Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01211/13.4BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/29/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES
Descritores:DISPENSA DE PROVA TESTEMUNHAL; NULIDADE PROCESSUAL; OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
QUESTÕES EX NOVO EM SEDE DA ALEGAÇÕES ARTIGO 120º DO CPPT; VALOR PROBATÓRIO DO RIT;
DIREITO À DEDUÇÃO DE IVA; PROVA; DOCUMENTOS ESPECIFICAÇÃO;
Sumário:
I. O acto de dispensa de prova testemunhal está na esfera decisória do Juiz do Tribunal a quo que, desde logo, pondera e decide em conformidade, donde, não pode ser entendido como um acto que tem de ser realizado obrigatoriamente, donde constitua uma nulidade processual;

II. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660º nº 2 do CPC, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

III. O Impugnante deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de anulação do acto de liquidação, no seu articulado inicial, ressalvadas as questões de caráter superveniente e de conhecimento oficioso;

IV. As alegações escritas preceituadas no artigo 120.º do CPPT, destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objecto do processo, inviabilizando, nessa medida, a invocação superveniente de novos vícios nessa peça processual;

V. O relatório de inspecção tributária é um documento autêntico que, quando devidamente fundamentado e desde que baseado em critérios objectivos, faz fé pública relativamente aos factos que integra (cfr. artigo 76.º, n.º 1, da LGT), gozando de força probatória plena no que concerne aos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.

VI. A prova quanto a tais factos só pode ser ilidida mediante a arguição e prova da sua falsidade (n.º 1 do artigo 372.º do Código Civil).

VII. A inexistência de contabilidade, de que dependem a aplicação do IVA e a sua fiscalização pela Administração Tributária e, bem assim, de apresentação das facturas emitidas, na medida em que impedem uma prova certa dos requisitos materiais do direito à dedução, são fundamento suficiente para a recusa desta;
VIII. Ao juiz cabe controlar a idoneidade do documento para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus e por isso o requerente deve identificar o documento e especificar os factos que com ele quer provar.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A [SCom01...], Lda., (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 30.08.2022, que julgou improcedente a impugnação, por si intentada, contra liquidações adicionais de IVA reportadas aos anos de 2007, 2008 e 2009, inconformada, vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(…)
1) A recorrente interpõe recurso do despacho proferido a fls. 1972 que determina a dispensa de produção de prova testemunhal na sequência de despacho de fls. 1794 que havia designado nova data para inquirição de todas as testemunhas arroladas, não fundamentando, sequer, a decisão do Tribunal.
2) Com a impugnação judicial, a impugnante e ora recorrente arrolou três testemunhas.
3) A discussão da matéria dos autos envolve matéria factual controvertida, como por exemplo, vários factos provados passíveis de serem infirmados ou confirmados através de prova testemunhal 4), 9), 20) e todo o teor dos RIT – 25), 26) e 27).
4) Ao dispensar a prova testemunhal, o Tribunal cerceou os direitos de defesa da recorrente e violou os arts. 114º, n.º 1, 115º, n.º 1 CPPT, art. 3º, n.º 3 CPC (ex vi art. 2º, al. e) CPPT) e ainda o art. 242º CCiv., ao não permitir à impugnante a prova dos factos alegados.
5) Pelo exposto, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo praticou acto nulo ou determinou que a sentença proferida esteja viciada nos seus pressupostos de facto por défice instrutório, o que determina forçosamente a sua anulação por erro de julgamento, mais implicando a sua revogação e ordem de baixa ao Tribunal de Primeira Instância para que aí seja realizado julgamento.
6) Seguidamente, a recorrente interpõe recurso da sentença a quo nos termos e com os seguintes fundamentos.
7) O Tribunal a quo considera que não conhecerá de vícios alegados em sede de alegação escrita ao abrigo do art. 120º CPPT porquanto os mesmos contêm matéria de facto e de direito nova.
8) Esta decisão está em flagrante contradição com o princípio jura novit cura e com o disposto no art. 95º, n.º 3 CPTA (ex vi art. 2º, al. c) CPPT).
9) Ao não apreciar a caducidade do direito à liquidação elencado sob al. 1), página 6 da sentença e recuperado a arts. 15º-29º da alegação, a sentença a quo viola o 95º, n.º 3 CPTA, e é nula por omissão de pronúncia (art. 616º, n.º 1, al. e) CPC), o se requer a V. Exa. que sane porquanto com o alegado dispõe de elementos suficientes para o efeito.
10) Ao não apreciar da violação do ora art. 63º n.º 4 e 61º, n.º 2 RCPITA, matéria atinente a vícios já referidos na PI, e recuperado a 45º a 50º da alegação da alegação, a sentença a quo viola o 95º, n.º 3 CPTA, e é nula por omissão de pronúncia (art. 616º, n.º 1, al. e) CPC), o se requer a V. Exa. que sane porquanto com o alegado dispõe de elementos suficientes para o efeito.
11) Ao não apreciar da alegada falta de fundamentação das liquidações oficiosas, matéria alegada a art. 66º da impugnação judicial, a sentença a quo viola o 95º, n.º 3 CPTA, e é nula por omissão de pronúncia (art. 616º, n.º 1, al. e) CPC), o se requer a V. Exa. que sane porquanto com o alegado dispõe de elementos suficientes para o efeito.
12) Seguidamente, e quanto ao mérito da sentença a quo a recorrente impugna a matéria de facto constante de arts. 3) (no inciso “que os recebeu”, 9), 25) e 26) mais afirmando a insuficiência de matéria probatória para sustentar qualquer probatório fáctico.
13) Note-se que não foi produzida prova testemunhal nos presentes autos (na medida em que a audiência de julgamento foi dada sem efeito).
14) Logo, a prova estabelecida no que concerne aos factos supra expostos e, no geral, à factualidade constante do RIT tem por base apenas… o próprio RIT, sendo que as conclusões do RIT não fazem prova em juízo, na medida em que resultam de meros juízos pessoais do documentador – cfr. art. 371º, n.º 1 CCiv..
15) Nestes termos, os factos dados como provados não encontram qualquer substância em material probatório e a mera transcrição do RIT não pode bastar para constituir um facto provado, na medida em os factos constantes do RIT resultam de juízos do documentador.
16) Atente-se que a recorrente impugnou a art. 64º e 65º, 77º - 81º e 114º o teor dos RIT, afirmando explicitamente factos que contrariam o RIT e, em conjunto, factos que estão em oposição com o RIT em seu conjunto e que, nessa medida, não podem ser dados como provados por força do disposto no art. 574º, n.º 2 CPC, ex vi art. 2º, al. e) CPPT.
17) Desta forma, os factos dados como provados que resultam da réplica acrítica do RIT devem ser dados como não escritos, na medida em que está ausente a fixação de qualquer factualidade concreta.
18) Seguidamente, a p. 36 e 37 da referida sentença, o Tribunal contende que a impugnante “não ficou por debaixo do cutelo inspectivo por mais do que seis meses e que a prorrogação foi notificada ainda do referido prazo de seis meses contados desde a notificação do início do procedimento de inspeção.”
19) Sucede que à data dos factos, o RCIPTA aplicava-se com a sua redação conferida pela Lei n.º 53-A/2006.
20) A AT não deu cumprimento ao disposto no art. 36º, n.º 3 RCPITA e não fundamentou a extensão do prazo da inspecção, o que fulmina de ilegalidade as liquidações realizadas na sua sequência (referentes ao exercício de 2009) por irregularidade procedimental, o que aqui se afirma e se pugna para os devidos efeitos legais.
21) A fundamentação da prorrogação que se menciona a art. 35º da alegação é uma fundamentação não são da extensão da inspecção, mas também do alargamento da mesma a impostos de diferentes incidências.
22) Consultando o PA (e o quadro resumo constante da resposta da AT à reclamação graciosa apresentada pela impugnante), é visível que foi instaurada acção inspectiva com extensão de 2007, 2008, 2009 e 2010 à impugnante e que se iniciou a 6/12/2010, concluindo-se 6 meses depois.
23) Durante todo este período, todavia, tiveram lugar as inspecções em sede de IVA referentes aos exercícios de 2007, 2008 e 2009.
24) É manifesto, assim, que ocorreu mais do que um procedimento de inspecção referente ao mesmo sujeito passivo, imposto (posto que a consulta de documentos mais não pode abranger do que a facturação da impugnante, precisamente aquilo que é fiscalizado em sede de IVA como demonstram os autos) e período de tributação.
25) Ou seja, não só a recorrente esteve sujeita ao cutelo inspectivo por mais de 6 meses, como foi sujeita dois procedimentos inspectivos externos em simultâneo o que configura violação do art. 63º, n.º 4 LGT – e assim deveria ter o Tribunal decidido a propósito da ocorrência de vícios procedimentais, na esteira da citada jurisprudência em corpo de texto da presente alegação.
26) Seguidamente, a sentença a quo não fiscaliza os vários vícios procedimentais alegados seja na PI seja na alegação final.
27) Com efeito, a p. 39 da sentença expressamente se atende à violação dos arts. 62º, n.º 3, al. n) e i) do RCPITA, citando-se que a impugnante alega terem ocorrido preterições de formalidades legalmente exigíveis.
28) Novamente, recorda-se que o Tribunal tem de apreciar e indagar do cumprimento de preterição de formalidades legalmente exigíveis por força do disposto no art. 95º, n.º 3 CPTA, uma vez alegadas as mesmas.
29) A omissão de descrição de tarefas realizadas é a omissão de um ato obrigatório por lei.
30) Não permite sindicar o cumprimento ou incumprimento do disposto no art. 63º, n.º 4 LGT, porquanto não permite avaliar se a inspecção em questão teve por objeto extensão ou imposto distinto das demais três inspecções parciais em sede de IVA.
31) Sendo certo que os dois funcionários que levam a cabo as inspecções parciais em sede de IVA são os mesmos funcionários que levam a cabo a inspecção dita interna – classificação essa, todavia, que já vimos que não releva.
32) Nestes termos, não pode deixar de se concluir violados em simultâneo tanto o art. 61º, n.º 2 RCPITA como o art. 63º, n.º 4 LGT, na medida em que cabe à AT demonstrar o direito que tem de realizar duas inspecções em simultâneo ao sujeito passivo (conforme a regra geral do art. 74º, n.º 1 LGT).
