Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02556/17.0BEPRT |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 03/01/2019 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão |
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Descritores: | RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO APOIADO; PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE |
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Sumário: | I-A proporcionalidade terá que se verificar entre o fim da lei e o fim do acto, entre o fim da lei e os meios escolhidos para atingir tal fim, e entre as circunstâncias de facto que dão causa ao acto e as medidas tomadas; I.1-face ao que resultou provado, a actuação do aqui Recorrido não se revela desproporcionada, contrária às exigências da boa-fé, pois que o autor do acto impugnado adoptou uma conduta que é normal e recta e em obediência ao princípio basilar da legalidade, (também ele) dotado de protecção constitucional. * *Sumário elaborado pelo relator |
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Recorrente: | MGSS |
Recorrido 1: | Câmara Municipal do Porto |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negar provimento ao recurso |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO MGSS, residente na rua D…, Porto, instaurou acção administrativa contra a Câmara Municipal do Porto, com sede na praça General Humberto Delgado, visando a impugnação da decisão de resolução do contrato de arrendamento apoiado, formulando o seguinte pedido: a. Ser anulado o ato administrativo de 10.08.2017 do Sr. Vereador do Pelouro da Habitação e Recursos Humanos da Câmara Municipal do porto, que ordenou a desocupação, pela autora, da casa sita na Rua D…, no Porto; b. Ser reconhecido à autora e seu agregado familiar o direito a ocupar a referida casa: c. Ser o réu condenado ao pagamento da indemnização para ressarcimento dos danos sofridos com a execução do ato que ora se impugna, a liquidar em execução e sentença, e respectivos juros de mora desde a data da liquidação até efectivo e integral pagamento. Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção. Desta vem interposto recurso. * Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:I. A decisão a quo está errada e, por isso, deve ser revogada. II. A verdade é que no caso concreto estamos perante vários inocentes que serão irremediavelmente prejudicados por um acto administrativo com eficácia externa e lesivo de um dos direitos mais basilares. III. Existe, pois, por parte do Município do Porto uma falta de sentido de proporcionalidade e uma ponderação indevida na análise da situação vertente que coloca em causa o direito à habitação constitucionalmente consagrado no artigo 65º da C.R.P., em especial dos filhos menores da requerente que nada têm a ver com a presente situação. IV. Pelo que a situação da recorrente impõe a busca de equilíbrio e harmonia, na ponderação de direitos e interesses à luz do caso concreto, na prossecução da melhor forma de aplicação e efectivação dos direitos fundamentais. V. Por isso mesmo estabelece o artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”. VI. O ato do Município do Porto é, em nosso entender, nulo por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental nos termos abrigados do artigo 161º nº 2 d) do C.P.T.A. em conjugação com o disposto no artigo 32º nº2 da C.R.P.. VII. Nulidade essa, cujo decretamento foi requerido na ação administrativa especial nos termos do disposto no artigo 37º nº 1 alínea a) e 50º nº 1 e seguintes do C.P.T.A. de que a presente providência é preliminar. VIII. Há igualmente, violação do princípio da legalidade, do princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, do princípio da proporcionalidade, dos princípios da justiça e da razoabilidade, do princípio da imparcialidade e do princípio da boa-fé previstos nos artigos 3º, 4º, 7º, 8º, 9º e 10º do C.P.T.A. e C.P.A. Por todas estas razões deve o recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogada a decisão proferida. * Não foram juntas contra-alegações.* O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.* Cumpre apreciar e decidir.FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi fixada a seguinte factualidade: 1 - A Autora é arrendatária da habitação social sita na rua D…, Bairro P…, na cidade do Porto, de que é senhorio o Município do Porto - Cfr. Alvará n.° 36203, de 31 de maio de 2012, constante a fls. 43 do Processo administrativo; 2 - Integra o agregado familiar da Autora, para além dela própria, o seu companheiro NMF, e três filhos ainda menores - Cfr. fls. 120 do Processo administrativo; 3 - No dia 24 de setembro de 2015, no âmbito do Processo Comum Coletivo n.° 16/ 13.7PFGDM, que correu termos na Comarca do Porto - Instância Central - 1ª secção criminal - J5, em que a Autora e o seu companheiro, NF, entre outros, eram arguidos, este [NR] foi condenado pelo Acórdão aí proferido, na pena efetiva de 4 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de tráfico de estupefacientes, e quanto à Autora, foi a mesma condenada na pena, suspensa, de 2 anos de prisão, como cúmplice de um crime de tráfico de estupefacientes - Cfr. fls. 330 desse Acórdão, que faz parte integrante do Processo administrativo; 4 - Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai parte desse Acórdão - Cfr. fls. 140, 141, 142, 143, 144, 162 e 163 desse Acórdão, que faz parte integrante do Processo administrativo -, no que é atinente à fundamentação aí vertida visando a factualidade imputada à Autora e ao seu companheiro NR, como segue: “[…] O arguido NF dedicou-se à venda de estupefacientes, desde data não concretamente apurada, mas anterior a julho de 2013. Este arguido contactava telefonicamente com diversos indivíduos que pretendiam comprar estupefacientes, combinando deste modo o local para a entrega das substâncias estupefacientes, habitualmente ria sua residência, sita na Rua P…, Porto, ou na entrada do Bloco onde vivia. [sublinhado nosso] […] Em data não concretamente apurada, mas situada por meados de 2013, o arguido NF acordou ainda com a sua companheira, a arguida MGSS, que a mesma colaborasse na atividade de venda de estupefaciente. Assim, para além de ter conhecimento de toda a atividade de tráfico desenvolvida pelo arguido, a arguida MS também colaborava na mesma, alertando-o para qualquer presença policial nas proximidades do local de venda e da sua residência [...] [sublinhado nosso] [...] No dia 1 de dezembro de 2013, pelas 10h00, no interior da residência dos arguidos de NMRF e de MGSS, sita no B.