Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00935/15.6BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/09/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:AGENTE DE EXECUÇÃO; MANDATO FORENSE; INCOMPATIBILIDADE.
Sumário:1-As normas dos artigos 165.º e 3.º, n.º13 da Lei n.º 154/2015, 14/09 ( EOS), e dos artigos 85.º e 3.º, n.º4 da Lei n.º 145/2015, de 09/09 ( EOA), estabeleceram a proibição do exercício cumulativo das funções de agente de execução e da prática do mandato forense.

2- O agente de execução, assim como o advogado, apenas podem praticar os atos que em cada momento a lei permita (dado tratar-se de profissões reguladas), não estando o legislador impedido de alterar o conteúdo de tais profissões, desde que o faça de modo proporcional e em prol de uma melhor defesa do interesse coletivo.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:P.
Recorrido 1:Estado Português e Outros
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:n/a
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

1.1. PATRÍCIA RAQUEL GOMES BARRETO CORREIA, advogada, com domicílio profissional em Rua (…), propôs a presente ação administrativa contra o Estado, representado pelo Mº P, ao qual, procedendo requerimento da Autora, vieram a ser associados, como intervenientes principais passivos, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), com sede na Rua de (…), e a Ordem dos Advogados (O.A.), com sede em Largo (…).
Formula o pedido nos seguintes termos:
“A). Declarar-se e reconhecer-se o direito da A. em manter, na sua esfera jurídica-laboral, o direito de exercer cumulativamente as funções de Agente de Execução e a prática do mandato judicial em conformidade com a Legislação anterior ao abrigo da qual adquiriu tal direito.
B). Julgar-se inconstitucionais as normas constantes· do art. 3º/13 da Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro, do art. 165º/1; alª a) do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado em anexo àquele diploma legal, artº 3º/4 da Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro e do artº 85º/3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, por violação dos árts.47º, 17º, 18º,.2º e 20º da CR E, em consequência, declarar-se a desaplicação das referidas normas à situação jurídico-laboral da A., exposta no caso concreto.»
Alegou, para tanto, em síntese, que exerce a profissão de advogada desde 03/11/1995, e que no ano de 2010 e no quadro da legislação então em vigor, candidatou-se e frequentou o 1º Curso de Agentes de Execução, ministrado pela então designada Câmara dos Solicitadores e obteve aprovação no mesmo, após a frequência de um estágio de 10 meses;
Assim, após um investimento considerável, tanto a nível intelectual como patrimonial, ficou legalmente habilitada e credenciada para o exercício das funções de Agente de Execução, tendo iniciado as mesmas em 16 de junho de 2011, em cumulação com o exercício do mandato judicial, atividade profissional que já exercia desde 1995;
Refere que a partir do momento em que se propôs ao Curso de Agentes de Execução supra referido, adotou um conjunto de medidas tendentes à compatibilização do exercício das funções a que, por Lei, passaria a estar habilitada, com as limitações e restrições dispostas pela legislação então em vigor, e por isso, alterou o modo de exercer a profissão de Advogada;
Desde logo, alterou o seu domicílio profissional para um espaço maior, para reunir as referidas condições, nomeadamente, uma sala própria para consulta dos processos, tanto por parte dos executados, como por parte dos exequentes, e Estruturas e Meios Informáticos do Escritório do Agente de Execução, conforme regulamento aprovado em Assembleia Geral de 22 de maio de 2010, da Câmara dos Solicitadores, o que aumentou os custos mensais;
Mais alegou, que a Lei Nº 154/2015, de 14 de setembro procedeu à transformação, no ordenamento jurídico português, da “Câmara dos Solicitadores” em “Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução” e aprovou “o respetivo Estatuto;
E que, por seu turno, a Lei Nº 145/2015, de 9 de setembro, aprovou o novo Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) e revogou a Lei Nº 5/2005, de 26 de janeiro e o Decreto-lei Nº 229/2004, de l0 de dezembro;
Acontece que com a entrada em vigor dos diplomas supra citados, designadamente por força da conjugação dos artigos 3º nº 13 da Lei 154/2005, 165º nº 1 alª a) do Estatuto da OSAE, 3º nº 4 da Lei nº 145/2015, de 9/9 e artigo 85º nº 3 do Estatuto da OA, criou-se uma incompatibilidade “ex novo” entre o exercício do mandato judicial e o exercício de funções de agente de execução, com que se colocaram em causa os direitos adquiridos da Autora, frustrando-se a legítima expectativa de colher o fruto dos seus sobreditos investimentos humanos e materiais, o que provocou uma diminuição abrupta e qualitativa dos seus rendimentos do trabalho;
Invoca que o art.º 3º nº 12 da Lei nº 154/2015 e o artigo 86º do novo Estatuto da OA parecem dispor que as novas incompatibilidades “não prejudicam os direitos legalmente adquiridos ao abrigo da legislação anterior”, porém, logo o nº 13 daquele primeiro artigo reduz esta ressalva a nada, criando uma “exceção à exceção”, norma cuja desaplicação requer, por ser manifestamente ilegal e inconstitucional, desde logo, por violar o princípio fundamental da proteção da confiança e segurança jurídicas, consagrado no artigo 2º e no artigo 20º da CRP, por violar o direito à liberdade de escolha da profissão (artigo 47º 1 da CRP) ao impedi-la de continuar a exercer uma profissão para que legalmente se habilitara, o princípio da Igualdade e o da Proporcionalidade (artigo 18º da CRP e artigo 7º do CPA), o princípio da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos (artigo 4ºdo CPA) e o princípio da boa-fé (artigo 10º nº 2 do CPA).

1.2. Citado, o Réu Estado, representado pela Digna Procuradora da República, contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Na defesa por exceção, alegou:
(a) A incompetência material deste Tribunal, por não se tratar, aqui, de uma relação jurídico-administrativa, mas simplesmente da aplicação de um ato político de natureza legislativa. Na verdade, o que verdadeira e unicamente se pede é a declaração da inconstitucionalidade de determinadas normas legislativas, quando só ao Tribunal Constitucional compete apreciar a constitucionalidade das leis.
(b) A Ilegitimidade do Réu Estado, pois os atos cuja desaplicação se pede são emanados da Assembleia da República, sendo certo que a Doutrina ensina que quando o ato impugnado for da Assembleia da República é este órgão, então dotado de capacidade judiciária ad hoc, que se deve demandar.
(c) Falta de interesse em agir por parte da Autora, uma vez que o que se pede é o reconhecimento de um direito, mas não há qualquer situação de dúvida quanto ao sentido das leis em causa, que torne útil, para a Autora, a pronúncia do Tribunal.
Na defesa por impugnação, impugnou os factos alegados e não provados com documento autêntico, grosso modo os relativos ao currículo da Autora, suas despesas e seus proventos profissionais.
Quanto ao direito rebateu as teses da petição, sustentando, designadamente, que a alteração legislativa cuja aplicação à Autora e aos demais advogados na sua situação é reputada inconstitucional, longe de ser inesperável, vem no seguimento de todo um labor legislativo cerceador de cumulação das duas funções em causa, desde que em 2003 foi criada a figura do solicitador de execução como profissional liberal incumbido de funções públicas que outrora competiram às secretarias judiciais e aos juízes; longe de ser injustificável por um interesse público constitucional prevalecente, vem responder a um imperativo de imparcialidade, isenção e credibilidade da função de agente de execução, bem como da de Advogado; longe de desproporcionada e violadora da confiança dos profissionais, fica-se pelo necessário e até conferiu, tal como haviam pedido as respetivas ordens, um período transitório de adaptação dos profissionais abrangidos, fixado até 31 de dezembro de 2017.
Além disso frisou que não está verdadeiramente em causa o exercício da profissão de advogado, mas tão só o exercício do mandato judicial, que é apenas uma das dimensões do exercício daquela.
Termina pedindo a absolvição da instância pela verificação das exceções deduzidas ou a absolvição do pedido.

1.3. Citada, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Por exceção, alegou a falta de interesse em agir relativamente ao primeiro pedido e incompetência material para o segundo, com fundamentos redutíveis aos já relatados quanto à Réu Estado.
Por impugnação, rebateu as teses da Petição, sustentando, designadamente, além do redutível ao alegado pelo Réu Estado, que só por via da falta de agentes de execução em exclusividade, no início da reforma que criou estas profissão e função, é que o legislador tolerou o concurso das funções de agente de execução com o exercício de mandato judicial em geral, conforme bem revela o preâmbulo do DL nº 226/2008, de 20/11; e que este apartamento de funções é, além do mais, ditado, de um ponto de vista prático, pelo acesso que a mesma pessoa, mandatário judicial e agente de execução, pode ter, na qualidade, apenas, de agente de execução, a bases de dados pessoais que ao mandatário judicial, enquanto tal, não são acessíveis; que o exercício quer da profissão de advogado quer da de agente de execução é ditado pela Lei, sem ter qualquer definição constitucional, pelo que as suas conformação e alteração legais em nada contendem com o direito à liberdade de escolha e de exercício da profissão; que o princípio da confiança e o artigo 20º da CRP (acesso à justiça) só estariam violados pela retrospectividade (que não é o mesmo que retroactividade) destas alterações legais se não fossem ressalvados os mandatos já conferidos, o que não foi o caso.
Sem embargo, termina dizendo que caberá ao tribunal aferir se o desígnio do legislador podia ser alcançado por meio menos agressivo, no respeitante às expectativas dos advogados que já eram agentes de execução.

1.4. Citada, a O.A. contestou, defendendo-se por impugnação, alegando, em síntese, que já ao abrigo da anterior legislação vigorava a atual incompatibilidade, a qual decorria, aliás, da legislação citada pela Autora na PI, pelo que a mesma não é nova.
O artigo 115º nº 2 do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, ao determinar que o solicitador ou advogado que “foi” – pretérito perfeito agente de execução estava impedido de exercer mandato judicial em representação do exequente e do executado durante três anos a partir da extinção da execução, já pressupunha que o solicitador ou advogado não podiam exercer, cumulativamente e em geral, a atividade de agente de execução e o mandato judicial, contrariamente ao que pretende supor a Autora. Assim, a lei 145/2915 de 9/9 e a Lei nº 154/2015 de 14/9 vieram apenas clarificar a situação já existente.
Quanto ao mais, sustenta a bondade e a constitucionalidade da solução vigente enquanto tal, isto é independentemente da aplicação da alegadamente nova incompatibilidade aos profissionais habilitados antes da entrada em vigor do novo regime.

1.5. A Autora replicou à matéria de exceção, alegando, em suma:

(i) quanto à incompetência material: que tão só quer ver reconhecido o seu direito a continuar a exercer o mandato judicial e a agência de execução, por desaplicação, no seu caso, de determinadas normas que reputa inconstitucionais. Aliás, ela não tem legitimidade para recorrer diretamente ao Tribunal Constitucional, pelo que recorre a este TAF nos termos do artigo 204 º da CRP, sem prejuízo do artigo 204º da mesma Constituição.
(ii) quanto à ilegitimidade do Estado, o poder das ordens profissionais, enquanto associações públicas, é-lhes conferido pelo Estado, seu titular primordial, pelo que este tem ou também é parte na relação material controvertida.
(iii) quanto à falta de interesse em agir, o seu interesse em agir é manifesto e reside em prevenir a iminente impossibilidade, que reputa inconstitucional e, logo, ilegal, de exercer em acumulação o mandato judicial e as funções de agente de execução.

1.6. Proferiu-se despacho no qual se fixou o valor da ação em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) e julgaram-se improcedentes as exceções de incompetência material, da ilegitimidade passiva do Estado e da falta de interesse em agir.

