Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00377/22.7BEPRT |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 03/21/2025 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | LUÍS MIGUEIS GARCIA |
| Descritores: | RESPONSABILIDADE; JUSTIÇA; PRAZO RAZOÁVEL; |
| Sumário: | I – Uma vez constatada uma violação do art. 6º, § 1º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, que será sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não vêem as suas pretensões resolvidas por um acto final do processo em tempo razoável.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
| Decisão: | Conceder parcial provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: «AA» (Rua ..., ... ...), interpõe recurso jurisdicional de sentença proferida pelo TAF do Porto, que julgou improcedente acção administrativa intentada contra o Estado Português. Conclui o recorrente: 1. Do direito a uma decisão em prazo razoável O direito a uma decisão judicial em prazo razoável encontra-se expressamente previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), sendo um direito fundamental e uma garantia essencial da tutela jurisdicional efetiva em qualquer Estado de Direito. A violação deste direito configura uma ofensa à efetividade da justiça e ao acesso dos cidadãos a uma resolução célere dos seus litígios. 2. Do atraso processual e da sua qualificação como “funcionamento anormal do serviço” A doutrina, nomeadamente Carlos Alberto Fernandes Cadilha em Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas – Anotado, sublinha que a morosidade processual pode configurar um “funcionamento anormal do serviço” nos termos do artigo 7.º, n.º 4, da Lei n.º 67/2007, quando o Estado falha em providenciar uma decisão em prazo razoável, seja por falhas individuais dos magistrados, por limitações estruturais do sistema judicial ou por fatores que resultem na postergação injustificada do processo. 3. Da jurisprudência nacional e europeia sobre o conceito de prazo razoável A jurisprudência nacional, como no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 1427/19.0BELSB, e a jurisprudência do TEDH, em casos como Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal e Scordino v. Itália, têm defendido que o prazo razoável deve ser aferido in concreto, considerando a complexidade do processo, o comportamento das partes e a diligência dos tribunais. No caso presente, o processo de insolvência, que perdura há mais de 12 anos, ultrapassa amplamente o limite aceitável, sem que existam justificativas adequadas para a sua duração. 4. Da presunção de dano não patrimonial em razão da demora processual A jurisprudência, tanto nacional quanto do TEDH, tem estabelecido que o dano moral decorrente de uma violação do direito a uma decisão em prazo razoável se presume, como reconhecido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05.07.2018 (Processo n.º 0259/18). O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31.01.2018, processo n.º 1444/12.0BELS, reforça essa presunção, afirmando que os danos morais associados à ansiedade e frustração causadas pela demora processual não necessitam de prova específica, sendo suficiente a demonstração da dilação indevida do processo para que a reparação seja devida. 5. Da ilicitude pela anormalidade do funcionamento dos serviços de justiça A ilicitude resulta do atraso injustificado e prolongado, caracterizando-se como um funcionamento anormal do serviço, nos termos do artigo 7.º, n.º 4 da Lei n.º 67/2007. No presente caso, o processo, instaurado em 2011 e ainda não concluído, revela um desrespeito flagrante ao dever de celeridade processual. Este entendimento está alinhado com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 07.05.2012 (Processo n.º 02767/06.3BEPRT), que afirma que o Estado é responsável pela organização dos meios necessários para garantir a prontidão dos tribunais, não podendo a escassez de recursos justificar o atraso. 6. Da responsabilidade civil do Estado e do nexo de causalidade entre a ilicitude e o dano A responsabilidade civil extracontratual do Estado, prevista no artigo 12.º da Lei n.º 67/2007, exige a verificação dos pressupostos do dano, da ilicitude, da culpa e do nexo de causalidade. A demora indevida é, por si só, uma causa direta de dano emocional ao Recorrente, que se vê privado de uma resposta definitiva para sua situação jurídica, gerando-lhe frustração, ansiedade e desgaste psicológico. Conforme o Acórdão Ferreira Alves v. Portugal do TEDH, o sofrimento emocional e a insegurança decorrentes do prolongamento injustificado de um processo judicial criam um nexo de causalidade direto e presumido com o dano sofrido pelo lesado. 7. Da culpa do Estado pela ausência de diligências processuais O artigo 4.º da Lei n.º 67/2007 estabelece que a culpa do Estado é verificada não apenas pela inação dos magistrados, mas também pela falta de organização eficaz do sistema judicial, de modo a prevenir atrasos. A ausência de ações para agilizar o processo demonstra uma inércia estrutural que impõe ao Estado a responsabilidade pela reparação dos danos causados. O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (Processo n.