° P…, porto, foi encontrado: - na sala, em cima da mesa: . Um telemóvel Samsung, de cor branca, modelo GTS5660, com o IMEI 35xxx68, com o cartão da operadora Vodafone com o n° 81xxx81, a funcionar com o n° 91xxx78, com um cartão de memória de 2 Gb, pertencente à arguida. MS; . um telemóvel, marca Samsung, modelo GT-E1180, de cor preta, com o IMEI 357xxx78, com o cartão da Vodafone com o n° 811xxx37, pertencente ao arguido NF; . a quantia monetária de 35€ [...] em notas do BCE; . um pedaço de canábis (resina), com o peso líquido de 2,111g; - no quarto dos arguidos, no interior do roupeiro, no bolso de um blusão do arguido N…, a quantia monetária de 380€ [...], fracionada numa nota de cinquenta euros, sete notas de vinte euros, catorze notas de dez euros e dez notas de cinco euros. [...] O estupefaciente pertencia ao arguido NF e MS, que o destinava à venda a terceiros, com o auxílio da arguida MS. [sublinhado nosso] O dinheiro também pertencia ao arguido NF e era proveniente da atividade de venda de estupefacientes a que se dedicava, com o auxílio da arguida M…. [sublinhado nosso] Os telemóveis eram utilizados pelos arguidos N… e M… nos contactos que estabeleciam entre si, com os demais arguidos e com compradores dos produtos estupefacientes, a cuja venda procediam, O veículo marca Audi, modelo A4, com a matrícula xx-xx-UU, pertencia ao arguido NF, tendo sido por este adquirido com o dinheiro proveniente da atividade de venda de estupefacientes e era por este utilizado nessa mesma atividade. […]”. 5 - Na fase da instrução e averiguação no âmbito do procedimento instaurado pelo Réu, foi colhida informação pelos seus Serviços, no sentido de que à Autora tinha sido imputada a prática de actos ilícitos, contrários à lei, aos bons costumes e à ordem pública, após o que foi elaborado projeto de decisão de resolução do contrato de arrendamento apoiado, da autoria do Vereador do Pelouro da Habitação e Ação Social, datado de 14 de março de 2017, do que foi a Autora notificada em 20 de março de 2017 - Cfr. fls. 125 a 127 do Processo administrativo; 6 - A Autora exerceu o seu direito de pronúncia, no âmbito da qual, entre o mais, negou a prática de atos ilícitos a partir da sua habitação, e também, de outros que pudessem por em causa a ordem pública e os bons costumes - Cfr. fls. 140 a 147 do Processo administrativo; 7 - No dia 28 de julho de 2017, veio a ser proferida decisão final - acto sob impugnação -, pela qual, entre o mais, foi decidida a resolução do contrato de arrendamento com fundamento no artigo 1083.° n.° 2 alínea b) do Código Civil, do que a Autora foi notificada em 10 de agosto de 2017 - Cfr. fls. 156 a 159 do Processo administrativo; 8 - Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai o teor da notificação enviada à Autora, como segue: NOTIFICAÇÃO CE-GPH-4325-2017 A casa 32 da entrada 525, do bloco 6, da Rua D…, em P…, propriedade do Município do Porto e sob gestão da DomusSocial, EM, foi atribuída à arrendatária MGSS, e respetivo agregado autorizado, constituído por GLSF, NMRF, NMSF e GMS. No âmbito do processo administrativo, segundo o que se apurou na fase de instrução e averiguação pelos serviços da Direção da Gestão do Parque Habitacional (PRC_CINS-2017-4065), verifica-se a utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes e à ordem pública. No interior da habitação atribuída à arrendatária foram apreendidos dois telemóveis e quantias em dinheiro, conforme consta das páginas 162 e 163 do acórdão condenatório, no âmbito das buscas policiais (transcreve-se a sentença curo teor se dá por reproduzido): «No dia (...), no interior da residência dos arguidos de NMRF e de MGSS, sita no Bairro P…,(…) foi encontrado: um telemóvel, marca Samsung de cor branca, modelo GTS5660, com o IMEI 35xxx68, com o cartão da operadora Vodafone com o n° 81xxx81, a funcionar com o n° 9xxx78, com um cartão de memória de 2 Gb, pertencente à arguida MS; um telemóvel, marca Samsung,(…) com o cartão da operadora Vodafone (…) com um cartão de memória de 2Gb, pertencente à arguida MS; um telemóvel, marca Samsung,(…) com o cartão da operadora Vodafone (…) de NF; a quantia monetária de 35€ (tinta e cinco euros)...] em notas do BCE; um pedaço de canábis (resina), com o peso líquido de 2,111g; no quarto dos arguidos, no interior do roupeiro, no bolso de um blusão do arguido N…, a quantia monetária de 380€ (trezentos e oitenta euros), (…).» Prova-se que a arrendatária MGSS permitiu, pois, que dentro do prédio e a habitação que lhe foi atribuída fosse usada para o tráfico de droga e ainda que no interior da mesma fossem guardados proventos desse tráfico. Da condenação proferida resulta claramente que a erguida MGSS e NMRF, se dedicavam à atividade de tráfico de estupefacientes através da habitação social que lhe foi atribuída, supra melhor identificada. Consta na página 163 do acórdão judicial (transcreve-se o acórdão cujo teor se da por reproduzido): «O estupefaciente pertencia ao arguido NF e MS, que o destinava a venda terceiros, com o auxílio da arguida MS. O dinheiro também pertencia ao arguido NF e era proveniente da atividade de venda de estupefaciente a que se dedicava, com o auxílio da arguida M…. Os telemóveis eram utilizados pelos arguidos N… e M… nos contatos que estabeleciam entre si, com os demais arguidos e com compradores dos produtos estupefacientes, a cuja venda procediam. O veículo marca "Audi”, modelo A4, com, e matricula xx-xx-UU, pertencia ao arguido NF, tendo sido por este adquirido com o dinheiro proveniente da atividade de venda do estupefacientes e era por este utilizado nessa mesma atividade.» Ficamos também a saber que e arrendatária, MGSS foi condenada a uma pena de 4 anos e 3 meses de prisão suspensa pelo crime de tráfico de estupefacientes e o filho NMRF foi condenado a uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão efetiva