Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02523/23.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/24/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:RAC; NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
FALTA DE CITAÇÃO; PRESCRIÇÃO; IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
EFEITO INTERRUPTIVO DURADOURO; EFEITO SUSPENSIVO;
Sumário:
I – É nula, por omissão de pronúncia, a sentença que não aprecia questão suscitada na p.i., à qual foi associado um concreto pedido.

II - Deve ser rejeitado o recurso em matéria de facto se a Recorrente omitiu a identificação dos concretos pontos de facto que entende enfermarem do vício que aponta.

III – A instauração de oposição à execução fiscal só releva para efeito de suspensão do prazo prescricional, desde que determine a suspensão da cobrança da dívida; isto é, desde que seja prestada ou constituída garantia, ou seja dispensada a sua prestação (cfr. artigos 49º, nº 4, e 52º, nº
1, 2, 4 e 5 da LGT).

IV – Não configura a nulidade insanável prevista no artigo 165º, nº 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a falta de citação da Recorrente se não houve prejuízo para a sua defesa.

V - O objeto do recurso jurisdicional é a sentença e não o ato do OEF objeto da reclamação, por isso, a análise do Tribunal de recurso deve cingir-se aos vícios/erros apontados à sentença.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. «AA», devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 26.01.2024 no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., pela qual foi julgada totalmente improcedente a reclamação que deduziu contra a decisão do OEF que indeferiu o seu pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda no processo de execução fiscal nº .....................081, referente a IRS do ano de 2002 no montante global atual de 32.972,46€.

