesmo diploma, cujo n.º 5 elenca os elementos que as faturas devem conter.
A este respeito, refira-se que, de suma importância, a descrição que consta na fatura deve respeitar a especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, prevista na al. b) n.º 5 do art.º 36.º do Código do IVA.
Sobre este assunto, veja-se o sumário do Acórdão do TCAN, Processo: 00236/04, de 2014-11-18, salientando:
1. De acordo com o disposto no artigo 19.º, n.º 2 do CIVA, só confere direito a dedução o IVA mencionado em factura ou documento equivalente passado em forma legal.
2. Um dos requisitos das facturas exigido pelo artigo 35.º, n.° 5, al. b) do CIVA é a menção da quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável.
3. Esta exigência destina-se a permitir o controlo eficaz e efectivo por parte da Administração Fiscal do regime do IVA, de modo a evitar a fuga e evasão fiscais, pelo que se deve entender que nesta está contida a obrigação de especificar concretamente o serviço prestado, bem como a sua referência ao local onde é prestado, a sua duração e demais elementos conexos (sublinhado nosso)
O Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), proferido no processo 04170/10, de 2010-10- 26, vai mais longe na sua análise, considerando que,
Decorrendo da lei que apenas dão direito à dedução do Imposto sobre o Valor Acrescentado, as facturas ou documentos equivalentes passados na forma legal, e visto que a exigência de tais documentos assim apercebidos tem também a finalidade de apetrechar a entidade pública (AF) do controlo da situação tributária, e não somente a de obter prova segura dos factos a controlar, os mesmos são formalidades substanciais, que não meramente probatórias, e, como tal, insubstituíveis por qualquer outro género de prova, designadamente a testemunhal.
Como refere o Acórdão do TCAN, Processo: 00312/07.2BEPNF, de 2017-06-29 é pacifico que, a factura não se destina, só, ao uso do comprador, mas constitui um elemento essencial, também, para o fisco, pois é o documento demonstrativo das operações sobre que incide o imposto. Assim, fácil é entender que a factura válida para efeito de IVA terá de identificar do modo mais completo possível o comprador e vendedor, as mercadorias, o preço, e a data da transacção. Trata-se de elementos todos eles relevantes para permitir identificar a operação de modo bastante para que possam extrair-se as devidas consequências quanto ao imposto (sua incidência, sujeitos, taxa, cobrança, reembolsos, etc.). A falta de algum destes elementos pode pôr em risco o mecanismo concebido com o objectivo de arrecadar o imposto.
Como conclui o Acórdão do STA, Processo: 01141/16, de 2017-10-04,
No âmbito do contrato de prestação de serviços as partes usarão do rigor que lhes aprouver, no que à medição dos serviços prestados diz respeito, mas para obterem a dedução do imposto sobre o valor acrescentado facturado as facturas hão-de permitir reconstituir que serviço foi prestado e qual o seu custo, impedindo haja duplicação de facturação, com a criação de um imposto sobre o valor acrescentado que não foi pago mas se pretende ver deduzido.
(…)
III.3.5 Conclusão
A «X, Lda.» contabilizou faturas de aquisição de serviços emitidas por diversas entidades, conforme se evidencia nos pontos III - 3.1, III - 3.2. e III - 3.3.
De acordo com a análise aos documentos relacionados nos referidos pontos, concluiu-se que são gastos incorridos ou suportados que não tiveram como fito obter ou garantir os rendimentos do sujeito passivo. Ou seja, destinaram-se, a compensar fiscalmente a sobrefaturação aos clientes e bem assim, colmatar a inexistência de documentos de suporte de factos com relevo patrimonial e fiscal, motivado quer seja pela desorganização administrativa e contabilística quer seja pela consecução de um qualquer outro objetivo.
De acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA "não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura."
(…)
Acresce ainda que, o IVA contido nas faturas não seria dedutível (cf. al. a) do n.º 2 e n.º 6 do art.º 19.º do Código do IVA) (…) uma vez que as faturas não cumprem os requisitos exigidos no n.º 5 do art.º 36.º do Código do IVA, pelos seguintes motivos:
• A descrição que consta nas faturas não respeita a especificação prevista na al. b) n.º 5 do art.º 36.º do Código do IVA, inviabilizando o claro conhecimento dos serviços em causa, por forma a concluir que foram estes e não outros os serviços efetivamente prestados à «X, Lda.» e que foram estes e não outros os que o sujeito passivo necessitou para prestar os serviços aos seus clientes.