1.7. Em 12 de setembro de 2018 o TAF de Coimbra proferiu sentença que julgou a ação improcedente, constando da mesma o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a ação improcedente.
Custas pela Autora: artigo 527º do CPC.
Registe e Notifique.»

1.8. Inconformada com a sentença proferida pelo TAF de Coimbra, a Autora interpôs recurso jurisdicional, que concluiu os seguintes termos:

«1. O Tribunal a quo, no douto aresto agora recorrido, e conforme alegado nos artigos 81 e seguintes da PI, não tomou em consideração os gastos suportados pela recorrente.
2. Gastos estes que tinham em vista compatibilizar o exercício de funções de Agente de Execução e Advocacia.
3. Uma vez que o anterior espaço profissional não reunia as condições impostas, nomeadamente, uma sala própria para a consulta dos processos, tanto por parte dos executados, como por parte dos exequentes, com condições mínimas de autonomia e privacidade.
4. Bem como as restantes condições previstas no Regulamento das Estruturas e Meios Informáticos do Escritório do Agente de Execução, aprovado em Assembleia Geral de 22 de Maio de 2010, pela Câmara dos Solicitadores.
5. O que, consequentemente, aumenta os gastos mensais, e simultaneamente comprova uma consolidada espectativa no exercício das funções agora incompatibilizadas.
6. Quanto à referida inconstitucionalidade das normas constantes: do artigo 3º/13 da Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro, do art. 165º/1; alª a) do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado em anexo àquele diploma legal, artº 3º/4 da Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro e do artº 85º/3 do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Vejamos:
Do Princípio Constitucional Da Confiança e Segurança Jurídica
7. A recorrente não se acomoda quando, na douta sentença agora recorrida, é referido e cito “(...) precisamente pelo facto de já haver esse escrupuloso sistema, não era absolutamente imprevisível que, ao sabor da experiência entretanto adquirida e da evolução da realidade, o legislador viesse a decidir apertá-lo ainda mais. (...)”
8. Ora, a existência de um escrupuloso sistema de incompatibilidade não pode nem deve ser indicativo, nem ainda ser tido com expectável, que posteriormente o legislador dê “um passo atrás” e retire direitos à priori adquiridos.
9. Tanto que, se assim fosse, não seria conveniente nem economicamente vantajoso à recorrente ingressar no curso de estágio e posteriormente investir num novo espaço profissional.
10. Ou seja, havendo, por mais remota que fosse, previsibilidade de um retrocesso na ordem jurídica com vista a incompatibilizar por completo a cumulação de funções de Agente de Execução e a prática do mandato judicial, a recorrente não se sujeitaria aos encargos inerentes ao bom desempenho que ambas as funções requerem, nomeadamente, existência de um espaço próprio para o exercício da função de Agente de Execução e outro espaço próprio para o exercício da actividade de advocacia.
11. Todo este investimento suportado num direito adquirido (que não se tinha como expectável evasão) teria em vista um retorno financeiro que vinha a ser confirmado com o aumento de rendimentos demonstrado em sede de IRS, mas que ainda assim seria inferior aquele.
12. Destarte, o princípio da confiança e segurança jurídica é hodiernamente abalado, uma vez adquirido o direito de optar pelo exercício de ambas as funções e o direito de exercer em conformidade com o Direito, é-lhe agora retirado.
13. Nas palavras do Dr. Gomes Canotilho “O Homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida” (vide Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, pg. 257).
14. Deste modo, a recorrente, à luz do seu direito de optar e exercer ambas as funções, planificou, investiu e exerceu com todo o mérito as funções que lhe competiam, passando agora por uma fase de retrocesso sendo-lhe exigido optar apenas por uma das profissões deitando abaixo todo o investimento anteriormente feito.
15. Mais se afirma que a actuação do legislador mais se assemelha a uma utilização do direito de forma egoísta, visto que abriu portas quando mais necessitou criando espectativas nos sujeitos e à posteriori, já não lhes sendo necessário, retira esses mesmo direitos sem ter em conta todo o esforço, dedicação, dinheiro e tempo investido.
16. Sendo o princípio da confiança uma regra ético-jurídica fundamental, já que estabelece que sejam asseguradas as legítimas expectativas criadas aos cidadãos, e uma vez criadas solidas expectativas na esfera jurídica da requerente, censura-se a actuação do Estado-Legislador.
17. Assim, temos uma actuação desconforme no que toca ao relacionamento entre Estado e cidadãos próprios de um Estado de Direito, repisando-se a ideia de inconstitucionalidade da acção politico-legislativa do Estado com base no princípio constitucional: PRINCÍPIO DA CONFIANÇA E SEGURANÇA JURÍDICA decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2º da CRP).
Do Princípio Constitucional Da Proporcionalidade
18. A recorrente, com esta acção politico-legislativa do Estado lesiva dos seus direitos, vê também abalado o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18º n.º 2 da CRP, e como V. Exmo. tão bem saberá, e aludido no acórdão n.º 632/2008 de 23/12/2008 do Tribunal Constitucional, concretamente no ponto 11 do mesmo, este princípio desdobra-se analiticamente em três subprincípios: princípio da adequação; exigibilidade; proporcionalidade em sentido estrito.
19. Servindo estes supra-referidos subprincípios como espécie de teste para aplicabilidade de uma restrição aos direitos liberdades e garantias.
20. O primeiro subprincípio, o da adequação, impõe uma necessidade de meio para a prossecução do fim visado.
21. O segundo subprincípio, o da exigibilidade, imperativa a adopção do referido acto tendo em conta o fim.
22. Por fim, temos o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que proíbe o uso de medidas excessivas e desproporcionais.
23. Ora, o núcleo da questão, e que falha logo no primeiro teste, subjaz no facto de não haver necessidade de alteração no regime de incompatibilidade até então em vigor.
24. Ou seja, não havia a necessidade de incompatibilizar de forma absoluta a função de agente de execução e do mandato judicial.
25. Uma vez que já se encontrava em vigor um quadro legal de impedimentos e incompatibilidade que salvaguardavam os valores da comunidade tais como a isenção, independência e dignidade da profissão.
26. Deste modo, podemos afirmar que esta incompatibilização total se tem como: NÃO ADEQUADA, NÃO EXIGÍVEL E DESPROPORCIONAL. Falhando todos os testes exigidos para aplicabilidade de uma restrição aos direitos da requerente e afirmando-se como inconstitucional.
27. Em suma, é manifestamente desproporcionada e desrazoável, a aplicação à recorrente enquanto Advogada e Agente de Execução, das normas constantes do art. 3º/13 da Lei 154/2015, de 14 de Setembro e do art. 165º/1, al. a) do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro
Da Violação Do Direito Fundamental À Liberdade De Escolha Da Profissão
28. O direito à liberdade de profissão tem natureza de direito, liberdade e garantia, gozando do regime dos artigos 17º e 18º da CRP e já supra exposto a sua aplicabilidade.
29. Assume este direito uma dimensão positiva e uma dimensão negativa, revelando para o caso esta última, na medida em que não deve ser impedida a escolha e o exercício de uma profissão para a qual tenha os necessários requisitos.
30. A criação de tal incompatibilidade significa, do ponto de vista jurídico-constitucional, uma medida legislativa restritiva da liberdade de profissão da requerente (prevista no art. 47º da CRP), enquanto componente da liberdade de trabalho.
31. O conteúdo da liberdade de trabalho pressupõe que a recorrente tenha a liberdade de escolha de profissão, a liberdade de aceder a essa profissão e a liberdade de exercer, ou não, essa profissão.
32. No douto aresto improcede a alegação de inconstitucionalidade pelo facto de haver necessidade de regulação das profissões e cito “(...) pelo menos quanto a determinadas profissões dotadas de alguma complexidade ou peculiaridade técnica ou potencialmente lesivas, se mal exercidas, para as pessoas ou os bens dos respectivos utentes e dos cidadãos em geral.” [ITALICO NOSSO]. E também pelo facto de já existir um regime de incompatibilidade que foi alargado.
33. Ora, é certo que não se exige tornar “(...) o legislador e o Estado de Direito reféns de um impensável imobilismo legislativo (...)” [ITALICO NOSSO] como refere o douto acórdão. No entanto, é ponto assente que também não se pretende que o legislador avance com a possibilidade de exercício de ambas as profissões e depois decida pela restrição do sujeito a apenas uma.
34. Isto é, avançaria bem o legislador caso prosseguisse por uma alteração (mais ou menos restrita) do regime de incompatibilidade, mas sem nunca incompatibilizar por completo, ou seja, retirando da esfera jurídica da requerente a liberdade de exercício das funções de advocacia e agente de execução.
35. Em jeito de conclusão diria que se impõe, constitucionalmente, ao legislador o dever de se absterem de praticar actos lesivos de tal ordem que a recorrente tenha a faculdade de não ser impedida de escolher a profissão para a qual tenha os necessários requisitos, bem como, a faculdade de não ser impedida de a exercer.
36º. Foram violados os princípios da Igualdade e da proporcionalidade – artigo 18º da CRP e artigo 7º do CPA.
38. Foram violados também o princípio da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos – artigo 4º do CPA e o principio da boa fé – artigo 10º, nº 2 do CPA;
39º. Devem também julgar-se inconstitucionais as normas constantes: do artigo 3º/13 da Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro, do art. 165º/1; alª a) do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado em anexo àquele diploma legal, artº 3º/4 da Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro e do artº 85º/3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, por violação dos preceitos constitucionais consagrados os artigos 2º, 17º, 18º e 47º da CRP,
40º. E, consequentemente, ser à recorrente reconhecido o direito em manter na sua esfera jurídico-laboral, o direito de exercer cumulativamente as funções de Agente de Execução e a prática de mandato judicial em conformidade com a Legislação anterior e da qual adquiriu tal direito.»
1.9. O Estado contra-alegou e requereu a ampliação do objeto do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
«1 - A A., P., com expressa invocação do disposto no art. 37º, nº 2, alínea a), e ss, 55º, nº 1, alínea a), e 39º, do CPTA, veio interpor a presente Acção Administrativa de “reconhecimento de direitos”, pretendendo obter o “reconhecimento do direito de exercer, cumulativamente, a profissão de advogada e as funções de agente de execução”, “ou seja, (...) a manutenção da (sua) situação jurídico-laboral existente, antes da entrada em vigor das normas dos arts. 3º, nº 13, da Lei nº 154/2015, de 14/09, 165º, nº 1, alínea a), do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado em anexo àquele diploma legal, 3º, nº 4, da Lei nº 145/2015, de 09/09, e 85º, nº 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados”.
2 - Peticionando que, julgando-se procedente a acção, deverá:
a) - Declarar-se e reconhecer-se o direito da A. em manter, na sua esfera jurídica-laboral, o direito de exercer cumulativamente as funções de Agente de Execução e a prática do mandato judicial, em conformidade com a legislação anterior ao abrigo da qual adquiriu o direito;
b) - Julgar-se inconstitucionais as normas constantes do art.3º/13 da Lei nº 154/2015, de 14 de Setembro, do art. 165º/1, al. a). do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado em anexo àquele diploma legal, art. 3º/4 da Lei nº 145/2015, de 9 e Setembro e do art. 85º/3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, por violação dos arts. 47º, 17º, 18º, 2º e 20º da Constituição da República Portuguesa e, em consequência, declarar-se a desaplicação das referidas normas à situação jurídico-laboral da A., exposta no caso concreto.
3 - Por saneador sentença proferido em 12/09/2018, o Mmº juiz a quo julgou improcedentes as excepções invocadas pelo Ministério Público na sua contestação de incompetência material deste tribunal, de ilegitimidade do R. Estado e de falta de interesse em agir por parte da Autora e depois de debruçar sobre cada um dos princípios constitucionais que a A. entende terem sido violados, decidiu que nem a alteração legislativa em causa nem o seu regime de direito transitório violaram os princípios constitucionais invocados pela A. assim julgando improcedente a acção.
4 - Não se conformando com o assim decidido vem a A. interpor recurso para o TCA Norte insistindo na inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 3º nº 13 da Lei nº 154/2015, de 14 de Setembro, do artigo 165º, nº 1, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado em anexo aquele diploma legal, artigo 3º nº 4 da Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro e do artigo 85º nº 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, por violação do princípio da confiança, segurança jurídica e proporcionalidade em sentido amplo, culminando na privação da liberdade de escolha da profissão.
5 - Contudo e contrariamente ao defendido pela A. não há qualquer violação dos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica, por si ou conjugados com a também alegada violação do princípio da proporcionalidade.
6 - Sob pena de um Estado de Direito Democrático não poder aprovar livremente leis, ou operar qualquer alteração legislativa, dentro da margem de conformação legislativa que lhe assiste.
7 - Na verdade, não se pode olvidar o princípio da livre revisibilidade das leis, também ele imanente ao Estado de Direito Democrático, constitucionalmente consagrado no art. 2º, da CRP, de harmonia com o qual o legislador não pode ser impedido de proceder às alterações legais que, a cada momento, se mostrem necessárias, mesmo que por via dessas alterações possam ser afectadas relações jurídicas já constituídas.
8 - De acordo com a jurisprudência pacífica do TC, para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da “confiança” é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.
9 - Ora, no caso em apreço na presente acção, se se atentar no objectivo prosseguido pelas normas em causa, que vêm vedar o exercício cumulativo do mandato judicial com o das funções de agente de execução – qual seja, o de garantir a máxima independência, imparcialidade e isenção do agente de execução, profissional liberal em quem o Estado delegou tão amplos poderes de autoridade pública, para prosseguir a missão pública de o auxiliar na administração da justiça – e se confrontarmos estas medidas com a sua alternativa – permitir o exercício cumulativo do mandato judicial com o exercício das funções de agente de execução – o intérprete terá de reconhecer que não houve erro manifesto de apreciação do legislador, que permita sustentar um juízo de inconstitucionalidade das normas por violação do princípio da proporcionalidade.
10 - Ao contrário, o interesse público que as normas em questão visam defender impunha e justifica, em ponderação, plenamente o alcance que o legislador lhes conferiu.