º 02767/06.3BEPRT) sustenta que o volume de trabalho e a falta de recursos não são justificativas para a demora judicial, cabendo ao Estado prover os meios necessários para a celeridade da justiça. 8. Do quantum indemnizatório e da fixação da compensação por danos morais A jurisprudência nacional e do TEDH estabelecem como critério de compensação o valor entre €1.000 e €1.500 por ano de atraso, como exposto no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31.01.2018 (Processo n.º 1444/12.0BELS). O Recorrente, ao pleitear uma indemnização de €12.000,00, fundamenta-se nesses parâmetros e nos 12 anos de espera indevida, sendo o valor proporcional ao desgaste emocional sofrido e à expectativa frustrada de uma resolução judicial. O artigo 496.º, n.º 4 do Código Civil autoriza o Tribunal a fixar este valor de modo equitativo, considerando a duração e o impacto psicológico na esfera do Recorrente. 9. Considerando a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o atraso de mais de uma década no presente processo de insolvência, a presunção de dano moral e os parâmetros jurisprudenciais para a fixação de indemnizações, conclui-se que o Estado deve ser responsabilizado pelo funcionamento anormal do serviço e pelo sofrimento causado ao Recorrente. O recorrido contra-alegou, concluindo: 1 – O recurso vem interposto da douta sentença proferida na Ação em apreço em 03/10/2024 que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu o Réu Estado Português do pedido; 2 – A douta sentença agora em crise concluiu que, “…apesar da duração do processo que corre termos no Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo 3, sob o n.º 714/11.0TJPRT, a demora na obtenção de decisão judicial em prazo razoável não é ilícita, deste modo ficando afastado o pressuposto da ilicitude.”; 3 – Com efeito, não há indemnização sem a existência de comportamento ilícito, como um dos requisitos essenciais e cumulativos da obrigação indemnizatória; 4 - Sendo certo que, a pendência processual acarreta consequências próprias dos riscos normais da atividade judiciária (ou para-judicial e administrativa), exercida em benefício da sociedade que não reconduz à obrigação de indemnizar; 5 – Acresce que o Autor nunca diligenciou pelo andamento mais célere do processo, pois nunca requereu aceleração processual do mesmo, nem utilizou qualquer outro meio ao seu dispor para tal; 6 - Como é entendimento doutrinal e jurisprudencial consensual, a simples constatação em abstrato da inobservância de prazos processuais não preenche a previsão dos arts. 20.º, nº 4, da CRP e 6.º, § 1º, da CEDH, nem consubstancia automaticamente a prática de um facto ilícito (e culposo), por se considerar que os preceitos legais que fixam prazos para magistrados e funcionários praticarem, no processo, os respetivos atos, integram disposições meramente ordenadoras /disciplinadoras da prática da atividade judiciária; 7 - Pelo que, a douta sentença agora em crise ao entender que não se mostra preenchido o requisito da ilicitude para a obrigação de indemnizar, nenhum reparo nos deve merecer; 8 -Por conseguinte, a Mma Juiz a quo fez, salvo melhor entendimento, uma correta interpretação da Lei, devendo ser confirmada nos seus precisos termos a douta decisão recorrida. * Dispensando vistos, cumpre decidir. * Os factos, que na decisão recorrida vêm julgados como provados: A. Em 12.04.2011, deu entrada, na Secretaria-Geral dos Juízos Cíveis do Porto, petição inicial apresentada por «AA», que deu origem ao processo n.º 714/11.0TJPRT, tendente à declaração de insolvência de «BB» e à obtenção do pagamento de um crédito sobre o Requerido no valor global de €1.190,27 (cf. petição inicial a fls. 1 a 95 do documento n.º 008703272 a fls. 7570, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); B. Em 14.04.2011, o referido processo foi concluso ao juiz titular, tendo este, na mesma data, proferido despacho a ordenar a notificação do requerente para juntar cópia da decisão do apoio judiciário (cf. despacho a fls. 98 do documento n.º 008703272 a fls. 7570, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); C. Em 25.05.2011 foi ordenada a citação do requerido (cf. despacho a fls. 123 do documento n.º 008703272 a fls. 7570, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); D. Em 26.05.2011 o requerido foi citado para deduzir oposição através de funcionário judicial em 20.07.2011 (citação a fls. 124-127 do documento n.º 008703272 a fls. 7570, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); E. Em 29.08.2011, foi proferida sentença que declara a insolvência de «BB» e que nomeia como administradora da insolvência «CC» (cf. sentença a fls. 382-384 do documento n.º 008703272 a fls. 7570, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); F. Em 30.08.2011, a sentença foi cumprida pela secretaria, tendo os cinco credores do insolvente sido citados para o conteúdo da mesma (cf. citações a fls. 403-412 do documento n.º 008703272 a fls. 7570, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); G. Em 07.10.2011 o processo foi concluso ao juiz titular tendo, em 11.10.2011, o juiz titular, em complemento da sentença de insolvência, proferido despacho a dispensar a nomeação da comissão de credores, atento o reduzido número de credores e a exiguidade da massa falida, a fixar em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos, a designar data para a reunião da assembleia de credores e a declarar aberto o incidente de qualificação de insolvência com caráter pleno (cf. despacho a fls.541-542 do documento n.