Vejamos:
• No caso concreto do fornecedor «H, Lda.»,
o Trata-se de um sujeito passivo que não cumpria com as suas obrigações fiscais, não tendo sido possível qualquer contacto com o seu sócio gerente, «AA»;
o A inexistência de evidências de exercício de qualquer atividade (contratos de eletricidade e de água, nunca foi detentora de alvará ou de titulo de registo para o exercício legal da atividade da construção, não consta qualquer registo de que tenha sido representante legal de outras empresas de construção devidamente habilitadas para a atividade da construção);
o Os elementos recolhidos junto de um colaborador do CC, que indiciam a utilização de faturas por si emitidas e que não titulam serviços prestados/bens transmitidos;
o Os elementos recolhidos junto dos "clientes" da «V, Lda.», designadamente faturas emitidas e a que a inspeção teve acesso, não referem as quantidades e preço unitário dos serviços prestados e cujo descritivo evidencia prestação de serviços de construção civil, onde se verificou liquidação de IVA à taxa normal em vigor, pese embora os documentos emitidos titulassem serviços abrangidos pela regra de inversão do sujeito passivo a que se refere a ai. j) do n.° 1 do art.° 2.° do Código do IVA, pelo que competiria aos respetivos adquirentes a liquidação do imposto; o Impossibilidade de obter quaisquer outros documentos que comprovassem a prestação de serviços/fornecimento de materiais, para além das próprias faturas;
o Os elementos recolhidos na «X, Lda.», designadamente os documentos relativos ao pagamento das referidas faturas, que terão como suporte cheques, emitidos ao portador e que foram levantados ao balcão pelo pelos colaboradores da «L», «BB», NIF ... e «CC», NIF ... e pela colaboradora da ... «L» e a «J» são entidades com relações especiais com a «X, Lda.», como estas são entendidas nos termos do art.º 63.º do Código do IRC], «DD», NIF .... De acordo com informações prestadas pela gerente da empresa terá sido o próprio prestador dos serviços que exigia que o pagamento fosse em numerário. É consabido que a utilização de este tipo de pagamento é típica no caso de faturação falsa.
• No caso concreto do fornecedor «Y, Lda.»
o Trata-se de um sujeito passivo que desde o último trimestre de 2012 inclusive, ou é não declarante ou não exerceu qualquer atividade;
o À data da emissão da fatura, 2014-03-28, era única sócia e gerente «EE», NIF .... Todavia, da consulta à Certidão Permanente verifica-se que esta terá renunciado à gerência em 2012-09-309 [9Contudo a publicação da renúncia apenas ocorreu em 2015-12-04]. Verificou-se também que a partir desta data e até 2015-12-04 não houve a designação de qualquer gerente, data na qual foi designado «FF», NIF ....
o Não foi possível qualquer contacto com o seu suposto sócio gerente, «FF», NIF ..., sendo contudo, verificado que se trata de um sujeito passivo emitente de faturação falsa;
o A inexistência de evidências de exercício de qualquer atividade, cf. ponto 2. Outros elementos recolhidos ... relativos aos períodos de 2013 a 2016;
o As informações recolhidas do CC, que corroboraram as declarações obtidas junto do cônjuge da ex-sócia e gerente, «EE», NIF ..., no sentido de que desde 2012 não exerceu qualquer atividade uma vez que efetuou a cessão da sua quota.
o Impossibilidade de obter quaisquer outros documentos que comprovassem a prestação de serviços/fornecimento de materiais, para além da própria fatura;
o Os elementos recolhidos na «X, Lda.», designadamente os documentos relativos ao pagamento das referidas faturas, que terão como suporte cheques, emitidos ao portador e que foram levantados ao balcão pelo colaborador da «L», «BB», e pela gerente, «II». De acordo com informações prestadas pela gerente da empresa terá sido o próprio prestador dos serviços que exigia que o pagamento fosse em numerário. É consabido que a utilização de este tipo de pagamento é típica no caso de faturação falsa.