11 - De facto, entendeu o legislador que a tutela desse interesse púbico só ficaria devidamente acautelada se se aplicasse, para o futuro, a todos os profissionais em questão, impedindo que uns pudessem continuar a exercer cumulativamente o mandato judicial e as funções de agente de execução ao mesmo tempo que outros estivessem impedidos de o fazer (tratando-se, pois, da situação que a doutrina designa como “retroactividade inautêntica” ou “retrospectiva”).
12 - Nestes termos, e quanto ao caso em concreto, é manifesta a inexistência de uma situação de confiança que, por reunir os quatro requisitos cumulativos definidos na jurisprudência firmada do TC, fosse merecedora de tutela constitucional.
13 - Desde logo, face à evidente ocorrência de razões de interesse público que estiveram subjacentes – justificando-o e impondo-o – ao estabelecimento da incompatibilidade total entre o exercício das funções de agente de execução e o exercício do mandato judicial.
14 - Depois porque, a alteração assim introduzida em matéria de incompatibilidade nem sequer se pode afirmar como absolutamente inesperada, quer em face da evolução histórica da figura do agente de execução e da crescente atribuição de funções, quer do próprio regime de incompatibilidades já anteriormente vigente.
15 - Quer porque, como é público e notório, ao longo destes últimos anos, também se foi discutindo a questão subjacente a esta opção legislativa, com a realização de debates públicos, abertos à participação dos agentes de execução e com repercussão mediática (recorde-se o Seminário Internacional subordinado ao tema “Reforma Judiciária: as leis processuais e a reorganização dos tribunais”, promovido pelo Ministério da Justiça, nos dias 2 a 4 de abril de 2012).
16 - Assim, as alterações introduzidas pelas Leis 145/2015 e 154/2015, não se apresentaram como imprevisíveis e inesperadas, introduzindo alterações em matéria de incompatibilidades que um agente de execução previdente e cauteloso poderia já razoavelmente antever.
17 - E, não se afigurando como radicais, inesperadas ou intoleráveis, não se traduzem na violação do princípio da protecção da confiança.
18 - Por outro lado, e na ponderação dos interesses subjacentes (público e particular), essas alterações também não se podem considerar como inadmissíveis, arbitrárias ou demasiado onerosas; isto é, que sejam desproporcionadas.
19 - À alteração legislativa em causa subjaz, pois, um interesse público/colectivo que, na respectiva ponderação, deve inequivocamente prevalecer sobre quaisquer expectativas individuais que porventura tivessem sido criadas.
20 - E não se trata de uma restrição de direitos, liberdades e garantias desproporcionada ou injustificada; antes se mostra adequada e necessária para a realização de valores da comunidade, que exigem a total isenção e a independência dos agentes de execução como colaboradores da administração da justiça.
21 - No que tange à invocada violação da liberdade de escolha de profissão consagrada constitucionalmente no art. 47º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, importa ter em conta que o direito à liberdade de escolha e de exercício da profissão, com consagração constitucional, tem de ser devidamente interpretado, sob pena de qualquer alteração legal ao exercício de qualquer profissão poder ficar ferida de inconstitucionalidade.
22 - Assim, o próprio art. 47º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, admite que o direito, aí consagrado, de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho está sujeito às restrições legais impostas pelo interesse colectivo, que foi, precisamente, o que sucedeu no caso vertente.
23 - Em que, as normas em causa, para além de manifestamente não contenderem com a liberdade de escolha de profissão, traduzem apenas restrições legais ao exercício cumulativo das funções de agente de execução com o exercício do mandato judicial.
24 - Restrições que foram impostas pelo legislador em razão do patente interesse colectivo que lhes esteve subjacente, de dignificar o estatuto profissional dos agentes de execução e assegurar a prossecução do interesse público (de toda a colectividade) na administração da justiça, que constitui um pilar fundamental do Estado de Direito Democrático, também ele constitucionalmente consagrado.
25 - E é precisamente esse especial estatuto do agente de execução (com a sua particular missão de auxiliar da administração da justiça, incumbido de prosseguir o interesse público e dotado, para o efeito, de poderes de autoridade pública), exigido pelo inelutável facto de estar em causa uma actividade de relevante interesse público, que reclama, e justifica, do legislador uma conformação normativa particularmente exigente, com a imposição de um conjunto de deveres, de incompatibilidades e de impedimentos.
26 - Tudo em ordem a salvaguardar, de forma necessária e adequada, a autonomia, integridade, independência, imparcialidade, isenção exigíveis aos agentes de execução enquanto colaboradores da prossecução do interesse público e da administração da justiça.
27 - Assim, contrariamente à tese sufragada pela A. as normas em causa não violam os princípios da confiança e da segurança jurídica, nem o princípio da proporcionalidade tal como não violam a liberdade de escolha de profissão.
28 - Motivo por que a sentença deverá ser mantida nos termos em que foi decidida.
DA AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
29 - Todavia se assim se entender o que só por mera hipótese se admite, sempre deverão ser julgadas procedentes as excepções invocadas pelo Ministério Público em representação do Estado Português, de incompetência material deste Tribunal e de ilegitimidade do R. Estado.
30 - Com efeito, da análise de petição inicial e da respectiva fundamentação erigida em causa de pedir, verifica-se que, na realidade, os dois pedidos cumulados que a A. formula na presente acção supra referidos sob as alíneas A) e B), não são autónomos entre si, mas meramente acessórios um do outro, circunscrevendo-se no âmbito de mesma (e única) relação jurídica.
31 - A qual, tal como é configurada pela A. na petição inicial (v.g. no resumo efectuado na parte fina da petição inicial e sob a alínea B) do pedido), acaba por se fundar exclusivamente na invocada inconstitucionalidade das indicadas normas legais.
32 - Na verdade, para apreciar e decidir a presente acção, tal como é configurada pela A. na petição inicial, nada mais há a resolver do que a invocada ofensa pelas referidas normas legais dos preceitos constitucionais identificados sob a alínea B) do pedido.
33 - Pois que, como dela emerge, o pretendido reconhecimento do direito a que se reporta a sua alínea A) apenas pressupõe e depende da (prévia) resolução daquela questão, atinente à invocada inconstitucionalidade das referenciadas normas legais, por alegada violação dos arts. 47º, 17º, 18º, 2º e 20º, da Constituição da República Portuguesa.
34 - E a questão da constitucionalidade dessas normas legais, tal como emerge da petição inicial, não é suscitada a título meramente incidental, no âmbito de um pleito em que essa questão fosse relevante para a decisão “do feito submetido a julgamento”; e que, assim, para efeito da decisão dessa outra questão principal objecto da acção, devesse ser passível de recusa de aplicação pelo Tribunal nos termos do disposto no art. 204º (v. ainda 280º), da Constituição da República Portuguesa.
35 - Pelo contrário, a questão da constitucionalidade das normas legais, tal como é configurada pela A. na petição inicial, constitui, ela própria, o “feito submetido a julgamento”, traduzindo, na realidade, a única questão e o único fundamento da acção; e, não obstante ter sido indicada em segundo lugar no petitório, consubstancia a pretensão principal e a única de que depende, como seu corolário lógico e necessário, o reconhecimento do direito peticionado em primeiro lugar.
36 - Porém, tal pretensão, cuja causa de pedir assenta exclusivamente na impugnação, por alegada inconstitucionalidade, de normas constantes das referidas Leis nºs 145/2015 e 154/2015, enquanto actos – formal e materialmente – legislativos emanados pela Assembleia da República no exercício da sua competência política e legislativa, extravasa a competência deste Tribunal.
37 - Pois que as decisões e opções de carácter político e legislativo subjacentes à emissão desses actos legislativos e, assim, à instituição desse novo regime legal de incompatibilidades (que a A. aqui pretende sindicar através da invocada violação de preceitos constitucionais e cuja inconstitucionalidade pretende que seja jurisdicionalmente reconhecida para sustentar o seu pedido de reconhecimento de direito à manutenção do “status quo ante”), não se enquadram, manifestamente, na função administrativa do Estado.
38 – Sendo, outrossim, manifesto que as invocadas normas das Leis nºs 145/2015 e 154/2015 e dos Estatutos por elas aprovados, cuja inconstitucionalidade – por violação do disposto nos arts. 47º, 17º, 18º, 2º e 20º, da CRP – a A. pretende que seja jurisdicionalmente reconhecida na presente acção, se inserem no domínio da função político-legislativa do Estado, exercida através dos órgãos competentes para o efeito.
39 - E, como tal, a apreciação, por si só, da arguida e peticionada inconstitucionalidade desses actos legislativos está subtraída do âmbito da jurisdição administrativa caindo no âmbito das competências próprias do Tribunal Constitucional – art. 223º e 281º, da Constituição da República Portuguesa.
40 - Resultando, pois, de todo o exposto e ao contrário do que foi decidido pelo Mmº Juiz, a incompetência absoluta deste TAF para conhecer da presente acção.
41 - O que constitui uma excepção dilatória, que impõe a absolvição do R. Estado da instância, nos termos do disposto nos arts. 278º, nº 1, alínea a), 576º, n.º 2, 577º, alínea a), do CPC, ex vi o art. 35º, do CPTA.
Sem conceder,
42 - Acresce que a pessoa colectiva Estado, representada pelo Ministério Público, não tem legitimidade passiva para a presente acção, não tendo interesse directo em contradizer qualquer dos pedidos deduzidos pela A. na petição inicial, mesmo que porventura fossem considerados autonomamente entre si – cfr. art. 10º, nºs 1 e 2, e 11º, do NCPTA.
43 - Na verdade, no que especificamente se refere ao pedido de reconhecimento de direitos formulado sob a alínea A) (em manter, na sua esfera “jurídica-laboral”, o direito de exercer cumulativamente as funções de Agente de Execução e a prática do mandato judicial, em conformidade com a legislação anterior ao abrigo da qual adquiriu o direito), cumpre notar que, em conformidade com o disposto na Lei nº 2/2013, de 10/01 (v.g. nos seus arts. 2º, 4º), as invocadas Leis nº 145/2015 e 154/2015 e os Estatutos por elas aprovados consagram, respectivamente, a Ordem dos Advogados e a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução como pessoas colectivas de direito público que, no exercício dos seus poderes públicos, desempenham as suas funções de forma independente dos órgãos do Estado.
44 - Pelo que, sem prejuízo do que se disse em sede de arguição da incompetência absoluta deste tribunal e da aí referenciada inexistência no caso de qualquer relação jurídica administrativa, tal significa que são essas pessoas colectivas (com personalidade jurídica própria e distinta do Estado) que têm legitimidade passiva para a presente acção, por serem as entidades a quem, em primeira linha, cabe reconhecer – ou não – o pretendido direito à manutenção do exercício cumulativo pela A. de ambas as actividades profissionais nos termos por ela visados, praticando e/ou abstendo-se de praticar os actos necessários para esse efeito.
45 - Por sua vez, e quanto ao pedido de julgamento da inconstitucionalidade de normas legais deduzido sob a alínea B), estando em causa a prática de um acto legislativo da autoria da Assembleia da República,
46 - no tocante a esse pedido, a legitimidade passiva pertenceria à própria Assembleia da República, enquanto entidade que – estando-lhe cometida constitucionalmente a respectiva competência político-legislativa, no âmbito da qual foram praticados os actos legislativos impugnados nesta acção – seria, desta feita, a outra parte na relação material controvertida.
47 - Devendo, pelo exposto, considerar-se que o R. Estado Português (representado pelo Ministério Público) é parte ilegítima na presente acção, com a sua consequente absolvição da instância, nos termos do disposto nos arts. 278º, nº 1, alínea d), 576º, n.º 2, 577º, alínea e), do CPC, ex vi o art. 35º, do CPTA.
1.10. A AO contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
«I – A douta sentença ora posta em crise pela Recorrente, não padece de qualquer vício, encontrando-se devidamente fundamentada de facto e de direito.
II – A Recorrente vem sustentar, no que tange às normas em apreço nos presentes autos, a sua inconstitucionalidade, por alegada preterição dos princípios constitucionais da confiança, livre escolha de profissão e proporcionalidade.
III – Como bem se refere no douto arresto proferido pelo Tribunal a quo, carece de razão a ora Recorrente quando imputa tais vícios de inconstitucionalidade para fundamentar a desaplicação de tais normas.
IV – Com efeito, e no que concerne ao princípio da confiança, inexiste, no caso dos presentes autos, qualquer expectativa que a A. possa ter criado quanto à imutabilidade das normas sub judice e que seja, nessa medida, merecedora de tutela jurídica.
V – Destarte, o princípio da confiança só se encontraria comprometido se esse processo de alteração legislativa fosse de tal forma inesperado que a A. não pudesse, em caso algum, prever essa mudança, criando, porquanto, a legítima convicção de imutabilidade do regime jurídico vigente, o que não se verifica in casu.
VI – Pelo que bem andou o douto Tribunal ao considerar, nessa matéria, improcedente a arguida inconstitucionalidade por preterição do princípio da confiança.
VII – Também quanto à alegada inconstitucionalidade por preterição do princípio da livre escolha de profissão, terão os argumentos aduzidos pela Recorrente, de improceder.
VIII – O direito constitucionalmente garantido à livre escolha de profissão não é ilimitado e terá, necessariamente, quanto ao seu acesso e exercício, de ser regulado, dentro dos limites garantidos no art. 47º da CRP, pelo que, também quanto a este ponto, a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo.
IX – Carece, outrossim, de razão a Recorrente, quando sustenta que as normas sub judice devem ser desaplicadas, por alegada violação do princípio da proporcionalidade.
X – Adere-se, porquanto, à fundamentos em que se estribou o douto arresto posto em crise, referindo que: “Depois, porque não se trata aqui propriamente de uma restrição ao direito liberdade e garantia de liberdade de escolha e exercício de uma profissão, se não de uma sucessão no tempo de dois regime legais do mesmo exercício, pontualmente diferentes, sendo certo que, para retomar em pleno o exercício do mandato forense, basta ao advogado optar por ser apenas advogado e não também agente de execução. (sublinhado nosso).
XI – Pelo exposto, e inexistindo qualquer vício que inquine as normas em apreço nos presentes autos, bem andou o Tribunal a quo ao julgar a acção improcedente, devendo, porquanto, a mesma manter-se na ordem jurídica, não merecendo, em consequência, provimento o presente recurso jurisdicional, fazendo-se assim JUSTIÇA!»