1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso, versando sobre matéria de facto e de direito, vem interposto da douta sentença proferida em 1ª Instância que julgou a reclamação apresentada totalmente improcedente, porém, não pode a recorrente conformar-se com os termos da douta decisão, porquanto face aos factos e ao direito aplicável, deveria a reclamação apresentada ter sido julgada procedente, por provada, e em consequência verificada a prescrição da totalidade das dívidas.
2. Ademais, conforme infra se demonstrará, a sentença, cujo recurso ora se interpõe, encontra-se ferida de nulidade, nos termos do art.° 125° do CPPT, pelo que, deste modo, deve o presente recurso proceder totalmente, com as demais consequências legais.
3. Antes de mais, importa referir que, a matéria de facto dada como provada assentou exclusivamente nas informações prestadas pela AT – cfr. fls. 74 SITAF – sem estar acompanhada dos respetivos documentos de suporte de apoio e validação da citada informação, pois sempre seriam exigíveis, não só os comprovativos de expedição das notificações, como os de receção pelo contribuinte, que não se vislumbra existirem nos autos, como estamos em crer seria exigível para validar tal informação, pelo que em conformidade com o sobredito se deixa impugnada a matéria de fato dada como provada.
4. A ora recorrente requereu junto do Serviço de Finanças ..., no âmbito do processo de execução fiscal, o reconhecimento da prescrição da dívida em causa nos presentes autos. – cfr. Doc. n.° 1 anexo com a p.i. – tendo o mesmo sido indeferido – cfr. Doc. n.° 2 anexo com a p.i. – tendo apresentado reclamação do ato, nos termos dos artigos 276° e seguintes do CPPT, datada de 02.10.2023. – Doc. n.° 3 anexo com a p.i.. e, em consequência, o ato reclamado foi objeto de revogação. – cfr. Doc. n.° 4 em anexo, constando da respetiva notificação o seguinte: “ (...)considerada satisfeita na totalidade a pretensão do reclamante (...)”.
5. Sendo certo que na sua reclamação foi peticionado o seguinte:
“(...) 12. Pelo que, em face do supra exposto, e tendo em conta a verificação efetiva do decurso
do prazo prescricional de oito anos previsto no art.° 48° da LGT, requer, respeitosamente, o respetivo reconhecimento, devendo, em consequência, tal processo ser considerado prescrito e ser extinto, tudo com as demais consequências legais daí decorrentes.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V.' Ex.' doutamente suprirá, deve a presente reclamação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser corrigida a decisão proferida e, em consequência, reconhecida a prescrição da dívida em causa nos autos.(...)”.
6. Ora, é incompreensível, atentos os princípios de certeza e segurança jurídicas emergentes do nosso ordenamento jurídico, que no âmbito do processo de execução fiscal que tem natureza judicial, seja expressamente notificado o contribuinte de um despacho que, entretanto, transitou em julgado, em que consta a afirmação de que foi “considerada satisfeita na totalidade a pretensão do reclamante” e posteriormente, em manifesta contradição com o já decidido é emitido novo despacho de indeferimento, aqui em crise, contrariando o anteriormente determinado com nova fundamentação emitida “a posteriori”, o que, salvo o devido respeito, não é legalmente admissível, sem que se proceda à extinção do processo.
7. No que respeita à nova decisão de indeferimento do requerimento de reconhecimento da prescrição proferida, -cfr. Doc. n.° 5 anexo com a p.i. - importa ter em conta que os n.°s 2 e 3, do art.° 276° do CPPT dispõe o seguinte:
“(...)2 - A reclamação é apresentada no órgão da execução fiscal que, no prazo de 10 dias, poderá ou não revogar o acto reclamado.
3 - Caso o acto reclamado tenha sido proferido por entidade diversa do órgão da execução fiscal, o prazo referido no número anterior é de 30 dias.(...)”.
8. Assim, tendo a reclamação sido apresentada no dia 2 de outubro de 2023, o prazo de 30 dias previsto no normativo supratranscrito terminou no dia 2 de novembro de 2023, sendo certo que o despacho da citada revogação só poderá considerar-se notificado a 6 de outubro, pelo que inexistem dúvidas de que o prazo não foi cumprido, o que, respeitando sempre o melhor entendimento, determina a consequente ilegalidade do ato praticado.
9. Importa, ainda ter em conta que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, isto é, a AT poderia pronunciar-se sobre o mérito da reclamação apresentada, nos termos do n.° 2 do art.° 277° do CPPT, revogando o ato que originou a reclamação ou não.
10. Sendo certo que, o ato reclamado foi revogado sem que a AT desse ato de revogação tenha extraído as consequências legais exigíveis e daí decorrentes pois, em consequência, deveria ter procedido à extinção do processo de execução, não sendo admissível uma fundamentação “a posteriori” com a prolação de um novo despacho, em contradição com o anteriormente proferido, já transitado em julgado, o que, processualmente, configura nulidade que se deixa invocada para os devidos e legais efeitos.
11. A nova decisão proferida, não se considera legalmente admissível, pois a própria lei processual não o prevê e nem o admite, pelo que, os princípios de certeza e segurança jurídica se mostram violados, vício que que igualmente se deixa invocado para os devidos e legais efeitos.
12. O que não pode fazer, em circunstância alguma, é substituir-se ao órgão decisor, o Tribunal Administrativo e Fiscal ..., revogando e praticando novo ato, por reconhecer a insuficiência da fundamentação no que respeita a questões adjetivas e substantivas, não retirando todas as consequências legais resultantes da revogação operada, o que, constitui nulidade, vício que se deixa invocado para todos os devidos e legais efeitos.
13. Não obstante a nulidade invocada em sede de petição inicial, relativamente à falta de citação da ora recorrente, conforme admitido pela AT – cfr. Doc. n.° 4 anexo com a p.i. – a verdade é que o douto Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a invocada nulidade.
14. Pelo que, a sentença é nula por omissão de pronúncia, nos termos do art.° 125° do CPPT, cujo reconhecimento, desde já, se requer.
15. Reiterando, para os devidos e legais efeitos, a invocada nulidade do processo de execução fiscal por não se ter verificado a citação da executada, que, em consequência, não teve conhecimento do presente processo de execução fiscal.
16. Resulta, inelutável, da análise dos presentes autos, que a dívida tributária em execução fiscal, relativa aos presentes autos, deriva de factos ocorridos no exercício de 2002, sendo igualmente pacifico que o prazo de prescrição teve o seu início no dia 1 de janeiro de 2003.
17. Sendo certo que, o n.° 2 do art.° 49°, da Lei Geral Tributária (doravante LGT), versão aqui aplicável, tinha à data a seguinte redação:
“2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.”.
18. Assim, não se tendo verificado no primeiro ano subsequente ao exercício em que ocorreu o facto tributário gerador da obrigação fiscal, a prática de qualquer ato tributário, em si mesmo, passível de interromper o decurso da prescrição, é manifesto que cessa o efeito interruptivo previsto para os atos elencados do n.° 1, do citado art.° 49° da LGT.
19. Pelo que, ressalvando sempre o devido respeito por melhor entendimento, o decurso do prazo prescricional verifica-se nove anos após a data de início do prazo prescricional, 01.01.2003, que ocorreu a 31.12.2011, data em que se verificou a prescrição.
20. Importará, sempre, ter em conta que a redação do art.° 49°, da LGT configurada a partir da Lei n° 66-B/2012, de 31 de Dezembro, é prejudicial ao reclamante, prejudicando-o, não lhe pode ser aplicada porquanto é posterior ao facto tributário, e não é admissível a aplicação retroativa da lei fiscal.
21. Completado esse ano, sem a prática de qualquer ato, cessou esse efeito interruptivo, visto que o processo esteve parado por tempo excedente a esse período por facto não imputável ao contribuinte, tudo nos termos do disposto no art.° 49° n° 2, da LGT, então vigente.
22. É necessário ter em conta que a revogação do n° 2 do art° 49° da LGT, pela Lei n° 53-A/2006 de 29/12, se aplica apenas para os casos futuros e não ao caso sub judice.
23. Por outro lado, para efeitos de interrupção da prescrição, são irrelevantes – por a lei as não contemplar – interrupções sucessivas, prevalecendo, por consequência, a primeira hipótese que tiver surgido. – cfr. Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11/01/2007 (in Proc. nº 00007/99), disponível em www.dgsi.pt.
24. Podendo ainda ler-se em tal Aresto que, “voltando a correr um prazo prescricional anteriormente interrompido, o seu curso torna-se imune a mais interrupções, ainda que ocorram novos e diversos factos a que a lei confira eficácia interruptiva”.
25. Pelo que, em face do ora exposto, é por demais evidente que as dívidas constantes do processo de execução em causa nos autos se encontram prescritas, porquanto, já decorreram mais de 8 anos sobre a data do exercício gerador do facto tributário, sem que tivesse existido nos autos qualquer causa de efeito interruptivo duradouro.
26. Ora, como ultima ratio sempre se dirá que o prazo da prescrição ordinária previsto no art.° 309° do Código Civil é de vinte anos, o qual se mostra já ultrapassado, cujo reconhecimento se requer.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exªs, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a douta sentença proferida em sede de 1ª Instância e substituída por outra que defira totalmente a Reclamação apresentada.
ASSIM SE FAZENDO A SEMPRE DOUTA E ACOSTUMADA JUSTIÇA!»