• No caso concreto dos prestadores de serviços constantes do ponto III - 3.3.
o Relativamente ao cliente/fornecedor «Z, Lda.», e às faturas emitidas às empresas do universo da gerente «II»: conforme já foi demonstrado no âmbito do procedimento de inspeção a este sujeito passivo, a gerência da «L» foi também responsável pela gerência de facto da «Z, Lda.» E muito provavelmente terá sido responsável pela relevação contabilística das mencionadas faturas na contabilidade. Refira-se ainda que, e conforme evidenciado no relatório referente ao referido procedimento de inspeção, os diferentes gerentes desta empresa em 2014 não sabem a que respeitam essas mesmas faturas.
o Relativamente ao cliente/fornecedor «W, S.A.», sublinhe-se a existência de faturas emitidas à «L» respeitantes a serviços relativos a projetos de especialidade de segurança rodoviária, projeto de especialidade metalomecânica, etc. Em resultado dos procedimentos de inspeção àquele cliente, e das declarações reduzidas a termo proferidas pelo seu presidente do conselho de administração, não foi possível detetar qualquer adesão à realidade dos serviços faturados, motivo pelo qual se desconsideram os gastos e o respetivo IVA.
o Neste sentido, também as faturas emitidas à «X, Lda.» por estes dois fornecedores logram igual tratamento às faturas emitidas por aqueles fornecedores com destino à «L».
(…)
A par da desconsideração do valor na rubrica de gastos, e conforme referido, verifica-se que o sujeito passivo deduziu IVA, no 1° trimestre de 2014, o valor de 13.811,50 EUR, no 2° trimestre de 2014, o valor de 52.933,75 EUR e no 4° trimestre de 2014, o valor de 24.150,00 EUR que, nos termos do n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA, não pode ser deduzido, uma vez que o imposto resulta de operações constantes de faturas falsas.
(…)
NOTA: No presente relatório final, optou-se por não remeter fotocópias dos documentos constantes dos ANEXOS, uma vez que os mesmos foram anteriormente dados a conhecer ao sujeito passivo, na fase do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária.
Junta-se apenas o ANEXO IX (folhas numeradas de 1 a 3) com as Notas de Fixação do Lucro Tributável, relativas aos períodos de 2014, 2015 e 2016. (…)»
- cfr. relatório de inspeção tributária, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 116 a 187 do ficheiro de fls. 742 a 928 do processo eletrónico.
11. Em resultado das correções efetuadas pelos ..., entre outras, referidas em 9) e descritas em 10), foram emitidas as liquidações adicionais de IVA n.ºs ...63, ...71, ...80, ...86 e ...92, referentes aos períodos de 201403T, 201406T, 201409T e 201412T, no valor a pagar de € 10.497,78, € 55.994,64, € 4.690,29 e € 24.150,00, respetivamente, aqui impugnadas - cfr. cópia das demonstrações das liquidações juntas como Docs. ... a ...8 da p.i., de fls. 57 a 78 do processo eletrónico.
12. Na sequência das mesmas correções, foram emitidas as liquidações de juros compensatórios n.ºs ...02, ...03, ...04, ...05 e ...12, relativas aos períodos de 201403T, 201406T, 201409T e 201412T, nos montantes a pagar de € 1.916,63, € 9.646,41, € 761,24 e € 3.678,73, respetivamente, aqui impugnadas - cfr. cópia das demonstrações das liquidações juntas como Docs. ... a ...8 da p.i., de fls. 57 a 78 do processo eletrónico.
**
Inexistem quaisquer outros factos relevantes para a decisão a proferir que importe dar como não provados.
**
Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como assente relevante para a decisão da causa, resultou da análise conjugada da prova documental constante dos autos e do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, que não foram impugnados, baseando-se essencialmente numa livre apreciação pelo tribunal, conforme discriminado nos vários pontos do acervo factual.