1.11. A OSAE contra-alegou, mas não formulou conclusões.

1.12. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.

Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação do tribunal ad quem e que importa resolver, passam por saber se:
A- Quanto ao recurso principal: se o Tribunal a quo errou de direito ao julgar improcedentes os vícios de violação do princípio constitucional da confiança e segurança jurídica, dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade e o direito fundamental à liberdade de escolha de profissão.
B- Quanto à ampliação do objeto de recurso: em caso de procedência do recurso principal interposto pela Apelante, saber se a decisão que julgou improcedentes as exceções invocadas pelo Ministério Público em representação do Estado Português, de incompetência material do TAF de Braga e da ilegitimidade do réu Estado, enferma de erro de julgamento de direito.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO

3.1. A 1.ª Instância deu como provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:
«A) A Autora exerce a profissão de Advogada desde 3-11-1995, data da emissão da sua cédula profissional, pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados (cf. Doc. 1 da PI).
B) No ano de 2010 a Autora propôs-se e frequentou o 1º Curso de Agentes de Execução, ministrado pela então designada Câmara dos Solicitadores (cf. Doc. 2 da PI).
C) Após a frequência de um estágio de 10 meses, a que se teve de candidatar mediante prova de acesso, ficou legalmente habilitada e credenciada para o exercício das funções de Agente de Execução,
D) tendo iniciado tais funções em 16 de Junho de 2011, data de emissão da respectiva Cédula Profissional, (cf. Doc. 25 que se junta e dá como reproduzido para os devidos e legais efeitos).
E) Isto, em cumulação com o exercício do mandato judicial, actividade que já exercia desde 1995 (cf. doc. l e doc. 25 da PI).
F) Em 14 de Setembro de 2015 foi publicada a lei nº 154/2015,de 14 de Setembro, que veio proceder à transformação da Câmara dos Solicitadores em Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e e aprovar “o respectivo Estatuto, em conformidade com a Lei nº 2/2013, de 10 de Janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais.”,
G) 2- Por seu turno, a Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro aprovou o novo Estatuto da Ordem dos Advogados, revogou a Lei nº l5/2005, de 26 de Janeiro e o Decreto - Lei N.º 229/2004, de 10 de Dezembro (anteriores estatuto da Ordem dos Advogados e regime das sociedades de advogados, respectivamente).
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Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão a proferir».
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III.B.DE DIREITO
b.1. Dos erros de julgamento sobre a matéria de direito- enquadramento geral
3.2. A Autora intentou a presente ação contra os apelados tendo em vista obter o reconhecimento do direito a manter na sua esfera jurídico-laboral, o direito de exercer cumulativamente as funções de agente de execução e a prática do mandato judicial, tal como sucedia antes da entrada em vigor das normas dos artigos 3.º, n.º 13, da Lei n.º 154/2015, de 14/09, 165.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado em anexo àquele diploma legal, 3.º, n.º 4, da Lei nº 145/2015, de 09/09, e 85.º, n.º 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Para o efeito, invocou a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigo 165,º e 3.º, n.º13 da Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro ( Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado em anexo àquele diploma legal) e dos artigos 85.º, n.º3 e 3.º, n.º4 da Lei nº 145/2015, de 9 e setembro ( Estatuto da Ordem dos Advogados), considerando que o disposto nesses normativos viola o disposto nos artigos 47.º, 17.º, 18.º, n.º2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa e, em consequência, pediu que o Tribunal declarasse a desaplicação das referidas normas à sua situação jurídico-laboral (tudo por forma a continuar a exercer cumulativamente as funções de agente de execução e a prática do mandato judicial).
O Tribunal de 1.ª Instância negou-lhe razão, julgando a ação improcedente, considerando que as referidas normas não enfermavam dos vícios de inconstitucionalidade apontados pela Apelante, sustentando, em síntese, que:
(i)não foi violado o princípio constitucional da confiança, por não ser absolutamente imprevisível que o legislador pretendesse alterar, restritivamente, o sistema preexistente de incompatibilidades e impedimentos destinados a acautelar a imparcialidade e transparência do exercício da atividade de agente de execução e do exercício do mandato judicial, aliado à circunstância da transitoriedade do regime estabelecido em 2008;
(ii) não foi violado o princípio da proporcionalidade, por o impedimento definido apenas se dirigir ao exercício do mandato judicial, mantendo-se a permissividade da cumulação quanto a todos os demais atos próprios da advocacia, e por se ter conferido aos destinatários da norma mais de dois anos para se adaptarem ao novo regime jurídico;
(iii) não foi violada a liberdade de escolha da profissão, por a alteração legal em causa encontrar fundamento num interesse público prevalecente com foros de constitucionalidade;
(iv)não foi violado o princípio da igualdade, por não se verificar qualquer discriminação, muito menos injustificada, entre advogados e agentes de execução.

Não se conformando com o assim decidido, a Apelante insiste na inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 3º nº 13 da Lei nº 154/2015, de 14 de Setembro, do artigo 165º, nº 1, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado em anexo aquele diploma legal, artigo 3º nº 4 da Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro e do artigo 85º nº 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, por violação do princípio da confiança, segurança jurídica e proporcionalidade em sentido amplo, culminando na privação da liberdade de escolha da profissão. Ou seja, a Apelante pretende que este Tribunal ad quem repondere os argumentos que já afirmara na petição inicial e que o Tribunal a quo julgou improcedentes.

Antecipe-se que a sentença recorrida mostra-se bem estruturada e fundamentada, não merecendo as críticas que a Apelante lhe assaca.
Vejamos.

3.2.Do Recurso Principal Interposto pela Apelante
b.1.2. Da Violação do Princípio Constitucional da Confiança e Segurança Jurídica.

Nas conclusões 7.ª a 17.ª das alegações de recurso a Apelante insurge-se contra o saneador-sentença recorrido por nele se ter julgado que as alterações introduzidas pelas normas cuja inconstitucionalidade invocou, que a impedem de manter a situação anterior que lhe permitia exercer cumulativamente a atividade de agente de execução e a prática do mandato judicial, não violam o princípio da confiança e da segurança jurídica, discordando da decisão recorrida designadamente quando nela se afirma que “(...) precisamente pelo facto de já haver esse escrupuloso sistema, não era absolutamente imprevisível que, ao sabor da experiência entretanto adquirida e da evolução da realidade, o legislador viesse a decidir apertá-lo ainda mais. (...)”.

Entende a Apelante que a existência de um escrupuloso sistema de incompatibilidades não pode nem deve ser indicativo, nem ainda ser tido como expectável, que posteriormente o legislador dê “um passo atrás” e retire direitos à priori adquiridos.