º 008703272 a fls. 7570, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); H. Em 12.10.2011, a secretaria cumpriu o despacho no dia seguinte (cf. notificações a fls. 543- 569, editais a fls. 570-573, anúncio a fls 574-575, citação a fls. 576-686 do documento n.º 008703272 a fls. 7570, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); I. Em 17.11.2011 foi autuado o Apenso A, para Apreensão de bens, com base no requerimento da administradora da Insolvência, que veio juntar Auto de Arrolamento e Apreensão de Bens, efetuado em 03.11.2011, no qual constam discriminadas duas verbas: – 1/9 de um prédio urbano, espaço amplo, descrito na Conservatória do Registo predial sob o n.º ...48 “B” e um veículo automóvel da marca FIAT, com a matrícula ..- ..-PC (cf. documento n.º 008703267 a fls.7514, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); J. Em 10.09.2012, foi apreendida uma fração autónoma designada pela letra “J”, destinada a habitação, tipologia T3, na proporção de 1/9, descrito na CRP sob o n.º ...48... – (cf. auto de arrolamento e apreensão de bens a fls. 26 do documento n.º 008703267 a fls.7514, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); K. Em 14.02.2012 foi autuado o Apenso B, de Reclamação de Créditos, no qual, em 16.02.2012, foi proferida sentença em que foram reconhecidos e graduados os créditos (cf. autuação a fls. 32 e sentença a fls. 33-34 do documento n.º 008703262 a fls. 6641, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); L. Em 15.02.2012 foi autuado o Apenso C, de Incidente de Qualificação da Insolvência, a qual veio a ser declarada como culposa por sentença de 08.05.2012 (cf. autuação a fls. 65 e sentença a fls. 66-67 do documento n.º 008701738 a fls. 410, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); M. Em 15.05.2012 foi autuado o Apenso D, de Verificação Ulterior de Créditos e Outros Direitos, onde o Ministério Público vem reclamar créditos da Fazenda Nacional, reclamação considerada procedente (cf. autuação a fls. 169 e sentença a fls. 203-204 do documento n.º 008701738 a fls. 410, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); N. Em 17.09.2012 foi autuado o Apenso E, de Verificação Ulterior de Créditos e Outros Direito, onde o reclamante é o Autor, vindo reclamar um crédito de €3.000,00 (cf. autuação a fls. 24 e sentença a fls. 161-162 do documento n.º 008701748 a fls. 678, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); O. Em 23.10.2013 foi autuado o Apenso F, de Liquidação, com base no requerimento da administradora da insolvência, onde a mesma vem dar conhecimento que, no seguimento da resolução do contrato de compra e venda celebrado entre o insolvente e seus pais em 13.10.2008, relativo à fração autónoma designada pela letra “J”, descrita sobre o n.º ...48 da freguesia ..., ..., artigo 10571 J, se encontrava em condições de proceder à anulação da AP 1 de 2008/07/22 que incidia sobre o imóvel e respetivo registo da declaração de insolvência e que estavam a ser efetuadas diligências para a obtenção de relatório de avaliação do imóvel, tendo deste requerimento sido notificados os credores (cf. autuação a fls. 4, requerimento a fls. 2. e notificações a fls. 8-17 do documento n.º 008701868 a fls. 1393, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); P. Em 18.03.2015 a administradora da insolvência veio dar conhecimento, no Apenso de Liquidação, de que o relatório de avaliação havia sido efetuado relativamente às duas frações apreendidas nos autos – B e J -, no total de € 69.900,00 e de que os pais do insolvente haviam intentado, em 19.09.2014, uma ação contra a Massa Insolvente, que corria termos sob o n.º 413/14.08T8PRT, no Juízo 6 da Instância Local Cível da Comarca do Porto, onde pediam a revogação da resolução levada a cabo pela Massa Insolvente, relativa ao contrato de compra e venda da fração designada pela letra J e que tal ação já havia sido contestada pela Massa Insolvente, no sentido de se manterem os efeitos da resolução em beneficio da massa insolvente, mais entendendo que o Apenso de Liquidação deveria ficar a aguardar decisão a proferir naquela ação (cf. requerimento a fls. 13-14 do documento n.º 008701978, a fls. 1944, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); Q. Em 09.11.2015, foi proferido despacho que determinou a remessa do processo n.º 413/14.0T8PRT (que correu termos, inicialmente, no Juízo 6 da Instância Local Cível da Comarca do Porto), ao processo n.º 714/11.0TJPRT (cf. despachos a fls. 12-13 do documento n.º 008703039, a fls. 2859, numeração SITAF), e constitui o Apenso G, autuado em 01.12.2015 (cf. autuação a fls. 15 do documento n.º 008703039, a fls. 2859, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); R. Por despacho de 07.12.2015, proferido no Apenso G, foi determinado que a Liquidação, a efetuar no Processo de Insolvência, ficasse suspensa, até que a ação intentada viesse a ser decidida (despacho a fls. 16-17 do documento n.