De referenciar, no que concerne ao facto assente em 10), que constitui o relatório de inspeção tributária aí coligido, um documento autêntico (cf. artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil), na medida em que é exarado por funcionário da Administração Tributária e Aduaneira, no âmbito e exercício das respetivas funções, o qual tem força probatória plena relativamente aos factos afirmados como sendo praticados pela Administração Tributária e Aduaneira ou com base na perceção dos seus órgãos e que apenas pode ser ilidida nos termos da lei, sendo que os juízos conclusivos aí considerados só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do tribunal, segundo a sua prudente convicção, atenta a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova (cfr. artigo 76.º, n.º 1 da LGT e artigos 363º e ss. do Código Civil e 607.º, n.º 5 do Código do Processo Civil).
Quanto aos documentos a que se alude nos pontos 2) a 7) do acervo factual, tratam-se de documentos particulares cuja força probatória se circunscreve às declarações de ciência ou de vontade que deles constam como feitas pelo seu subscritor, não fazendo prova plena dos factos nele narrados como efetivamente praticados pelo seu autor ou como objeto da sua perceção direta, sujeitos como tal a valoração pelo Tribunal na sua livre apreciação, numa análise crítica e conjugada da demais prova produzida.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados por não terem relevância para a decisão da causa, designadamente os relativos à substancialidade das operações constantes das faturas desconsideradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo que quanto a esta factualidade alegada no articulado inicial, a Impugnante arrolou uma testemunha, «JJ», consultor na área de estratégia, engenharia e financeira no período entre 2008 a 2012 e posteriormente das áreas de recursos humanos e financeira em empresa do “grupo” de empresas a que pertence a Impugnante, cujo depoimento por apenas ter versado sobre tal factualidade não relevou, por ausência de efeito útil, para a matéria de facto relevante para a decisão a proferir.”

2. O Direito

Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial dos actos de liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios, referentes aos períodos de 201403T, 201406T, 201409T e 201412T, que surgiram na sequência das correcções efectuadas no âmbito de procedimento inspectivo externo realizado à actividade da Recorrente, na parte relativa à verificação de que o IVA constante de determinadas facturas contabilizadas se mostrava indevidamente deduzido.
A Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, por ser sua convicção que a AT não invocou (também), como fundamento das questionadas liquidações adicionais, a omissão nas correspondentes facturas dos requisitos formais exigidos para possibilitar o exercício do direito à dedução do imposto respectivo (cfr. artigos 19.º, n.º 6 e 36.º, n.º5 do CIVA).
Partindo da motivação subjacente às correcções em causa e, depois, articulando tudo com o teor da petição de impugnação e dos vícios imputados aos actos de liquidação em crise, a sentença recorrida julgou da seguinte forma:
“(…) Conforme se extrai do relatório fundamentador das correções em dissídio coligido em 10) do acervo factual, as correções aritméticas adotadas pela AT atinentes à desconsideração do IVA deduzido pela Impugnante mencionado nas faturas por si contabilizadas e emitidas no ano de 2014 pelos sujeitos passivos «H, Lda.»”, «Y, Lda.», «Z, Lda.» e «W, S.A.», fundaram-se em dois motivos: (i) a constatação de operações simuladas que originaram, por parte da Impugnante, uma dedução indevida de IVA, nos termos do n.º 3 do artigo 19.º do CIVA; e (ii) as faturas que titularam tais operações não darem cumprimento ao disposto no artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA, designadamente, a especificação prevista na alínea b) do preceito, razão pela qual a dedução do IVA seria sempre indevida – cfr. alínea a) do n.º 2 e n.º 6 do artigo 19.º do CIVA.
Perscrutada a petição inicial, resulta a evidência que a Impugnante apenas assaca a ilegalidade da correção efetuada por relação ao fundamento que a AT se suportou relativamente ao n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, ou seja, por relação ao fundamento de que as faturas em causa titulavam operações simuladas, não tendo invocado no seu petitório qualquer vício ou fundamento atinente ao fundamento que as faturas em causa não deram cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA invocado pela AT, de igual modo, no relatório fundamentador das liquidações impugnadas, como motivo de desconsideração do IVA deduzido pela Impugnante aposto nas faturas em causa, nos termos do que prevê a alínea a) do n.º 2 e n.º 6 do artigo 19.º e 36.º, n.º 5, do CIVA.