pelo crime do tráfico de estupefacientes conforme acórdão condenatório do processo 16/13.7PFGDM. Pelo que, caso o incumprimento, seja praticado por um dos membros do agregado familiar, terão de ser corresponsabilizados todos os membros do agregado que incorrem, conjuntamente, no âmbito da resolução contratual. Com isto, é de salientar que a Câmara Municipal do Porto não está a sancionar o agregado, está e resolver o contrato de arrendamento apoiado com fundamento na utilização contrária á lei. Trata-se de exercer o direito de resolução conferido pela lei quando se verifiquem comportamentos violadores de um dever contratual (o dever de aplicar a habitação a um uso habitacional normal). É o legislador, e compreende-se perfeitamente sobretudo tratando-se do arrendamento apoiado, que acautela a exigência de utilização conforme a lei, ordem pública e salvaguarda dos bons costumes, considerando que a inobservância destes deveres pelos arrendatários é uma grave violação ao princípio da boa-fé, e por isso, confere direito a resolução contratual pelo senhorio. Por outro lado, as práticas ilícitas, entre as quais se encontra a atividade de tráfico de estupefacientes, estão tipificadas pelo legislador como ato ilícito previsto e punido pela lei penal Ponderados os argumentos aduzidos, não são os mesmos suscetíveis de modificar o sentido do projeto de decisão, porquanto o acórdão condenatório proferido no processo n.º 18/13.7PFGDM faz parte integrante do processo habitacional, pelo que os factos aí relatados não poderão ser suprimidos do processo de resolução do contrato de arrendamento. Imporia ainda clarificar que a abertura de um inquérito implica o conhecimento por parte do Ministério Público, de um crime. Uma vez apurada a responsabilidade e recolhidas as provas necessárias, o Ministério Público deduz acusação que submete os seus agentes a julgamento. O Tribunal não adota, portanto, uma atitude passiva de apenas apreciar os factos que a acusação e a defesa lhe apresentam, mas sim atua por forma a construir autonomamente as bases da sua decisão Assim o presente despacho de acusação reflete os comportamentos, que no entendimento do Ministério Público, são considerados crime. A resolução do arrendamento justifica-se pela perturbação que a conduta dos ocupantes da habitação assume nas relações de vizinhança, em inequívoca infração dos deveres que sobre eles impendem, e que coloca em crise a relação de arrendamento apoiado. Acresce que no seguimento da apresentação de requerimento de proteção jurídica, verifica-se que nos termos do artigo 17.° da LAP, não se prevê a possibilidade de concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono na pendência ou na fase de execução de procedimento administrativo com a finalidade de interromper os prazos em curso. Os factos descritos constituem fundamento para a resolução do arrendamento apoiado do fogo atribuído, e concomitante, extinção do direito de ocupação da arrendatária, nos termos do disposto alínea b) do n.° 2 do artigo 1083.° do Código Civil e artigo 25.°, n.º 1, da Lei n° 81/2014, de 19 de dezembro. Nessa medida, ao abrigo do artigo 25.° e 28.º do citado diploma, e do artigo 180.° do Código do Procedimento Administrativo, o Município do Porto, enquanto locador da casa, legitimado a resolver o contrato de arrendamento apoiado e a promover a sua desocupação. O crime de tráfico de droga ainda que de pequena quantidade além de dolosamente praticado é particularmente grave mormente se der conta que o prédio onde o tráfico foi efetuado está inserido em conjunto habitacional integrado por inúmeras habitações onde residem centenas de pessoas, muitas delas crianças. O tráfico de qualquer tipo de droga por pessoas que vivem em fogos de prédios cuja propriedade é do Município do Porto, e dentro do espaço comum ou não comum desses prédios, não é atividade que possa ser objetivamente tolerada por esta edilidade, pondo manifestamente em causa a manutenção da atribuição da habitação que havia sido decidia em benefício da arrendatária e do seu agregado familiar Notificado a projeto de decisão a 20 de março de 2017, vem e interessada pronunciar-se em sede de audiência prévia representada por mandatário judicial, alegando inicialmente o direito constitucional à habitação e ao respeito pela dignidade de pessoa humana. Ora aqui imporia referir que apesar de o direito a habitação se encontrar consagrado na lei fundamental, persiste a aplicação da Lei nº 81/2014, de 19 de dezembro, uma vez que o locado em apreço preenche o âmbito desse diploma legal. E ainda que, as leis e as normas de ordem pública são normas de aplicação imperativa que visam direta o essencialmente tutelar os interesses primordiais da coletividade. A utilização do locado, objetivamente indevida, representa uma desconsideração ou uma falta de correção do arrendatário para com o senhorio e para com os vizinhos, desprezando estes mesmos interesses da coletividade. Nos termos dos artigos dos artigos 25º, n.º 1, da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro e 1083.°, n.º 2, alínea b) do Código Civil, o agregado que promova a utilização indevida do prédio incorre na cessação do contrato de arrendamento apoiado. No que refere à não utilização do locado, é falso, pois além de tais factos terem sido provados no processo judicial identificado, a verdade é que a atividade de tráfico de estupefacientes é complexa, sendo constituída por várias tarefas ligadas entre si, formando uma cadeia de produção, e que vão desde a produção, transformação, armazenamento do produto e equipamento de preparação (balanças, instrumentos de corte, …) até à troca, transação propriamente dita, sendo que basta que qualquer uma destas atividades passe peta habitação social, partes comuns ou entrada do edifício municipal para se concluir que determinada pessoa utiliza a inserção estratégica da habitação social que lhe foi atribuída para promover e privilegiar os contactos. Perante os factos provados e anteriormente transcritos, é irrefutável a utilização do locado, contrária á lei, designadamente para o tráfico de estupefacientes. Quanto à pronúncia da arrendatária ao alegado direito à habitação dos menores que integram a habitação e que não poderão ser afetados sempre se dirá que os direitos e obrigações decorrentes do arrendamento apoiado impendem sobre todos os ocupantes de habitações municipais e não apenas sobre o arrendatário, até porque todos os elementos do agregado familiar são beneficiários do arrendamento apoiado corporizado na ocupação da habitação social e, por isso, devem todos ficar vinculados ao cumprimento das obrigações delas decorrentes. Na medida em que, a tipologia da habitação é definida de acordo com os elementos que compõem o agregado, bem como, a renda devida mensalmente e calculada e rege-se em função dos rendimentos totais auferidos pelo agregado. Assim, com os fundamentos acima enunciados e em conformidade com as competências delegadas pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto ao alongo do Despacho n.