º 008703039, a fls. 2859, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); S. Em 16.01.2016 foi proferido, no âmbito do processo n.º 413/14.0T8PRT, saneador-sentença que julgou procedente a exceção da caducidade do direito dos autores a impugnar a resolução do negócio jurídico e a absolver a ré (Massa Insolvente) do pedido (cf. saneador-sentença a fls. 491-500 do documento n.º 008703039, a fls. 2859, numeração SITAF); T. Desta decisão foi interposto recurso de apelação pelos autores, o qual foi julgado improcedente por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30.05.2017 (cf. acórdão a fls. 786-793 do documento n.º 008703039, a fls. 2859, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); U. Nessa sequência, a administradora da insolvência apresentou, em 07.06.2017, requerimento onde veio pedir o cancelamento da hipoteca voluntária sobre o imóvel objeto de resolução em benefício da Massa Insolvente (cf. requerimento a fls. 42-44 do documento n.º 008703011, a fls. 2643, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); V. Em 20.10.2017, a Banco 1..., credora, veio dizer aos autos que a resolução não lhe era oponível, por ser terceiro de boa-fé, pelo que devia manter-se a hipoteca sobre o imóvel (cf. requerimento a fls. 46-51 do documento n.º 008703039, a fls. 2859, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); W. Em 28.11.2018, foi proferida sentença de verificação ulterior de verificação de créditos no Apenso H, onde se julgou reconhecido o crédito da Banco 1..., credor hipotecário sobre a fração autónoma designada pela letra “J”, no valor de €55.593,64 (cf. sentença a fls. 519-520 do documento n.º 008703216, a fls. 4556, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); X. Em 22.02.2019, a administradora da insolvência veio dizer que, em face do trânsito em julgado da referida sentença de verificação ulterior de verificação de créditos no Apenso H nada obstava à venda do imóvel, pelo que se tornava necessário efetuar a sua avaliação (cf. requerimento a fls. 147-148 do documento n.º 008703011, a fls. 2643, numeração SITAF), tendo sido notificados deste requerimento todos os intervenientes processuais (notificações a fls. 150-216 do documento n.º 008703011, a fls. 2643, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); Y. Em 21.07.2019, a administradora da insolvência veio informar os autos da junção do relatório da avaliação efetuada pelo credor hipotecário ao imóvel designado pela letra ... e de que iria agendar a venda na plataforma eleilões, com registos fotográficos, depois de obtida a resposta solicitada ao mandatário dos pais do insolvente, para diligenciar pela desocupação do imóvel, dado que aqueles ainda o ocupavam (cf. requerimento a fls. 5-6 do documento n.º 008701773, a fls. 887, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); Z. Em 30.09.2019, e tendo sido notificada para o efeito, a administradora da insolvência veio informar que os pais do insolvente ainda se encontravam a ocupar o imóvel e que, previamente ao uso da força, iria, por carta, instá-los a desocupar o imóvel (cf. requerimento e respetivo documento a fls. 92-95 do documento n.º 008701773, a fls. 887, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); AA. Não tendo os pais do insolvente desocupado o imóvel, em 22.01.2020 a administradora da insolvência veio requerer que se autorizasse o auxílio de força pública com vista a tomar posse efetiva do imóvel (cf. requerimento a fls. 106-107 do 008701773, a fls. 887, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); BB. Por despacho de 12.03.2020, o insolvente foi destituído do cargo de depositário e foi ordenada a imediata entrega do imóvel, livre de pessoas e bens, à administradora da insolvência (cf. despacho a fls. 112-113 do 008701773, a fls. 887, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); CC. Por despacho de 13.07.2020, foi determinada a suspensão da diligência coercitiva de entrega do imóvel, em virtude do disposto no artigo 6.º-A, alínea b), da Lei n.º 1- A/2020, de 19.03 (medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV2 e da doença COVID-19), na redação dada pela Lei n.º 16/2020, de 20.05 - suspensão de prazos em virtude da pandemia (cf. despacho a fls. 1 do documento n.º 008701813, a fls. 1090, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); DD. Por despacho de 12.11.2020, foi determinada a manutenção da suspensão da diligência coercitiva de entrega do imóvel, pelas mesmas razões (cf. despacho a fls. 41-42 do documento n.º 008701813, a fls. 1090, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); EE. Por despacho de 11.11.2021, foi determinada a manutenção da suspensão da diligência coercitiva de entrega do imóvel, até que entre em vigor diploma que revogue o disposto no artigo 6.º-A, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 (cf. despacho a fls. 116-117 do documento n.º 008701813, a fls. 1090, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); FF. Por despacho de 15.09.2022, foi determinada a manutenção da suspensão da diligência coercitiva de entrega do imóvel, até que entre em vigor diploma que revogue o disposto no artigo 6.