33) Nestes termos, as liquidações emergentes e em crise nos autos surgem viciadas no seu procedimento e feridas de nulidade porquanto as inspecções que lhes dão origem violam o disposto no art. 63º, n.º 4 LGT e o art. 61º, n.º 2 RCPITA ao não cumprir materialmente com os seus requisitos, nomeadamente ao não relatar de forma correcta as exigências das als. c), d) m) e i) deste último.
34) Seguidamente, a sentença a quo volve a violar o disposto no art. 95º, n.º 3 CPTA quando aprecia da caducidade do direito à liquidação na parte relativa aos exercícios de 2007 e 2008, mais desrespeitando o comando do art. 45º, n.º 1 LGT.
35) A p. 49, a sentença a quo aprecia da caducidade do direito à liquidação dos tributos em questão com base na data de emissão das liquidações.
36) Mas não é a data de emissão das liquidações que releva, outrossim a data de efetiva notificação das mesmas ao contribuinte – o que é evidente da fixação do dies ad quem no art. 45º, n.º 1 LGT.
37) Ora, a recorrente alegou que as liquidações de imposto em questão não lhe foram validamente notificadas a arts. 96º e 97º da impugnação judicial bem como entre arts. 16º e 19º das alegações apresentadas para efeitos do disposto no art. 120º CPPT.
38) A AT não demonstra liquidar os impostos em crise porquanto apenas junto aos autos print screens de sistema que não permitem verificar o cumprimento do Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 176/88, de 18 de Maio (ainda em vigor porque não aprovado o diploma previsto no art. 58º, n.º 1 da Lei n.º 17/2012 e porque não foi revogado expressa ou tacitamente pela mesma), seu art. 28º, n.º4.
39) Apenas a visualização do recibo postal de entrega permite aferir o cumprimento dos cânones legais de notificação. nomeadamente mencionando que foi a carta devidamente entregue, não bastando sequer a afirmação de depósito no receptáculo postal porquanto não é permitido proceder à entrega de uma carta registada por depósito no receptáculo postal, como resulta a contrario do disposto no art. 23º, n.º 1, al. a) do Regulamento de Serviço Público de Correios.
40) Ora, a prova da notificação atempada das liquidações em questão cabe à AT porquanto é facto constitutivo do direito a liquidar imposto e, na dúvida quanto ao seu cumprimento, terá de ser resolvida contra a AT – cfr. arts. 74º, n.º º 1 LGT e 341º, n.º 1 a 3 CCiv..
41) As liquidações em crise nos presentes autos foram realizadas para lá do prazo peremptório previsto na lei (cfr. arts. 35º LGT e 94º CIVA).
42) Ao interpretar e aplicar o art. 45º, n.º 1 LGT aos autos desta forma, indagando corretamente do momento da notificação do contribuinte ou contendendo que a AT não demonstrou que a caducidade não havia ocorrido (ónus de prova que sobre si impende), a sentença a quo teria aplicado corretamente o Direito aos autos.
43) V. Exas. dispõem de elementos suficientes para concluir que a AT não demonstrou a realização válida e atempada das liquidações ao contribuinte porquanto os elementos de prova que juntou não são idóneos a demonstrar o direito que se arroga – na medida em que mesmo a factualidade provada afirma que as liquidações de IVA foram feitas por carta registada simples quando deviam ter sido feitas por carta registada com aviso de recepção – cfr. art. 38º, n.º 1 CPPT à data dos factos e facto dado como provado 27).
44) Termos em que deverão V. Exas. declarar caducado o direito de realizar todas as liquidações de IVA referentes aos exercícios de 2007 (€ 157.891,94 acrescido das liquidações referentes a juros compensatórios) e 2008 (€ 128.681,57 acrescido das liquidações referentes a juros compensatórios) porquanto não demonstrado terem sido realizadas atempadamente pela AT.
45) Por fim, o Tribunal desconsidera os elementos de prova consistentes em 1631 facturas como suficientes para suportar direito a dedução de IVA ou para determinar a anulabilidade das liquidações oficiosas porquanto assentes em quantificação errónea de facto tributário (ao não levar em conta o IVA suportado pela recorrente e que poderia deduzir).
46) Ora, o direito de dedução do IVA não é o registo contabilístico normalizado, mas sim os requisitos de dedução de IVA e que são dois: o primeiro, a realização de operação que confere direito a dedução; e o segundo, a existência de documento comprovativo dessa operação.
47) A sentença a quo parece confundir a contabilidade normalizada referida no CIRC (art. 17º, n.º 3, al. a) com a contabilidade organizada a que se refere o art. 44º CIVA (p. 51) – esta contabilidade deve estar organizada para efeitos do CIVA, tão só.
48) E para este efeito, as facturas juntas aos autos são suficientes para demonstrar o direito a deduzir o IVA.
49) A ratio de todo o sistema do IVA é garantir a neutralidade transacional, ou seja, garantir que o sujeito passivo não suporta o impacto económico do IVA e que este não é um custo para a sua operação – neste sentido, vd. a jurisprudência do TJUE, Caso C-488/07, Royal Bank of Scotland, para. 15.
50) A existência ou a posse do original da factura não é condição para a dedução do IVA – qualquer documento que permita demonstrar que uma transação da qual origina o direito à dedução de IVA teve lugar deve ser admitido como prova do direito à dedução, incluindo cópias das mesmas facturas – assim, a jurisprudência do TJUE, caso C-85/95, John Reisdorf v Finanzamt Koln-West, repetida no caso C-361/96.
51) Também no caso C-516/14, Barlis 06 – Investimentos Imoviliários e Turísticos, o TJUE decidiu que falhas no procedimento formal de emissão de factura não impedem o direito à dedução do IVA suportado na transacção referida na mesma, desde que esse direito substantiva e substancialmente exista, o que resulta diretamente do facto de ter ocorrido uma transação na qual o sujeito passivo tenha suportado IVA.
52) Ademais, no caso C-664/16, Vãdan, o TJUE afirma pela primeira vez que a apresentação de facturas não é um requisito obrigatório para a dedução do IVA a montante. A aplicação estrita da exigência de apresentação de facturas entraria em conflito com os princípios de neutralidade e proporcionalidade. Assim, os sujeitos passivos podem igualmente requerer a dedução do IVA a montante se puderem provar as exigências necessárias (substantivas) através de provas objectivas.
53) Frise-se que esta jurisprudência deve ser forçosamente seguida pelo ordenamento jurídico português por força do primado do Direito da União Europeia, nos termos do disposto no art. 8º, n.º 4 CRP e conforme proclamado pelo TJCE, caso C-6/64, Costa Enel.
54) Note-se, aliás, que é o próprio art. 29º, n.º 2 do RCPITA que prevê a possibilidade de ser aferida a situação tributária do sujeito passivo por outros documentos que não as facturas e complementares às mesmas.
55) Mais, em momento algum a AT considerou que as transações demonstradas pelas cópias das facturas juntas com a PI não tiveram lugar.
56) Aliás, o despacho junto aos autos proferido no proc. n.º 4../1...IBRG que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Braga e em que se discutia a eventual prática de crime de fraude por referência a IVA de 2009 afirmou que foram confirmados os valores de compras e vendas contabilizados pela recorrente como sendo verídicos e correspondendo a transações efetivas.
57) Este despacho impõe a sua autoridade como caso julgado – a AT nunca demonstrou que as operações subjacentes aos pedidos de dedução de IVA não se realizaram, e, antes pelo contrário, o Ministério Público conclui que foram confirmados os valores de compras e vendas contabilizados pelas sociedades em questão.
58) Assim, para desconsiderar o IVA contido nas faturas apresentadas, cabia à AT demonstrar que as mesmas se referiam a operações não realizadas – ou seja, que estava incumprido o requisito substantivo de direito a dedução de IVA.
59) A inexistência da contabilidade organizada nos termos do normativo contabilístico não basta para colocar em causa a verificação do requisito substantivo. Trata-se de um princípio, aliás, resultante do art. 44º, n.º 2 do Código Comercial.
60) Confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal – art. 19º, n.º 2, al. b) CIVA.
61) A impugnante juntou aos autos 1631 documentos compostos de declarações periódicas e facturas incluídas nas mesmas que sustentam o direito à dedução de IVA que foi negado pela AT.
62) A própria AT confessa, em pronúncia quanto aos documentos juntos aos autos, que não averiguou a natureza das operações tituladas pela factura – e, por esse motivo, não pode pôr em crise a substancialidade das operações assim tituladas e, consequentemente, negar a dedução do IVA constante das facturas.
63) Atentas as razões acabadas de expor, conclui-se que a impugnante reúne as condições substantivas de exercício do direito à dedução do IVA incorrido nas transacções suportadas pelas facturas juntas aos autos e declaradas em cada uma das declarações periódicas apresentadas junto da AT e, na prática, por esta recusadas através da emissão das liquidações adicionais de IVA em crise nos presentes autos.
64) Foi demonstrada a existência, extensão e natureza das transações faturadas através da junção deste documento comprovativo aos autos; incidiu IVA sobre estas operações que foi devidamente liquidado (nunca tendo sido alegado, sequer, o contrário); os serviços e bens adquiridos contribuíram para a realização de operações tributáveis pela impugnante (nunca tendo sido alegado, sequer, o contrário).
65) A sentença enferma de erro de julgamento quando afirma que “a falta de tais registos obrigatórios (nt: contabilidade organizada) legitima a consequente desconsideração de IVA deduzido pelo sujeito passivo” – p. 51, e “a mera apresentação avulsa de facturas ou outros documentos, independentemente de se tratar de cópias ou originais, nunca seria suficiente para, por si só, legitimar o exercício do direito à dedução de IVA” – p. 51.
66) A recorrente reúne o direito à dedução de IVA que lhe foi negado pelas liquidações oficiosas de IVA que aqui se impugnam, viciadas nos termos do art. 99º, al. a) CPPT, pelo que devem ser afirmados por V. Exas. como preenchidos os pressupostos do art. 19º CIVA, determinando-se assim a anulação da sentença a quo e a anulabilidade das declarações em crise.
67) Finalmente enferma de erro de julgamento a passagem do penúltimo parágrafo do dispositivo sobre o mérito, p. 52, quando se afirma que o sujeito passivo não demonstrou os factos constitutivos do direito à dedução de IVA, “dado que já não se pode prevalecer das próprias declarações (in casu, as DP) como meio de prova por a presunção de veracidade de que estas beneficiavam ter cessado”.