º I/220038/17/CMP de 3 de julho, averbado no Boletim Municipal n.° 4239 de 18 de julho de 2017, e nos termos do disposto no artigo 35.º, n.° 2, alínea h), da lei 75/2013, de 12 de setembro, notifica-se V.(s) Ex.ª(s) da decisão de resolução do arrendamento apoiado correspondente á casa 3…, da entrada …, do bloco …, da Rua D…, em P…, com os fundamentos supra descritos. Mais ficam os ocupantes e demais interessados notificados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 25.º, conjugado com o artigo 28.º da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, de que, tornando-se a decisão definitiva, disporão de um prazo de 90 dias para desocupar e entregar a habitação livre de pessoas e bens, devendo aquela determinação ser voluntariamente cumprida por todos aqueles que ocupam a casa, Se subsistir a carência habitacional daqueles que ocupam a casa, estes deverão procurar alternativa habitacional junto do mercado privado de arrendamento ou deverão contactar as entidades assistenciais competentes, nomeadamente os serviço da Segurança Social ou entidades equiparadas, a fim de avaliarem as respostas sociais desses serviços que comportem a prestação de apoios habitacionais. Caso não ocorra desocupação e entrega da habitação nos termos e no prazo determinado, ordenar-se-á e executar-se-á o respetivo despejo administrativo, com recurso às autoridades policiais, podendo, no dia da tomada de posse, ser ativada a Linha Nacional de Emergência Social, pelo número 144, Se necessário, serão removidos todos os bens que constituem o recheio do fogo habitacional e se encontrem em estado que permitam o seu transporte e armazenamento, os quais, se no prazo de 60 dias de calendário não foram reclamados pelo respetivo proprietário, consideram-se abandonados a favor do senhorio que deles pode dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte do arrendatário. Mais determino que se Informe que todos os bens que se encontram na habitação e que não sejam voluntária e tempestivamente removidos pelos respetivos proprietários, serão arrolados, removidos e depositados (no caso em que os mesmos permitam o seu transporte e armazenamento) em armazém designado para o efeito, onde poderão ser levantados pelos seus proprietários, no prazo de 60 dias de calendário, mediante o pagamento da taxa a que houver lugar, de tudo se informando os interessados. Se cumprido o prazo de 60 dias de calendário desde a data do respetivo armazenamento os interessados não procederem à reclamação da restituição das coisas, os bens consideram-se abandonados e perdidos a favor do Município do Porto, que os adquirirá e deles poderá livremente dispor, nos termos do disposto no artigo 28.º, n.º 5 da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro. Porto, 28 de Julho de 2017. O Diretor Municipal da Presidência da CMP e Presidente do Conselho de Administração da DomusSocial, EM, (Dr. FP) 9 - O agregado familiar da Autora é de condição económica deficitária - Cfr. fls. 5 a 36 do Processo administrativo; Cfr. ainda fls. iniciais do Processo administrativo, não numeradas, de onde se extrai que a Autora e o seu companheiro NMF estão desempregados, tendo os seus filhos menores cerca de 12, 8 e 4 anos de idade, tendo o agregado familiar proventos totais conhecidos do réu no valor de 431,57 euros; 10 - A Petição inicial que motiva os presentes autos foi remetida a este Tribunal no dia 08 de novembro de 2017 - Cfr. fls. 2 dos autos em suporte físico. X DE DIREITOEstá posta em causa a decisão que, julgando improcedente a acção, absolveu o Réu dos pedidos. Na óptica da Recorrente esta viola o artigo 266º/2 da Constituição da República Portuguesa, ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental nos termos do artigo 161º/2/d) do CPTA, em conjugação com o disposto no artigo 32º/2 da CRP, do mesmo modo que viola os princípios da legalidade, prossecução do interesse público e protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, princípios da proporcionalidade, justiça e razoabilidade, princípios da imparcialidade e da boa-fé, previstos nos artigos 3º, 4º, 7º, 8º, 9º e 10º do CPTA e CPA. Avança-se, já, que lhe falta razão. Antes, atente-se no discurso fundamentador da sentença: Em face do que constitui a causa de pedir e que é determinante dos pedidos deduzidos a final da Petição inicial, a Autora vem sindicar a decisão datada de 28 de julho de 2017, da autoria do Presidente do Conselho de Administração da DomusSocial, sustentando para tanto e em suma, que a resolução do contrato se revela uma medida desproporcionada, e ainda, que está posto em causa o direito à habitação do seu agregado familiar, enquanto direito fundamental, o que tudo é gerador de danos que ainda não são por si quantificáveis, e como se nos afigura, estando essa decisão patente no Processo Administrativo [sendo conhecidos os seus pressupostos de facto e de direito] e depois de cotejada a Petição inicial, a mesma [a identificada decisão] será objecto de sindicância judicial, para já, a fim de apreciar e decidir da ocorrência dos invocados vícios de violação de lei. Decorre do contencioso administrativo, resultante da aprovação do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) pela Lei n.° 15/2002, de 19/02, alterada pela Lei n.