º-A, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 (cf. despacho a fls. 4-6 do documento n.º 008701814, a fls. 1295, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); GG. Os Apensos H, autuado em 03.10.2017 (cf. autuação a fls. 55 do documento n.º 008703216 a fls. 4100, numeração SITAF), I, autuado em 11.10.2019 (cf. autuação a fls. 53 do documento n.º 008703248 a fls. 6254, numeração SITAF) e J, autuado em 21/08/2020 (cf. autuação a fls. 108 do documento n.º 008703226, a fls. 5100, numeração SITAF), constituem reclamações de créditos ulteriores, dos credores, Banco 1..., credor hipotecário sobre a fração autónoma designada pela letra “J” (cujo crédito foi julgado verificado e graduado por sentença de 28.11.2018), «DD» (cujo crédito não foi julgado verificado, por extemporâneo) e «AA» (cujo crédito foi julgado verificado e graduado por sentença de 19.01.2020 (cf. sentença a fls. 443-444 do documento n.º 008703226 a fls. 5100, numeração SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); HH. Existem 11 apensos associados ao processo de insolvência n.º 714/11.0TJPRT (cf. documento com o n.º 008701563 - Ofício (404-408), numeração SITAF). * A apelação O Autor peticionou a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 12.000,00, acrescido de juros de mora legais desde a citação até integral pagamento e, bem assim, no pagamento de custas e procuradoria condigna, tendo por fundamento a violação do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Consagra-se em tais preceitos, respectivamente, que “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” e que «Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela». Cabe também lembrar o art.º 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (“RRCEE”), anexo à Lei n.º 67/2007, de 31/12, no qual se prescreve: “Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.”. O tribunal “a quo” julgou improcedente a acção, absolvendo o réu. Depois de um geral enquadramento, viu em particular: «Isto posto e revertendo à situação em apreço, importa em primeiro lugar levar em linha que o processo n.º 714/11.0TJPRT, tem em vista a declaração de insolvência de pessoa singular – «BB», devedor do aqui Autor, «AA», que veio a ser declarado insolvente por sentença de 29.08.2011, e pelo qual o Autor pretendia obter o pagamento do crédito no valor de €1.190,27. Sucede que o referido processo n.º 714/11.0TJPRT soma 11 apensos – A, B, C, D, E, F, G, H, I, J e K, todos eles tramitados normalmente, sendo que um deles – o F, atinente à liquidação, e cuja venda do imóvel apreendido foi sendo postergada, por diversas razões; em primeiro lugar, face à instauração de uma acção contra a massa insolvente, impedindo essa mesma venda, e que inclusivamente determinou a suspensão da tramitação do processo de insolvência até que a dita acção fosse decidida; depois pela situação pandêmica vivenciada que justificou nova suspensão da tramitação processual e por fim pela inviabilização da entrega do imóvel pelos então ocupantes. Efectivamente, a entrega e venda do imóvel do insolvente não decorreu como seria suposto por facto não imputável ao Tribunal, e que justificou grande parte da delonga, tendo mesmo sido intentada uma ação contra a Massa Insolvente, onde os pais do insolvente (que viviam no referido imóvel) pediam a revogação da resolução levada a cabo pela Massa Insolvente, relativa ao contrato de compra e venda da fração designada pela letra J dos factos dados como provados). Só essa ação implicou o decurso de cerca de três anos. Acresce que o Tribunal entendeu, posteriormente ao termo dessa ação, ser de suspender pelo menos desde 13.07.2020 e, posteriormente, por despacho de 15.09.2022, ser de manter a suspensão da diligência coercitiva da entrega do imóvel em virtude da aplicação de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV2 e da doença COVID-19. Contra o que o Autor não se insurgiu, nada tendo adoptado qualquer comportamento processual que permitisse alterar as aludidas decisões de suspensão da tramitação processual por mais de 5 anos. É também inequívoca a complexidade do processo de insolvência em análise, com 11 apensos, um dos quais a que fora atribuída a letra F – e no qual surgiram entropias não imputáveis ao Tribunal, pela não colaboração dos que residiam no imóvel que integrara a massa insolvente e pela acção que os mesmos intentaram para obstar à desocupação e entrega do mesmo. Analisada a tramitação do processo em causa, e como bem aponta o Réu, embora o processo n.