Com efeito, a Impugnante nunca invocou nem o vício de violação de lei por erro nos pressupostos que assacou às liquidações impugnadas, nem a violação do princípio da neutralidade do IVA por relação ao fundamento invocado pela AT de desconsideração do IVA deduzido pela Impugnante aposto nas faturas em causa, nos termos do que prevê alínea a) do n.º 2 e n.º 6 do artigo 19.º e 36.º, n.º 5, do CIVA, nem tão pouco o pedido subsidiário formulado respeitante ao pedido de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia respeita a tal fundamento, invocando todos os vícios e pedido de reenvio prejudicial por relação ao fundamento de igual modo invocado pela AT de que as faturas emitidas titulam operações simuladas.
E assim sendo, uma vez que a dedução indevida do IVA em causa, tem como suporte dois fundamentos, se um dos fundamentos que determinou as liquidações adicionais de IVA se apresentar isento de qualquer vício invocado, tal será suficiente para que as mesmas se mantenham na ordem jurídica.
Isto porque, não vindo assacado qualquer vício de ilegalidade a um dos fundamentos que motivou as liquidações impugnadas, nunca poderá o tribunal determinar a sua anulação, pois existe um fundamento legal que não foi colocado em causa para a correção efetuada pela AT e respetivas liquidações adicionais de IVA, sendo então de todo inútil decidir-se se a AT cumpriu ou não o ónus da prova que lhe incumbia por relação à não materialidade das operações subjacentes às faturas contabilizadas pela Impugnante em causa nos autos ou se as operações constantes das faturas foram materialmente realizadas ou se existe ou não violação do princípio da neutralidade do IVA nos termos em que veio invocado, porquanto a correção em causa da desconsideração do IVA deduzido pela Impugnante constantes das faturas contabilizadas pela Impugnante, será sempre legal e fundamentada nos termos da alínea a) do n.º 2 e n.º 6 do artigo 19.º e 36.º, n.º 5, do CIVA.
E assim sendo, “fica prejudicado o conhecimento dos vícios relacionados com o fundamento adoptado pela AT referente ao artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA. Realmente, se as facturas não podem dar lugar à dedução do IVA, por falta de requisitos formais, é irrelevante apurar se a AT errou de facto e de direito ou se violou os princípios (…) ao concluir que essas mesmas facturas não tinham subjacentes operações reais.” - cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 23/04/2020, proferido no processo n.º 00821/14.7BEPRT (disponível em www.dgsi.pt).
Destarte, e uma vez que um dos fundamentos que determinou as liquidações adicionais de IVA se apresenta isento de qualquer vício invocado, sendo então suficiente para que as mesmas se mantenham na ordem jurídica, mostrando-se então despiciente a análise dos fundamentos que tentam contrariar a fundamentação da AT no sentido de que as operações controvertidas configuram operações simuladas (artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA), há apenas que concluir que o pedido de anulação parcial das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios que veio formulado nunca poderia proceder, motivo pelo qual é de julgar totalmente improcedente a presente impugnação, mantendo-se as liquidações de IVA e respetivos juros compensatórios aqui impugnadas na ordem jurídica. (…)”
Desde logo, nesta sede recursiva, observamos que a Recorrente, afinal, reconhece que a AT, por força do seu entendimento da alegada existência de facturas falsas, também concluiu que o descritivo das faturas não se encontra correcto e, portanto, que infringe, alegadamente, o n.º 5 do artigo 36º do Código do IVA – cfr. conclusão ix das alegações do recurso.
Contudo, sustenta que a relação que a AT estabelece entre a simulação das operações e o incumprimento das formalidades das faturas é apenas instrumental e consequencial – cfr. conclusão x do recurso.
Mas não é assim, não podendo afirmar-se, como o realiza a Recorrente na conclusão xi das alegações do recurso, que se se verificar que a AT não cumpriu com o ónus da prova que lhe competia e que as operações tituladas pelas facturas foram efectivamente realizadas, então ter-se-á de concluir que as facturas cumprem com todos os requisitos formais do n.º 5 do artigo 36º do Código do IVA.
Com efeito, não só não vislumbramos tal nexo, como parece a Recorrente olvidar os motivos indicados pela AT para obstar à dedução do IVA – a descrição que consta nas facturas não respeita a especificação prevista na alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA.