° 4-A/2003, de 19 de fevereiro, que os actos administrativos deixam de ser objecto de processos de estrita impugnação judicial destinados a obter a sua anulação ou declaração de nulidade, ou seja, não está em causa o conhecimento do estrito pedido de anulação do acto, antes o pedido de condenação à prática de acto administrativo devido - é o que resulta dos artigos 66.° n.° 2, 67.° n.° 1 alínea c), 71.0 n.° 1 e 51.° n.° 4, todos do CPTA. Com a reforma do contencioso administrativo, operada pela aprovação do Código de Processo nos Tribunais Administrativo, concretiza-se o princípio constitucionalmente consagrado da plenitude da jurisdição e da tutela jurisdicional efectiva, e sobretudo, deixa de ser um contencioso centrado no acto administrativo, um contencioso de ataque ao acto, para ser um contencioso centrado na relação jurídica administrativa. As acções administrativas deixam, por conseguinte, de ter como objecto (típico) o acto administrativo e os seus vícios, passando o seu objecto a decorrer das pretensões (materiais) formuladas pelo demandante. Se para o pedido de anulação de ato administrativo é pressuposto processual a existência de ato administrativo (impugnável), ele já não constitui pressuposto processual para os restantes pedidos. O objeto do processo de condenação define-se assim pela posição subjectiva de conteúdo pretensivo do autor [Veja-se neste sentido, Mário Aroso de Almeida O objecto do processo no novo contencioso administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, n°. 36, Nov/Dez 2002, pág. 9]. Assim, face ao que foi alegado pela Autora na Petição inicial, julgamos que a mesma sustenta a ocorrência de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, mormente, a violação do princípio da proporcionalidade, assim como a violação do direito fundamental que é o direito à habitação. Ora, na dogmática jurídico administrativa, o vício de violação de lei é aquele vicio do acto administrativo que consiste na desconformidade entre os pressupostos e/ou o conteúdo do acto concreto e a previsão de situação e/ou o comando contidos em norma imperativa - Cfr. Sérvulo Correia, in Noções de Direito Administrativo, página 463. Na definição de Marcelo Caetano, contida no seu Manual de Direito Administrativo, vol. I, página 501, a violação de lei é o vício de que enferma o acto administrativo cujo conteúdo, incluindo os respectivos pressupostos, contrarie as normas jurídicas com as quais se devia conformar, integrando tal vício quer o erro na interpretação ou indevida aplicação da regra de direito (erro de direito), quer o erro baseado em factos materialmente inexistentes ou apreciados erroneamente (erro de facto). Neste patamar, e considerando que precedendo a instauração dos presentes autos, a ora Autora intentou providência cautelar como preliminar, tendo por referência a matéria de facto dada por assente, cumpre então apreciar e decidir. Conforme resultou provado - Cfr. ponto 4 da matéria de facto assente -, em data não concretamente apurada, mas situada por meados de 2013, o seu companheiro NF acordou consigo [ora Autora], que a mesma colaborasse na atividade de venda de estupefaciente. a qual assim prosseguiu, e que para além de ter conhecimento de toda a actividade de tráfico desenvolvida pelo seu companheiro, a Autora também colaborava na mesma, alertando-o para qualquer presença policial nas proximidades do local de venda e da sua residência, pois que o seu companheiro "... contactava telefonicamente com diversos indivíduos que pretendiam comprar estupefacientes, combinando deste modo o local para a entrega das substâncias estupefacientes, habitualmente na sua residência, sita na Rua N…, Porto, ou na entrada do Bloco onde vivia.", e que o estupefaciente encontrado na habitação pertencia a ambos [ao companheiro NF e à Autora], que o destinavam à venda a terceiros, com o auxílio da Autora, como também o dinheiro aí encontrado pertencia ao seu companheiro e era proveniente da atividade de venda de estupefacientes a que se dedicava, com o auxílio da Autora. Neste patamar. Sob o ponto 8 da Petição inicial, a Autora refere que não ficou provado, por não ser verdade, que qualquer acto de venda de estupefacientes fosse levado a cabo a partir do locado; e sob o ponto 9 do mesmo articulado, a mesma refere que os objectos referidos no acto sob impugnação, encontrados na sua habitação não são, em si mesmos, prova de qualquer actividade ilícita, e que dada a diminuta quantidade de haxixe, que o mesmo se destinava ao consumo do seu companheiro, e que isso não constitui crime. Conforme resultou provado - Cfr. ponto 3 da matéria de facto assente -, a Autora e o seu companheiro, NF, entre outros, foram arguidos no Processo Comum Coletivo n.° 16/13.7PFGDM, que correu termos na Comarca do Porto - Instância Central - 1.ª secção criminal - J5, onde foi proferido Acórdão no dia 24 de setembro de 2015, tendo o seu companheiro sido condenado na pena efectiva de 4 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de tráfico de estupefacientes, e quanto à Autora, foi a mesma condenada na pena, suspensa, de 2 anos de prisão, como cúmplice de um crime de tráfico de estupefacientes Ora, atendo o apreciado e decidido pelo Acórdão datado de 24 de setembro de 2015, o que resultou provado, foi precisamente o inverso do que ora veio alegar a Autora. Aliás, sob os pontos 6 e 7 da petição inicial, a própria Autora confessa/admite que ela e o seu companheiro foram condenados em penas de prisão, sendo que quanto a ela a pena foi suspensa, e quanto ao seu companheiro foi efectiva, sendo que, no âmbito do que se aprecia no domínio dos presentes autos, em que se sindica a [in]validade de uma decisão administrativa, não há como continuar a negar, como o faz a Autora, que não praticou os atos ilícitos por que foi condenada. É certo que a Autora já foi julgada e punida pela sua actuação ilícita, de cúmplice no tráfico de estupefacientes. Porém, nestes autos não se cura de avaliar do cometimento de uma "dupla punição", agora por parte do Réu, pois que o que está em causa não é, em si, a questão atinente ao "mero tráfico", antes o facto de a Autora ter usado o prédio que lhe dado para habitar pelo Réu, para nele prosseguir nessa prática delituosa, Para além de o tráfico de estupefacientes, ou o auxílio ao tráfico constituírem ilícitos de natureza penal, punidos com pena de prisão, atento o desvalor social dessa prática, seja no interior da habitação, seja na entrada do Bloco, visando quer o senhorio, quer os demais residentes nas demais habitações circundantes, a mesma não pode deixar de ser tida como contrária à lei, aos bons costumes e à ordem pública, por todas as razões que são do conhecimento genérico da população, por se tratar de facto público e notório, como assim decidiu o autor do ato sob impugnação, tendo subjacente o disposto no artigo 1083.