1.3. A Recorrida Fazenda Pública notificada do presente recurso não apresentou contra-alegações.


1.4. O DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos e, mantendo o entendimento vertido no parecer emitido em 1ª instância, concluiu que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

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Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia sobre a falta de citação da Recorrente, bem como de erro de julgamento, ao não ter concluído pela prescrição da dívida exequenda.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«FACTOS PROVADOS.
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, dão-se como provados os seguintes factos:
1. Sobre a Reclamante foi instaurado, em 22/11/2006 o processo de execução fiscal nº .....................081, no qual se encontrava em cobrança dívida referente a IRS do ano de 2002– cfr. pag. 11 do docs. de fls. 76 SITAF e informação de fls. 74 SITAF.
2. Em 23/01/2007 a Reclamante (conjuntamente com o seu marido) apresentaram junto do órgão de execução fiscal garantia, na modalidade de fiança, para suspender o processo de execução fiscal referido em 1 – cfr. fls. 12 a 15 do doc. de fls. 74 SITAF.
3. A garantida referida em 2 foi aceite e o pedido de suspensão do processo executivo foi deferido por despacho proferido em 22/02/2007 – cfr. pags. 16 e 17 do doc. de fls. 74 SITAF.
4. Em 03/04/2022 a Reclamante remeteu requerimento ao órgão de execução fiscal peticionando o pagamento em prestações da dívida exequenda no processo executivo referido em 1 – cfr. págs. 23 a 28 do doc. de fls. 74 SITAF.
5. O pedido de pagamento em prestações referido em 4 foi deferido por despacho do órgão de execução fiscal proferido em 18/03/2022 – cfr. págs. 29 a 32 do doc. de fls. 74 SITAF.
6. Em 14/07/2023 a Reclamante dirigiu requerimento ao órgão de execução fiscal peticionando a declaração da prescrição da dívida exequenda no processo executivo referido em 1 – cfr. doc. 1 junto com a petição de reclamação.
7. O requerimento referido em 6 foi objecto de decisão de indeferimento – cfr. doc. 2 junto com a petição de reclamação.
8. Da decisão de indeferimento referira em 7 apresentou a Reclamante reclamação nos termos do artigo 276º do CPPT – cfr. doc. 3 junto com a petição de reclamação.
9. Na sequência da apresentação da reclamação referida em 8, a decisão referida em 7 foi revogada pelo órgão de execução fiscal ao abrigo do artigo 277º do CPPT, com fundamento em errónea fundamentação daquele – cfr. doc. 4 junto com a petição de reclamação.
10. A revogação referida em 9 foi comunicada à Reclamante através de carta registada – cfr. pgs. 77 e 78 do doc. de fls. 74 SITAF.
11. Em decorrência da revogação referida em 9 foi reanalisado o requerimento referido em 6, tendo o órgão de execução fiscal, por despacho de 26/10/2023 proferido pelo director de finanças ..., indeferido o pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda referida em 1 – cfr. págs. 79 a 88 do doc. de fls. 74 SITAF.
12. A decisão referida em 11 foi notificada à Reclamante através de carta registada, tendo o respectivo ofício sido assinado pela Chefe de Finanças ..., constando do mesmo que era realizado ao abrigo de delegação de competências da Directora de Finanças ....
13. Em 02/02/2022, o órgão de execução fiscal proferiu despacho determinando a cessação da suspensão do processo executivo referido em 1 por efeito da apresentação de garantia referida em 2 e 3 e a citação do fiador da fiança referida em 2 e 3 para proceder ao pagamento da dívida exequenda no processo executivo referido em 1, em virtude do trânsito em julgado da decisão de improcedência do processo de impugnação judicial que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal ... sob o n.° de processo 92/07.1BEPRT – cfr. pág. 17 do doc. de fls. 74 SITAF.
14. À Reclamante foi remetido o conteúdo do despacho referido em 13 para seu conhecimento – cfr. págs. 21 e 22 do doc. de fls. 74 SITAF.
15. Em 22/12/2006 a Reclamante apresentou impugnação judicial da liquidação de IRS do ano de 2002 que consubstancia a dívida exequenda, a qual correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.° de processo 92/07.1BEPRT – facto de que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções, artigo 5°, n.° 2 alínea c) do CPC, aplicável ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT.
16. O processo referido em 15 foi definitivamente decidido por Acórdão proferido pelo TCA Norte em 16/09/2021, electronicamente notificado às partes em 20/09/2021 – facto de que o Tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções, artigo 5°, n.° 2 alínea c) do CPC, aplicável ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT.
Factos não provados
Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, inexistem factos que importe dar como não provados.
Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no processo de execução fiscal apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.».

3.1.2. Aditamento à matéria de facto
Por ser relevante para a presente decisão, constar de informações insertas nos autos e estar acessível – via sitaf e magistratus – a documentação comprovativa, ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662º do Código de Processo Civil, vamos proceder ao seguinte aditamento à matéria de facto provada:
17) Em 22.12.2006, a Recorrente e o seu, então, marido deduziram oposição à execução fiscal nº .....................081, referida no ponto 1 supra – cfr. fls. 5 do documento “petição inicial” do processo nº 522/07.2BEPRT.