Se dúvidas houvesse, nas páginas 29 e 30 do relatório inspectivo (ponto III – 3.5. Conclusão) a AT remata, resumindo os vários fundamentos para realizar as correcções em causa, referindo-se, genericamente, a todas as facturas emitidas pela totalidade das entidades em apreço (3.1, 3.2, 3.3), indicando, além do mais, o seguinte (utilizando o verbo “acrescer”):
Acresce ainda que, o IVA contido nas faturas não seria dedutível (cf. al. a) do n.º 2 e n.º 6 do art.º 19.º do Código do IVA) (…) uma vez que as faturas não cumprem os requisitos exigidos no n.º 5 do art.º 36.º do Código do IVA, pelos seguintes motivos:
• A descrição que consta nas faturas não respeita a especificação prevista na al. b) n.º 5 do art.º 36.º do Código do IVA, inviabilizando o claro conhecimento dos serviços em causa, por forma a concluir que foram estes e não outros os serviços efetivamente prestados à «X, Lda.» e que foram estes e não outros os que o sujeito passivo necessitou para prestar os serviços aos seus clientes.
A própria impugnante, na sua petição inicial, revela ter-se apercebido dos vários fundamentos utilizados para sustentar as correcções – cfr. artigos 44.º, 45.º, 56.º, 58.º, 84.º, 96.º, 188.º, 199.º, 236.º e 242.º. Nestes últimos pontos da petição de impugnação menciona-se repetidamente – “quanto a este fundamento”. Chega ao ponto de chamar à colação os outros fundamentos para demonstrar incongruências no discurso da AT para fundar a falta de veracidade das operações indicadas nas facturas. No artigo 44.º da petição, diz que a AT alega que não existem elementos declarativos que permitam sustentar que a sociedade “«V, Lda.»” exercesse efectivamente a sua actividade. E no artigo seguinte, contrapõe assim: ora, se assim é, então por que razão, mais à frente, a AT vem alegar que dos elementos recolhidos junto dos clientes da «V, Lda.» verificou que não foi respeitada a regra da inversão do sujeito passivo e que as facturas não indicam as quantidades e o preço unitário dos serviços prestados. Pretendendo acentuar que os serviços foram prestados, insiste na mesma ideia no artigo 56.º da petição inicial e no artigo 58.º - serviços prestados que a AT não colocou em causa, pois apenas questionou a formalidade das facturas, nos termos do artigo 36.º do CIVA.
A verdade é que, como constatou o tribunal recorrido, a Recorrente nunca questionou nem o enquadramento jurídico, nem a conclusão da AT de que o IVA não seria dedutível, uma vez que as facturas não cumprem os requisitos formais exigidos na alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA.
Compulsada a petição de impugnação, verificamos que a Impugnante se insurge contra as correcções efectuadas e que estão na origem das liquidações na parte impugnada, sustentando que padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, mais alegando subsidiariamente, a violação do princípio da neutralidade do IVA (artigos 167.º e seguintes da Diretiva do IVA).
Para tanto alega, sumariamente, que a AT, por relação ao IVA dedutível desconsiderado, com fundamento nas operações descritas nas facturas em causa serem alegadamente simuladas nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA, não fez prova séria, objectiva e suficiente de que essas facturas alegadamente não titulam operações reais, não tendo cumprido o ónus que lhe incumbe.
Acrescenta que, se assim não se entender, dever-se-á considerar que da prova produzida pela AT subsiste a fundada dúvida sobre os pressupostos de facto das liquidações em crise, pelo que deverão os actos ser parcialmente anulados com todas as consequências legais, nos termos do artigo 100.º do CPPT, sendo que, se assim não se entender, a Impugnante logrou demonstrar que as operações em causa subjacentes às facturas em causa foram efectivamente realizadas.