Refere que à luz do seu direito de optar e exercer ambas as funções, planificou, investiu e exerceu com todo o mérito as funções que lhe competiam, passando agora por uma fase de retrocesso sendo-lhe exigido optar apenas por uma das profissões deitando abaixo todo o investimento anteriormente feito. Observa que o Legislador abriu portas quando mais necessitou criando espectativas nos sujeitos e à posteriori, já não lhes sendo necessário, retirou esses mesmo direitos sem ter em conta todo o esforço, dedicação, dinheiro e tempo investido, pelo que uma atuação assim viola o princípio da confiança.
Mas sem razão, como bem julgou o Tribunal a quo.

É inegável que ao abrigo do regime outrora previsto nos artigos 115.º, 117.º, 120.º e 121.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 10 de setembro e artigo 80.º da Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro, que aprovou o antigo Estatuto da Ordem dos Advogados, era permitida a inscrição simultânea de um advogado em ambas as ordens profissionais ( dos advogados e dos solicitadores), pelo que, como bem se afirma na sentença recorrida, à luz dessas disposições legais, o legislador “concebia sem proibir, portanto admitia que um advogado estivesse simultaneamente inscrito em ambas as ordens, posto que, na do solicitadores, apenas com o fim de exercer as funções de agente de execução, e que se dedicasse, cumulativamente, quer ao mandato judicial quer à agência de execução, desde que no respeito das incompatibilidades relativas dispostas no artigo 120º e dos impedimentos cominados no artigo 121º do Estatuto.
Aliás, tal é também o pressuposto em que laboram as leis que aprovaram os novos estatutos de ambas as ordens, leis cuja constitucionalidade é aqui posta em causa, ao fixarem um período de transição para os advogados agora abrangidos pela nova incompatibilidade conformarem a sua situação profissional (artigos 3º nº 13 da lei nº 154/2015 e 3º nº 4 da Lei nº 145/2015.”

Sucede que com a publicação da Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro, que aprovou um novo Estatuto da Ordem dos Advogados, passou a prever-se no artigo 85.º, sob a epígrafe “Solicitadores e agentes de execução”, o seguinte:
“1 - É proibida a inscrição cumulativa na Ordem dos Advogados e na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - É, porém, permitida a inscrição cumulativa durante a primeira fase do estágio a que se alude no n.º 3 do artigo 195.º
3 - Os advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados podem inscrever-se no colégio dos agentes de execução desde que não exerçam o mandato judicial, nos termos do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução”.

E no artigo 3.º, n. º4 da citada Lei, sob a epígrafeDisposições transitórias”, estabeleceu-se que: “Os advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados e na Câmara dos Solicitadores como agentes de execução, relativamente aos quais se verifiquem incompatibilidades em resultado das alterações introduzidas pelo Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, devem pôr termo a essas situações de incompatibilidade até 31 de dezembro de 2017”.

Por sua vez, no Estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, aprovado pela Lei nº 154/2015 de 14 de setembro, passou a dispor-se, no artigo 165.º, sob a epigrafe “Incompatibilidades, impedimentos e limites de designação”, o seguinte:
“1 - Para além do disposto no artigo 102.º, é incompatível com o exercício das funções de agente de execução:
a) O exercício do mandato judicial;
b) O exercício da atividade de administrador judicial;
c) O desenvolvimento de quaisquer outras atividades que possam consubstanciar uma incompatibilidade nos termos do presente Estatuto.
(...)”.

E no seu artigo 3.º, n.º13, sob a epígrafeDisposições transitóriasconsignou-se que: “Os solicitadores e advogados que exerçam funções de agentes de execução regularmente inscritos na Câmara dos Solicitadores, relativamente aos quais se verifique incompatibilidade relativa ao mandato judicial, devem pôr termo a essas situações de incompatibilidade até 31 de Dezembro de 2017, sem prejuízo de poderem prosseguir com os mandatos judiciais já constituídos até à data da entrada em vigor do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado em anexo à presente lei”.

Logo, como se concluiu na decisão recorrida, considerando o disposto nas citadas normas “resulta de modo evidente que o legislador admite a simultaneidade de inscrição nas duas ordens ao Advogado que se dedique à atividade e profissão de agente de execução, nada obstando a que ele pratique todos os atos próprios da profissão de advogado, tal como são elencados e delimitados nos artigos 1º nºs 5 a 7 da lei nº 49/2004 de 24/11, exceto o mandato forense isto é, a representação em juízo de quem quer que seja, em toda e qualquer espécie de processo (cf. artigo 2º do mesmo diploma)”.

A questão está em saber, prima facie, se como sustenta a Apelante, e diferentemente do entendimento professado pela 1.ª Instância e secundado pelos Apelados, as normas dos artigos 165.º e 3.º, n.º13 da Lei n.º 154/2015, 14/09 ( EOS), e, bem assim, dos artigos 85.º e 3.º, n.º4 da Lei n.º 145/2015, de 09/09 ( EOA), são inconstitucionais por violação do princípio da confiança e da segurança jurídica, ao proibirem o exercício em acumulação, das funções de agente de execução e da prática do mandato forense.

Conforme bem se observa em Acórdão do TCAS Cfr. Ac. do TCAS, de 07/02/2013, processo n.º 06366/10;O princípio da proteção da confiança, decorrente do Estado de Direito e da boa fé, exige subordinação do Estado ao direito, previsibilidade da ação estatal, clareza e precisão das regras, publicidade e transparência dos atos e procedimentos públicos e respeito pelos direitos e expectativas legítimas das pessoas, sem prejuízo:
- da margem de conformação do legislador;
-da relação entre o tempo e a rigidez normativa e ainda,
-da flexibilidade do legislador”.
E como, com superior clarividência, salientou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 862/2013: «A proteção da confiança é uma norma com natureza principiológica que deflui de um dos elementos materiais justificadores e imanentes do Estado de Direito: a segurança jurídica dedutível do artigo 2.º da CR Enquanto associado e mediatizado pela segurança jurídica, o princípio da proteção da confiança prende-se com a dimensão subjetiva da segurança – o da proteção da confiança dos particulares na estabilidade, continuidade, permanência e regularidade das situações e relações jurídicas vigentes”
É conatural à ideia de Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição, a possibilidade do legislador, a cada momento histórico, proceder às alterações legislativas que considerar adequadas, oportunas e necessárias, ainda que sejam afetadas relações jurídicas já existentes, conquanto tais alterações não sejam arbitrárias, nem desproporcionadas mas necessárias à melhor defesa do interesse coletivo. Por outras palavras, significa tal que o denominado princípio da revisibilidade das leis, é imanente à ideia de Estado de Direito Democrático, e dele decorre que o Legislador não pode ser impedido de aprovar as alterações legislativas que, em cada momento do devir histórico, considere adequadas e necessárias a uma melhor defesa do interesse coletivo, ainda que tais alterações afetem relações jurídicas preexistentes.

Nesse sentido, como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional não há, com efeito, um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não está vedado alterar o regime de casamento, de arrendamento, do funcionalismo público ou das pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem processos pendentes”, acrescentando que “o legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na manutenção do regime legal” (sublinhado nosso).» Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 285/92, de 22/07/1992;
A este respeito, o TC, no seu acórdão de 30/10/1990 Cfr. Acórdão n.º 287/90 do Tribunal Constitucional , de 30/10/1990;, adiantou quea ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintes critérios: a) afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, desde a 1.ª revisão)” (sublinhado nosso).