3.1.3. Da impugnação da matéria de facto
A Recorrente impugna a matéria de facto que considera assente exclusivamente nas informações prestadas pela AT, a fls. 74 do sitaf, sem estar acompanhada dos respetivos documentos de suporte de apoio e validação da citada informação, pois sempre seriam exigíveis, não só os comprovativos de expedição das notificações, como os de receção pelo contribuinte.
Como é já bem sabido, a impugnação da matéria de facto faz impender sobre a Recorrente a observância de formalidades que não podem ser dispensadas.
De acordo com o disposto no artigo 640º, nº 1 do CPC, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Como refere Abrantes Geraldes a propósito desta norma (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2018, 5ª edição, a págs.165) sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos (…); e) O recorrente deixará expressa a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)».
Esclarece ainda o mesmo autor (cfr. obra citada, pág. 168 e 169) que a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
«a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4, e 641º nº 2, a. b);
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escritos, etc);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.».
Na situação vertente, como facilmente se alcança, a Recorrente omitiu a identificação dos concretos pontos de facto que entende enfermarem do vício que aponta o que, desde logo, determina a rejeição do recurso nesta parte.
E também não se diga que, pelo facto de identificar a informação da AT de fls. 74 do sitaf, alegadamente sem a respetiva documentação de suporte, já está o tribunal munido de informação suficiente para apreciar este fundamento do recurso. A verdade é que a “informação” a que se refere o comprovativo de entrega de fls. 74 do sitaf, contém diversos documentos extraídos do processo de execução fiscal, designadamente cópias de registos postais e de aviso de receção assinado pelo recetor, não sendo possível, portanto, apreender quais os concretos factos impugnados pela Recorrente.
Improcede, pois, o recurso quanto à matéria de facto.
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Estabilizado nestes termos o julgamento em matéria de facto, avancemos na apreciação jurídica do presente recurso.

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Na ótica da Recorrente, a sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade por omissão de pronúncia sobre a falta da sua citação para a execução fiscal.
Preceitua o artigo 125º, nº 1, do CPPT que «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.».
No mesmo sentido estabelece a alínea d) do nº 1 do artigo 615º CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e), do CPPT, ao estatuir que «1. É nula a sentença quando: (…) d) O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)».
Este vício está relacionado com a norma que disciplina as “Questões a resolver - ordem de julgamento(cf. artigo 608º, nº 2, do CPC) da qual resulta que o juiz «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal e, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio, tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais exceções invocadas.
Fica, pois, excetuado o conhecimento das questões relativamente às quais não corresponda qualquer pedido ou cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
Para efeito do contencioso tributário, “questão” é tudo aquilo que é suscetível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do ato impugnado.
Esta nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal não tome posição sobre alguma questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento (Cfr. acórdãos do STA nºs 574/11 de 13.07.2011 e 01200/12 de 12.02.2015 e do TCAN nos acórdãos nºs 01903/12.5 BEBRG de 26.09.2013, 1481/08.0BEBRG de 10.10.2013, 02206/10.5BEBRG de 16.10.2014 e 03589/04 - Aveiro).
No caso, efetivamente, a Recorrente alegou nos artigos 15º e 16º da p.i., o seguinte:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)».
Tratava-se, pois, de uma questão suscitada na p.i., à qual foi associado um concreto pedido; contudo, sobre esta matéria, nada foi considerado na sentença recorrida que, aliás, nem a equacionou como questão a decidir.
Ocorre, por isso, a apontada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas o artigo 665º, nº 1, do Código de Processo Civil, impõe ao tribunal de recurso o dever de, não obstante a declaração de tal nulidade, conhecer do objeto da apelação.
Assim, quanto à arguida nulidade da execução fiscal por falta de citação da executada, cabe dizer que, embora seja uma nulidade insanável quando possa prejudicar a defesa do interessado, como constitui jurisprudência consolidada dos nossos Tribunais superiores (cfr. os Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 24 de Fevereiro de 2010, rec. nº 923/08 e de 5 de Julho de 2012, rec. nº 873/11), tem de ser primariamente arguida perante o órgão de execução fiscal, intervindo o tribunal na apreciação da questão se, na sequência do indeferimento administrativo dessa arguição, a sua intervenção for requerida através de reclamação judicial deduzida nos termos dos artigos 276º e seguintes do CPPT. Só assim não será quando tal nulidade seja invocada como vício invalidante do próprio ato reclamado ao abrigo do artigo 276º do CPPT (cfr. Acórdãos do STA de 24/07/2013 e de 02/04/2014, rec. nº 1211/13 e 0217/14, disponíveis em www.dgsi.pt).
No caso vertente constata-se que, na primeira reclamação apresentada (visando o primeiro despacho do OEF proferido quanto à arguida prescrição, aludida no ponto 8 do probatório), após fazer menção aos concretos fundamentos do indeferimento do pedido de declaração da prescrição, entre os quais constava a «citação pessoal em 23-01-2007», a ora Recorrente alegou que não estava «junto, nem indicado, qualquer documento de suporte que valide a informação prestada sobre a efetiva prática dos factos supra descritos, nem documentos que comprovem o efetivo conhecimento (…) do conteúdo das notificações/citações alegadamente efetuadas.». Daí que, na decisão referida no ponto 9 do probatório, o OEF haja apreciado a questão e «(…) perante a ausência de documento que comprove a citação do (s) executado (s), conclui[u] pela existência de uma errónea fundamentação da informação que teve por base o despacho reclamado, pelo que, (…) impor-se-á que seja efetuada a reanálise do pedido de conhecimento da prescrição», com a consequente revogação do ato reclamado.
Dando de barato que, com a arguição da falta de citação, a Recorrente pretendia extrair todas as consequências que podem decorrer da nulidade insanável, mormente a prevista no nº 2, do artigo 165º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – a anulação dos termos subsequentes do processo que dela dependam absolutamente -, temos para nós como certo que, no caso, não ocorre a nulidade em causa por falta do pressuposto do prejuízo para a defesa do interessado.
Com efeito, a Recorrente (e o seu, então, marido) deduziu oposição à execução fiscal (cfr. ponto 17, por nós aditado), bem como requereu a prestação de garantia através de fiança (cfr. ponto 2 do probatório) e o pagamento da dívida em prestações (cfr. ponto 4 do probatório), ambos deferidos; ou seja, usou de todos os direitos que a citação lhe permitia exercer.
Nesta medida, impera concluir que a falta de citação da Recorrente não prejudicou a sua defesa e, por assim ser, não pode operar a nulidade insanável prevista no artigo 165º, nº 1, alínea a), do CPPT.
Assim, pese embora proceda o recurso quanto à arguida nulidade da sentença, conhecendo em substituição, julgamos improcedente este fundamento da reclamação.