°, n.° 2, alínea b) do Código Civil. Assim, tendo o Réu decidido resolver o contrato de arrendamento, com fundamento em práticas ilegais, imputadas à Autora e ao seu companheiro, também integrante do agregado familiar, no prédio objecto de arrendamento, a invocação por parte do Réu do disposto no artigo 1083.°, n.° 2, alínea b) do Código Civil para efeitos de dar por finda a relação de arrendamento, não é ofensiva do conteúdo essencial do direito fundamental que é o direito à habitação, nem foi violado o princípio da proporcionalidade, como alegado pela Autora, sendo que, quanto aos seus 3 filhos menores, enquanto sua representante legal, cabia-lhe a si [já no ano de 2013] a assunção da posição de garante de que ela [Autora] nunca os submeteria sequer à eventualidade de o proprietário da habitação onde consigo residiam, vir a dar por extinto o contrato, por facto a si e ao seu companheiro imputável, com a fundamentação de facto e de direito que veio a ser aduzido. Na medida em que a Autora [e o seu companheiro] utilizavam a habitação social, propriedade do Réu para o tráfico de estupefacientes [com repercussão na censura jurídica já merecida, e com respaldo nas penas de prisão que lhes foram aplicadas], e atento também o desvalor social dessa sua conduta, pois que a prossecução dessa actividade delituosa dentro da habitação configura também uma utilização do local arrendado para fim não tolerado/permitido pela lei, que os bons costumes repudiam e para o que a ordem pública reclama protecção, o efeito consequencial de ter sido declarado pelo Réu a resolução do contrato de arrendamento social, para si, enquanto representante legal dos seus filhos menores, caber-lhe-á agora, ou não o conseguindo, às instituições oficiais, às instâncias formais de controlo, avaliar e decidir sobre as condições, termos e pressupostos de proporcionar aos seus filhos a vivência num ambiente sadio, incluindo um local de residência. O princípio da proporcionalidade é particularmente relevante no âmbito do exercício do poder discricionário, constituindo um dos limites jurídicos da discricionariedade, sendo que o entre o seu sentido e alcance na actuação administrativa tem de existir uma proporção adequada entre os meios empregados e o fim que se pretende atingir. Esse princípio pode ser denominado, na sua ampla acepção, como princípio da congruência ou idoneidade, em que o acto deve servir o fim em vista da qual a norma configura o poder que o acto exercita e a medida interventora terá de se manifestar como objectivamente idónea para superar a situação concreta sobre a qual a Administração pretende agir; mas também pode analisar-se na proibição do excesso que impõe que na actuação administrativa se escolha dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes aquelas que sejam menos gravosas, ou seja, que causem menos danos - ou seja, prevê-se intervenção mínima em perfeita consonância com o princípio de favor libertatis. Assim, a proporcionalidade terá que se verificar entre o fim da lei e o fim do acto, entre o fim da lei e os meios escolhidos para atingir tal fim, e entre as circunstâncias de facto que dão causa ao acto e as medidas tomadas. Ora, face ao que resultou provado, a actuação do Réu tendo por referência a factualidade que assacou à Autora não revela uma actuação desproporcionada, contrária às exigências da boa-fé, pois que o autor do acto sob impugnação adoptou uma conduta que é normal e recta e que poderia esperar-se de uma outra pessoa com capacidade para decidir, tendo por base os mesmos pressupostos de tempo e de lugar, com invocação dos mesmos pressupostos de facto e de direito, não tendo imposto à Autora com a sua decisão, limitações superiores às necessárias para cumprir a finalidade pretendida pelo desiderato legal invocado, não contendendo a decisão tomada, de forma manifesta, com a violação do princípio da proporcionalidade, nem com a violação do direito à habitação, enquanto direito fundamental. Como julgamos, o que está em causa não é o direito à habitação [enquanto direito fundamental que esteja a ser violado], mas o direito à habitação, na base de pressupostos determinados, concretos, que a Autora assaca ao Réu, como por si violados, e que foram determinantes, nesse conspecto legal e factual, da cessação do direito de utilização do fogo municipal. Ora, depois de cotejado o teor da decisão sob impugnação, e sopesados os normativos convocados pelo seu autor, mormente, o disposto no artigo 1083.º, n.° 2, alínea b) do Código Civil, aplicável ex vi artigo 25.°, n.° 1, da Lei n.° 80/2014, de 19 de dezembro, assim como atenta a causa de pedir elencada pela Autora, julgamos que a decisão em causa não é merecedora de censura jurídica, pois que o seu autor prosseguiu na sua actuação no estrito âmbito dos seus poderes e da determinação legal. De modo que, pelos fundamentos enunciados supra, os pedidos deduzidos a final da Petição inicial têm de ser julgados improcedentes, na sua totalidade. (sublinhados nossos). X Vejamos:É univocamente entendido pela doutrina e foi consagrado pela lei adjectiva e pela jurisprudência que o âmbito do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respectivo recorrente, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso. Ora, analisada a argumentação da Recorrente facilmente se constata que se limita a reiterar a posição sustentada na acção e já enfrentada, em toda a linha, pelo Tribunal a quo, de forma que pouco mais a acrescentar. Na verdade, resulta da sentença supra transcrita que o Senhor Juiz apreciou os elementos carreados para os autos tendo concluído, fundada e acertadamente, pela inexistência de vícios quanto ao acto impugnado. Como ressalta da