A jurisprudência do Tribunal Constitucional Crf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 505/2008, 188/2009, 85/2010 e 509/2015. é unânime no entendimento de que só haverá violação do princípio da confiança quando se possa afirmar que: (i) O Estado adotou comportamentos que geraram nos cidadãos «expetativas» de continuidade; (ii) que essas expectativas são legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; (iii) que os cidadãos realizaram planos de vida assentes na expectativa legitima da manutenção do “comportamento” do Estado; e (iv) que não ocorram razões de interesse publico a justificar a cessação desse comportamento.
No sentido preconizado pela citada jurisprudência do Tribunal Constitucional sob o sentido com que deve valer o princípio da violação da confiança, aponta-se o Acórdão do STA Cfr. Ac. do STA, de 02/07/2009, proc. N.º 0942/08; , emitido num processo em que se discutia o diploma conhecido como “Casa Pronta”, em cujo sumário se consignou que:
“ I - Apesar do legislador ter de acautelar a boa fé dos destinatários das normas e estes tenham o direito de verem salvaguardadas as legítimas expectativas que lhe foram criadas, só ocorre violação do direito à protecção da confiança quando a alteração introduzida se tenha traduzido numa mudança radical, inesperada, excessivamente onerosa e violadora de expectativas legítimas, consolidadas e consistentes dos destinatários afectados.
II - A CRP não contém nenhuma referência à profissão de notário ou, tão pouco, ao que se deve entender por acto notarial o que quer dizer que a substância da sua actividade não se encontra constitucionalmente balizada e, correspondentemente, que as únicas limitações com que o legislador ordinário se confronta quando tem de legislar sobre essa profissão ou actividade são as que resultam dos princípios fundamentais constantes daquele Texto.
IV - Se assim é, só se poderá concluir pela inconstitucionalidade da reforma operada pelo DL 263-A/2007, de 23/07 se a mesma violar algum desses princípios fundamentais, maxime o da protecção da confiança e da concorrência.
V - Ora, nem num nem outro desses princípios foram violados pelos procedimentos implementados pelo citado diploma”.
Sobre o alcance do princípio da confiança, veja-se ainda o Acórdão do TRC AC. do TRC, de 22/09/2015, proc. n.º 2604/15.8T8VIS.C1;, citado pelo Apelado Estado, no qual é feita uma síntese da jurisprudência do TC, aí se obtemperando que: “ Conforme vem sendo afirmado pelo Tribunal Constitucional «fora dos casos de retroatividade proibida expressamente previstos na Constituição, o juízo-ponderação de que o Tribunal Constitucional vem lançando mão para apreciar as restantes situações potencialmente lesivas do princípio da segurança jurídica assenta no pressuposto de que o princípio do Estado de Direito contido no artigo 2.º da CRP implica “um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expetativas que a elas são juridicamente criadas”. Neste sentido, “a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança (...), terá de ser entendida como não consentida pela lei básica” (cfr. Acórdão n.º 556/2003)» (Acórdão n.º 355/2013).
A questão que deve ser colocada é, então, saber se a norma em causa afeta, de forma inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa direitos ou expetativas legitimamente fundadas dos cidadãos, traduzindo uma violação daquele mínimo de certeza e de segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito – i.e. uma violação do princípio da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da CRP (cfr., v.g., Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 11/83, 10/84, 287/90, 330/90, 486/96, 559/98, 556/2003, 128/2009, 188/2009, 399/2010, 3/2011, 396/2011 e 355/2013). A jurisprudência do Tribunal Constitucional definiu os critérios para aferir se a afetação da confiança legítima dos cidadãos em causa é ou não constitucionalmente admissível (cfr., por exemplo, os Acórdãos n.os 287/90, 303/90, 399/2010, 396/2011 e 355/2013)”.
Revertendo à situação em causa nestes autos, e considerando a jurisprudência citada, as normas inscritas nos referidos diplomas legais e invocadas pela Apelante, só poderão ser julgadas inconstitucionais se ofenderem de modo arbitrário, inesperado, radical ou desproporcionado as expetativas dos seus destinatários, na medida em que só então se poderá conceber estar-se perante a violação do princípio da proteção da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático (art.º 2.º da CRP).
Ora, sob este prisma, adianta-se, não se divisa que se mostrem lesados ou violados quaisquer direitos ou interesses legalmente protegidos de que a Apelante fosse titular.
Naturalmente que estamos perante uma alteração legislativa que retirou à Apelante a possibilidade de continuar a exercer o mandato judicial em processos em que no futuro a tanto seja solicitada, ao mesmo tempo que exerce as funções de agente de execução, com exceção dos processos de execução em que seja agente de execução, nos quais já não podia exercer o mandato forense.
Porém, daí não decorre como pretende a Apelante que as disposições legais dos referidos diplomas que incorporaram essas alterações legislativas sejam inconstitucionais por violação do princípio da confiança.
Em primeiro lugar, como bem se refere na sentença recorrida “(…) A Autora alega que se tratou de uma alteração a nenhum título expectável, uma vez que já havia um suficiente sistema de incompatibilidades e impedimentos a tutelar o interesse prevalecente da imparcialidade e da transparência do exercício de ambas as atividades.
Contudo, precisamente pelo facto de já haver esse escrupuloso sistema, não era absolutamente imprevisível que, ao sabor da experiência entretanto adquirida e da evolução da realidade, o legislador viesse a decidir apertá-lo ainda mais. Aliás, a este propósito tem plena acuidade a invocação, pela OSAE, na sua contestação, do preâmbulo do DL nº 226/2008 de 20/11, aprovado, além do mais, em ordem à definição dos aspetos específicos do estatuto profissional do agente de execução, segundo a qual a abertura dessa função aos advogados, em geral, se devia à necessidade de aumentar o número de agentes de execução, o que já fazia temer que essa abertura fosse passageira, não estrutural.”
Ademais, não é despiciendo ter presente que a opção inicial do legislador de admitir a possibilidade do exercício cumulativo de funções de agente de execução com a prática do mandato judicial, ou seja, da não previsão ab initio de uma incompatibilidade total entre essas funções, como veio a regular posteriormente, nunca mereceu uma aceitação sem reservas por parte da comunidade jurídica. Na verdade, como bem nota o Apelado Estado houve uma relevante discussão a respeito desta opção legislativa, com a realização de vários debates públicos, abertos à participação dos agentes de execução e com repercussão mediática, de que é exemplo o Seminário Internacional subordinado ao tema “Reforma Judiciária: as leis processuais e a reorganização dos tribunais”, promovido pelo Ministério da Justiça, nos dias 02 a 04 de abril de 2012.
A possibilidade de os advogados poderem cumular o exercício do mandato forense com as funções de agente de execução nunca foi uma opção pacífica, tendo merecido muitas críticas, designadamente, por parte dos advogados, considerando a natureza independente das funções que o advogado exerce no âmbito do mandato forense em comparação com as funções de agente de execução, funcionalmente dependente do juiz da ação executiva e a consequente confusão de papeis que o exercício cumulativo dessas funções promove.
Daí que, como bem se refere na sentença recorrida, aquilo que o legislador fez foi de algum modo “ …cortar pela raiz o mal do perigo de promiscuidade entre as duas funções- o mandato judicial e a agência de execução, com o que se completou o processo legislativo da atribuição, ao agente de execução, de um regime jurídico adequado à sua natureza de auxiliar da Justiça dotado de ius imperii e obrigado a pautar a sua conduta profissional por sendas de estrita objetividade, imparcialidade e legalidade, transparência e insuspeição, realizando, em mais uma frente, o princípio do estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição”.
Por outro lado, importa sublinhar que não há um direito fundamental constitucionalmente consagrado, em moldes constitucionalmente pré-determinados, à profissão de advogado, o mesmo se dizendo relativamente à profissão de agente de execução, que nem sequer é referida na Constituição, pelo que, embora se tratem de profissões cujo conteúdo e exercício não é livre, a definição concreta dos respetivos conteúdos há-de depender daquilo que o legislador em cada momento do devir histórico entender adequado à boa administração da justiça, não se concebendo que num Estado de Direito Democrático o Estado ficasse impedido de introduzir alterações ao conteúdo dessas profissões.
Quanto à profissão de advogado, dispõe o artigo 208.º da Constituição que “a lei regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça”. O conteúdo da profissão de advogado encontra-se primacialmente delimitado pelo Estatuto da Ordem dos Advogados e pela Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto, que regula os atos próprios dos advogados.
No que concerne à profissão de agente de execução, o seu conteúdo é primacialmente delimitado pelo Estatuto da OSAE.
A figura do agente de execução foi criada pela primeira vez, no plano nacional, pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08/03, tendo-se estabelecido que passava a caber ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo de execução, designadamente: (i) citações, notificações e publicações; (ii) a promoção de penhoras, a designação como depositário de bens e direitos, incluindo de rendas em dinheiro, rendas, abonos, vencimentos, salários e outros rendimentos periódicos penhorados, a serem depositados em conta à ordem do agente de execução; (iii) a competência para fixar em auto de penhora o valor de cada verba dos bens móveis penhorados, para determinar a redução da penhora; (iv) a competência para movimentar os saldos bancários do executado; (v)para efetuar a adjudicação de bens penhorados ao exequente, prevendo ainda a possibilidade de delegação de competências do juiz em agente de execução para desempenhar as funções reservadas ao juiz na venda de bem imóvel; (vi) para decidir sobre a consignação de rendimentos de imóveis ou de móveis sujeitos a registo, ao pagamento da dívida exequenda e para decidir sobre a venda de bens penhorados, incluindo sobre o valor base dos bens a vender; (vii) a competência para receber cheques passados à sua ordem a título de caução pela proposta apresentada à venda de bens penhorados; (viii) a competência para receber diretamente quaisquer verbas do executado destinadas ao pagamento voluntário da dívida exequenda e para receber os bens que estejam em causa em processo de execução para entrega de coisa certa.
Resulta do acervo de funções que foram atribuídas ao agente de execução que o mesmo passou a praticar atos que anteriormente tinham natureza judicial.
Concomitantemente, o legislador nacional aprovou um novo Estatuto da Câmara dos Solicitadores, através do Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de abril, no qual se estabeleceu que o agente de execução deveria ser um solicitador que, sob a fiscalização da Câmara dos Solicitadores e na dependência funcional do juiz da causa, exercesse as competências especificas de agente de execução e as demais funções que lhe fossem atribuídas por lei ( cfr. artigo 116.º do ECS). E delineou um quadro jurídico no qual estabeleceu a incompatibilidade do solicitador com a profissão de advogado (cfr. art.º 114.º, n.º1, alínea p) do ECS), prevendo no art.º 115.º, n.º2 do ECS que “ O solicitador que for solicitador de execução está impedido de exercer mandato judicial, em representação do exequente ou do executado durante três anos contados a partir da extinção do processo de execução no qual tenha assumido as funções de agente de execução”. Mais previu, no art.º 120.º, n.º1, alínea a) que o exercício das funções de solicitador de execução são incompatíveis com o exercício do mandato judicial no processo executivo.
Entretanto, na sequência da Lei n.º 18/2008, de 21 de abril, que autorizou o Governo a alterar o CPC e o ECS, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, que alargou a possibilidade de desempenho das funções de agente de execução a advogados, passando a prever-se no art.º 115.º, n.º2 do ECS que “ O solicitador ou advogado que foi agente de execução está impedido de exercer o mandato judicial em representação do exequente ou do executado, durante três anos contados a partir da extinção da execução na qual tenha assumido as funções de agente de execução”. E a prever-se no art.º 120.º, n.º1, al. a) que é incompatível com o exercício das funções de agente de execução o exercício do mandato em qualquer execução, tendo-se reforçado o papel do agente de execução no quadro do sistema judicial.
O agente de execução é, assim, um misto de profissional liberal e de funcionário público, que tem o estatuto de “servidor da justiça e do direito” e que, na prossecução do interesse público, no exercício das suas funções, atua investido de poderes de autoridade (ius imperii), em nome e em representação do Estado, desempenhando uma função pública jurisdicional, na dependência funcional do juiz de execução, que não é, salvo melhor opinião, compatível com a independência que carateriza o profissional que exerce o mandato forense.
Por seu turno, no preâmbulo do Decreto-Lei 228/2008, de 20 de novembro, que permitiu aos advogados exercerem, também, funções de agente de execução, pode ler-se “O sistema de execuções judiciais ou processo executivo é um fator essencial para o bom funcionamento da economia e do sistema judicial.” E, ainda, “O papel do agente de execução é reforçado, sem prejuízo de um efetivo controlo judicial, passando este a poder aceder ao registo de execuções e atualizar diretamente dados sobre estas. Igualmente, o agente de execução passa a realizar todas as diligências relativas à extinção da execução, sendo esta arquivada através de um envio eletrónico de informação ao tribunal, sem necessidade de intervenção judicial ou da secretaria.” Reforça-se, assim, o papel da função de Agente de Execução ao atribuir-lhe mais poderes públicos.
Ora, estando em causa o exercício de profissões de inegável relevo para uma boa administração da justiça, o olhar atento do Estado em ordem à correta salvaguarda do interesse coletivo exige que seja feito um acompanhamento regular, rigoroso e atento das soluções legais aprovadas e implementadas, em ordem a aferir se os resultados obtidos correspondem aos objetivos de uma boa administração da justiça ou se diferentemente a realidade reclama a necessidade de novas soluções, mais adequadas à salvaguarda do interesse coletivo na garantia de uma boa administração da justiça.
Como se sabe, o legislador nacional ab initio previu algumas incompatibilidades no exercício cumulativo de ambas as funções em discussão nos autos, o que associado às criticas que ainda assim essa solução gerou entre os vários operadores ( os defensores de uma incompatibilidade absoluta) não pode aceitar-se que uma possível alteração do regime instituído tenha sido algo de absolutamente inesperado a um agente de execução informado, previdente e cauteloso, como é certamente o caso da Apelante.
O que, tudo, reforça a ideia da não imprevisibilidade das alterações que ora a Apelante pretende sejam julgadas inconstitucionais e desaplicadas, de modo a manter o exercício da função de agente de execução com a prática do mandato judicial.
Ademais, note-se que o exercício dos mandatos judiciais já constituídos à data do início de produção de efeitos das novas normas, ou mesmo na data do termo do período transitório a que se reportam os artigos 3.º dos diplomas preambulares que aprovaram os Estatutos da AO e da OSAE, não foram atingidos, de modo que, nenhum direito efetivamente constituído a exercer o mandato judicial foi obliterado.
O princípio da confiança e da segurança só teriam sido violados se tivessem sido atribuídos a atos pretéritos ou a situações constituídas efeitos jurídicos com que razoavelmente a Apelante não pudesse contar.
De facto, as alterações resultantes dos referenciados normativos legais, proibindo que os agentes de execução que simultaneamente fossem advogados exercessem o mandato judicial, em qualquer tipo de ações, não configura uma alteração arbitrária, desproporcionada e inesperada ao regime de incompatibilidades estabelecido, com que um agente de execução não pudesse de todo antever como possível e até muito provável, nada apontando no sentido de se estar perante um quadro imutável. Por outro lado, é seguro que a Apelante não foi atingida com a denominada “retroatividade imprópria” nos seus direitos, uma vez que, o exercício dos mandatos judiciais já constituídos à data do início de produção de efeitos das novas normas, não foram atingidos.
O que acontece é que o legislador foi sensível às críticas que se foram fazendo ouvir sobre a possibilidade de ambas as funções poderem ser exercidas por uma mesma pessoa, pondo fim à possibilidade de a independência do advogado quando pratica o mandato forense ficar coartada quando exerça também as funções de agente de execução.
É que, nesse quadro, que era o vigente, não é ficcional que o advogado deixe de poder agir livremente e sem pressão, deixe de poder escolher livremente os seus clientes e exercer o mandato em qualquer execução, uma vez que está na dependência funcional do Juiz e compromete-se, sob juramento, a cumprir o estipulado no Estatuto dos Solicitadores.
Ora, a independência técnico-profissional do advogado foi, desde sempre, um princípio basilar na história da advocacia e das profissões liberais, como escreveu Angel Ossorio y Gallardo ( in “A Alma da Toga” págs 31-34. Algel Ossorio e Gallardo) segundo o qual: “…designam-se assim não só por aceção gramatical, mas também por aceção lógica, porque se exercem com liberdade têm o seu mais importante atributo”. “…em nenhum sector a liberdade é mais completa que no foro. A disciplina profissional é leve para escrupulosos da própria dignidade e nada acrescenta aos deveres que uma consciência medianamente delicada impõe a si mesma. Desde que cria uma situação regular, o advogado só de si próprio depende. É o homem mais livre em toda a extensão da palavra.
Só pesam sobre ele servidões voluntárias; nenhuma autoridade externa detém a sua atividade individual; não tem outro senhor senão a Lei. E daqui resulta para o advogado um orgulho natural, por vezes vidrento, e um desdém por tudo o que é oficial e hierarquizado”.
Por outro lado, procurou também o legislador, ao impedir que um mesmo profissional possa cumular a função de agente de execução com a prática do mandato judicial, garantir a máxima independência, imparcialidade e isenção do agente de execução, profissional a quem o Estado delegou amplos poderes de autoridade pública para prosseguir a missão pública de o auxiliar na administração da justiça, e, portanto, sujeito a particulares deveres para com o Estado que podem sair prejudicados quando o mesmo também possa exercer o mandato forense, em que necessariamente se encontra comprometido com a salvaguarda dos interesses do seu constituinte.
Em face de todas as considerações expostas, a solução prevista nas normas cuja inconstitucionalidade a Apelante pretende ver reconhecida, de modo a ver desaplicadas ao seu caso aquelas normas, de forma a manter a sua situação jurídico-profissional nos moldes pretéritos, não viola o princípio constitucional da proteção da confiança, tratando-se de alterações legislativas consentidas pelo princípio da revisibilidade das leis, que não se apresentam como radicais, inesperadas ou excessivas antes como adequadas em nome do interesse coletivo de uma boa administração da justiça.
Reafirma-se, novamente, que o agente de execução, assim como o advogado, apenas podem praticar os atos que em cada momento a lei permita (dado tratar-se de profissões reguladas), não estando o legislador impedido de alterar o conteúdo de tais profissões, desde que o faça de modo proporcional e em prol de uma melhor defesa do interesse coletivo.
Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.