º 714/11.0TJPRT tenha já uma duração considerável, não existem atrasos no mesmo que se possam imputar aos magistrados judiciais, aos oficiais de justiça ou à administradora da insolvência. Todos eles agiram em cumprimento dos despachos e formalidades que lhes foram exigidas, quer pela lei quer pela prática judicial, sempre tendo promovido o andamento do processo. Ademais, o Autor não diligenciou no sentido de pugnar pelo andamento mais célere do processo, porquanto bem sabia que estava a ser cumprida a tramitação processualmente devida face às exigências da situação em concreto Ou seja, a delonga processual decorreu da utilização dos mecanismos legalmente previstos, e que visam assegurar a defesa da posição jurídica das partes; nem o Autor aponta em concreto qualquer situação que assim não seja. Sendo certo que o Autor apenas peticiona a este Tribunal a apreciação da responsabilidade civil pela violação do direito de obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável, pelo que a análise a efectuar terá que se cingir a esse instituto, e que para efeitos da responsabilização por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, exige-se a violação grosseira, irrazoável e completamente injustificada dos aludidos prazos, o que, face a todo o alegado, não resultou provado. Atento o exposto, concluímos que, apesar da duração do processo que corre termos no Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo 3, sob o n.º 714/11.0TJPRT, a demora na obtenção de decisão judicial em prazo razoável não é ilícita, deste modo ficando afastado o pressuposto da ilicitude. Sendo os pressupostos da responsabilidade civil de verificação cumulativa, a presente ação tem de improceder por falta de verificação do pressuposto da ilicitude.». Vejamos. O tribunal “a quo” assinalou que “não existem atrasos no mesmo que se possam imputar aos magistrados judiciais, aos oficiais de justiça ou à administradora da insolvência”. Mas não é necessária tal imputação. Como se escreve no Ac. deste TCAN, de 23-06-2022, «(…) no que à responsabilidade por não prolação de decisão em prazo razoável concerne, refere CARLOS ALBERTO CADILHA (cf. ob. cit., pág. 242 e seg.), “(…) A responsabilidade civil por danos derivados da actividade judiciária administrativa, a que se torna directamente aplicável o regime dos artigos 7.º e seguintes da presente Lei, abrange situações de deficiente funcionamento da justiça que não resultem directamente de actos jurisdicionais em sentido próprio. Poderá tratar-se, por outro lado, de uma responsabilidade que derive da actuação de um determinado magistrado ou funcionário, ou, diferentemente, de uma responsabilidade que, não podendo ser imputada a um concreto interveniente processual, resulte do funcionamento anormal do serviço considerado no seu conjunto, em correspondência com a situação prevista no artigo 7.º, n.º 4. Em qualquer destas modalidades, o dever de indemnizar pressupõe, não apenas um comportamento antijurídico, traduzido na prática de um facto ilícito, como também num juízo de censura que, quando imputável ao serviço em si mesmo considerado, equivale ao conceito de culpa do serviço (…)”. Mais esclarece o citado autor que a “(…) culpa do serviço (que corresponde à figura da faute du service da doutrina francesa) visa abranger os danos que provenham de uma culpa colectiva, atribuível a um deficiente funcionamento do serviço, ou de uma culpa anónima, resultante de um concreto comportamento de um agente cuja autoria não seja possível determinar. (…) A faute du service pressupõe, portanto, a concorrência de dois elementos distintos: um elemento objectivo, que se traduz num comportamento antijurídico de que resulte a violação de direitos ou interesses legalmente protegidos, quando tal comportamento seja imputável ao serviço globalmente considerado e não a um titular de órgão, funcionário ou agente individualizado; um elemento subjectivo, que decorre de um juízo de censura que está naturalmente associado à conduta deficiente que é imputada à Administração – ou porque existe um comportamento culposo de um titular de órgão, funcionário ou agente que não foi possível identificar; ou porque a produção do facto lesivo resultou de uma actuação global culposa, para que podem ter concorrido vários agentes do mesmo serviço ou agentes de serviços diferentes (…)” (cf. ob. cit., pág. 198 e seg.). Já o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão proferido no Proc. n.º 0319/08, acima já mencionado, refere que: “(...) A culpa resulta da ilicitude e do próprio facto de o serviço não funcionar de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são esperados e que constituem uma obrigação do Estado de Direito perante os cidadãos”. Na verdade, “(…) O pressuposto da culpa, como nexo de imputação do facto ao agente, não é forçoso que se traduza numa culpa pessoal, a qual, no caso concreto, pode nem sequer existir, bastando que exista a culpa do serviço, globalmente considerado. Por isso, se tende a considerar que o arrastamento de um processo resulta tipicamente de uma massa de actos e omissões de funcionários e magistrados que se vão ocupando sucessivamente dos autos, bem como de deficiências organizatórias, escassez de meios e vicissitudes de toda a ordem, incluindo condutas das partes e dos restantes sujeitos com intervenção processual» – Luís Fábrica, “Notas sobre a Responsabilidade Civil por violação do Direito a uma Decisão Judicial em Prazo Razoável», in AB INSTANTIA, Revista do Instituto do Conhecimento AB, Abril 2013, Ano I, Nº 1, pág. 52. (…)” (cf. acórdão do TCAS de 20.03.2014, Proc. n.º 09034/12).». Da jurisprudência do STA recolhe-se (Ac. de 02-07-2021, proc. n.