3.2.2. Da prescrição
A Recorrente persiste na prescrição da dívida exequenda, insistindo que ocorreu paragem do processo durante mais de um ano e por facto a si não imputável, que não lhe é aplicável a nova redação do nº 2, do artigo 49º da LGT, bem como a irrelevância de interrupções sucessivas.
Vejamos, antes do mais, a fundamentação jurídica que sustenta, nesta parte, a sentença sob escrutínio:
«(…)
É incontrovertido que a dívida exequenda consubstancia uma dívida tributária.
A prescrição da dívida tributária é fundamento de extinção da obrigação tributária e do processo de execução fiscal sendo a mesma de conhecimento oficioso tanto pelo Tribunal como pelo órgão de execução fiscal – artigo 175º do CPPT.
É também incontrovertido que o prazo de prescrição da dívida exequenda é de 8 anos contado nos termos do n.º 1 do artigo 48º da LGT.
Sendo também incontrovertido […] que correspondendo a dívida exequenda a IRS do ano de 2002 se lhe aplicou ainda o regime consagrado na norma do n.º 2 do artigo 49º da LGT na versão anterior à da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (a qual dispunha que “A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.”.
Sendo que foi adquirido pelos presentes autos que a Reclamante apresentou impugnação judicial da liquidação de onde emerge e que consubstancia a dívida exequenda em 22/12/2006 – cfr. 15 dos factos provados. Processo esse que teve a sua decisão final proferida já no ano de 2021 – cfr. 16 dos factos provados.
Com efeito, o que importa aferir no presente caso é se a impugnação judicial apresentada pela Reclamante tem algum efeito sobre o decurso do prazo de prescrição da dívida exequenda.
Ora, sobre esta questão e em caso em tudo semelhante (tanto de facto, como quanto ao regime legal aplicável) ao sub judice já se pronunciou a jurisprudência dos Tribunais Superiores da jurisdição fiscal, em termos aos quais aderimos na íntegra e sem reserva, e que, tanto por uma questão de economia de meios, como em ordem a dar cumprimento às exigências de interpretação e aplicação uniformes do direito consagradas no artigo 8º, n.º 3 do Código Civil, mobilizamos o respectivo excerto como fundamentação da presente pronúncia.
Exararam-se os seguintes termos no Acórdão STA, de 07/01/2016, tirado no processo n.º 01564/15: “… Não há dúvidas, pois, quanto à aplicação do prazo de 8 anos previsto no n.º 1 do art. 48.º da LGT, com início da contagem em 1 de Janeiro de 1999. O que significa que a obrigação tributária extinguir-se-ia, em princípio e na ausência de factos interruptivos e ou suspensivos da prescrição, no dia 31 de Dezembro de 2007, como decorre das regras estabelecidas no art. 279.º, alínea c), do CC.
Contudo, em 16 de Abril de 2003, ou seja, antes de completado o referido prazo de prescrição, foram deduzidas impugnações judiciais contra os actos de liquidação de IRS e de liquidação IVA que deram origem às dívidas exequendas, impugnações que integram um acto interruptivo do prazo de prescrição à luz do n.º 1 do art. 49.º da LGT, na redacção então vigente e que, como tal, é a aplicável (As causas de interrupção ou suspensão da prescrição atendíveis para o cômputo em concreto do prazo de prescrição são as previstas na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 12.º do CC.).
Essa causa de interrupção – as impugnações judiciais – tem dois efeitos sobre a prescrição: para além de um efeito instantâneo, qual seja a eliminação do tempo decorrido anteriormente, um efeito duradouro, que consiste em obviar ao início do novo prazo durante o tempo em que estiver pendente o processo que provoca o efeito interruptivo. Na verdade, a interrupção da prescrição, como resulta expressamente do n.º 1 do art. 326.º do CC, aplicável quer às obrigações civis quer às obrigações tributárias, significa que todo o tempo decorrido até ao acto interruptivo é inutilizado para efeitos de prescrição. Mas, relativamente às obrigações de natureza tributária, a interrupção tem também um outro efeito, dito duradouro (A regra geral para as obrigações civis é a de que o facto interruptivo apenas tem efeito instantâneo, com a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente e imediato início do novo prazo, nos termos do n.º 1 do art. 326.º do CC («A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte»). A excepção, em que, a par desse efeito instantâneo, o facto interruptivo tem também um efeito duradouro (de impedir o início do novo prazo enquanto se mantiver pendente o processo) é a situação prevista no art. 327.º, n.º 1, do CC, ou seja, quando «a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral», caso em que «o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».), quer no domínio da vigência do Código de Processo das Contribuições e Impostos (cfr. art. 27.º, § 1), quer no domínio da vigência do CPT (cfr. art. 34.º, n.º 3), quer enquanto vigorou o n.º 2 do art. 49.º da LGT, que viria a ser revogado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro: o acto interruptivo obviava ao início da contagem do novo prazo de prescrição enquanto se mantivesse pendente o processo que determinou a interrupção, a menos que se verificasse a «paragem do processo por período superior a um ano estivesse parado por facto não imputável ao sujeito passivo», caso em que se somava «o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação» (Para maior desenvolvimento JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, págs. 57 e segs.).