sentença, a Autora já foi julgada e punida pela sua actuação ilícita, de cúmplice no tráfico de estupefacientes. Porém, nestes autos não se cura de avaliar do cometimento de uma “dupla punição”, agora por parte do Réu, pois que o que está em causa não é, em si, a questão atinente ao “mero tráfico”, antes o facto de a Autora ter usado o prédio que lhe foi dado para habitar pelo Réu, para nele prosseguir uma prática delituosa. Efectivamente, não pode escamotear-se que a Autora e o seu companheiro, entre outros, foram arguidos no Processo Comum Colectivo n° 16/13.7PFGDM, que correu termos na Comarca do Porto - Instância Central - 1ª secção criminal - J5, onde foi proferido Acórdão que condenou o seu companheiro em pena efectiva de 4 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de tráfico de estupefacientes, e condenou a aqui Apelante em pena de 2 anos de prisão, embora suspensa na sua execução, enquanto cúmplice de um crime de tráfico de estupefacientes. Ora, resulta expressamente do artº 1083º/2/b) do CC, conjugado com o artº 25º da Lei 81/2014, de 19 de dezembro, que é fundamento de resolução do contrato de arrendamento “a utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública”. Assim, tendo a Recorrente utilizado a sua habitação para a prática dos actos delituosos, pelos quais foi condenada, e sendo este o fundamento invocado pelo ora Recorrido no despacho que determinou a cessação do arrendamento, obviamente que a acção está destinada a soçobrar e o presente recurso tem de claudicar. Em suma: -a sentença foi assertiva ao julgar que a decisão administrativa em causa não é merecedora de censura jurídica, pois que o seu autor prosseguiu na sua actuação no estrito âmbito dos seus poderes e da determinação legal; -não basta apelar ao erro sobre os pressupostos da decisão ou arguir a inconstitucionalidade da resolução do contrato de arrendamento alicerçado, repete-se, no comportamento da Recorrente e seu companheiro (tráfico de droga levado a cabo no locado); -o direito à habitação não é absoluto e deve ceder quando fica comprovada, por decisão judicial transitada em julgado, a condenação do arrendatário por tráfico de droga; -conforme sentenciado, o que está em causa não é o direito à habitação (enquanto direito fundamental que esteja a ser violado), mas o direito à habitação, na base de pressupostos determinados, concretos, que a Autora assaca ao Réu, como por si violados, e que foram determinantes, nesse conspecto legal e factual, da cessação do direito de utilização do fogo municipal; -e continua tendo o Réu decidido resolver o contrato de arrendamento, com fundamento em práticas ilegais, imputadas à Autora e ao seu companheiro, também integrante do agregado familiar, no prédio objecto de arrendamento, a invocação do disposto no artigo 1083°/2/b) do Código Civil para efeitos de dar por finda a relação de arrendamento, não é ofensiva do conteúdo essencial do direito fundamental que é o direito à habitação, nem foi violado o princípio da proporcionalidade, como alegado, sendo que, quanto aos seus 3 filhos menores, enquanto sua representante legal, cabia à Autora a assunção da posição de garante de que nunca os submeteria sequer à eventualidade de o proprietário da habitação onde consigo residiam, vir a dar por extinto o contrato, por facto que só a si e ao seu companheiro é imputável; -o princípio da proporcionalidade - artigos 18º/2 e 266º/2 da CRP - ou princípio da “proibição do excesso”, desdobra-se em três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; -dito de outro modo, o princípio da conformidade ou adequação de meios, segundo o qual “a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes, pelo que é necessário controlar a relação de adequação meio-fim”[GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 1999, p. 264]; -o princípio da exigibilidade ou da necessidade, que postula a ideia “de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível”, pelo que se requer “a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adoptar outro meio menos oneroso para o cidadão”[GOMES CANOTILHO, ibidem.] e -o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, entendido como princípio da “justa medida”, exigindo-se a ponderação entre “as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim”[GOMES CANOTILHO, ibidem, p. 265.]; -nas palavras de Colaço Antunes, é este princípio que permite “a transformação do princípio da legalidade em princípio da juridicidade - regulador de toda a actividade administrativa - e com isso o abandono do positivismo que tantas vezes nos oferece o entendimento monolítico do interesse público”[COLAÇO ANTUNES, Interesse Público, Proporcionalidade e Mérito: Relevância e Autonomia Processual do Princípio da Proporcionalidade, separata de Estudos em Homenagem à Prof. Doutora Isabela de Magalhães Colaço, Vol. II, pág. 540.]; -sucede, como bem se anotou na decisão recorrida, que este princípio (da proporcionalidade) particularmente relevante no âmbito do exercício do poder discricionário constitui um dos limites jurídicos da discricionariedade, sendo que entre o seu sentido e alcance na actuação administrativa tem de existir uma proporção adequada entre os meios empregues e o fim que se pretende atingir. Esse princípio pode ser denominado, na sua ampla acepção, como princípio da congruência ou idoneidade, em que o acto deve servir o fim em vista da qual a norma configura o poder que o acto exercita e a medida interventora terá de se manifestar como objectivamente idónea para superar a situação concreta sobre a qual a Administração pretende agir; mas também pode analisar-se na proibição do excesso que impõe que na actuação administrativa se escolha dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes aquelas que sejam menos gravosas, ou seja, que causem menos danos - ou seja, prevê-se intervenção mínima em perfeita consonância com o princípio de favor libertatis; -a proporcionalidade terá que se verificar entre o fim da lei e o fim do acto, entre o fim da lei e os meios escolhidos para atingir tal fim, e entre as circunstâncias de facto que dão causa ao acto e as medidas tomadas; -ora, face ao que resultou provado, a actuação do aqui Recorrido não se