º 01427/19.0BELSB): «Por referência ao nº 1, do artº 6º, da CEDH, tem-se enunciado 4 parâmetros definidores para aferir da razoabilidade da duração de um processo [cfr. entre muitos outros os acórdãos proferidos pelo TEDH em 06/04/2000, Proc. nº 35382/97, COMINGERSOLL S.A. v. PORTUGAL e em 08/06/2006, Proc. nº 75529/01, SÜRMELI v. GERMANY, in http://hudoc.echr.coe.int/eng]. São eles: (a) A complexidade do processo; (b) O comportamento das partes; (c) A actuação das autoridades competentes no processo; (d) O assunto que é discutido no processo e a importância que o mesmo reveste para o respectivo autor. E como tem vindo a ser referido por este Supremo Tribunal Administrativo (cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 28.11.2007, P. 308/07), a apreciação destes pressupostos implica sempre a densificação de conceitos como o de “prazo razoável”, de “indemnização razoável” e de “danos morais indemnizáveis”, a qual não pode deixar de implicar uma interpretação do direito interno em conformidade com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), sob pena de “divergência entre a aplicação tida por apropriada na ordem nacional e a interpretação dada pelo Tribunal de Estrasburgo”, o que implica a adopção de uma “metodologia dialogante, que tem subjacente a ´relação fisiológica´ existente entre a jurisdição nacional e a europeia” – cfr. ainda, os Acs. deste Supremo Tribunal de 28.11.2007, proc. nº 0308/07, de 09.10.2008, proc. nº 0319/08, e de 11.05.2017, proc. nº 01004/16. Em resultado da jurisprudência do TEDH e deste STA, é de considerar-se que um processo decorreu para além do “prazo razoável” quando o mesmo foi decidido [decisão final de mérito] para além do momento em que, em circunstâncias normais, deveria ter sido decidido e que esse atraso se ficou a dever ao deficiente e culposo funcionamento da “máquina judicial” (“lato sensu”). E tal apreciação há-de ser concreta e global. Concreta na medida em que sempre haverá que atender às específicas características do processo, v.g.: a natureza do processo, a sua complexidade, a quantidade de intervenientes, o comportamento das partes, os seus incidentes e ocorrências especiais que possam ter influenciado a marcha do processo. Global porque, regra geral, tem-se em consideração a duração global do processo em causa, e não o que sucedeu em cada prazo em concreto – não obstante o TEDH ser sensível à duração manifestamente excessiva de uma das suas fases num determinado processo em que, apreciado o mesmo na sua globalidade, se tenha verificado um atraso desrazoável.». Pacífico é que nestas situações de indemnização por atraso na justiça, um eventual atraso terá de ser apreciado de forma unitária, desde a proposição da ação até à prolação da decisão de mérito final. O Autor identificou a ultrapassagem de prazo razoável vendo que “os processos de insolvência são simples e de fácil resolução, durando em média cerca de 3 anos a estarem concluídos (…) Ora, desde a entrada da ação em Junho de 2011 até ao momento decorreram 11 anos 8 meses” (art.º 23º e 24º da p. i.). “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores” - artº 1º, n.º 1, do CIRE. O Autor ao intentar o processo não se limitou a pretender a declaração de insolvência; essa sim, foi expedita; sempre por último visou a satisfação do seu crédito [«Em virtude de ser credor do Insolvente «BB», o A. intentou acção de declaração de insolvência, por forma a ver o seu crédito devidamente liquidado» - art-º 14º da p. i.]; em execução universal, que ao intentar a presente acção ainda não estava finda, subsistindo ainda fase de liquidação e pagamento à custa da venda do activo. O tribunal “a quo”, além de destacar o número de apensos, teve em conta a “instauração de uma acção contra a massa insolvente, impedindo essa mesma venda, e que inclusivamente determinou a suspensão da tramitação do processo de insolvência até que a dita acção fosse decidida; depois pela situação pandêmica vivenciada que justificou nova suspensão da tramitação processual e por fim pela inviabilização da entrega do imóvel pelos então ocupantes.”. Um primeiro olhar surpreende que, efectivamente, o processo se prolongou no tempo bem mais do que o marco indicado pelo Autor como expectável, e mesmo o positivamente preconizado, por prazo à primeira vista excessivamente longo, e não parece haver circunstâncias excepcionais que justifiquem sua duração total (Glaviniæ e Markoviæ v. Croácia, nos. 11388/15 e 25605/15, § 79, 30 de julho de 2020). Não deixa desde logo de evidenciar-se que podemos certamente excluir de censura uma falta de andamento do processo em moldes normais e aceitáveis naquele que foi período da suspensão da tramitação pela situação pandémica; não cabia ao tempo seguir essa normalidade; o que teve, aliás, expressa e firme decisão judicial; se daí advém alguma responsabilidade, certamente não será a de um deficiente funcionamento da Justiça. Mas já não encontramos mesmo conforto no mais. Os múltiplos apensos não foram estranhos a uma execução universal; por um lado, o Autor sujeitou-se a poderem ocorrer recorrendo à forma de processo a que recorreu, ao invés de uma demanda singular; mas, por outro, também, em sua grande parte, desembocaram em pronúncias sem complexidade, especialmente as verificações ulteriores de créditos. Muito relevante de contributo para o prolongar no tempo foi a acção relativa à resolução da venda de imóvel (fração designada pela letra J); ainda assim