Ou seja, a eficácia do facto interruptivo prolongava-se no tempo, obviando ao imediato início de contagem de um novo prazo prescricional. Só no caso de ocorrer uma paragem do processo por período superior a um ano, por facto não imputável ao contribuinte, é que o facto potencialmente interruptivo passava a ter um efeito meramente suspensivo (idêntico aos das causas suspensivas), pois se limitava então a impedir o decurso do prazo de prescrição entre a ocorrência do facto e a data em que se perfizesse um ano de paragem do processo por motivo não imputável ao sujeito passivo. Na expressiva terminologia deste Supremo Tribunal Administrativo, nesse caso o efeito interruptivo degradava-se em suspensivo.
Sucede, no entanto, que a referida Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007 (art. 163.º), revogou o n.º 2 do art. 49.º da LGT, salvaguardando apenas os casos em que, nessa data, tivesse já decorrido período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo (arts. 90.º e 91.º).
De tudo isto bem deu conta a sentença recorrida que, aplicando a lei aos factos, entendeu que, porque em 1 de Janeiro de 2007 os processos de impugnação judicial ainda não tinham parado por período superior a um ano, não ocorreu a referida “degradação” do efeito interruptivo em meramente suspensivo.
Assim, no caso sub judice, não ocorreu a cessação do efeito interruptivo, que se manteve até ao trânsito em julgado das decisões que puseram termo às impugnações judiciais. Ou seja, o efeito interruptivo decorrente da instauração das impugnações judiciais em 16 de Abril de 2003, que inutilizou todo o tempo anteriormente decorrido, só cessou com o trânsito em julgado dos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte que puseram termo a cada um dos 2 processos: um 11 de Junho de 2015, o outro em 30 de Abril de 2015 (cfr. factos provados sob os n.ºs 3 e 6). O que significa que a prescrição das obrigações tributárias correspondentes às dívidas exequendas ainda não decorreu.
A sentença, que decidiu neste sentido, não merece censura alguma.
Como deixámos dito, na tese do Recorrente, da revogação do n.º 2 do art. 49.º da LGT resulta que a partir de 1 de Janeiro de 2007 deixou de se manter o efeito duradouro do facto interruptivo.
Mas, salvo o devido respeito, não faz sentido argumentar com a cessação desse efeito duradouro por força da revogação da referida norma legal.
Recordemos aqui os ensinamentos de JORGE LOPES DE SOUSA: «[…] se tal paragem [do processo por mais de um ano por motivo não imputável ao sujeito passivo] não ocorreu até 31-12-2006, nos processos a que se aplica este novo regime, a interrupção da prescrição tem sempre o seu efeito próprio de inutilizar o tempo já decorrido e esse efeito não é destruído por eventual paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
Por outro lado, relativamente ao efeito suspensivo que estava associado ao acto interruptivo, numa primeira análise, parece que ele se manterá».
E explica porquê: «Na verdade, relativamente à reclamação, ao recurso hierárquico e à impugnação faz-se referência, como facto interruptivo, ao próprio processo (facto duradouro) e não à sua apresentação da peça processual que dá início àqueles meios processuais.
[…]
É certo que o facto de no novo n.º 4 se manter a referência ao efeito suspensivo da reclamação, impugnação, e recurso (para além da oposição, aditada neste n.º 4, quando comparado com o equivalente anterior n.º 3) pode sugerir a interpretação de que estes factos simultaneamente interruptivos e suspensivos só têm relevância suspensiva na situação prevista no n.º 4 de estar suspensa a cobrança da dívida [Será esta a tese do Recorrente, se bem interpretamos as alegações de recurso].
Isto é, tendo desaparecido, com a revogação do n.º 2 do art. 49.º, a cessação do efeito interruptivo que nele se previa para os casos de paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, os efeitos duradouros que o acto interruptivo produz durante a pendência do processo só terminarão com o termo do processo. Por isso, não se justificaria que, no novo n.º 4, se estabelecesse que o prazo de prescrição se suspende «enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso», pois esta suspensão já estaria assegurada, independentemente de se suspender ou não a cobrança da dívida, pelo efeito que estes mesmos meios processuais têm como factos interruptivos, que agora não cessa até ao termo do processo.
Porém, a manutenção desta referência ao efeito suspensivo da reclamação, impugnação e recurso, nos casos de determinarem a suspensão da cobrança da dívida (que é manifesto que resulta de uma intenção legislativa deliberada, pois a norma até foi reformulada, relativamente à equivalente anterior, que constava do n.º 3 do art. 49.º), explica-se pela inovação que consta da actual redacção do n.º 3 do mesmo artigo, de a interrupção ter lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar:
- o primeiro facto com efeito interruptivo produz os efeitos que produzia no domínio da redacção anterior, de eliminação do prazo decorrido anteriormente e de obstar ao decurso da prescrição, agora (com a eliminação do n.º 2) sempre, incondicionalmente, até se tornar definitiva a decisão que puser termo ao processo; [sublinhado nosso]
- os factos previstos como interruptivos que ocorram depois do primeiro, à face da nova redacção do n.º 3, não terão o referido efeito interruptivo, mas terão relevância como factos suspensivos da prescrição, desde que se verifique a condição da sua relevância a este nível, que é o processo respectivo determinar a suspensão da cobrança da dívida.
Esta interpretação é corroborada pelo próprio texto do novo n.º 3 do art. 49.º, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar», o que inculca que o regime do n.º 4, na parte que se refere aos factos qualificados pelo n.º 1 como interruptivos, tem o seu campo de aplicação nas situações em que esse efeito interruptivo é afastado pelo n.º 3» (Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, págs. 69 a 72.).
Ou seja, sempre salvo o devido respeito, a tese do Recorrente assenta num pressuposto que não acompanhamos, qual seja o de que, após a revogação do n.º 2 do art. 49.º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, a primeira causa de interrupção da prescrição (como o foi a instauração das impugnações judiciais no caso sub judice) deixou de ter (a par do efeito instantâneo, de eliminar para a prescrição o tempo anteriormente decorrido) o efeito duradouro, de obstar a que corra novo prazo de prescrição enquanto se mantiver pendente o respectivo processo…” – Acórdão disponível para consulta em www.dgsi.pt.
Assim, mobilizando o entendimento vertido na pronúncia jurisprudencial que supra transcrevemos para o caso sub judice, onde, conferindo a matéria de facto adquirida pelos presentes autos, se constata que a dívida exequenda corresponde a IRS do ano de 2002, que a Reclamante apresentou impugnação judicial da liquidação que consubstancia a dívida exequenda em 22/12/2006 e que só em 16/09/2021 foi proferido o Acórdão pelo TCA Norte que definitivamente resolveu esse processo de impugnação, é de se concluir, na esteira do entendimento da pronúncia supra transcrita, que o decurso do prazo de prescrição da dívida aqui exequenda se interrompeu com a apresentação da impugnação judicial aqui referida – a qual foi apresentada em momento em que ainda não se havia transcorrido o prazo de prescrição da dívida exequenda (o qual, sem a ocorrência de qualquer facto interruptivo ou suspensivo verificar-se-ia a 01/01/2011) e que, por via dos efeitos instantâneo e duradouro da interrupção do prazo de prescrição emergentes da apresentação dessa impugnação judicial, tal prazo prescricional só reiniciou o seu curso com o trânsito em julgado da decisão do TCA Norte que terminou o processo, a qual, como vimos, foi só proferia em 16/09/2021.
Deste modo, encontrando-nos ainda no início do ano de 2024, temos que ressalta manifesto que ainda não se transcorreram oito anos desde o trânsito em julgado da decisão do TCA Norte que findou o processo de impugnação judicial onde a Reclamante sindicou a legalidade da liquidação de onde emerge e que consubstancia a dívida exequenda necessários para a verificação da prescrição da mesma.
Donde é de se concluir que a dívida exequenda não se encontra prescrita.
A esta conclusão acresce ainda a circunstância de o curso do prazo de prescrição se encontrar igualmente suspenso desde 23/01/2007 em virtude de o presente processo de execução fiscal se encontrar suspenso em virtude de a Reclamante ter apresentado garantia para essa suspensão – cfr. 2 e 3 dos factos provados – a qual só cessou em Fevereiro de 2022 – cfr. 13 dos factos provados e de, também no âmbito do processo de execução fiscal que conforma a presente reclamação, a Reclamante ter apresentado e lhe ter sido deferido o pagamento em prestações da dívida exequenda – cfr. 4 e 5 dos factos provados.
Donde se retira que, também por efeito das suspensões do decurso do prazo de prescrição evidenciadas no parágrafo anterior – as quais, no presente caso, são despiciendas, em virtude do efeito interruptivo duradouro do prazo de prescrição adveniente da impugnação judicial apresentada pela Reclamante, pois por este são consumidas –, a dívida exequenda não se encontra prescrita. (…)».
Acolhemos, sem qualquer reserva, o entendimento jurisprudencial em que a sentença recorrida se apoiou, bem como a sua aplicação à situação dos presentes autos. Isto pese embora a Recorrente também haja deduzido oposição à execução fiscal, porquanto, no domínio da vigência da LGT, este facto só releva para efeito de suspensão do prazo prescricional [e já não para a sua interrupção pois, quanto a este meio processual, o legislador só atribuiu efeito interruptivo da prescrição à citação], desde que determine a suspensão da cobrança da dívida; isto é, desde que seja prestada ou constituída garantia, ou seja dispensada a sua prestação (cfr. artigos 49º, nº 4, e 52º, nº 1, 2, 4 e 5 da LGT).
Assim, só a impugnação judicial teve eficácia interruptiva da prescrição e, considerando a data da sua instauração (22.12.2006), não podia ter estado parada por mais de um ano até 01.01.2007.
Cabe, ainda, dizer que não se compreende o vertido na conclusão 18ª («não se tendo verificado no primeiro ano subsequente ao exercício em que ocorreu o facto tributário gerador da obrigação fiscal, a prática de qualquer ato tributário, em si mesmo, passível de interromper o decurso da prescrição, é manifesto que cessa o efeito interruptivo previsto para os atos elencados do n.° 1, do citado art.° 49° da LGT.»), porquanto, como resulta lógico, apenas pode cessar o efeito interruptivo se, antes, tiver ocorrido algum facto com a potencialidade de interromper a prescrição. Reconhecendo a Recorrente que não se verificou qualquer facto passível de interromper a prescrição, naturalmente, não pode considerar-se que, seja por que razão for, tal efeito deve ter-se por cessado, pois só pode cessar algo que se tenha iniciado. Por assim ser, cai toda a demais argumentação em que a Recorrente se sustenta para concluir que já está transcorrido o prazo de prescrição da dívida exequenda.
No mais, mantemos a fundamentação que consta da sentença, por acertada e adequadamente aplicada ao caso concreto, especificamente no que respeita ao termo do efeito interruptivo (com o transito em julgado da decisão final proferida no processo de impugnação), bem como à relevância e extensão do efeito suspensivo da prescrição decorrente da prestação de garantia.
Improcede, por isso, o recurso também nesta parte.