68) Mas não são apenas as Declarações Periódicas de IVA que se presumem verdadeiras até prova em contrário.
69) As facturas juntas aos autos beneficiam da presunção de verdade do art. 75º, n.º 1 LGT porque a norma também abrange os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita – presunção que nunca foi elidida (nem sequer se regista tentativa de tal) pela AT.
70) Por este motivo, o IVA incluído nas facturas junto aos autos deve ser reconhecido como tendo originado em operações verdadeiras e, nessa medida, deduzido nos exercícios em questão, o que determina a anulação das liquidações de IVA nos presentes autos com base no disposto no art. 99, al. a) CPPT. Assim decidindo a sentença a quo, teria feito a devida justiça considerados preenchidos os requisitos do art. 19º, n.º 2, al. b) CIVA.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a sentença a quo e determinando-se a anulabilidade das liquidações de imposto em crise nos autos, assim se fazendo JUSTIÇA!»
1.2. A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 2211 e ss. do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
1.5. Delimitação do objecto do recurso - Questões a decidir:
As questões suscitadas pela recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT) são dirigidas, numa primeira linha, (i) ao despacho proferido no dia 01/09/2021 (fls. 1972 do SITAF) que determina a dispensa de produção de prova testemunhal, numa segunda, (ii) à sentença assacando a mesma de nulidade por omissão de pronúncia sobre vícios procedimentais da inspecção e de caducidade das liquidações de 2007 e 2008, de erro de julgamento de facto, errada valoração da prova e erro de julgamento de direito ao ser desconsiderado o seu direito à dedução de IVA.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«1) A ordem de serviço nº OI20......71, destinada à realização de um procedimento inspectivo externo de âmbito parcial (IVA) relativo ao ano de 2009, foi emitida no dia 09-06-2010 (cfr. fls. 96 do PA relativo à reclamação graciosa);
2) A AT enviou ao impugnante, no dia 11-06-2010, sob registo postal, a carta-aviso nº ...32 e o respectivo folheto informativo anexo, relativos à ordem de serviço nº OI20......71, tendo tal correspondência sido devolvida com a indicação de não ter sido levantada (cfr. página 3 da informação fundamentadora do despacho de indeferimento do recurso hierárquico a fls. não numeradas do PA relativo ao recurso hierárquico);
3) Em 28-06-2010, na sequência da devolução da correspondência referida na alínea anterior, a AT remeteu ao impugnante, que os recebeu, a carta-aviso e o folheto informativo anexo, via telefax (cfr. página 3 da informação fundamentadora do despacho de indeferimento do recurso hierárquico a fls. não numeradas do PA relativo ao recurso hierárquico, fls, 95 do PA relativo à reclamação graciosa e ponto “II - 3. 5. - Diligências efectuadas” do RIT relativo ao ano de 2009 inserto no PA);
4) Na sequência do referido na alínea anterior, a técnica oficial de contas da impugnante, «AA», dirigiu-se à Direcção de Finanças 1... em data não concretamente apurada, pretendendo inteirar-se acerca do tipo de acção/procedimento que iria ser desencadeado, tendo sido informada do teor da carta-aviso e folheto anexo e ainda que o início da acção não aconteceria antes do período de férias (Agosto) e que, após esse período, tudo dependeria de outros trabalhos que estavam em curso (cfr. página 3 da informação fundamentadora do despacho de indeferimento do recurso hierárquico a fls. não numeradas do PA relativo ao recurso hierárquico e ponto “II - 3. 5. - Diligências efectuadas” do RIT relativo ao ano de 2009 inserto no PA);
5) «AA» participou um furto qualificado às autoridades policiais, o que deu origem ao inquérito nº 17../1...PBBRG dos Serviços do Ministério Público de Braga, tendo tal inquérito sido arquivado em 17-09-2010 por não ter sido possível carrear elementos indiciários bastantes sobre a identificação do(s) autor(es) do crime participado (cfr. fls. 1773-1775 do SITAF);
6) A ordem de serviço nº OI20......71 foi assinada pelo sócio-gerente da impugnante, «BB», no dia 28-10-2010 (cfr. fls. 96 do PA relativo à reclamação graciosa);
7) No dia 28-10-2010 foi entregue a «BB», na qualidade de sócio-gerente da impugnante, e a «AA», na qualidade de técnica oficial de contas da impugnante, um documento intitulado “notificação” de cujo teor se destaca o seguinte:
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 52.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e do n.º 2 do art.º 120º do Regime Geral das Infracções Tributárias, é notificado o sujeito passivo [SCom01...], Lda., NIPC ...38 (…) na pessoa de «BB», identificado pelo NIF ...98, na qualidade de sócio gerente, para organizar a escrita, por ter sido informado pelo notificando e constatado a inexistência dos elementos contabilísticos obrigatórios, referentes ao(s) exercício(s) de 2009, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data desta notificação, situação originada, segundo declarações do sócio gerente Sr. «BB», NIF ...98 e da Técnica Oficial de Contas «AA», NIF ...03, por um assalto ocorrido em instalações pertencentes à sociedade, cuja participação às autoridades policiais deu origem ao processo de inquérito n.º 17../1...PBBRG.
Findo este prazo, fica desde já notificado para exibir a referida contabilidade no dia útil seguinte, isto é, dia 29 de Novembro de 2010, nas instalações da sociedade (…) sob pena de, não o fazendo, ficar sujeito às consequências referidas no art.º 88.º da Lei Geral Tributária, sem prejuízo da penalidade prevista no art.º 113.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho.
(cfr. anexo II do RIT relativo ao ano de 2009, inserto no PA apenso aos autos);
8) O despacho nº ...49, destinado à recolha das bases de dados informáticas de facturação e contabilidade da impugnantes referentes aos exercícios de 2007 a 2010, foi emitido no dia 23-11-2010 (cfr. fls. 90-93 do PA relativo à reclamação graciosa);
9) Os inspectores tributários «CC» e «DD» deslocaram-se às instalações da impugnante sitas no Parque Industrial ..., em ..., no dia 06-12-2010, pelas 10:00 h., tendo em vista, em cumprimento do despacho referido na alínea anterior, proceder à cópia em suporte magnético/digital dos dados processados no equipamento electrónico utilizado pela impugnante nos registos de contabilidade e de outros com ela relacionados, não tendo a diligência sido concretizada porque por volta das 11:15 h. o gerente da impugnante, «BB», se opôs a que essa recolha de elementos prosseguisse (cfr. fls. 93v. do PA relativo à reclamação graciosa);
10) «BB», na qualidade de sócio-gerente da impugnante, prestou declarações nas instalações da impugnante no dia 07-12-2010, tendo declarado, para além do mais, que a contabilidade relativa ao ano de 2009 não se encontrava devidamente organizada e que não possuía os documentos de suporte das aquisições de bens, serviços e imobilizado (cfr. anexo III do RIT relativo ao ano de 2009, inserto no PA apenso aos autos);
11) Através dos ofícios nºs ...73 e ...74, ambos de 09-12-2010, remetidos, respectivamente, à impugnante e a «BB», os SIT solicitaram-lhes, relativamente ao exercício de 2009 e ao abrigo da ordem de serviço nº OI20......71, a apresentação, no prazo de 10 dias, para além de outras, da seguinte informação:
Identificação dos fornecedores de bens e serviços (designação, n.º contribuinte e tipo de bens/serviços fornece), informando ainda que diligências foram efectuadas no sentido de obter documentos comprovativos dessas aquisições (substitutivos dos originais), que declarou em auto de declarações em 07/12/2010 não possuir, bem como qual o resultado obtido na sequência das sobreditas diligências.
(cfr. anexo IV do RIT relativo ao ano de 2009, inserto no PA apenso aos autos);
12) Por requerimentos recepcionados na Direcção de Finanças 1... no dia 27-12-2010, a impugnante e «BB» requereram que o prazo de 10 dias referido na alínea anterior fosse prorrogado por 30 dias, tendo os SIT informado, por ofícios de 03-01-2011, que o prazo seria prorrogado pelo prazo de 15 dias contados a partir da recepção desta segunda comunicação (cfr. anexo IV do RIT relativo ao ano de 2009, inserto no PA apenso aos autos);
13) Por requerimento recepcionado na Direcção de Finanças 1... no dia 23-02-2011, a impugnante apresentou, para o que agora releva, um documento intitulado “relação fornecedores 2009”, o qual apresentava o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. anexo IV do RIT relativo ao ano de 2009, inserto no PA apenso aos autos);
14) A ordem de serviço nº OI20......14, destinada à realização de um procedimento inspectivo externo de âmbito parcial (IVA) relativo ao ano de 2007, foi emitida no dia 25-03-2011 e apresentava o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 99 do PA relativo à reclamação graciosa);
15) A ordem de serviço nº OI20.....15, destinada à realização de um procedimento inspectivo externo de âmbito parcial (IVA) relativo ao ano de 2008, foi emitida no dia 25-03-2011 e apresentava o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 102 do PA relativo à reclamação graciosa);
16) As ordens de serviço nºs OI20......14 e OI20.....15 foram assinadas pelo sócio-gerente da impugnante, «BB», no dia 04-04-2011 (cfr. fls. 99 e 102 do PA relativo à reclamação graciosa);
17) «BB», na qualidade de sócio-gerente da impugnante, prestou declarações na Direcção de Finanças 1... no dia 04-04-2011, tendo declarado que o responsável pela execução da contabilidade da impugnante, relativa aos exercícios de 2007, 2008 e 2009, era a técnica oficial de contas da sociedade, «AA», sendo a contabilidade executada no domicílio fiscal da impugnante, sito no Lugar ..., ..., ..., ... e ainda que não possuía os elementos contabilísticos obrigatórios, nem a escrita organizada, relativa a esses exercícios, por ter ocorrido um assalto nas instalações da sociedade, sitas no Lugar ..., ..., ..., ..., cuja participação às autoridades policiais deu origem ao processo n.º 17../1...PBBRG, da ... Secção de processos dos Serviços do Ministério Público de Braga (cfr. anexo II do RIT relativo aos anos de 2007 e 2008 e anexo V do RIT relativo ao ano de 2009, ambos insertos no PA apenso aos autos);
18) Na sequência do referido na alínea anterior, foram entregues a «BB», no dia 04-04-2011, dois documentos intitulados “notificação pessoal” de cujo teor se destaca o seguinte:
PROCEDIMENTO EXTERNO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA N.º OI20......14 (exercício de 2007) e OI20.....15 (exercício de 2008)
(…) fica notificado o sujeito passivo [SCom01...], Lda. (…) na pessoa de «BB», identificado pelo NIF ...90, na qualidade de Sócio-gerente, para proceder à regularização do atraso em que se encontra a sua escrita, relativamente aos exercícios de 2007 e 2008, no prazo de 30 dias (contados de forma seguida), sob pena de, não o fazendo, ficar sujeito às consequências referidas no art.º 88º da Lei Geral Tributária e art. 10.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, sem prejuízo da penalidade prevista no art.º 113º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
*
PROCEDIMENTO EXTERNO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA N.º OI20......71
(…) fica notificado o sujeito passivo [SCom01...], Lda. (…) na pessoa de «BB», identificado pelo NIF ...90, na qualidade de Sócio-gerente, para proceder à regularização do atraso em que se encontra a sua escrita, relativamente ao exercício de 2009, no prazo de 30 dias (contados de forma seguida), sob pena de, não o fazendo, ficar sujeito às consequências referidas no art.º 88º da Lei Geral Tributária e art. 10.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, sem prejuízo da penalidade prevista no art.º 113º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
(cfr. anexo II do RIT relativo aos anos de 2007 e 2008 e anexo V do RIT relativo ao ano de 2009, ambos insertos no PA apenso aos autos);
19) «BB», na qualidade de sócio-gerente da impugnante, prestou declarações nas instalações da impugnante no dia 12-05-2011, tendo declarado, quando questionado acerca da existência e localização da contabilidade da impugnante, nomeadamente livros, registos, documentos de suporte e outros documentos e elementos auxiliares da contabilidade, que todos os documentos referentes à contabilidade se encontravam na posse do técnico oficial de contas «EE», NIF ...15 (cfr. anexo III do RIT relativo aos anos de 2007 e 2008 e anexo VI do RIT relativo ao ano de 2009, ambos insertos no PA apenso aos autos);
20) «EE», na qualidade de técnico oficial de contas da impugnante, prestou declarações na Direcção de Finanças 1... no dia 17-05-2011, tendo declarado que era o actual responsável pela execução da contabilidade da impugnante, tendo sido contratado para refazer a contabilidade de 2010 e continuar com 2011; que os livros de registo da contabilidade, os documentos de suporte e demais elementos que constituíam a contabilidade da impugnante se encontravam no seu escritório; que relativamente aos exercícios de 2007, 2008 e 2009 não fez qualquer diligência para refazer a contabilidade, tendo sido os funcionários da impugnante a efectuar essas diligências; que os únicos elementos contabilísticos que possui relativamente aos exercícios de 2007 e 2008 são os seguintes documentos, que exibiu: cópias dos documentos de compra de bens, serviços e imobilizado, juntamente com duas relações de fornecedores, que resumiam os valores constantes dessas cópias entregues; que relativamente ao exercício de 2009 apenas possui os elementos da contabilidade que já entregou na Direcção de Finanças, isto é, cópias de algumas facturas de aquisições de bens, serviços e imobilizado e um resumo dessas mesmas cópias, bem como os documentos de venda (facturas e vendas a dinheiro), que também já exibiu, tendo também referido que para os exercícios referidos continuam a faltar documentos comprovativos das aquisições; quando questionado acerca da divergência entre os valores constantes das relações de fornecedores exibidas e os valores constantes das declarações periódicas do IVA, nomeadamente o IVA dedutível, declarou que tal se deve ao facto de ainda estar a aguardar pelo envio de mais documentos (cfr. anexo IV do RIT relativo aos anos de 2007 e 2008 e anexo VI do RIT relativo ao ano de 2009, ambos insertos no PA apenso aos autos);
21) Os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) elaboraram, com data de 06-06-2011, um projecto de RIT referente ao procedimento inspectivo levado a cabo ao abrigo da ordem de serviço nº OI20......71 (cfr. fls. não numeradas do PA apenso aos autos);
22) Os SIT elaboraram, com data de 08-06-2011, um projecto de RIT referente aos procedimentos inspectivos levados a cabo ao abrigo das ordens de serviço nºs OI20......14 e OI20.....15 (cfr. fls. não numeradas do PA apenso aos autos);
23) Por requerimento entregue na Direcção de Finanças 1... no dia 21-06-2011, ao qual não foi anexado nenhum documento nem requerida nenhuma diligência instrutória adicional, a impugnante pronunciou-se, em sede de audição prévia, sobre o projecto de RIT relativo ao ano de 2009 (cfr. fls. não numeradas do PA apenso aos autos);
24) Por requerimento entregue na Direcção de Finanças 1... no dia 29-06-2011, ao qual não foi anexado nenhum documento nem requerida nenhuma diligência instrutória adicional, a impugnante pronunciou-se, em sede de audição prévia, sobre o projecto de RIT relativo aos anos de 2007 e 2008 (cfr. fls. não numeradas do PA apenso aos autos);
25) Os SIT elaboraram, com data de 30-06-2011, o RIT referente ao procedimento inspectivo levado a cabo ao abrigo da ordem de serviço nº OI20......71, de cujo teor se destaca o seguinte:
II. – Objectivos, âmbito e extensão da acção de inspecção
II - 1. Credencial e período em que decorreu a acção
A acção inspectiva foi prosseguida em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI20......71, cujo despacho é datado de 09/06/2010, tendo sido iniciada em 28/10/2010, com a assinatura da Ordem de Serviço.
Em tempo oportuno, a 04/04/2011, o Sujeito Passivo ora inspeccionado foi notificado, na pessoa do seu sócio-gerente «BB», a seguir melhor identificado, da prorrogação da presente acção inspectiva, por um período de três meses, nos termos do n.º 4 do artigo 36.º do RCPIT. O mandatário da sociedade, Dr. «FF», foi notificado desta prorrogação, através de notificação postal enviada no mesmo dia.
Os actos de inspecção foram concluídos em 02/06/2011, com a assinatura da Nota de Diligência.
II - 2. Motivo, âmbito e incidência temporal
Esta acção foi desencadeada na sequência de uma informação elaborada e remetida pela Direcção de Finanças 2..., referindo-se em particular a possíveis incoerências nos valores do IVA liquidado e deduzido, declarados pelo Sujeito Passivo ora inspeccionado, na sequência de uma acção inspectiva que decorreu naquela Direcção de Finanças.
A presente acção é de âmbito externo, parcial, visando o IVA e incidindo sobre o exercício de 2009.
II - 3. Outras situações
II - 3.1 – Caracterização da empresa
(…)
Aquando do início do procedimento inspectivo a contabilidade era executada nas instalações do Sujeito Passivo ora inspeccionado, sendo a TOC responsável «AA», NIF ...03, esposa do sócio «BB» e mãe do sócio «GG».
Por comunicação do mandatário do Sujeito Passivo, recepcionada em 23/02/2011, fomos informados de que “o seu actual técnico de contas é a empresa [SCom02...].” Trata-se da sociedade [SCom02...], Lda., NIPC ...30, cujo responsável é o Sr. «EE», NIF ...15.
A actividade principal do Sujeito Passivo consiste na fabricação de rebites, parafusos e porcas, a que corresponde o CAE 25940 - Rev.3.
(…)
II - 3. 4. - Regularidade da Escrituração e Obrigações Declarativas
A [SCom01...], por motivos a seguir relatados, não dispõe, relativamente ao exercício inspeccionado, da contabilidade devidamente organizada, nos termos da lei comercial e fiscal.
Nesse exercício cumpriu em geral as obrigações declarativas, em sede dos diversos módulos fiscais.
II - 3. 5. - Diligências efectuadas
(…)
Com vista ao início do procedimento inspectivo, em 28/10/2010, procurámos as instalações da sociedade no seu domicílio fiscal, atrás já identificado, tendo-se constatado que se tratava de um pavilhão que, na altura, se encontrava encerrado. De acordo com o testemunho verbal dado por pessoas que se encontravam em pavilhões/empresas vizinhas, a [SCom01...] teria também instalações no Parque Industrial .... Acrescentaram ainda as mesmas que, desde que se mudaram para as novas instalações, só muito esporadicamente ali eram vistos carros ou pessoas relacionadas com a empresa.
Nesse mesmo dia deslocámo-nos ao Parque Industrial ... (...) e constatámos que a [SCom01...] tinha instalações nesse Parque, mais concretamente na Rua 1..., lotes 5 e 6, local onde se deu de imediato início ao procedimento inspectivo com a assinatura da ordem de serviço pelo seu sócio-gerente.
Nessa altura fomos por este informados da inexistência de quaisquer registos contabilísticos e documentos de suporte da contabilidade, relativos ao exercício de 2009, por motivo de furto, que teria ocorrido entre 14 e 15 de Julho de 2010, conforme auto de notícia que deu origem ao processo de inquérito n.º 17../1...PBBRG da ... Secção de Processos dos Serviços do Ministério Público de Braga.
Note-se que, de acordo com as declarações prestadas nesse processo pela participante do furto, a TOC da [SCom01...] atrás já identificada, foram furtados um computador portátil, um computador fixo, ou pelo menos o seu processador (CPU), duas pen drive com cópias de segurança da área da contabilidade e facturação e 20 pastas de arquivo, contendo documentos de clientes, fornecedores, bancos, pedidos de fabricação e documentos técnicos.
O furto, segundo a participação efectuada às autoridades policiais, ocorreu nas instalações da sociedade, sitas no Lugar ..., Quinta ..., ... - ..., ..., ....
Face à inexistência dos registos contabilísticos e documentos de suporte, foi o Sujeito Passivo [SCom01...] notificado, na pessoa do seu sócio-gerente, para no prazo de 30 dias organizar a sua contabilidade. Em anexo junta-se cópia da referida notificação – anexo II.
Refira-se que, nesse momento, foi-nos fornecido um balancete sintético e uma listagem das vendas (diário de facturação), tendo-nos sido informado que não existiam, naquela data, quaisquer outros documentos passíveis de consulta relativos ao exercício em análise.