Subsidiariamente, e por relação à correcção do IVA deduzido pela Impugnante constante das facturas em causa com fundamento em operações simuladas nos termos do n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, alega que as impugnações padecem de vício de violação do princípio da neutralidade em sede de IVA, porquanto se o emitente da factura entregou o imposto ao Estado, ónus que à AT incumbe, e o adquirente dos serviços deduziu o respetivo imposto, é irrelevante no mecanismo do funcionamento do IVA que a operação se tenha ou não realizado, por não haver prejuízo para a economia do imposto, pelo que caso o emitente da factura tenha entregado o imposto ao Estado e a AT venha a corrigir o IVA deduzido ao adquirente dos serviços, verificar-se-á a violação de tal princípio e o enriquecimento sem justa causa por parte do Estado.
Acrescenta, ainda, que de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, é necessário que a AT demonstre, com base em elementos objectivos que o sujeito passivo adquirente dos serviços sabia ou devia saber que a operação invocada como fundamento do direito à dedução fazia parte de uma fraude cometida pelo emitente da factura ou por outro operador interveniente a montante na cadeia de prestações, pelo que não tendo a AT demonstrado tal, de igual modo, por esta razão, enfermam as liquidações do vício de violação do princípio da neutralidade em sede de IVA, sob pena de enriquecimento sem justa causa.
Subsidiariamente, requer, em caso de dúvida do tribunal à luz da Diretiva do IVA, sobre a questão de saber se a AT mantém o direito de corrigir a dedução do imposto com fundamento numa operação (alegadamente) simulada, na hipótese do emitente da factura ter entregue o imposto ao Estado, que seja accionado o mecanismo do reenvio prejudicial perante o Tribunal de Justiça da União Europeia.
Portanto, em nenhum momento, é assacado qualquer erro ou vício, de facto ou de direito, à detectada violação do disposto no artigo 36.º, n.º 5, alínea b) do CIVA:
As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos: (…)
b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução; (…)
Como se realça na sentença recorrida, resulta da conjugação do n.º 2 e n.º 6 do artigo 19.º que só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal, desde que cumprindo os requisitos do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA; o que é independente do disposto no n.º 3 do mesmo artigo 19.º do CIVA - que não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que esteja simulado o preço constante de factura.
Ao contrário do alegado na conclusão xi, não é pelo facto de se vir a demonstrar que as facturas titulam operações reais e verdadeiras que se poderá concluir que as mesmas facturas cumprem os requisitos formais previstos no artigo 36.º, n.º 5 do CIVA.
O artigo 36.º do CIVA estabelece determinados requisitos na emissão de facturas ou documentos equivalentes que são condição para a dedução do imposto por parte do sujeito passivo adquirente nos termos do artigo 19.º, n.º 2 do mesmo Código. A exigência da observância desses requisitos nos referidos documentos facturas tem como escopo permitir à Administração Tributária o controlo da situação tributária, e não apenas obter prova dos factos a controlar, motivo por que as facturas, emitidas de acordo com os termos da lei, constituem formalidade “ad substantiam”, insusceptível de substituição por um qualquer outro meio de prova.
A decisão final que recaiu sobre as correcções propostas em causa apropriou-se da fundamentação integral constante do relatório inspectivo, concordando totalmente com a respectiva motivação.
Logo, perante motivação das correcções subjacentes aos actos de liquidação assente em vários fundamentos de direito, sem que um deles seja impugnado, se esse fundamento, por si só, tem aptidão e é suficiente para fundar a pretensão tributária da AT, é irrelevante apreciar os vícios imputados aos demais fundamentos que sustentam as liquidações.
In casu, é despiciendo apurar se a AT errou de facto ou de direito ao concluir que as facturas não tinham subjacentes operações reais, se essas mesmas facturas não podem dar lugar à dedução do IVA, por falta de requisitos formais.
Nesta conformidade, urge negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Conclusões/Sumário

I - Perante motivação das correcções subjacentes aos actos de liquidação assente em vários fundamentos de direito, sem que um deles seja impugnado, se esse fundamento, por si só, tem aptidão e é suficiente para fundar a pretensão tributária da AT, é irrelevante apreciar os vícios imputados aos demais fundamentos que sustentam as liquidações.
II - É despiciendo apurar se a AT errou de facto e de direito ao concluir que as facturas não tinham subjacentes operações reais, se essas mesmas facturas não podem dar lugar à dedução do IVA, por falta de requisitos formais.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 11 de Maio de 2023

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares