Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02128/17.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/03/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:NULIDADE, SUPRIMENTO, ADMOESTAÇÃO
Sumário:1- Se na sentença não foi apreciada a questão da dispensa da coima requerida a título principal, mas também da admoestação a título subsidiário, porque se impunha que o Juíz se pronunciasse expressamente sobre esses pedidos e porque os mesmos não podem ter-se por prejudicados pela resposta aí dada a qualquer outra questão, a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia.

2- Se os autos fornecem todos os elementos necessários para que o Tribunal de 2ª instância possa suprir a nulidade por omissão de pronúncia, deve a mesma ser conhecida sem necessidade de remeter o processo ao tribunal de 1ª instância e sem que se considere suprimido um grau de jurisdição, pois o tribunal de 2.ª instância não tem simples poderes de cassação, mas verdadeiros poderes de substituição, podendo decidir de outra forma, com outros fundamentos e noutro sentido.


3 - Mostrando-se preenchidos os requisitos do art. 51º do RGCO, a sanção adequada à infracção cometida pela Recorrida é a da admoestação.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 – RELATÓRIO

P., S.A., melhor identificada nos autos, inconformada com a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 19/03/2019, que no âmbito de processo de contra-ordenação nº 3514201606000000… a condenou pela prática de contra-ordenação prevista no art. 128º, nº 2 do RGIT, em conjugação com o art. 123º, nº 9 do CIRC, na coima de €1.500,00, deduziu o presente recurso, formulando nas alegações que apresenta as seguintes conclusões:

“III - CONCLUSÕES:

i. O legislador está consciente que, no campo da imposição de obrigações fiscais de natureza formal, deve existir sempre uma adequada ponderação e compatibilidade entre, por um lado, a actividade dos agentes económicos e, por outro lado, o combate à fraude e evasão fiscal, demonstrando uma preocupação em eliminar, tanto quanto possível, situações menos justas.

ii. No caso em apreço, não existe qualquer evasão fiscal, nem qualquer incumprimento de obrigações fiscais por parte da Recorrente – sendo inequívoco que cumpriu o seu dever de emitir documento comprovativo da transação, mormente a factura com todas as menções impostas pela lei fiscal, e sendo certo que a AT não coloca em causa que os elementos da factura lhe foram também oportunamente transmitidos nos termos do artigo 3.º do D.L. n.º 198/2012, de 24.08.

iii. Vale isto por dizer que, no caso em apreço, não existem ponderosas razões de controlo que justifiquem a elevada sanção em causa, atento o facto de o bem jurídico que a lei pretendeu acautelar não está, nem nunca esteve, em perigo – porquanto foi devida e atempadamente emitido o documento comprovativo da transacção, apetrechando a AT do total controlo da situação tributária, e da prova segura dos factos a controlar.

iv. Em face do contexto factual constantes dos autos, não se afigura legítimo, nem proporcional, impor à Recorrente a paralisação da sua actividade económica pelo facto de não estar atempadamente concluído um procedimento administrativo que incumbia à própria AT promover no prazo legal (e razoável) de 30 dias – e que, in casu, foi largamente ultrapassado.

v. Tampouco se afigura legítimo e proporcional que a mesma entidade encarregue de certificar o programa informático da Recorrente, venha depois, na veste de entidade autuante em sede contra-ordenacional, aplicar-lhe uma coima pela falta de certificação atempadamente requerida MAIS DE TRÊS MESES antes da emissão da referida factura.

vi. A aplicação de uma coima haverá de justificar-se pela necessidade de proteger os bens jurídicos em causa – in casu o combate à fraude e evasão fiscal - não se vislumbrando que a tutela desses bens, ou as necessidades gerais e especiais de prevenção sejam susceptíveis de, no caso concreto, justificar a aplicação de uma (elevada) coima.

vii. No julgamento que efectuou, o Tribunal a quo não teve em consideração qualquer um dos seguintes factos: i) o elevado atraso administrativo na certificação; ii) o momento em que foi emitida a factura em causa – mormente se ocorreu, ou não, dentro do prazo legal de certificação; iii) os montantes da factura em causa – em que se concretiza o risco de evasão fiscal (bem jurídico protegido) e iv) o facto de os elementos da factura terem sido previamente comunicados à AT.

viii. Deve a Recorrente ser dispensada do pagamento da coima, uma vez que, se encontram preenchidos os requisitos do artigo 32.º do RGIT, nomeadamente, a actuação revelou diminuta culpa, a falta encontra-se regularizada, nunca a Recorrente teria qualquer proveito próprio com essa actuação, e também não ocorreu qualquer prejuízo para a Fazenda Pública.

ix. Pese embora a verificação dos pressupostos da dispensa da coima tenha sido expressamente invocada pela Recorrente, o Tribunal a quo omitiu pronúncia sobre os mesmos – o que constitui nulidade da sentença.

x. Ainda que se entendesse que o comportamento da Recorrente merece censura – o que não se concede e apenas se admite como mera hipótese - afigura-se que os factos em causa seriam, quando muito, passiveis de admoestação, nos termos do artigo 51.º do D.L. n.º 433/82, de 27 de Outubro, aplicável por força do artigo 3.º b) do RGIT, e não uma coima – sendo que, uma vez mais, o Tribunal a quo omitiu pronúncia sobre os pressupostos da admoestação, o que constitui nulidade da sentença.

xi. Ao proceder à pretendida atenuação especial da coima, o Tribunal a quo incorreu em erro na determinação da coima, na medida em que, quando o artigo 32.º n.º 2 do RGIT se refere à redução para metade das coimas, é evidente que remete para as coimas abstractamente aplicáveis - já que se refere expressamente aos “limites mínimos e máximos da coima”.

xii. No caso em apreço, com base num manifesto lapso, o Tribunal a quo teve por referência a coima aplicada pela AT, de €3.000,00, e, considerou, com base nesse mesmo lapso, que o limite mínimo seria €1.500,00 – quando, nos termos dos artigos 26.º n.º 4, 32.º n.º 2 e 128.º n.º 2 do RGIT, tal limite se situava em €375,00.

xiii. Deste modo, e caso se mantivesse incólume o julgamento do Tribunal a quo, sempre se imporia a anulação da sentença no segmento em que procede à errada quantificação da coima especialmente atenuada.

NESTES TERMOS e nos melhores de Direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso, anulando-se a decisão recorrida, o que se deverá fazer por obediência à Lei e por imperativo de
JUSTIÇA!”

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O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo apresentou contra-alegações onde formulou as seguintes conclusões:
“EM CONCLUSÃO:

- Nos autos foi proferida sentença, julgando a impugnação da coima apresentada parcialmente procedente, decidindo-se “adequada e proporcional às circunstâncias do caso concreto, designadamente à gravidade do facto, culpa do agente e sua situação económica, a fixação da coima em € 1.500,00, que corresponde ao mínimo aplicável no caso vertente.”

- Inconformada com a douta sentença, interpõe a arguida o presente recurso, alegando erro na apreciação da matéria de facto e na valoração dos requisitos enunciados na conclusão VII da sua alegação, pugnando pela dispensa de coima face à regularização da situação que deu causa ao procedimento contraordenacional, ou pela aplicação duma admoestação.

– Salvo o devido respeito, o recurso não merece provimento: com efeito, consta dos factos provados, nomeadamente dos números 6 a 9 que a arguida, tendo emitido em 22/10/2015 uma fatura em programa de faturação não certificado, possui volume de negócios superior a € 100.000,00 (cf. informação de fls. 61 e seguintes), sendo que em 26/11/2015 conseguiu que fosse emitido pela Administração Tributária o “Certificado de Programa de Faturação” (fls. 91 dos autos). E em 1.7.2015, a arguida submetera o modelo 24 n° 213904286, solicitando a certificação do programa informático de faturação denominado OMS SR –SYSTEM, versão 0.1.1.16, que veio a ser substituída, em 20.11.2015, pela modelo 24 n° 221717465, relativa à versão 0.1.0.21 do mesmo programa (informação de fls. 61 e seguintes, pontos 13 e 14).

- Ou seja: a arguida pedira a certificação do seu programa de faturação em 1.7.2015, mas não esperando pela decisão da ATA, em 22/10/2015 emite a fatura a que o procedimento contraordenacional se reporta, sem ser possuidora dessa certificação.

- Daqui resulta que a arguida, que é uma empresa pertencente a um grupo empresarial de reputação, conhecedora das regras do mercado e dos seus deveres fiscais, e com um elevado volume de faturação, sabia que precisava dessa certificação e apesar disso emite a referida fatura, fora desse programa certificado, pelo que a coima que lhe foi aplicada, que observou o limite mínimo aplicável não merece qualquer censura, a não ser pela sua manifesta benevolência, não aceite pela arguida.

- Assim sendo, não pode a arguida beneficiar da dispensa de coima ou da aplicação duma sanção de admoestação, porquanto não se verificam os requisitos de que depende a aplicação destes institutos, conforme entendimento perfilhado no acórdão do STA de 01/10/2014, proferido no P. 1665/13, disponível em www.dgsi.pt: “Para que se verifique a possibilidade de dispensa da coima o art.º 32º do Regime Geral das Infrações Tributárias impõe que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: que a prática da infração não ocasione prejuízo efetivo à receita tributária (al. a); que esteja regularizada a falta cometida (al. b); que a falta revele um diminuto grau de culpa.”

- Ora, no caso dos autos, a infração da arguida causou um prejuízo não material, mas de sustentabilidade e de credibilidade do sistema fiscal, na prevenção da evasão fiscal e de tudo o que isso implica para o bem-estar geral de todos os contribuintes.

- Não é, pois, qualquer reparação de prejuízo material, ou regularização da situação fiscal, que pode conduzir à dispensa de coima, sendo aliás patente que a regularização que a arguida efetuou foi tão somente a de ter obtido a certificação do seu programa de faturação.

- E não é esta a regularização de que nos fala o n° 3, do art.° 75 do RGIT é a que vem definida no n° 3, do art.° 30 do mesmo diploma (neste sentido, também os citados autores), ou seja, “o cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infração”, e essencialmente o pagamento dos tributos em dívida, tal como defendem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infrações Tributárias, anotado, 4ª edição, áreas Editora, 2010, pág. 508.

10ª - Quanto à aplicação duma sanção de admoestação: a aplicação desta sanção, pressupõe a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente, o que manifestamente nos parece que não resulta da matéria de facto julgada como provada - neste sentido, acórdão do STA de 10/10/2018, proferido no P. 560/18, (800/14.4BEVIS), e os acórdãos do mesmo Tribunal de 12/07/2018, proferido no P. 497/18, de 22/03/2018, proferido no P. 2267/15.0BEPRT, de 25/10/2017, proferido no P. 371/17 e de 03/04/2013, proferido no P. 05/13, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Nestes termos, deverá o recurso ser julgado improcedente, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de acompanhar a resposta do Ilustre Magistrado do Ministério Público na 1ª Instancia, que vai no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2 - OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Nos termos do artigo 75º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, aplicável por força do artigo 3º, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72º-A do mesmo diploma.
Não obstante, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal (CPP), ex vi artigo 74º, nº 4 do RGCO), excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso.

No caso, a questão suscitada pelo Recorrente consiste, desde logo, em saber se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia e, em caso negativo, se incorreu em erro de julgamento no que concerne à quantificação da coima.
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3. FUNDAMENTAÇÃO

Da Matéria de Facto

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:


Factos Provados:

1. Em 22/10/2015, cerca das 7 horas e 55 minutos, no decurso de uma acção de fiscalização de âmbito fiscal e aduaneiro, levada a cabo pelo Destacamento de Acção Fiscal da Guarda Nacional Republicana, no armazém dos CTT, sito no Mercado (…), foi fiscalizado o transporte de uma encomenda, expedida por via postal, pela arguida, destinada a M., acompanhada de uma factura com o n.º FR 15L1919/, datada de 16/10/2015 – cf. Auto de notícia;

2. A factura a que se alude em 1., foi emitida pelo valor de 28,03, acrescido de IVA à taxa de 23%, totalizando o montante de EUR 34,48 – cf. fls. 46 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

3. A factura a que se alude em 1., não contém qualquer menção que ateste que a mesma foi emitida pelo programa de facturação certificado – cf. Fls. 46 do proc. físico.

4. No dia 22.10.2015, foi levantado auto de notícia, com o teor de fls. 45, que aqui se dá por reproduzido.

5. Em 19.4.2017, foi proferida decisão administrativa, aplicando à arguida a coima de € 5.000,00, pela prática da contra-ordenação prevista no artigo 123.º, n.º 9, do CIRC, punida pelo artigo 128.º, n.º 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT). (fls. 60 e ss., do proc. físico).

6. A arguida, emitente da factura, possui volume de negócios superior a € 100.000,00 (cfr. informação de fls. 61 e ss.).

7. Em 26/11/2015, foi emitido pela Administração Tributária “Certificado de Programa de Facturação”, constando do mesmo o seguinte (fls. 91 dos autos):
“(...) Para os efeitos previstos no n.º 9 do artigo 123.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e no n.º 1 do artigo 5.º da Portaria n.º 363/2010, de 23 de Junho, comunica-se que foi registado o programa de facturação abaixo identificado e atribuído o correspondente número do certificado



Nome do certificado2462/AT
Nome do produtor do software:S.
Sede/Domicílio Fiscal(…)
NIPC/NIF:(…)
Designação comercial do programa de facturação:OMS SR –
Versão do Programa0.1.0.21

Nos termos do artigo 10.º da referida Portaria, o certificado pode ser revogado se não forem observados os requisitos de que depende a certificação do programa de facturação.

8. Em 1.7.2015, a arguida submeteu modelo 24 nº 213904286, solicitando a certificação do programa informático de facturação denominado OMS SR –, versão 0.1.1.16, que veio a ser substituída, em 20.11.2015, pela modelo 24 nº 221717465, relativa à versão 0.1.0.21 do mesmo programa (informação de fls. 61 e ss, pontos 13 e 14).

9. O programa OMS SR, versão 0.1.0.21 foi certificado em 25.11.2015, tendo sido atribuído à arguida em 26.11.2015 (informação de fls. 61 e ss, pontos 15 e 16).

Factos Não Provados:
Nenhum outro facto, com relevância para a decisão da causa, resultou provado.

Motivação:
A convicção do tribunal fundou-se na análise do conjunto da prova documental junta aos autos, conforme se indicou ao longo dos factos provados.
Para além do que ficou dito, não foi produzida prova suficiente relativamente a quaisquer outros factos.
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4. O DIREITO

Cumpre, agora, entrar na análise do recurso.
Em causa está a decisão proferida pelo TAF do Porto, que aplicou à Recorrente uma coima, com recurso à atenuação especial prevista no art. 32º, nº 2 do RGIT, no montante de €1.500,00, pela prática da contra-ordenação tipificada no artigo 128.º, n.º 2, do RGIT, pela falta de utilização de programas ou equipamentos informáticos de facturação certificados, em violação do disposto no n.º 9 do artigo 123.º do CIRC.
Refere o artigo 123.°, n.º 9, do CIRC, sob a epígrafe “Obrigações contabilísticas das empresas”, o seguinte: “Os programas e equipamentos informáticos de facturação dependem da prévia certificação pela Direcção-Geral dos Impostos, sendo de utilização obrigatória, nos termos a definir por portaria do Ministro das Finanças ”.
A Portaria mencionada na aludida norma legal é a Portaria n.º 363/2010, de 23 de Junho, alterada pela Portaria n.º 22-A/2012, de 24 de Janeiro e alterada e republicada pela Portaria n.º 340/2013, de 22 de Novembro.
Tal Portaria regulamenta, assim, designadamente, a utilização e certificação prévia dos programas informáticos de facturação, a que se refere o n.º 9 do artigo 123.º do CIRC (alínea a) do seu artigo 1.º).
Por último, cumpre referir que o artigo 128.º, n.º 2, do RGIT (norma punitiva), sob a epígrafe “Falsidade informática” dispõe o seguinte: “A falta de utilização de programas ou equipamentos informáticos de faturação certificados, nos termos do n.º 9 do artigo 123.º do Código do IRC, é punida com coima variável entre (euro) 1 500 e (euro) 18 750”.
Ora, a Recorrente não se conforma com a coima que lhe foi aplicada pelo Tribunal a quo e assaca à decisão sob recurso a nulidade por omissão de pronúncia, bem como o erro de julgamento da matéria de facto e de direito por errada quantificação da coima.
No que concerne à omissão de pronúncia, a Recorrente diz que o Tribunal a quo omitiu pronúncia sobre a invocada verificação dos pressupostos de dispensa da coima e quando muito, a infracção seria passível de admoestação, sendo que o Tribunal a quo igualmente omitiu pronúncia sobra a sua aplicabilidade.
Vejamos, antes do mais o que resulta da decisão sob recurso.
A sentença recorrida para aplicar a coima encontrada apresenta o seguinte discurso fundamentador:

“Constata-se, assim, que a obrigatoriedade de certificação dos programas de facturação visa, essencialmente, o combate à fraude e à evasão fiscal, impedindo que após a emissão das facturas sejam adulterados dados essenciais ao apuramento da situação tributária do sujeito passivo, mormente no que respeita à liquidação do IVA, que é imposto onde o maior impacto desta medida se faz sentir.
Conforme resultou provado nos presentes autos, a recorrente, em 16.10.2015, emitiu uma factura no valor de € 34,48, sem utilizar, para tal, um programa certificado.
Ora, tendo em conta os normativos referidos, mormente os artigos 123.º n.º 9 do CIRC e 128.º n.º 2 do RGIT, constata-se que a arguida estava obrigada a proceder à emissão da referida factura através de programa informático previamente certificado, o que não sucedeu.
Deste modo, a arguida praticou a infracção em causa nos autos.
Da determinação da medida da pena:
Resulta do Artigo 128.º nº 2 do RGIT que a falta de utilização de programas ou equipamentos informáticos certificados, nos termos do n.º 9 do Artigo 123.º do CIRC, é punida com coima variável entre 1.500,00 e 18.750,00 euros
Relativamente aos limites mínimos e máximos estabelecidos no regime das infracções tributária, estipula o 26.º n.º 4 deste diploma legal que os mesmos serão elevados para o dobro, sempre que o agente que praticou a infracção se trate de uma pessoa colectiva. Em todo o caso, se a lei não distinguir quanto ao limite máximo da pena, comportamento doloso de negligente, ao agente só poderá ser aplicada coima até metade do valor correspondente ao montante máximo da coima abstractamente aplicada, conforme se constata pelo n.º 2 do Artigo 24.º do RGIT.
Tratando-se a recorrente de uma pessoa colectiva, significa que a moldura abstractamente aplicável corresponderá a um mínimo de coima aplicável de 3.000,00 euros e a um máximo de coima aplicável de 37.500,00 euros, sendo que, uma vez que a lei não distingue conduta negligente ou dolosa para efeitos de fixação abstracta da coima, não poderão ser ultrapassados os limites dos Artigos 26.º e 24.º n.º 2 do RGIT, ou seja, só poderá ser aplicada coima até metade do valor correspondente ao montante máximo da coima abstractamente aplicada.
Dispõe, por seu turno, o artigo 32º do RGIT:
“Para além dos casos especialmente previstos na lei, pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:
a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária;
b) Estar regularizada a falta cometida;
c) A falta revelar um diminuto grau de culpa.
2 - Independentemente do disposto no nº 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo.”
No preceito transcrito, prevêem-se duas situações distintas que têm o comum facto de em que ambas poder não ser aplicada a coima indicada na disposição que prevê a contra-ordenação. Na situação prevista no n.º 1, exige-se, cumulativamente, que a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária, que esteja regularizada a falta cometida e que ela revele um diminuto grau de culpa. No n.º 2 deste artigo prevê-se uma situação de atenuação especial da coima, que tem como efeito que os limites máximo e mínimo sejam reduzidos a metade (art. 18.º, n.º 3, do RGCO) – cfr Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, ob cit., pag. 321.
Por outro lado, estabelece o n.º 3 do art. 18.º do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b) do RGIT, que “Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade”.
Consta do probatório que a arguida efectuou o pagamento da prestação tributária em falta, em 11/01/2016, antes da decisão do processo, observando-se, deste modo, o disposto no n.º 2 do art.º 32.º do RGIT.
Assim, tendo em conta que a arguida reconheceu a sua responsabilidade e regularizou a situação tributária, uma vez que dispõe já de programa certificado de facturação, encontram-se reunidos os pressupostos para que a coima seja especialmente atenuada, ao abrigo do disposto no artigo 32°, n.º 2, do RGIT, com a consequente redução a metade dos limites mínimo e máximo da coima, pelo que o limite mínimo será € 1.500,00 e máximo € 18.750 (artigo 18°, n° 3, do RGCO).
Dispõe o artigo 27°, n.º 1, do RGIT que, ”Sem prejuízo dos limites máximos fixados no artigo anterior, a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e, sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação.”, acrescentando o n.º 2 que “Se a contra-ordenação consistir na omissão da prática de um acto devido, a coima deverá ser graduada em função do tempo decorrido desde a data em que o facto devia ter sido praticado”.
Considerada a factualidade assente, designadamente que a arguida actuou de forma negligente, a regularização da situação tributária, e ainda que, aquando da emissão da factura estava pendente um pedido de certificação do programa, reputa-se adequada e proporcional às circunstâncias do caso concreto, designadamente à gravidade do facto, culpa do agente e sua situação económica, a fixação da coima em € 1.500,00, que corresponde ao mínimo aplicável no caso vertente.”.

Volvendo in casu, apuremos se ocorre a nulidade por omissão de pronúncia.
O art. 379.º do Código de Processo Penal (CPP), dispõe no seu n.º 1, al. c): «É nula a sentença: […] c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Tenha-se presente que é o CPP – e não o Código de Processo Civil (CPC), a legislação de aplicação subsidiária prioritária em sede de contra-ordenações tributárias, por remissão sucessiva do art. 3.º, alínea b), do RGIT e do art. 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
A nulidade por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 379º do Código de Processo Penal, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
Acresce salientar que a omissão de pronúncia só existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em defesa da sua posição, ou seja, como sustentáculo do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão do “thema decidendum”, sendo manifesto que as partes quando colocam ao tribunal determinada questão, lançam mão de todos os fundamentos/argumentos susceptíveis de fazer vingar a sua tese, relevando aqui apenas e tão só que o Tribunal decida a questão posta, não se impondo ao julgador a apreciação de todos os fundamentos ou razões em que as partes sustentam as respectivas pretensões. Contudo, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos ou razões de que a parte se serve para a sustenta, nem sempre sendo fácil fazer a destrinça entre aquelas duas realidades.
A doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que apenas a falta de apreciação das primeiras integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr. Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
Como se tem vindo a pronunciar o Supremo Tribunal Administrativo, não deve confundir-se questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes, porquanto, relativamente a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido (entre muitos, vide acórdão STA de 10/9/2008, recurso 0812/07 e de 28/05/2014, Processo 0514/14).
É inequívoco que a ora Recorrente suscitou na petição de recurso judicial da decisão administrativa que aplicou a coima a questão da dispensa da coima e, subsidiariamente, a aplicação de uma admoestação ou que se determine a atenuação especial da coima.
Todavia, a sentença, sem bem a interpretamos, começou por referir que o art. 32º do RGIT abarca duas situações a saber: dispensa da coima (nº 1) e atenuação da coima (nº 2), mas aplicou directamente a previsão do nº 2 daquele diploma, sem que tenha apurado se a situação em concreto cabia na previsão do nº 1, incorrendo, como tal, em omissão de pronúncia, pois lida e relida a decisão proferida não alcançamos qualquer apreciação no que concerne à solicitada dispensa da coima prevista no art. 32º, nº 1 do RGIT. Tal como não se pronunciou sobre a requerida pena de admoestação a que alude o art. 51º do RGCO.
Relembre-se que a Recorrente, na petição inicial, formulou o seguinte pedido “Deve ser proferida sentença que declara a dispensa da coima ou, subsidiariamente, que aplique uma admoestação, ou determine a atenuação especial da coima
Assim, porque na sentença não foi apreciada a questão da dispensa da coima requerida a título principal, mas também da admoestação a título subsidiário, porque se impunha que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto se pronunciasse expressamente sobre esses pedidos e porque os mesmos não podem ter-se por prejudicados pela resposta aí dada a qualquer outra questão, afigura-se-nos que tem razão a Recorrente quando assaca à sentença a nulidade por omissão de pronúncia.
Podemos, pois, com a Recorrente, concluir que a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia não podendo manter-se a ordem jurídica, indo como tal revogada.
Aqui chegados, impõe decidir se a nulidade pode ser suprida por este Tribunal e, podendo-o ser, de que modo.
DO SUPRIMENTO DA NULIDADE
Verificada que ficou a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à questão da dispensa da coima e da admoestação, cumpre agora averiguar do modo como a nulidade deve ser suprida: deve remeter-se o processo ao TAF do Porto, para aí serem conhecidas as questões, ou poderão ser conhecidas por este TCA Norte?
Uma vez mais, a resposta deve procurar-se no CPP e, adiantamos, o processo só deverá ser devolvido à 1.ª instância para suprimento do vício se o tribunal de recurso não puder decidir a causa. É o que resulta do disposto no n.º 1 do art. 426.º do CPP, que dispõe: «Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio».
Significa isto, a contrario, que o vício em causa não determina necessariamente o reenvio para novo julgamento, reenvio que só deverá ocorrer se o Tribunal de recurso não dispuser de todos os elementos necessários para decidir; se o Tribunal de recurso estiver plenamente habilitado para decidir a questão, deverá fazê-lo, como resulta do n.º 2 do art. 379.º do CPP, que dispõe: «As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º» (Ou seja, por efeito da alteração introduzida ao texto do n.º 2 do art. 379.º do CPP pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, passou a constituir um dever do Tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida.) Neste sentido cfr. Acórdão proferido pelo STA em 17/12/2019, processo nº 02152/16.9BELRS, disponível in: www.dgsi.pt. .
Como bem se afirma no acórdão que vimos de referir “Poderá, eventualmente, argumentar-se que, com o suprimento da nulidade pelo tribunal de recurso, será suprimido um grau de jurisdição. O argumento só aparentemente releva. Na verdade, a intervenção do tribunal de recurso ocorre em segundo grau de jurisdição, motivo por que a devolução do processo ao tribunal recorrido, para que este profira nova decisão em que supra a nulidade, não constituiria uma mais efectiva garantia concedida ao recorrente.
Aliás, porque, como decorre do disposto no art. 75.º, n.º 2, do RGCO, aqui aplicável subsidiariamente, em matéria contra-ordenacional o tribunal de recurso pode alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido decisório, salvo o disposto no art. 72.º-A do mesmo Regime (Sobre esta questão, ficou dito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2019, proferido em 23 de Maio de 2019, no processo n.º 13/17.3T8PTB.G1-A.S1, em recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (ELI: https://data.dre.pt/eli/acstj/3/2019/07/02/p/dre): «Ora, tendo em conta este dispositivo, o tribunal de 2.ª instância não tem simples poderes de cassação, mas verdadeiros poderes de substituição, podendo decidir de outra forma, com outros fundamentos e noutro sentido. Além disto, significa que o tribunal de 2.ª instância pode, a partir da matéria de facto já sedimentada, alterar a qualificação jurídica, ou reanalisar a consequência jurídica aplicada (alterando a coima e aplicando ou não sanções acessórias), ou considerar que os factos não integram a prática de qualquer uma contra-ordenação, ou ainda considerar, e porque tem os seus poderes de cognição restritos a matéria de direito (art. 75.º, n.º 1, do RGCO), que se verifica um dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, caso em que, nos termos do art. 75.º, n.º 2, al. b), do RGCO, deverá devolver o processo ao tribunal recorrido (à semelhança do que ocorre no processo penal, por força do disposto no art. 426.º, do CPP)».), sempre poderia sustentar-se que, ainda que a Recorrente não houvesse suscitado a questão e independentemente de o Tribunal a quo dela ter ou não conhecido, sempre este Supremo Tribunal poderia ponderar se a situação dos autos justifica a atenuação especial da coima.”.
É ainda de atentar no disposto no art.º 75.º do RGCO:
2 - A decisão do recurso poderá:
a) Alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida, salvo o disposto no artigo 72.º-A;
b) Anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido”.
Como referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 01.03.2011 (Processo: 226/08.9TBMRA.E1): “[O] RGCO prevê que o tribunal ad quem possa decidir das questões que foram objeto da impugnação judicial para a 1ª instância ou anular a decisão e devolver o processo ao tribunal recorrido para que as decida, ampliando os poderes de cognição do tribunal de recurso em relação aos termos, mais estritamente regulados, do CPP”.
Chama-se ainda à colação o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2019, de fixação de jurisprudência, de 23.05.2019 (Processo n.º 13/17.3T8PTB.G1-A.S1), no qual, a propósito do art.º 75.º do RGCO, se refere: [O] tribunal de 2.ª instância não tem simples poderes de cassação, mas verdadeiros poderes de substituição, podendo decidir de outra forma, com outros fundamentos e noutro sentido. Além disto, significa que o tribunal de 2.ª instância pode, a partir da matéria de facto já sedimentada, alterar a qualificação jurídica (…), ou reanalisar a consequência jurídica aplicada (alterando a coima e aplicando ou não sanções acessórias), ou considerar que os factos não integram a prática de qualquer uma contra-ordenação, ou ainda considerar, e porque tem os seus poderes de cognição restritos a matéria de direito (art. 75.º, n.º 1, do RGCO), que se verifica um dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP (…), caso em que, nos termos do art. 75.º, n.º 2, al. b), do RGCO, deverá devolver o processo ao tribunal recorrido (à semelhança do que ocorre no processo penal, por força do disposto no art. 426.º, do CPP).
(…) [O] art. 75.º, n.º 2, al. a), do RGCO vem de forma clara determinar que, aquando do recurso da decisão de 1.ª instância para a Relação, o tribunal não está vinculado, quanto aos fundamentos de direito, à decisão recorrida. Isto é, o recurso não é uma simples apreciação da decisão recorrida, mas de toda a questão, não estando vinculado àquela decisão, podendo substituí-la.
Não está vinculado, desde logo, aos termos da decisão recorrida, ou seja, não está vinculado ao seu conteúdo, à sua fundamentação, não está limitado pelas questões decididas em 1.ª instância, podendo apreciar qualquer questão de direito conexionada com o objeto do processo desde que alegada em sede de recurso (24), pese embora não tenha sido apreciada pelo tribunal recorrido. Na verdade, "contrariamente ao que acontece em processo penal (...) não existe em processo contra-ordenacional qualquer limitação à amplitude com que o tribunal superior pode sindicar e alterar a decisão recorrida." (…)
[O] Tribunal da Relação poderá conhecer de quaisquer questões (sejam ou não "questões novas") em matéria de direito, e ainda quaisquer questões integrantes da chamada revista alargada (cf. art. 410.º, n.º 2, do CPP), bem como quaisquer nulidades que não se considerem sanadas, desde que arguidas ou desde que de conhecimento oficioso (cf. art. 410.º, n.º 3, do CPP)”.
Veja-se, igualmente, a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.12.2019 (Processo: 02152/16.9BELRS).
Assim, porque os autos fornecem os elementos necessários para que este Tribunal possa suprir a nulidade por omissão de pronúncia, passamos a conhecer da requerida dispensa da coima e caso não seja reconhecida, da admoestação.
DA DISPENSA DA COIMA
A dispensa, tal como a atenuação especial das coimas constituem de certo modo formas de direito premial e visam incentivar os infractores a regularizarem a falta cometida (art. 32º do RGIT). Note-se que em ambos os casos se exige a regularização da situação tributária Neste sentido cfr. “Contra-ordenações Tributárias – Princípios Gerais em Matéria de Contra-ordenações Tributárias” CEJ 2016..
Atendendo ao pedido da Recorrente impõe-se aferir se estão reunidos os pressupostos de dispensa de aplicação coima, nos termos do disposto no art. 32º do RGIT.
Nos termos do art. 32.º do RGIT: «1- Para além dos casos especialmente previstos na lei, pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:
a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária;
b) Estar regularizada a falta cometida;
c) A falta revelar um diminuto grau de culpa.
2- Independentemente do disposto no nº 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso do infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo».

Vejamos.
Tal como ficou demonstrado pela factualidade apurada, a Recorrente emitiu em 16/10/2015, uma factura no montante de €34,48, sem ter utilizado programa de facturação devidamente certificado, uma vez que tal programa apenas foi certificado em 26/11/2015, praticando a infracção prevista no art. 123º, nº 9 do CIRC e punida nos termos do art. 128º, nº 2 e 26, nº 4, ambos do RGIT.
Desde já podemos adiantar que não se verificam os requisitos previstos no art. 32º, nº 1 do RGIT, que são de natureza cumulativa.
Concretizemos.
No que concerne ao requisito da supra citada al. a), do nº 1 do art. 32º do RGIT (prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo para receita tributária), cumpre referir que não está em causa o pagamento de qualquer prestação tributária. Pois, pese embora a factura tenha sido emitida através de programa de facturação não certificado, coarctando a comunicação automática da sua emissão e respectiva facturação à AT, em boa verdade, a partir de tal facto não podemos concluir que tenha ocorrido um efectivo prejuízo para a receita pública, porquanto não é possível afirmar, com a certeza necessária, que a Recorrente não iria comunicar ou não comunicou à AT a transacção efectuada, seja para efeitos de tributação do rendimento, seja para efeito de liquidação do próprio IVA.
No que tange à previsão da al. b) do art. 32º, nº 1 do RGIT (regularização da falta cometida) facilmente se pode concluir que tal não ocorreu.
Efectivamente, nos autos ficou demonstrado que a Recorrente tem um programa de facturação certificado pela AT. No entanto, não ficou demonstrado que tenha corrigido a falta em que incorreu, ou seja, que tenha facturado o valor da transacção titulada através de documento emitido através de programa devidamente certificado, pelo que não se encontra preenchido este pressuposto.
Por fim, relativamente ao requisito da al. c) do citado preceito legal (a falta revelar um diminuto grau de culpa), resulta dos autos que a conduta da Recorrente não se mostra reveladora de um grau de imputação a título de dolo, no entanto, mostra-se reveladora de uma falta grave e indesculpável, razão que levou a que a prática da infracção fosse imputável a título de negligência simples (art. 128º, nº 2 do RGIT).
Aqui chegados facilmente se conclui que não estão reunidos os pressupostos, de natureza cumulativa, para a dispensa da coima.
Podemos, ainda, adiantar, que contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, também não se mostram reunidos os pressupostos do art. 32º, nº 2 do RGIT, para a atenuação especial da coima, pois apesar de na decisão sob recurso se referir que “Consta do probatório que a arguida efectuou o pagamento da prestação tributária em falta, em 11/01/2016, antes da decisão do processo, observando-se, deste modo, o disposto no n.º 2 do art.º 32.º do RGIT”, o certo é que tal afirmação não tem reflexo no probatório nem dos autos se colhe tal informação.

DA ADMOESTAÇÃO
A Recorrente, subsidiariamente, pediu que lhe fosse aplicada a pena de admoestação.
Vejamos, então, se se verificam nos autos os pressupostos legais da aplicação de sanção de admoestação, como é pretendido pela ora Recorrente.
O artigo 51º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), ao autorizar a aplicação de admoestação «quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique», é aplicável às infracções tributárias ex vi artigo 3º, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), esta tem sido a pacifica jurisprudência do STA (acórdãos do STA, de 03/10/2010-P. 0670/10; de 03/04/2013-P. 0513; de 25/10/2017-P. 0371/17; de 12/07/2018-P. 0497/18 e de 10/10/2018-P. 0800/14.4BEVIS 0568/18, disponíveis em www.dgsi.pt).
Assim, quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação (artigo 51.º do RGIT).
São, pois requisitos da admoestação:
1. Reduzida gravidade da infracção (ilicitude);
2. Reduzida gravidade da culpa do agente.

Atentemos, pois, se no caso sobre que nos debruçamos se verificam os pressupostos para a aplicação da pena de admoestação.
Relembremos que está em causa a emissão de uma factura em 16/10/2015, no montante de 34,48 (montante que tem incluído o IVA de €6,45), sem recurso ao programa de facturação certificado, uma vez que tal programa apenas foi certificado pela AT em 26/11/2015, pese embora o pedido de certificação tenha sido apresentado pela Recorrente nos serviços competentes da AT em 01/07/2015, e o nº 1 do art. 5º da Portaria nº 363/2010, de 23/06, estipule que “A DGCI emite, no prazo de 30 dias a contar da recepção da declaração referida no artigo anterior, o correspondente certificado do programa.”.
Quanto à gravidade da infracção, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.10.2018 (Processo: 0800/14.4BEVIS 0560/18): A gravidade da infracção a considerar para efeitos de indagar da possibilidade de aplicar a sanção admonitória deve ser aferida pela conjugação de todas as circunstâncias concretas do comportamento ilícito, não podendo considerar-se essa possibilidade inelutavelmente arredada pela classificação como contra-ordenação grave prevista no art. 23.º do RGIT, a qual terá como único efeito autorizar a aplicação de sanções acessórias (cfr. art. 28.º, n.º 1, do RGIT).”.
O juízo sobre a gravidade da infracção para esses efeitos deverá ser feito casuisticamente, circunstâncias concretas do comportamento ilícito, e não em função da qualificação abstracta da gravidade da infracção[Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31.10.2019 (Processo: 1774/15.0BEALM)].
Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.10.2018 (Processo: 0800/14.4BEVIS 0560/18): Acresce que o critério do art. 23.º do RGIT, exclusivamente determinado em função do montante da coima, não se nos afigura ajustado quando erigido em único critério para medir a antijuricidade do comportamento e, assim, aferir da “gravidade da infracção” prevista no n.º 1 do art. 51.º do RGCO”.
Quanto ao diminuto grau de culpa, remete-nos para o comportamento do agente, cuja actuação reflita, desde logo, que a aplicação de uma coima se afigura como desproporcional ou excessiva.
In casu, resulta dos autos que a Recorrente agiu com negligência mostrando-se arredado o dolo, acresce dizer que não é despiciendo o facto de a Recorrente ter requerido em 01/07/2015, a certificação do programa de facturação e a AT não ter cumprido o prazo de 30 dias a que se encontra obrigada, provocando sérios engulhos na actividade comercial a que a Recorrente se dedica impondo-lhe, sob pena de paralisação da sua actividade comercial, a emissão da factura sem a certificação do programa.
Por outra banda, é também certo que a factura emitida, com excepção da menção da certificação, cumpriu todos os requisitos a que alude o art. 36º do CIVA, não se provando que a Recorrente pretendia de qualquer forma evitar o pagamento do imposto ou a entrega do IVA oriundo da mesma, dito de outra forma, não se provou que a Recorrente agiu visando a evasão fiscal que o preceito violado pretende garantir, pelo contrário, a Recorrente cumpriu com todas as estipulações e formalismos legais que presidem à emissão de factura.
Como bem refere a Recorrente, a AT ao não concluir no prazo legalmente estipulado para o efeito o procedimento administrativo de certificação do programa de facturação acabou por levar à infracção sob pena de paralisação da sua actividade económica, o que não é nem legítimo, nem proporcional, tenha-se em conta que o IVA que a factura titulava cifrava-se no montante de €6,45 valor exíguo a não justificar a coima aplicada de €5.000,00, que se mostra desproporcional e exagerada.
Insista-se que a factura foi emitida cumprindo todos os formalismos legais habilitando a AT a fiscalizar a situação tributária e a controlar as operações comerciais da Recorrente, sendo que apenas o atraso da AT na certificação fez a Recorrente entrar em incumprimento, pois se o procedimento de certificação tivesse observado os prazos legais, e tendo em conta que o programa foi efectivamente certificado sem qualquer reserva por parte da AT, a Recorrente nunca teria praticado a infracção, pois na data da emissão da factura o programa já estaria certificado.
Temos, assim, que concluir que se mostram preenchidos os requisitos do art. 51º do RGCO, pelo que a sanção adequada à infracção cometida pela Recorrida é a da admoestação.
Pelo exposto, é de aplicar uma admoestação, ex vi do disposto no artigo 51.º do RGCO, subsidiariamente aplicável em matéria de contra-ordenações tributárias (artigo 3.º alínea b) do RGIT).

Sumariando, formula-se as seguintes conclusões:

Descritores: nulidade, suprimento, admoestação
1- Se na sentença não foi apreciada a questão da dispensa da coima requerida a título principal, mas também da admoestação a título subsidiário, porque se impunha que o Juíz se pronunciasse expressamente sobre esses pedidos e porque os mesmos não podem ter-se por prejudicados pela resposta aí dada a qualquer outra questão, a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia.

2- Se os autos fornecem todos os elementos necessários para que o Tribunal de 2ª instância possa suprir a nulidade por omissão de pronúncia, deve a mesma ser conhecida sem necessidade de remeter o processo ao tribunal de 1ª instância e sem que se considere suprimido um grau de jurisdição, pois o tribunal de 2.ª instância não tem simples poderes de cassação, mas verdadeiros poderes de substituição, podendo decidir de outra forma, com outros fundamentos e noutro sentido.


3- Mostrando-se preenchidos os requisitos do art. 51º do RGCO, a sanção adequada à infracção cometida pela Recorrida é a da admoestação.

*** ***
V-DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

a) Conceder provimento ao recurso e declarar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia;

b) aplicar à arguida como sanção da contra-ordenação que lhe foi imputada, a admoestação seguinte: O Tribunal lembra que o dever de emitir facturas devidamente certificadas constitui não apenas uma obrigação dos sujeitos passivos objecto de tutela sancionatória, mas dever legal e de cidadania, devendo estes organizarem-se para que os factores imprevistos, como os atrasos burocráticos da entidade certificadora, não impeçam o cumprimento pontual desse dever. A emissão da factura, mesmo cumprindo o disposto no art. 36º do CIVA, não deixa de constituiu infracção se não for feita através de um programa informático certificado, a infracção não deixa de existir pelo facto de o Tribunal entender que esta admoestação se revela, no caso, suficiente para punir a infracção cometida.

Condenar a arguida nas custas, que são devidas na fase administrativa do processo de contra-ordenação e em ambas as instâncias, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.

Porto, 2022-02-03

Maria Celeste Oliveira
Maria do Rosário Pais
Tiago de Miranda

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i) Neste sentido cfr. Acórdão proferido pelo STA em 17/12/2019, processo nº 02152/16.9BELRS, disponível in: www.dgsi.pt.