Na sequência desta notificação de 28/10/2010, em 07/12/2010 o sócio gerente da [SCom01...], ouvido em declarações, declarou que a contabilidade não se encontrava devidamente organizada, não possuindo os documentos de suporte das aquisições de bens, serviços e imobilizado, apenas possuindo uma pasta com os duplicados das facturas de venda da [SCom01...], que na altura exibiu. Em anexo junta-se cópia do referido auto de declarações - anexo III.
Resumindo, desconhecidos terão arrombado a porta de instalações pertencentes à [SCom01...], furtaram os computadores onde a sociedade tinha instalados os programas de contabilidade e facturação, levaram ainda as duas cópias de segurança que a empresa possuía, todas as pastas onde estavam arquivados os registos contabilísticos, documentos de suporte e auxiliares da contabilidade, deixando para trás de relevante apenas, no que ao exercício de 2009 diz respeito, todas as facturas de venda, isto é, as transacções da empresa com os seus clientes.
Em 09/12/2010, através de cartas registadas enviadas para o domicílio fiscal da [SCom01...] e para o domicílio fiscal do seu sócio-gerente e nessa qualidade, ambos foram notificados para esclarecerem dois pontos, por um lado a origem dos montantes contabilizados na conta 26 – outros devedores e credores, cujo saldo credor em 31/12/2009 ascendia a €1.897.298,08 e, por outro lado, a identificação dos fornecedores, solicitando-se ainda que informassem que diligências haviam efectuado no sentido de obter os documentos comprovativos das aquisições efectuadas e qual o resultado das mesmas.
Após ter solicitado a prorrogação do prazo inicialmente concedido por duas vezes, sendo que da segunda vez em requerimento entrado nestes Serviços a 21/01/2011 e assinado pelo Dr. «FF» (advogado) o Sujeito Passivo juntou ao presente processo de inspecção procuração passada a favor deste e ainda dos advogados «HH» e «II», todos com escritório na Rua 2..., ..., é, finalmente, dada resposta à primeira questão suscitada, que dizia respeito aos montantes contabilizados na conta 26, constatando-se ser o sócio «BB» o principal credor da sociedade, ascendendo o montante do seu crédito, em 32/12/2009, a €1.741.410,00.
Só em 23/02/2011 a [SCom01...] dá cumprimento à primeira parte da segunda questão (identificação dos fornecedores), remetendo uma listagem com três páginas onde se identificam os fornecedores e os montantes adquiridos no exercício de 2009. Ainda nesse requerimento somos informados que a contabilidade passava a ser executada pela empresa [SCom02...], conforme se aludiu no ponto II - 3.1 deste relatório.
Relativamente às diligências efectuadas para obter os documentos comprovativos das aquisições efectuadas nada nos foi informado.
Em anexo juntam-se cópias das referidas notificações e respectivas respostas - anexo IV.
A 11/03/2011, o TOC «EE» entregou-nos nesta Direcção de Finanças fotocópias de facturas e vendas a dinheiro, relativas a cerca de metade dos fornecedores que haviam sido identificados na listagem constante do anexo IV (pág. 13 a 15). Em 05/04/2011, o mesmo deixou na recepção desta Direcção de Finanças mais algumas fotocópias para que nos fossem entregues, tratando-se de fotocópias de facturas relativas a aquisições de bens e serviços de mais três fornecedores, constantes da referida listagem.
Em 04/04/2011, o sócio-gerente da [SCom01...], ouvido em declarações, declarou não possuir quaisquer registos contabilísticos e documentos de suporte da contabilidade, relativos ao exercício de 2009. Procedeu-se então a nova notificação da [SCom01...], na pessoa do seu sócio-gerente, para, no prazo de 30 dias, “proceder à regularização do atraso em que se encontra a sua escrita”. Em anexo juntam-se cópias da notificação e do auto de declarações atrás referidos – anexo V. O mandatário da sociedade, Dr. «FF», foi notificado das referidas diligências, através de notificação postal enviada no mesmo dia.
Na sequência da anterior notificação, decorrido o prazo estipulado, em 12/05/2011, o sócio-gerente da [SCom01...] ouvido em declarações afirmou que: “todos os documentos referentes à contabilidade da sociedade [SCom01...], Lda., encontram-se na posse do técnico oficial de contas «EE», NIF ...15 (…)”. O mandatário da sociedade foi igualmente notificado desta diligência, através de notificação postal enviada a 13/05/2011.
Em 17/05/2011, ouvido em declarações, o referido TOC declarou que é o actual responsável pela execução da contabilidade da [SCom01...], assumiu a função desde o final do primeiro trimestre deste ano, tendo apenas contratado refazer a contabilidade de 2010 e continuar com 2011. Relativamente às diligências efectuadas para refazer a contabilidade da [SCom01...], nomeadamente no que se refere aos exercícios de 2007, 2008 e 2009, referiu que as mesmas foram executadas por funcionários da [SCom01...], não tendo tido qualquer intervenção nessas diligências. Acrescentou que, relativamente ao exercício de 2009, apenas possui os elementos da contabilidade que já entregou nesta Direcção de Finanças, isto é, cópias de algumas facturas de aquisições de bens, serviços e imobilizado e um resumo dessas mesmas cópias, bem como os documentos de venda (facturas e vendas a dinheiro), que também já exibiu.
Em anexo juntam-se cópias dos autos de declarações do sócio-gerente e do TOC da [SCom01...], anteriormente referidos – anexo VI.
III. – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
III – 1. Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA)
Atenta toda a matéria factual apurada, na sequência das diligências relatadas no ponto anterior deste projecto de relatório, constata-se que a [SCom01...], relativamente às suas aquisições de existências, imobilizado e outros bens e serviços, efectuadas no exercício de 2009, apenas possui (ou apenas exibiu) um mapa resumo dessas aquisições, apresentando como suporte dessas operações, relativamente a cerca de metade dos fornecedores identificados no referido mapa, fotocópias simples, das facturas, vendas a dinheiro e, no caso do fornecedor “[SCom03...]”, guias de transporte.
Se, por um lado, podemos considerar que existe alguma convergência entre o IVA liquidado e o diário de facturação apresentado, suportado pelos duplicados das facturas de venda exibidos, por outro lado, entre os valores do IVA deduzido nas DP’s entregues e aqueles que resultam da listagem das aquisições a fornecedores (constante do anexo IV, pág. 13 a 15) existe uma total incoerência.
No sentido de melhor nos apercebermos destas incoerências, atentemos nos seguintes dados:
De acordo com a referida listagem, elaborada pelo Sujeito Passivo, o total das aquisições de bens e serviços (incluindo imobilizado) ascenderá a cerca de €172.500,00 a que corresponderá um IVA dedutível (desde que reunidas as condições necessárias à sua dedutibilidade) de cerca de €26.500,00 [Não inclui €1.050,00, relativo às aquisições ao fornecedor “[SCom04...], SA”, NIPC ...70, dado que o IVA contido nessas aquisições nunca seria dedutível atendendo ao disposto na alínea d) do n.º 1 do art. 21° do CIVA pois trata-se da aquisição de café.]. Em anexo junta-se um mapa com o cálculo do IVA, elaborado com base nos dados fornecidos pelo Sujeito Passivo, que justifica o montante atrás referido – anexo VII.
Já, de acordo com os dados declarados pelo Sujeito Passivo nas DP’s do IVA o total do imposto dedutível ascende a €60.294,94 (1º Trimestre: €16.663,17; 2º Trimestre: €14.990,75; 3º Trimestre: 14.125,09; 4º Trimestre: 14.470,93), isto é, o IVA deduzido pela [SCom01...] em 2009 é mais do dobro daquele que pretende justificar com a listagem que elaborou e nos remeteu.
Fazemos ainda notar que as fotocópias que nos foram exibidas e entregues, segundo a informação prestada, terão sido pedidas aos respectivos fornecedores, dado que as pastas que continham esses documentos teriam sido furtadas, assim, estranha-se o facto de algumas delas, serem cópias dos originais, dado que, por regra, e nos termos do n.º 4 do art. 36º do CIVA, os originais são enviados aos clientes, arquivando o fornecedor uma cópia/duplicado.
Acresce ainda o facto de algumas das fotocópias das vendas a dinheiro, alegadamente solicitadas aos fornecedores e apresentadas pela [SCom01...], não terem qualquer identificação do destinatário/adquirente, nomeadamente o seu nome, identificação fiscal e morada, situação que, por si só, seria suficiente para que o IVA nelas constante não pudesse ser objecto de dedução, nos termos conjugados do n.º 2 do art. 19º e art. 36º, ambos do CIVA.
Do ponto de vista fiscal
O apuramento do IVA faz-se nos termos do art. 19º e seguintes do CIVA. O direito à dedução é uma das componentes fundamentais desse apuramento, porquanto o IVA se encontra baseado no método de crédito de imposto, isto é, os sujeitos passivos, em cada um dos períodos, apuram o imposto a entregar ao Estado calculando a diferença entre o imposto liquidado sobre as operações tributáveis que efectuarem (outputs) e o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços (inputs).
O mencionado direito nasce no momento em que o imposto dedutível se toma exigível, conforme o disposto nos art.s 7º e 8º, n.º 1, ambos do CIVA.
Ainda no que respeita à dedução do imposto, o n.º 1 do art. 19º do CIVA, define o que pode ser objecto de dedução, que, regra geral, corresponde a todo o imposto suportado pelo sujeito passivo, exceptuando-se as situações previstas no art. 21º do CIVA, sendo pressuposto essencial que esse imposto tenha sido suportado na aquisição de bens ou serviços que contribuam para a realização de operações tributáveis, conforme o estatuído no art. 20º do CIVA.
Estabelece ainda o n.º 2 do referido art. 19º, um condicionalismo essencial, de ordem formal, definindo que só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, considerando-se passados sob forma legal os documentos que contêm os requisitos do n.º 5 do art. 36º do CIVA, conjugado com o art. 5º do Decreto-Lei n.º 198/90, de 19 de Junho.
Acresce que, nos termos do n.º 1 do art. 44º do CIVA, “a contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto”, situação que não se verifica no caso em apreço, tal como ficou patente atrás.
A jurisprudência
Os tribunais nacionais e o STA em particular têm vindo a considerar que cabe ao sujeito passivo o ónus de provar o seu direito à dedução através da apresentação das facturas ou documentos equivalentes que lhe conferem esse direito, devendo este conservar os documentos, no prazo estabelecido no art. 52º do CIVA. Em caso de extravio, ainda que por motivo não imputável a si, incumbe-lhe obter facturas substitutivas ou segundas vias das mesmas junto dos respectivos emitentes [Neste sentido, vide o acórdão do TCAN, proferido no processo n.º 760/04 em 22/06/2006 e ainda os acórdãos do STA, proferidos nos processos n.º 289/07 e 439/08 em 13/02/2008 e 03/12/2008, respectivamente].
Mais recentemente, quanto à questão de saber se o IVA mencionado em cópias de facturas apresentadas pelo Sujeito Passivo deve ser aceite como dedutível, no acórdão do STA proferido no processo n.º 533/10 em 12/01/2011, pode ler-se: (…)
Em conclusão, o Sujeito Passivo [SCom01...] não demonstrou ter na sua posse os documentos (facturas ou documentos equivalentes) susceptíveis de inequivocamente provar o direito à dedução do imposto mencionado nos campos 20, 22 e 24 das DP’s entregues no exercício de 2009.
Por não ter sido possível analisar os documentos contabilísticos que originaram essas deduções, pelos motivos anteriormente explanados, resulta como consequência a não aceitação das deduções do imposto mencionado nas respectivas declarações, por não se poderem comprovar as condições, o âmbito, a exclusão, o momento e as modalidades do exercício do direito, nos termos dos art.s 19º a 22º e 78º, todos do CIVA.
Assim, tendo em conta toda a legislação e jurisprudência invocadas, nomeadamente pela não verificação dos requisitos exigidos no n.º 2 do art. 19º do CIVA e por incumprimento do estatuído no n.º 1 do art. 44º do mesmo diploma, o Sujeito Passivo [SCom01...] deduziu indevidamente imposto, no montante global de €60.249,94, valor que, nos termos do art. 87º do CIVA, será corrigido.
(…)
IX. – Direito de Audição
Nos termos do art. 60º da LGT e do art. 60º do RCIT, o Sujeito Passivo, por si e na pessoa do seu mandatário, através dos nossos ofícios n.º ...58 e ...57, ambos de 09/06/2011, foi notificado para, querendo, exercer o direito de audição sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção tributária.
Através de requerimento assinado pelo seu mandatário, entrado nestes serviços em 21/06/2011, sob o n.º de entrada ...76, o Sujeito Passivo exerceu esse direito.
(…)
No caso em apreço, relevante é o facto de o Sujeito Passivo, tendo sido notificado para organizar a sua contabilidade e ainda especificamente para informar “(…) que diligências foram efectuadas no sentido de obter documentos comprovativos dessas aquisições (substitutivos dos originais), que declarou em auto de declarações em 07/12/2010 não possuir, bem como qual o resultado obtido na sequência das sobreditas diligências (…)”, nunca ter esclarecido que diligências efectuou no sentido de refazer a sua contabilidade, que resultados obteve ou que dificuldades se lhe depararam nesse percurso. Importa recordar que o alegado furto ocorreu entre os dias 14 e 15 de Julho de 2010, tendo, entretanto, passado quase um ano sem que o Sujeito Passivo regularizasse a sua contabilidade, sendo que na data do furto já tinha conhecimento que se iria dar início a um procedimento inspectivo.
Mesmo não tendo regularizado a sua contabilidade, se o Sujeito Passivo possui os originais das facturas, resultantes das eventuais reimpressões dos originais efectuadas pelos fornecedores, como parece sugerir no ponto 2 do seu direito de audição, o facto é que apenas nos permitiu o acesso a meras fotocópias, fotocópias essas que, de acordo com as afirmações do TOC da [SCom01...], «EE», constituíam todos os elementos contabilísticos que possuía e que apresentou.
Sobre esta questão, queremos ainda sublinhar o facto de que o Sujeito Passivo, no exercício do direito de audição, teve a oportunidade de apresentar todos os documentos (originais) que eventualmente possuísse, sendo que estes certamente seriam analisados neste momento e, eventualmente, tidos em conta na conclusão final, mas tal não foi a sua opção, como decorre do requerimento apresentado.
Não obstante, fazemos notar que, ao admitir-se a possibilidade da impressão de vários originais, poderíamos ter como consequência a dedução do mesmo imposto mais do que uma vez, situação agravada quando apenas nos são facultadas, em sede do procedimento inspectivo, meras fotocópias desses documentos, sem qualquer explicação ou justificação para que a contabilidade não seja apresentada com os lançamentos contabilísticos suportados em documentos emitidos sob a forma legal, equivalentes aos originais (dado que os documentos originais foram alegadamente furtados).
Contudo, mesmo nesta hipótese, fica ainda por esclarecer a circunstância de algumas das fotocópias das vendas a dinheiro não terem qualquer identificação do destinatário/adquirente, nomeadamente o seu nome, identificação fiscal e morada, conforme se alude na página 11 (início) deste relatório.
Nos pontos 3 a 6 do direito de audição vem o Sujeito Passivo referir-se à jurisprudência invocada no projecto de conclusões do relatório de inspecção tributária. Resumidamente, nesses quatro pontos alega que apesar de termos “a cópia dos documentos e extractos de conta corrente” com os quais poderíamos verificar junto dos fornecedores a sua veracidade, se optou por não se considerar qualquer valor de IVA como efectivamente dedutível, sem que se explicassem os motivos para tal, contrariando, segundo afirma o Sujeito Passivo, o decidido no acórdão do STA por nós citado.
Antes de mais importa repor a verdade quando à questão de possuirmos os extractos de conta corrente, pois, de facto, nunca nos foram exibidos ou entregues quaisquer extractos de conta corrente dos fornecedores da [SCom01...]. Afinal não estavam arquivados nas pastas da contabilidade e nos suportes informáticos furtados!?
Mais, refere o Sujeito Passivo, na parte final do ponto 4, que terá apresentado “segundas vias”, quando, de facto, o que apresentou foram algumas fotocópias de facturas e de vendas a dinheiro, que na sua maioria se referem a “originais”, contrariando inclusivamente, com esta afirmação, o que havia referido no ponto 2, onde admite ter-nos entregue cópias dos originais.
Relativamente à verificação junto dos seus fornecedores dos elementos declarados, tal não compete à Administração Tributária, pelo contrário, tal como se refere no projecto de conclusões, compete aos sujeitos passivos, nos termos do n.º 1 do art. 44º do CIVA, manter a contabilidade organizada “de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto”, tendo ainda em conta a obrigação de conservar a escrita e documentos de apoio no prazo imposto no art. 52º do mesmo diploma.
Sobre esta questão a jurisprudência é clara. Por exemplo, no acórdão do TCAN, proferido no processo n.º 760/04, em 22/06/2006, pode ler-se que (…)
Quanto à alegada contradição entre as nossas conclusões e o defendido pela jurisprudência, consideramos que tal não existe, porquanto no referido acórdão do STA, considera-se que em caso de extravio dos documentos originais as meras cópias, ainda que autenticadas, não constituem documentos passados em forma legal adequados para suportar o direito à dedução do IVA nelas constante, não garantindo que o imposto não será deduzido por mais de uma vez.
Nos pontos 7 a 10 do direito de audição, o Sujeito Passivo faz alusão a diversos princípios, concluindo simplesmente no ponto 11 que “(…) não pode a Administração Tributária depois de solicitar cópia dos documentos da contabilidade e dando a impressão que esses elementos seriam suficientes para confirmar as deduções do IVA, vir agora, sem qualquer explicação, dizer que não aceita os valores indicados (…)”, terminando desta forma o exercício do seu direito de audição, considerando que “(…) devem ser mantidos os valores declarados pelo Sujeito Passivo e não ser feita qualquer correcção às suas declarações de IVA”.
Importa, desde logo e em abono da verdade, fazermos a rectificação do que está a ser ora alegado. Nunca foram por nós solicitadas quaisquer fotocópias de documentos ao Sujeito Passivo. As notificações efectuadas, que se juntam em anexo ao presente relatório são, nesse aspecto, cristalinas.
(…)
Sem se colocar em causa qualquer dos princípios invocados, que de resto resultam da Lei, queremos, contudo, realçar a diferente interpretação que fazemos dos mesmos, nomeadamente quanto ao estipulado no art. 58º da LGT, cuja epígrafe se reporta ao “princípio do inquisitório”.
Vem o Sujeito Passivo invocar o referido preceito legal, pretendendo, na sequência do que alegou anteriormente, colocar sobre a Administração Tributária o ónus da confirmação, junto dos seus fornecedores, dos valores por si declarados, a partir de fotocópias de alguns documentos que, como ficou claro no projecto de conclusões, ainda que estas fotocópias cumprissem todos os requisitos necessários para a admissibilidade da dedução do imposto nelas mencionado, o que não é o caso como atrás se disse, apenas justificariam uma pequena parte da totalidade do imposto deduzido no exercício alvo de inspecção.
Deste modo, ainda sobre o “princípio do inquisitório” e corroborando o que atrás já se disse, refira- se que “(…) a previsão desta obrigação da administração tributária de averiguar os factos relevantes para a decisão não significa que ela tenha o ónus da prova desses factos (…) O poder inquisitório que preside à actuação da Administração (…) não vai ao ponto de obrigar a Administração a efectuar oficiosamente as diligências necessárias à comprovação do quadro factual trazido ao seu conhecimento pelo interessado que não tenha o mínimo de consistência ou a qualquer outro quadro factual não indicado pelo requerente (acórdão da secção do contencioso Administrativo de 4-7-95, proferido no recurso n.º 35730, publicado em Apêndice ao Diário da República de 27-1-98, página 5916 (…)”.
Atento todo o exposto, mantemos na íntegra a correcção proposta (…)
(cfr. fls. não numeradas do PA apenso aos autos);
26) Os SIT elaboraram, com data de 01-07-2011, o RIT referente aos procedimentos inspectivos levados a cabo ao abrigo das ordens de serviço nºs OI20......14 e OI20.....15, de cujo teor se destaca o seguinte:
II. – Objectivos, âmbito e extensão da acção de inspecção
II - 1. Credencial e período em que decorreu a acção
A acção inspectiva foi prosseguida em cumprimento das Ordens de Serviço nºs OI20......14 e OI20.....15, cujos despachos estão datados de 25/03/2011 e ambas foram iniciadas a 04/04/2011, com a assinatura das respectivas Ordens de Serviço.
Os actos de inspecção foram concluídos em 02/06/2011, com a assinatura da Nota de Diligência.
II - 2. Motivo, âmbito e incidência temporal
A acção inspectiva foi desencadeada na sequência da acção inspectiva realizada ao abrigo da Ordem de Serviço OI20......71, com o mesmo âmbito, visando o exercício de 2009, que por seu turno teve origem numa informação elaborada e remetida pela Direcção de Finanças 2..., referindo-se em particular a possíveis incoerências nos valores do IVA liquidado e deduzido, declarados pelo sujeito passivo ora inspeccionado, na sequência de uma acção inspectiva que decorreu naquela Direcção de Finanças.
A presente acção inspectiva é de âmbito externo, parcial, visando o IVA e incidindo sobre os exercícios de 2007 (OI20......14) e 2008 (OI20.....15).
II - 3. Outras situações
II - 3.1 – Caracterização da empresa
(…)
Nos exercícios ora inspeccionados (2007 e 2008) a contabilidade da [SCom01...] era executada nas suas instalações, sendo a TOC responsável «AA», NIF ...03, esposa do sócio «BB» e mãe do sócio «GG». Actualmente, dado que em 27/04/2011 a [SCom01...] entregou uma declaração de alterações (documento n.º ...39), o TOC responsável pela contabilidade é o Sr. «EE», NIF ...15, gerente da sociedade [SCom02...], Lda., NIPC ...30, com sede na Avenida ..., ..., nesta cidade ..., estando aí centralizada a contabilidade da [SCom01...].
A actividade principal do sujeito passivo consiste na fabricação de rebites, parafusos e porcas, a que corresponde o CAE 25940 – Rev.3.
(…)
II - 3. 4. - Regularidade da Escrituração e Obrigações Declarativas
A [SCom01...], por motivos a seguir relatados, não dispõe, relativamente aos exercícios inspeccionados, da contabilidade devidamente organizada, nos termos da lei comercial e fiscal.
Nesses exercícios cumpriu em geral as obrigações declarativas, em sede dos diversos módulos fiscais.
II - 3. 5. - Diligências efectuadas
Em 25/03/2011, nos termos do previsto no art. 49º do RCPIT, procedeu-se ao envio, por carta registada [Registo n.º RM73.......88PT], das cartas aviso e respectivos folhetos informativos.
Em 04/04/2011, dirigimo-nos às instalações da [SCom01...], sitas na Rua 1..., lotes 5 e 6, Parque Industrial ..., ..., ..., local onde se deu início ao procedimento inspectivo com a assinatura das ordens de serviço pelo sócio-gerente da sociedade.
Nessa altura, à semelhança do que já havia acontecido no âmbito da ordem de serviço OI20......71 (IVA; 2009), o sócio-gerente da [SCom01...], ouvido em declarações, declarou não existirem quaisquer registos contabilísticos nem documentos de suporte da contabilidade, relativos aos exercícios de 2007 e 2008, pelos mesmos motivos anteriormente aduzidos, isto é, por motivo de furto, ocorrido entre 14 e 15 de Julho de 2010, conforme auto de notícia que deu origem ao processo de inquérito n.º 17../1...PBBRG da ... Secção de Processos dos Serviços do Ministério Público de Braga.
Recordamos que, de acordo com as declarações prestadas nesse processo pela participante do furto, a TOC da [SCom01...] atrás já identificada, foram furtados um computador portátil, um computador fixo, ou pelo menos o seu processador (CPU), duas pen drive com cópias de segurança da área da contabilidade e facturação e 20 pastas de arquivo, contendo documentos de clientes, fornecedores, bancos, pedidos de fabricação e documentos técnicos. O furto, segundo a participação efectuada às autoridades policiais, ocorreu nas instalações da sociedade, sitas no Lugar ..., Quinta ..., ... – ..., ..., ....
Face à inexistência de registos contabilísticos e respectivos documentos de suporte, foi o sujeito passivo [SCom01...] notificado, na pessoa do seu sócio-gerente, para no prazo de 30 dias organizar a sua contabilidade, procedendo à regularização do atraso verificado, nomeadamente no que respeita aos exercícios de 2007 e 2008. Em anexo junta-se cópia do auto de declarações e da consequente notificação, atrás referidos – anexo II.
Na sequência da notificação efectuada a 04/04/2011, em 12/05/2010 o sócio-gerente da [SCom01...], ouvido em declarações, afirmou que “todos os documentos referentes à contabilidade da sociedade [SCom01...], Lda., encontram-se na posse do técnico oficial de contas «EE», NIF ...15 (…)”. Anexa-se cópia do respectivo auto – anexo III.
Em 17/05/2011, ouvido em declarações, o referido TOC declarou que é o actual responsável pela execução da contabilidade da [SCom01...], assumindo essa função desde o final do primeiro trimestre deste ano e tendo apenas contratado refazer a contabilidade de 2010 e dar continuidade para o exercício de 2011.
Relativamente às diligências efectuadas para refazer a contabilidade da [SCom01...], nomeadamente no que se refere aos exercícios de 2007, 2008 e 2009, referiu que as mesmas foram executadas por funcionários da [SCom01...], não tendo tido qualquer intervenção nessas diligências.
Na mesma altura exibiu algumas fotocópias dos documentos de compra de bens, serviços e imobilizado, juntamente com duas relações de fornecedores, que resumiam os valores constantes dessas fotocópias entregues, constatando-se, de acordo com esses resumos, que essas fotocópias totalizariam €132.239,18 e €181.833,92, relativamente às aquisições efectuadas pela [SCom01...] nos exercícios de 2007 e 2008. Mais declarou na ocasião que essas cópias, juntamente com os documentos de venda (facturas e vendas a dinheiro), que também exibiu, constituíam todos os elementos contabilísticos que possuía, relativamente aos exercícios de 2007 e 2008. Refira-se que, os elementos exibidos pelo TOC foram por nós requisitados para análise.
No que diz respeito às aparentes divergências existentes entre os valores constantes das relações de fornecedores exibidas e os valores constantes das declarações periódicas do IVA, nomeadamente o IVA dedutível, resultante das aquisições de imobilizado, bens e serviços, declarou que tal se deve ao facto de ainda estar a aguardar pelo envio de mais documentos.
Em anexo juntam-se cópias do auto de declarações anteriormente referido e das duas relações de fornecedores exibidas – anexo IV.
Resumindo, desconhecidos terão arrombado a porta de instalações pertencentes à [SCom01...], furtaram os computadores onde a sociedade tinha instalados os programas de contabilidade e facturação, levaram ainda as duas cópias de segurança que a empresa possuía, todas as pastas onde estavam arquivados os registos contabilísticos, documentos de suporte e auxiliares da contabilidade, deixando para trás de relevante apenas, no que ao exercício de 2007 e 2008 diz respeito, todas as facturas de venda, isto é, as transacções da empresa com os seus clientes.
Quanto às diligências efectuadas para refazer ou organizar devidamente a contabilidade, terão sido efectuadas por funcionários da [SCom01...], tendo resultado simplesmente na apresentação dos documentos de venda, que não terão sido furtados, e de fotocópias de facturas dos seus alegados fornecedores, juntamente com uma listagem resumo dessas aquisições.
III. – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
III – 1. Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA)
Atenta toda a matéria factual apurada, na sequência das diligências relatadas no ponto anterior deste projecto de relatório, constata-se que a [SCom01...], relativamente às suas aquisições de existências, imobilizado e outros bens e serviços, efectuadas nos exercícios de 2007 e 2008, apenas possui (ou apenas exibiu) mapas resumo dessas aquisições, apresentando como suporte dessas operações fotocópias das facturas.
Se, por um lado, podemos considerar que existe alguma convergência entre o IVA liquidado nas DP’s e os duplicados das facturas de venda exibidos, por outro lado, entre os valores do IVA deduzido nessas declarações e aqueles que resultam da listagem das aquisições a fornecedores (anexo IV, pág. 3 e 4) existe uma total incoerência.
No sentido de melhor nos apercebermos destas incoerências, atentemos nos seguintes dados:
Aquisições de bens e serviços, incluindo imobilizado (inclui IVA)
Fonte: Sujeito Passivo
Valor estimado do IVA dedutívelImposto efectivamente deduzido
Fonte: DP’s
2007132.239,18 €23.000,00 €157.881,94 €
2008181.833,92 €31.500,00 €125.681,57 €

De acordo com a referida listagem elaborada pelo sujeito passivo, o total das aquisições de bens e serviços (incluindo imobilizado) ascenderá a €132.239,18 e €181.833,92 (valores com IVA incluído), nos exercícios de 2007 e 2008, respectivamente. Tais valores deveriam corresponder, no máximo, a um imposto dedutível, desde que reunidas as condições necessárias à sua dedutibilidade a 100% e considerando que todos os inputs eram adquiridos à taxa normal do IVA [Não é o caso da água e electricidade, por exemplo.], de cerca de €23.000,00 em 2007 e €31.500,00 em 2008.
Por outro lado, o IVA deduzido nas DP’s entregues nesse mesmo período ascende a €157.881,94 e €125.681,57 (exercícios de 2007 e 2008, respectivamente).
Fazemos ainda notar que as fotocópias que nos foram exibidas e entregues, segundo a informação prestada, terão sido pedidas aos respectivos fornecedores, dado que as pastas que continham esses documentos teriam sido furtadas, assim, estranha-se o facto de algumas delas, serem cópias dos originais, dado que, por regra, e nos termos do n.º 4 do art. 36º do CIVA, os originais são enviados aos clientes, arquivando o fornecedor uma cópia/duplicado e não o original.
Acresce ainda o facto de algumas das fotocópias das facturas, alegadamente solicitadas aos fornecedores e apresentadas pela [SCom01...], não terem qualquer identificação do destinatário/adquirente, nomeadamente o seu nome, identificação fiscal e morada, situação que, por si só, seria suficiente para que o IVA nelas constante não pudesse ser objecto de dedução, nos termos conjugados do n.º 2 do art. 19º e art. 36º, ambos do CIVA. Esta situação verifica-se, por exemplo, em 2008 com a sociedade [SCom05...] S.A., NIPC ...72.