3.3. Da nulidade do ato reclamado
Após perorar sobre a ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de declaração de prescrição objeto destes autos, por ter (i) sido praticado na sequência da revogação de um outro, com idêntico sentido decisório, e (ii) a Recorrente notificada da extinção da primeira reclamação, sem (iii) respeito pelo prazo de que a AT dispunha para a revogação do primeiro ato e (iv) consequente extinção da execução fiscal, considerando, ainda, que a prolação de novo ato constitui uma (v) fundamentação a posteriori, conclui a Recorrente que a «nova decisão proferida, não se considera legalmente admissível, pois a própria lei processual não o prevê e nem o admite, pelo que, os princípios de certeza e segurança jurídica se mostram violados» e, além disso, não podia o OEF «substituir-se ao órgão decisor, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, revogando e praticando novo ato, por reconhecer a insuficiência da fundamentação no que respeita a questões adjetivas e substantivas, não retirando todas as consequências legais resultantes da revogação operada, o que, constitui nulidade, vício que se deixa invocado para todos os devidos e legais efeitos».
No que a esta questão respeita, ficou vertido na sentença recorrida:
«(…) impõe-se que teçamos um considerando relativamente à parte da petição de reclamação que a Reclamante identifica como “questão prévia”, no sentido de que a alegação aí empreendida tem como objecto a decisão do órgão de execução fiscal que fora previamente revogada e que é antecedente à decisão sob reclamação na presente acção.
Pelo que, nessa decorrência, temos que as alegações aí empreendidas extravasam do perímetro do objecto do presente processo, que é precisamente constituído pela legalidade do acto efectivamente aqui reclamado e não qualquer outro. O que implica que as mesmas não possuem a virtualidade de fazer incidir sobre o acto ora reclamado nenhuma invalidade, pois que tais alegações têm como referente (e, bem assim, objecto) um acto que fora anteriormente revogado pelo órgão de execução fiscal e não aquele que aqui é alvo de reclamação.
Devendo-se ainda evidenciar que mesmo o putativo efeito de caso decidido que se depreende que a Reclamante pretende extrair da decisão de revogação a que alude (com esses putativos efeitos a serem transmitidos ao acto aqui sob reclamação) não é de acolher na medida em que a revogação em causa se sustentou em deficiências de fundamentação detectadas pelo órgão de execução fiscal – cfr. 9 dos factos provados – e não em considerações ou fundamentos de índole material sobre a pretensão da Reclamante. Pelo que nada obstaria a que o órgão de execução fiscal reemitisse decisão sobre o requerimento apresentado pela Reclamante expurgada das deficiências formais que previamente detectara.
Consequentemente, não são de acolher nem considerar as considerações tecidas pela Reclamante na parte da petição de reclamação que titula “questão prévia”.».
Sucede que, nesta parte do recurso, a Recorrente alheou-se totalmente da fundamentação que consta da sentença recorrida, não lhe assacando qualquer vício, limitando-se a repetir o que, a este propósito, havia alegado na petição inicial.
Ora, como tem sido reiteradamente afirmado, o objeto do recurso jurisdicional é a sentença e não o ato objeto da sua pronúncia, por isso, a análise do Tribunal de recurso deve cingir-se aos vícios/erros apontados à sentença. Efetivamente e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Verificando-se que, nesta parte, nenhum erro é apontado à sentença, forçoso é concluir que inexiste fundamento para pronúncia deste Tribunal.
*
Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – É nula, por omissão de pronúncia, a sentença que não aprecia questão suscitada na p.i., à qual foi associado um concreto pedido.
II - Deve ser rejeitado o recurso em matéria de facto se a Recorrente omitiu a identificação dos concretos pontos de facto que entende enfermarem do vício que aponta.
III – A instauração de oposição à execução fiscal só releva para efeito de suspensão do prazo prescricional, desde que determine a suspensão da cobrança da dívida; isto é, desde que seja prestada ou constituída garantia, ou seja dispensada a sua prestação (cfr. artigos 49º, nº 4, e 52º, nº 1, 2, 4 e 5 da LGT).
IV – Não configura a nulidade insanável prevista no artigo 165º, nº 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a falta de citação da Recorrente se não houve prejuízo para a sua defesa.
V - O objeto do recurso jurisdicional é a sentença e não o ato do OEF objeto da reclamação, por isso, a análise do Tribunal de recurso deve cingir-se aos vícios/erros apontados à sentença.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder parcial provimento ao recurso, declarando a nulidade parcial da sentença e, conhecendo em substituição, julgar a reclamação improcedente quanto à arguida nulidade por falta de citação, mantendo, porém, a sentença em tudo quanto nela foi apreciado e decidido.

Custas por ambas as partes, na proporção de 90% para a Recorrente e 10% para a Recorrida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, as quais não incluem, para esta última, a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 24 de abril de 2024

Maria do Rosário Pais – Relatora
Vítor Domingos de Oliveira Salazar Unas – 1º Adjunto
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio– 2ª Adjunta