revela desproporcionada, contrária às exigências da boa-fé, pois que o autor do acto impugnado adoptou uma conduta que é normal e recta e em obediência ao princípio basilar da legalidade, também ele dotado de protecção constitucional; -quanto ao princípio da boa-fé, há que não perder de vista que ele respeita à necessidade de se ponderarem os valores fundamentais de direito, pertinentes no caso concreto, em função, designadamente, da confiança suscitada na contraparte por determinada actuação e do objectivo a alcançar -cfr. Diogo Freitas do Amaral - Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2009, págs. 133 a 138; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos - Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª ed., Dom Quixote, 2008, págs. 220 a 225; -e, conforme é jurisprudência dos Tribunais Superiores, para que exista violação do princípio da boa-fé é necessário que tenham sido criadas expectativas no particular minimamente sólidas, censurando-se os comportamentos que sejam desleais e incorrectos, bem como as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas - Acórdãos do Tribunal Constitucional 287/90, 160/00, 109/02, 128/02, e do STA 0112/07 e 073/08, de 30/10/1990, 22/03/2000, 05/03/2002, 14/03/2002, 11/09/2008 e 13/11/2008, respectivamente; -no que concerne ao princípio da justiça dir-se-á que este princípio, ínsito nos princípios fundamentais da Administração Pública (artº 266º/2 da CRP e artº 8º do CPA) consiste na faculdade de cada um ter aquilo que lhe é devido, devendo a Administração pública agir visando a equidade do caso concreto. Para o Professor Freitas do Amaral[Curso de Direito Administrativo, Vols. I e II Almedina págs. 133/138; cfr. ainda Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos em Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª ed., Dom Quixote, 2008, págs. 220/225.] o princípio da justiça traduz-se num “conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido, em função da dignidade humana”; o mesmo autor distingue ainda a justiça colectiva, que corresponde ao respeito dos direitos humanos, e a justiça individual, que remete para a ideia de igualdade, proporcionalidade e boa-fé; -neste desiderato dúvidas não restam que a Administração não se afastou do princípio da justiça; pelo contrário; nos termos da actividade vinculada da Administração esta só pode fazer aquilo que a lei permite, em estrito cumprimento do princípio da legalidade inserto no artº 3º do CPA; -de acordo com o Acórdão do STA de 23/06/1994, Proc. 031585: “Embora os princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade configurem parâmetros da actuação vinculada da Administração Pública, a tal ponto que o seu não acatamento gera o vício de violação de lei, é na actividade discricionária daquela que encontram a sua raiz, consubstanciando limites intrínsecos daquele poder discricionário, ou seja, critérios que devem nortear o exercício desse poder e que quando desrespeitados, geram a ilegalidade do acto administrativo correspondente. (…) Nos termos da actividade vinculada da Administração Pública, não se afigura curial estar-se a invocar a violação de tais princípios, já que esta tem significado coincidente com a violação do princípio da legalidade”); -o apelo às normas constitucionais - muito importantes - inerentes à defesa dos direitos, liberdades e garantias, não pode olvidar que sendo constituídas por princípios, têm de assentar nas outras normas, que deverão ser apreciadas à sombra daquelas, mas que existem e não foram declaradas inconstitucionais; -aliás, a invocação mais ou menos genérica e difusa, mas sem a necessária densificação, de desrespeito de preceitos constitucionais fá-la, desde logo, soçobrar; -de todo o modo dir-se-á, quanto ao princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, que foi precisamente na prossecução do interesse de todos que agiu o Ente Administrativo; -não foram, pois, violados por parte do ora Recorrido quaisquer dos direitos constitucionais genericamente alegados e carecidos da indispensável concretização ou densificação por parte da Recorrente; -como ensina o Professor Doutor Paulo Otero, em “Direito do Procedimento Administrativo” Vol. I, ed. 2016, Almedina, pág. 138, “A sujeição administrativa à lei goza da presunção de que estamos diante de um critério ordenador orientado para o bem comum e, sendo proveniente de um órgão político democrático e ao abrigo de uma Constituição instituidora de um Estado de Direito Democrático, a lei pode gozar da presunção de ser conforme à Justiça e à Constituição: Por isso mesmo, e ainda no sentido de evitar a anarquia administrativa, só a título excecional se pode admitir que os órgãos administrativos desapliquem, por inconstitucionalidade, a normatividade que lhe serve de fundamento de agir; (…) a desconformidade da lei face à Constituição não habilita a Administração Pública, por via de regra, a desaplicar as normas inconstitucionais”, antes da sua declaração, “antes lhe impõe o seu acatamento, daí resultando a prática de atos feridos de inconstitucionalidade consequente ou derivada”; -acresce o que decorre do artigo 8º/2 do Código Civil quanto à Interpretação e Aplicação da Lei, inserido no Capítulo II, sob a epígrafe Vigência, Interpretação e Aplicação das leis: “O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo”; como ensinam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação a este preceito, “Código Civil Anotado”, Vol. I, Ano 1982, Coimbra Editora: “Mas, além da denegação da justiça, a lei proíbe aos Tribunais a apreciação da justiça ou moralidade da regra legislativa. O conteúdo do direito e da moral a que se deve obediência é sempre, por conseguinte, o fixado pelo legislador e não pelo julgador”; aliás o dever de obediência à lei é também uma emanação constitucional - cfr. o nº 2 do artº 266º da Lei Fundamental; Afastadas que estão as falhas assacadas à sentença, ela será mantida na ordem jurídica. A contrario sensu, improcedem as conclusões da alegação. *** DECISÃOTermos em que se nega provimento ao recurso. Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. Notifique e DN. Porto, 01/03/2019 Ass. Fernanda Brandão Ass. Frederico Branco Ass. Nuno Coutinho |