sem obter grande complexidade de solução; mas que também teve mais que uma instância. A “inviabilização da entrega do imóvel pelos então ocupantes” mais aparece como causa virtual, já que coincidiu em grande parte com a “suspensão pandémica”. Não deixam de ter evidência na tramitação do processo documentadas intervenções do Autor, julgadas infundadas, que implicaram dispêndio de atenção e tempo; mas que também só em parte, e mais no início de tempo, com repercussão causal (não a teve o desacordo que veio expressar no processo quanto à determinada suspensão). Inegavelmente que o processo tem desenvoltura por tempo além de um “standart” preconizado fruto das suas particularidades, e embora seja relativamente fácil, em face do concretamente processado, encontrar motivos para tão longa duração verificada, ainda assim, julga-se que foi ultrapassado tempo razoável, e assim «é de concluir não só que se está perante uma violação do direito invocado (facto ilícito e culposo – aqui o funcionamento anormal do serviço ou “falta do serviço”, conforme os artigos 7.º, n.ºs 3 e 4, e 9.º, n.º 2, ambos do RCEEP), assim como no sentido de que existe e opera a favor do seu titular uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial (dano), sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável (nexo de causalidade). Deste modo, o demandante, para poder beneficiar daquela presunção, carecerá apenas de alegar e demonstrar a existência da demora excessiva, causadora da violação do seu direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas (cf. as sínteses formuladas nos Acs. STA de 5.07.2018, P. 259/18, pontos 41-42 e 47; e de 6.10.2022, P. 63/21, ponto 2.3.).» (Ac. do STA, de 14-09-2023, proc. n.º 0777/15.9BEPRT). Aponta o Ac. do STA, de 11.05.2017, processo n.º 01004/16: “[…] socorrendo-nos nesta sede daquilo que tem sido a jurisprudência do «TEDH» firmada quanto aos fatores que importa atender e considerar no juízo de equidade definidor do valor a arbitrar pelos danos não patrimoniais extrai-se: i) consideração da duração do processo, que deve ser feita levando em conta os anos que o mesmo esteve pendente, apurando-se no seu conjunto e não isoladamente por cada ano de demora/atraso; ii) a importância do litígio e seu impacto na esfera jurídica da parte [especial relevância para as ações laborais, sobre o estado e capacidade das pessoas, sobre pensões, relativas à saúde ou à vida das pessoas]; iii) o comportamento da parte durante o processo; iv) o levar em consideração o próprio nível de vida do país; v) e conduz à redução do montante a arbitrar o serem apuradas condutas que hajam importado ou contribuído para o retardamento do processo, o facto da participação no procedimento ter sido curta ou breve, o facto do litígio e sua decisão assumir pouca importância na esfera jurídica e patrimonial da parte, ou ainda o facto desta já ter obtido/recebido quantia em dinheiro destinada a indemnizar a lesão do direito a uma decisão judicial em prazo razoável [cfr., entre outros, Ac. do «TEDH» de 10.11.2004 (c. «Musci v. Itália», § 27)]”. A respeito da fixação da compensação dos danos não patrimoniais sofridos os valores de referência indicados pelo TEDH, variam as mais das vezes entre € 1.000,00 euros e € 1.500,00 euros por cada ano de atraso injustificado (caso Musci c. Itália, processo n.º 64699/01, disponível em http://echr.coe.int); valores de referência moldáveis ao caso concreto, uma "mera base de partida, suscetível de ser aumentada ou diminuída de acordo com os danos concretos, a importância dos interesses em jogo e o comportamento do requerente eventualmente justificativo da demora" (cfr. Isabel Celeste Fonseca, "Violação do prazo razoável e reparação do dano…", em anotação ao citado Acórdão do STA de 09.10.2008, proc. 0319/08, CJA 72, 46, n. 18). No caso concreto essa base tende a ser abaixo da referência. Na ponderação dos critérios que guiam e das circunstâncias do caso, temos que o dano não ultrapassa o que é de presunção; um dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, que sofrem todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável. Destaca-se a importância do litígio para o Autor (“what was at stake for the applicant in the dispute”), que não se poderá reputar de elevada; para os efeitos que nos ocupam - sem subestimar que importa considerar que na sua base está uma “compensação” indemnizatória, sem ainda se encontrar atingido o seu fito de atenuar um dano não patrimonial - o que foi lançado a jogo expressa-se num parco, ou pelo menos contido, valor monetário. Julga-se equitativo o valor “infra”; quantia objecto de cálculo actualizado; a vencer juros a partir desta decisão actualizadora (e não a partir da citação – cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de maio, do Plenário das Secções Cíveis do STJ). * Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, condenado o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 1.000,00 (mil euros), a que acrescem ditos juros legais. Custas: por recorrente (sem prejuízo do apoio judiciário) e recorrido, em proporção ao vencimento/decaimento. Porto, 21 de Março de 2025. Luís Migueis Garcia Celestina Caeiro Castanheira Ana Paula Martins |