b.1.3. Da violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade
A segunda razão pela qual a Apelante critica a decisão recorrida prende-se com a improcedência da violação do princípio constitucional da proporcionalidade previsto no artigo 18.º, n.º2 da Constituição, que imputou às normas supra referenciadas do EOA e do EOSAE, aprovadas em 2015, reafirmando, tal como em sede de petição inicial, o seu convencimento quanto à violação desse princípio, que se decompõe nos subprincípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Alega que no caso, não havia a necessidade de alteração no regime de incompatibilidade até então em vigor e, assim, de incompatibilizar de forma absoluta a função de agente de execução e do mandato judicial, uma vez que já se encontrava em vigor um quadro legal de impedimentos e incompatibilidade que salvaguardavam os valores da comunidade tais como a isenção, independência e dignidade da profissão, razão pela qual, conclui, essa incompatibilização total se tem como não adequada, não exigível e desproporcional ( Vide conclusões 18.ª a 27.ª das alegações de recurso).
Invoca ainda ter sido violado o princípio da igualdade, embora não apresente nenhuma razão para sustentar esse vício.

Vejamos.
O princípio da proporcionalidade tem consagração constitucional no n.º2 do artigo 18.º e constitui um pilar na defesa dos cidadãos contra o arbítrio e a prepotência dos poderes públicos, impedindo que possam ser adotadas condutas agressivas e excessivas contra os mesmos.
O princípio da proporcionalidade, na sua versão de proibição do excesso, compreende as dimensões da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.
Na sua dimensão de adequação, o princípio da proporcionalidade reclama que a providência adotada, no caso, as alterações legislativas introduzidas, se revele apta a alcançar o objetivo almejado, ou seja, “está em causa a eficácia de uma medida legislativa”.
Na dimensão da necessidade, importa verificar se inexiste ou meio ou forma, que permita atingir o mesmo resultado, e que seja menos gravoso ou agressivo do ponto de vista dos direitos fundamentais, ou seja, detetar se existem medidas legislativas excessivas, o que obriga a que se efetue um confronto entre diferentes meios, sendo, por conseguinte, um problema de eficiência do meio utilizado em comparação com outros meios, com outras soluções legais.
Quanto à proporcionalidade em sentido estrito, trata-se de uma exigência de racionalidade e de justa medida, no sentido de que o órgão competente proceda a uma correta avaliação da providência adotada em termos qualitativos e quantitativos e, bem assim, para que não fique aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido. Ou seja, implica uma metodologia de ponderação de bens: de um lado, o bem jusfundamental que é objeto de restrição legal; do outro lado, o bem constitucional que dir-se-ia justificar essa mesma intervenção legislativa restritiva. Cfr. JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág.373;
No caso, o legislador, ao proibir de forma absoluta que um agente de execução possa exercer o mandato judicial, alterando o status quo até então vigente, que permitia que em determinadas situações um agente de execução pudesse igualmente exercer o mandato judicial, não fere as normas que impõem essa proibição de inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade em nenhum dos subprincípios em que o mesmo se decompõe.
Como bem se afirma na decisão recorrida “… a Autora, ao invocar um princípio constitucional de proporcionalidade e os artigos 17º e 18º da Constituição, pretende esgrimir, ainda, a alegação de que a incompatibilidade absoluta e a sua aplicação aos advogados antes habilitados à cumulação fere a regra da proporcionalidade na restrição dos direitos liberdades e garantias, consagrada no artigo 18º nº 2 da Constituição, segundo o qual, “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Tão pouco aqui lhe vemos razão, desde logo porque a regulação legal do exercício das profissões em causa é um imperativo elementar da consagração do Estado de Direito (artigo 2º da Co0nstituição), como já dissemos. Depois, porque não se trata aqui propriamente de uma restrição ao direito liberdade e garantia de liberdade de escolha e exercício de uma profissão, se não de uma sucessão no tempo de dois regime legais do mesmo exercício, pontualmente diferentes, sendo certo que, para retomar em pleno o exercício do mandato forense, basta ao advogado optar por ser apenas advogado e não também agente de execução”.
O objetivo do legislador com proibição do exercício cumulativo das funções de agente de execução com a prática do mandato judicial foi a de garantir a máxima independência, imparcialidade e isenção do agente de execução, profissional liberal a quem o Estado delegou amplos poderes de autoridade pública para prosseguir a missão pública de o auxiliar na administração da justiça. Ora, se confrontarmos estas medidas com a alternativa de permitir o exercício cumulativo das funções de agente de execução com a prática do mandato judicial, facilmente se percebe a necessidade e o bem fundado das razões que ditaram a alteração do quadro legal em vigor e que o legislador considerou ser de aplicar a todos os agentes de execução, impedindo que uns pudessem continuar a exercer cumulativamente o mandato judicial e as funções de agente de execução simultaneamente e outros não.
Por outro prisma, como bem se afirma na decisão recorrida, não é despiciendo “considerar que, no artigo 3.º, n.º13 do diploma preambular do novo estatuto da OSAE, é conferido aos advogados na situação da Autora um período de mais de dois anos para se adaptarem ao novo regime, desde logo tomando as necessárias opções profissionais”. O mesmo é dizer, houve a preocupação do legislador de estatuir um regime transitório destinado a acautelar a situação dos agentes de execução que, como a Apelante, passaram a estar numa situação de incompatibilidade com a entrada em vigor das alterações supra referenciadas.
Em face do exposto, não se verifica a invocada violação do princípio constitucional da proporcionalidade.
Quanto à violação do princípio da igualdade, como já referimos, a Apelante não cuidou de alegar as concretas razões de facto e de direito em que sustenta essa invocada violação.
Porém, em nome do princípio da cooperação e em ordem a evitar a arguição de eventuais nulidades, designadamente, de omissão de pronúncia, sempre se dirá que não ocorre nenhuma violação ao princípio da igualdade.
O princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição, impõe-se a toda a atividade legiferante do Estado. Como refere JORGE MIRANDA Cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol. IV, Coimbra, 1988, p 240 e 241;, atualmente, o princípio da igualdade é também uma condicionante essencial do sentido da lei, tendo subjacente uma preocupação de promoção de condições de igualdade real entre os cidadãos.
Citando R. Alexy Cfr. Teoria de los derechos fundamentales, Madrid, 1993, p 387 e 388;, "[...] uma vez que não existe nem uma igualdade nem uma desigualdade em todos os aspetos (igualdade/desigualdade fáctica universal) entre as pessoas e situações, e como a igualdade/desigualdade fáctica parcial em alguns aspetos não basta como condição de aplicação da fórmula [tratar igual o que é igual e diferente o que é diferente, na medida da diferença], esta pode apenas significar uma coisa: a igualdade valorativa. Se é possível estabelecer uma diferenciação, a igualdade/desigualdade valorativa tem que ser relativizada de duas maneiras. Em primeiro lugar, há-de ser uma igualdade valorativa relativa a igualdades/desigualdades fácticas parciais, pois se se esgotasse numa igualdade valorativa sem mais não poderia nunca contribuir para criar tratamentos diferenciados.
Tem que ser, em segundo lugar, igualdade valorativa relativa a determinados tratamentos, pois, se assim não fosse, não poderia encontrar-se um fundamento para que duas pessoas, a quem é conferido um tratamento igual num determinado aspeto, não sejam tratadas de forma igual em todos os restantes.
A estas duas relativizações, que são as condições de possibilidade de um tratamento diferenciado, acresce uma terceira, a relativização com base num critério de valoração que permite aferir o que é valorativamente igual e desigual. A frase 'deve tratar-se o igual de forma igual e o desigual de forma desigual' não contém um tal critério, antes o pressupõe.
A igualdade material conduz, pois, necessariamente, à questão da valoração correta e também à questão do que é uma legislação correta, razoável e justa."
Desta longa citação extraem-se pelo menos dois contributos fundamentais para o entendimento atual do princípio da igualdade: o de que a igualdade é sempre um conceito de relação Cfr. Parecer da Comissão Constitucional n.º 5/81, Pareceres da Comissão Constitucional, 14.º vol., p 309 e segs., e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 44/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3.º vol., p 133 e segs; e o de que a igualdade é um conceito predominantemente valorativo. Por outras palavras, aferir da igualdade/desigualdade entre duas situações não passa apenas pela sua consideração isolada, antes é, sobretudo, um trabalho de ponderação dos valores que estão subjacentes à disciplina legal de cada uma delas e da sua harmonização. A igualdade desejada pela Constituição é, assim, uma igualdade proporcional e não uma igualdade matemática. Cfr. Acórdãos n.ºs 39/88 e 375/89 do Tribunal Constitucional, publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, respetivamente, 11.º vol., p 233 e segs., e 13.º vol., t. II, p 989 e segs;
Trata-se de "dar o seu a quem ele é devido". Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 14/84, Acórdãos..., cit., 2.º vol., p 339 e segs.;

No caso, também em sede de petição inicial a Apelante invocou a violação do princípio da igualdade, sem nada referir como fundamento. Dando nota disso mesmo, ainda assim o Tribunal a quo discorreu o seguinte: “ (…) Seja como for, diremos que não decorre, nem da consagração da incompatibilidade em causa, nem da opção do legislador quanto ao direito transitório, definida nos artigos 3º nº 13 da Lei 154/2015 e 3º nº 4 da Lei nº 145/2015, qualquer discriminação, muito menos injustificada, entre advogados e ou entre agentes de execução. Pelo contrário, efectiva-se a igualdade, quanto à incompatibilidade agora imposta, entre todos os advogados e entre todos os agentes de execução: os que já o eram antes e os que o vieram a ser após a entrada em vigor do novo regime”.
E bem. Através das normas cuja inconstitucionalidade é invocada pela Apelante, o Legislador vedou o exercício cumulativo das funções de agente de execução com a prática do mandato judicial e estendeu essa proibição a todos os agentes de execução, impedindo que uns pudessem manter o exercício cumulativo daquelas funções e outros estivessem impedidos de o fazer.
Se, ao invés, tivesse permitido aos advogados ou solicitadores que já fossem agentes de execução à data da entrada em vigor destas leis esse exercício cumulativo, então poder-se-ia equacionar a possibilidade de existir uma potencial violação do princípio da igualdade relativamente àqueles que só iniciassem as funções no âmbito da vigência, na medida em que tal poderia configurar um tratamento diferente ao que é igual. Mas não foi essa a situação criada pelas referenciadas normas, as quais impediram que essas situações continuassem a existir, pondo-lhes cobro, decorrido o período transitório nelas previsto.

Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.

b.2.4. Violação do direito fundamental à liberdade de escolha de profissão.
Nas conclusões 28.ª a 35.ª das alegações de recurso, a Apelante, reafirmando uma vez mais os argumentos que apresentou em sede de petição inicial, insurge-se contra a decisão recorrida que julgou inverificada a alegada violação do seu direito de livre acesso ao exercício de uma profissão, consagrado no artigo 47.º da Constituição.
Sustenta que, tendo o direito à liberdade de escolha de profissão a natureza de um direito, liberdade e garantia, goza do regime dos artigos 17º e 18º da CRP, que na sua dimensão negativa, assegura que não deve ser impedida a escolha e o exercício de uma profissão para a qual se tenha os necessários requisitos, como sucedeu consigo.
Assim, embora concorde com a decisão recorrida quando nela se refere que não se exige tornar “(...) o legislador e o Estado de Direito reféns de um impensável imobilismo legislativo (...)”, observa ser ponto assente que também não se pretende que o legislador avance com a possibilidade de exercício de ambas as profissões e depois decida pela restrição do sujeito a apenas uma. A seu ver, avançaria bem o legislador caso prosseguisse por uma alteração (mais ou menos restrita) do regime de incompatibilidade, mas sem nunca incompatibilizar por completo, ou seja, retirando da esfera jurídica da requerente a liberdade de exercício das funções de advocacia e agente de execução.

Vejamos.
No art.º 47.º, n.º 1 da CRP, sob a epígrafe “Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública”, é garantido que “Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade».
Conforme assinalam J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3.ª Edição revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 261 e ss, «A liberdade de escolha de profissão ( epígrafe e n.º1) é um direito fundamental complexo, comportando vários componentes. Enquanto direito de defesa a liberdade de profissão significa duas coisas: (a) não ser forçado a escolher (e a exercer) uma determinada profissão;(b)não ser impedido de escolher ( e exercer) qualquer profissão para a qual se tenham os necessários requisitos, bem como de obter estes mesmos requisitos». E, mais adiante, acrescentam que «A liberdade de escolha de profissão está sob reserva de lei restritiva ( n.º1, in fine). É um dos casos expressamente previstos de restrições legais de «direitos, liberdades e garantias»( cfr. art. 18, 2 e 3).
A liberdade de conformação do legislador depende porém do nível em que a restrição se verificar. Assim: a liberdade de escolha propriamente dita só comporta, em geral, as restrições decorrentes da colisão com outros direitos fundamentais; a entrada ou ingresso admite limites mais intensos, podendo a lei estabelecer certos pressupostos subjetivos condicionadores do direito de escolha (…); o exercício da profissão pode estar sujeito a limites ainda mais intensos, principalmente quando da regulamentação do exercício não resultem quaisquer efeitos sobre a liberdade de escolha(…). A consideração separada destes três momentos fundamentais não exclui a consideração materialmente unitária do direito de escolha, a qual é particularmente importante no caso de leis restritivas do exercício da profissão mas com implicação direta sobre a liberdade de escolha. Aqui os limites relativos aos pressupostos subjetivos (qualificação pessoal, capacidade, habilitações…) são admissíveis, desde que, como é óbvio, sejam teleologicamente vinculados (interesse público) e não violem o princípio da proibição do excesso (necessidade, exigibilidade e proporcionalidade)».

Assim, o direito fundamental à liberdade de escolha de profissão implica, no essencial, que o seu titular não possa ser forçado a escolher e exercer uma profissão, e, com relevo para os presentes autos, que o seu titular não possa ser impedido de escolher e exercer livremente uma determinada profissão (sobre o direito fundamental à liberdade de escolha de profissão, cf., entre outros, os Acórdãos n.os 474/89, 187/01, 563/03, 154/04, 3/2011, 362/2011, 88/2012, 89/2012, 96/2013, 509/15, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

A liberdade de escolher a profissão que se pretende exercer, desde que não proibida por lei, tem na sua génese a consideração de que a realização de cada pessoa e o respeito pela sua dignidade humana, também abarca o direito de escolher livremente, sem impedimentos, nem discriminações, o exercício de uma profissão. Porém, tal como se passa com os demais direitos fundamentais, também este direito previsto no artigo 47.º, da CRP não é um direito absoluto, surpreendendo-se no próprio enunciado da norma a habilitação constitucional expressa à imposição, por via legal, de restrições ao direito fundamental à liberdade de escolha de profissão.

No caso, estando em causa o exercício de duas profissões de irrefutável relevo para a boa administração da justiça, não pode deixar de se reconhecer ao Estado o dever de prevenir os riscos e os excessos associados à possibilidade do agente de execução poder também exercer o mandato judicial.

A este respeito, pode ler-se na decisão recorrida a seguinte fundamentação: “É óbvio que esta norma constitucional não pode ser interpretadas no sentido absoluto. Não se trata de uma profissão de fé do legislador constitucional numa liberalização selvagem de toda e qualquer atividade profissional. O Direito liberdade e Garantia da Liberdade de escolha e do exercício de profissão não é incompatível com a regulação legal do acesso a e do exercício de muitas profissões e atividades económicas, pelo menos quanto a determinadas profissões dotadas de alguma complexidade ou peculiaridade técnica ou potencialmente lesivas, se mal exercidas, para as pessoas ou os bens dos respetivos utentes e dos cidadãos em geral. A regulação legal de tais profissões é uma exigência elementar do princípio do Estado de Direito (artigo 2º da Constituição).
Pois é isso mesmo o que acontece com as profissões de advogado, solicitador e agentes de execução, cujos acesso e exercício sempre têm sido regulados por lei. Ponto é que tal regulação não se mostre, em algum aspeto, injustificada do ponto de vista daquela ratio legis. Ora, como vimos, não é isso que acontece com a incompatibilidade sub juditio.
Também não viola o direito fundamental agora em consideração o facto de deste modo resultar legislativamente restringida uma anterior delimitação do âmbito de liberdade efetiva de exercício da profissão de advogado por parte da Autora e de, certamente, alguns seus colegas. Na verdade, entendidos os contornos da liberdade de escolha e exercício da profissão como acaba de ser dito, justificado fica, por identidade de razão, o poder de alterar o regime legal em cada momento vigente, mesmo quando se bula com o âmbito da possibilidade de exercício de um ato próprio dessa profissão por parte de advogados habilitados a praticá-lo ao abrigo do regime legal revogado. De contrário, aliás, estariam o legislador e o Estado de Direito reféns de um impensável imobilismo legislativo. Ponto é que as alterações legislativas se justifiquem em vista de um interesse público prevalecente com foros de constitucionalidade e se tenha em alguma conta as situações dos diretamente prejudicados com a alteração. Já vimos que assim aconteceu in casu.”.

Conforme se sumaria no Acórdão do TC, de 03.09.1996, processo n.º 6655, “III - O texto constitucional separa a liberdade de escolha de profissão, diretamente referida no artigo 47.º, n.º 1, do "direito ao exercício livre da profissão", não compreendendo o texto constitucional, em função dessa liberdade de escolha, uma garantia institucional das profissões livres. Daí, aliás, a licitude constitucional de condicionamentos ao exercício de determinadas profissões”.
Por conseguinte, o artigo 47.º da CRP prevê a possibilidade do direito à liberdade de escolha de profissão ser sujeito a restrições legais determinadas pelo interesse coletivo.

No caso, dir-se-á que não só as referenciadas normas não contendem com o direito à liberdade de escolha de profissão, configurando apenas restrições legais ao exercício em acumulação das funções de agente de execução com a prática do mandato judicial, como as mesmas foram impostas pelo legislador em razão do interesse coletivo de dignificar o estatuto profissional dos agentes de execução e assegurar a prossecução do interesse público na administração da justiça, que constitui um pilar fundamental do Estado de Direito Democrático, com consagração constitucional no artigo 2.º da Lei Fundamental.
É precisamente esse especial estatuto do agente de execução, com a sua particular missão de auxiliar na administração da justiça, incumbido de prosseguir o interesse público e dotado, para o efeito, de poderes de autoridade pública, exigido pelo inelutável facto de estar em causa uma atividade de relevante interesse público, que reclama, e justifica, do legislador, uma conformação normativa particularmente exigente, com a imposição de um conjunto de deveres, de incompatibilidades e de impedimentos.

E é também tendo em consideração a independência que deve caracterizar o exercício do mandato forense por parte do advogado, que deve ser salvaguardada em prol de uma boa administração da justiça e do direito a uma assistência judiciária livre, que bem se compreendem as alterações legislativas em análise.

Ademais, sempre se dirá, por outro prisma, que não está em causa o direito de livre escolha de uma profissão mas sim a impossibilidade de exercer duas profissões cumulativamente, sendo que, nada impede o profissional de optar por qualquer uma delas, podendo, um agente de execução exercer ainda a profissão de advogado, com exceção do mandato forense.

Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.
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3.3. Da Ampliação do Objeto de Recurso
O Apelado Estado, para o caso de vir a julgar-se procedente o recurso principal interposto pela Apelante, requereu a ampliação do objeto de recurso de modo a que este Tribunal sindicasse a decisão proferida pela 1.ª Instância que julgou improcedentes as exceções invocadas pelo Ministério Público em representação do Estado Português, de incompetência material do TAF de Braga e da ilegitimidade do réu Estado.

Considerando que o recurso principal interposto foi julgado totalmente improcedente, fica prejudicado o conhecimento dos erros de julgamento invocados em sede de ampliação do objeto de recurso na medida em que a sua apreciação estava dependente da procedência do recurso principal.
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IV- DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, e, confirmam a decisão recorrida.

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Custas pela Apelante, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

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Porto, 09 de abril de 2021.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
(Isabel Jovita, em substituição)

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i) Cfr. Ac. do TCAS, de 07/02/2013, processo n.º 06366/10;

ii) Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 285/92, de 22/07/1992;

iii) Cfr. Acórdão n.º 287/90 do Tribunal Constitucional , de 30/10/1990;

iv) Crf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 505/2008, 188/2009, 85/2010 e 509/2015.

v) Cfr. Ac. do STA, de 02/07/2009, proc. N.º 0942/08;

vi) AC. do TRC, de 22/09/2015, proc. n.º 2604/15.8T8VIS.C1;

vii)Cfr. JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág.373;

viii) Cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol. IV, Coimbra, 1988, p 240 e 241;

ix) Cfr. Teoria de los derechos fundamentales, Madrid, 1993, p 387 e 388;