Do ponto de vista fiscal
O apuramento do IVA faz-se nos termos do art. 19º e seguintes do CIVA. O direito à dedução é uma das componentes fundamentais desse apuramento, porquanto o IVA se encontra baseado no método de crédito de imposto, isto é, os sujeitos passivos, em cada um dos períodos, apuram o imposto a entregar ao Estado calculando a diferença entre o imposto liquidado sobre as operações tributáveis que efectuarem (outputs) e o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços (inputs).
O mencionado direito nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, conforme o disposto nos art.s 7º e 8º, n.º 1, ambos do CIVA.
Ainda no que respeita à dedução do imposto, o n.º 1 do art. 19º do CIVA, define o que pode ser objecto de dedução, que, regra geral, corresponde a todo o imposto suportado pelo sujeito passivo, exceptuando-se as situações previstas no art. 21° do CIVA, sendo pressuposto essencial que esse imposto tenha sido suportado na aquisição de bens ou serviços que contribuam para a realização de operações tributáveis, conforme o estatuído no art. 20º do CIVA.
Estabelece ainda o n.º 2 do referido art. 19º, um condicionalismo essencial, de ordem formal, definindo que só confere direito à dedução o imposto menciona do em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, considerando-se passados sob forma legal os documentos que contêm os requisitos do n.º 5 do art. 36º do CIVA, conjugado com o art. 5º do Decreto-Lei n.º 198/90, de 19 de Junho.
Acresce que, nos termos do n.º 1 do art. 44º do CIVA, “a contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto”, situação que não se verifica no caso em apreço, tal como ficou patente atrás.
A jurisprudência
Os tribunais nacionais e o STA em particular têm vindo a considerar que cabe ao sujeito passivo o ónus de provar o seu direito à dedução através da apresentação das facturas ou documentos equivalentes que lhe conferem esse direito, devendo este conservar os documentos, no prazo estabelecido no art. 52º do CIVA. Em caso de extravio, ainda que por motivo não imputável a si, incumbe-lhe obter facturas substitutivas ou segundas vias das mesmas junto dos respectivos emitentes [Neste sentido, vide o acórdão do TCAN, proferido no processo n.º 760/04 em 22/06/2006 e ainda os acórdãos do STA, proferidos nos processos n.º 289/07 e 439/08 em 13/02/2008 e 03/12/2008, respectivamente].
Mais recentemente, quanto à questão de saber se o IVA mencionado em cópias de facturas apresentadas pelo sujeito passivo deve ser aceite como dedutível, no acórdão do STA proferido no processo n.º 533/10 em 12/01/2011, pode ler-se: (…)
Em conclusão, o sujeito passivo [SCom01...] não demonstrou ter na sua posse os documentos (facturas ou documentos equivalentes) susceptíveis de inequivocamente provar o direito à dedução do imposto mencionado nos campos 20, 22 e 24 das DP’s entregues nos exercícios de 2007 e 2008.
Por não ter sido possível analisar os documentos contabilísticos que originaram essas deduções, pelos motivos anteriormente explanados, resulta como consequência a não aceitação das deduções do imposto mencionado nas respectivas declarações, por não se poderem comprovar as condições, o âmbito, a exclusão, o momento e as modalidades do exercício do direito, nos termos dos art.s 19º a 22º e 78º, todos do CIVA.
Assim, tendo em conta toda a legislação e jurisprudência invocadas, nomeadamente pela não verificação dos requisitos exigidos no n.º 2 do art. 19º do CIVA e por incumprimento do estatuído no n.º 1 do art. 44º do mesmo diploma, o sujeito passivo [SCom01...] deduziu indevidamente imposto, no montante global de €283.563,51, valor que, nos termos do art. 87º do CIVA, será alvo de correcção, conforme se discrimina no quadro abaixo:
DescriçãoValorDescriçãoValor
IVA em falta (período 2007/01)9.835,99 €IVA em falta (período 2008/01)26.525,31 €
IVA em falta (período 2007/02)9.694,63 €IVA em falta (período 2008/02)10.646,11 €
IVA em falta (período 2007/03)8.448,37 €IVA em falta (período 2008/03)12.517,19 €
IVA em falta (período 2007/04)7.645,93 €IVA em falta (período 2008/04)8.771,43 €
IVA em falta (período 2007/05)9.134,03 €IVA em falta (período 2008/05)9.031,61 €
IVA em falta (período 2007/06)8.888,15 €IVA em falta (período 2008/06)12.080,84 €
IVA em falta (período 2007/07)11.787,71 €IVA em falta (período 2008/07)10.384,92 €
IVA em falta (período 2007/08)2.888,19 €IVA em falta (período 2008/08)4.537,12 €
IVA em falta (período 2007/09)13.387,33 €IVA em falta (período 2008/09)8.435,43 €
IVA em falta (período 2007/10)11.444,85 €IVA em falta (período 2008/10)9.374,05 €
IVA em falta (período 2007/11)23.567,36 €IVA em falta (período 2008/11 )5.886,93 €
IVA em falta (período 2007/12)41.159,40 €IVA em falta (período 2008/12)7.490,63 €
Subtotal 2007157.881,94 Subtotal 2008125.681,57
Total geral283.563,51 €
(…)
IX. – Direito de Audição
Nos termos do art. 60º da LGT e do art. 60º do RCIT, o Sujeito Passivo, por si e na pessoa do seu mandatário, através dos nossos ofícios n.º ...07.6784 e 507.6785, ambos de 17/06/2011, foi notificado para, querendo, exercer o direito de audição sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção tributária.
Através de requerimento assinado pelo seu mandatário, entrado nestes serviços em 29/06/2011, sob o n.º de entrada ...74, o Sujeito Passivo exerceu esse direito, não obstante o seu requerimento apenas indicar como referência “IRC de 2007 e 2008”, o que certamente será um lapso, devendo querer referir-se a IVA e não IRC.
(…)
No caso em apreço, relevante é o facto de o Sujeito Passivo, tendo sido notificado para organizar a sua contabilidade, nomeadamente “para proceder à regularização do atraso em que se encontra a sua escrita, relativamente aos exercícios de 2007 e 2008”, não o ter efectuado, nem ter dado qualquer justificação para tal. Importa recordar que o alegado furto ocorreu entre os dias 14 e 15 de Julho de 2010, tendo, entretanto, passado praticamente um ano sem que o Sujeito Passivo regularizasse a sua contabilidade, sendo que na data do furto já tinha conhecimento que se iria dar início a um procedimento inspectivo, igualmente externo e abrangendo o IVA, incidindo este sobre o exercício de 2009.
Mas, mesmo não tendo regularizado a sua contabilidade, se o Sujeito Passivo possui os originais das facturas, resultantes das eventuais reimpressões dos originais efectuadas pelos fornecedores, como parece sugerir no ponto 2 do seu direito de audição, o facto é que apenas nos permitiu o acesso a meras fotocópias, fotocópias essas que, de acordo com as afirmações do TOC da [SCom01...], «EE», constituíam todos os elementos contabilísticos que possuía e que apresentou, relativos aos exercícios de 2007 e 2008 e que, inclusivamente, foram por nós requisitadas e fotocopiadas, encontrando-se arquivadas junto aos demais elementos do processo inspectivo.
Sobre esta questão, queremos ainda sublinhar o facto de que o Sujeito Passivo, no exercício do direito de audição, teve a oportunidade de apresentar todos os documentos (originais) que eventualmente possuísse, sendo que estes certamente seriam analisados neste momento e, eventualmente, tidos em conta na conclusão final, mas tal não foi a sua opção, como decorre do requerimento apresentado.
Não obstante, fazemos notar que, ao admitir-se a possibilidade da impressão de vários originais, poderíamos ter como consequência a dedução do mesmo imposto mais do que urna vez, situação agravada guando apenas nos são facultadas, em sede do procedimento inspectivo. meras fotocópias desses documentos, sem qualquer explicação ou justificação para que a contabilidade não seja apresentada com os lançamentos contabilísticos suportados em documentos emitidos sob a forma legal, equivalentes aos originais (dado que os documentos originais foram alegadamente furtados).
Contudo, mesmo nesta hipótese, fica ainda por esclarecer a circunstância de algumas das fotocópias das vendas a dinheiro não terem qualquer identificação do destinatário/adquirente, nomeadamente o seu nome, identificação fiscal e morada, conforme se alude na página 9 deste relatório.
Nos pontos 3 a 6 do direito de audição vem o Sujeito Passivo referir-se à jurisprudência invocada no projecto de conclusões do relatório de inspecção tributária. Resumidamente, nesses quatro pontos alega que apesar de termos “a cópia dos documentos e extractos de conta corrente” com os quais poderíamos verificar junto dos fornecedores a sua veracidade, se optou por não se considerar qualquer valor de IVA como efectivamente dedutível, sem que se explicassem os motivos para tal, contrariando, segundo afirma o Sujeito Passivo, o decidido no acórdão do STA por nós citado.
Antes de mais importa repor a verdade quando à questão de possuirmos os extractos de conta corrente, pois, de facto, nunca nos foram exibidos ou entregues quaisquer extractos de conta corrente dos fornecedores da [SCom01...]. Afinal não estavam arquivados nas pastas da contabilidade e nos suportes informáticos furtados!?
Mais, refere o Sujeito Passivo, na parte final do ponto 4, que terá apresentado “segundas vias”, quando, de facto, o que apresentou foram algumas fotocópias de facturas e de vendas a dinheiro, que na sua maioria se referem a “originais”, contrariando inclusivamente, com esta afirmação, o que havia referido no ponto 2, onde admite ter-nos entregue cópias dos originais.
Relativamente à verificação junto dos seus fornecedores dos elementos declarados, tal não compete à Administração Tributária, pelo contrário, tal como se refere no projecto de conclusões, compete aos sujeitos passivos, nos termos do n.º 1 do art. 44º do CIVA, manter a contabilidade organizada “de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto”, tendo ainda em conta a obrigação de conservar a escrita e documentos de apoio no prazo imposto no art. 52º do mesmo diploma.
Sobre esta questão a jurisprudência é clara. Por exemplo, no acórdão do TCAN, proferido no processo n.º 760/04, em 22/06/2006, pode ler-se que (…)
Quanto à alegada contradição entre as nossas conclusões e o defendido pela jurisprudência, consideramos que tal não existe, porquanto no referido acórdão do STA, considera-se que em caso de extravio dos documentos originais as meras cópias, ainda que autenticadas, não constituem documentos passados em forma legal adequados para suportar o direito à dedução do IVA nelas constante, não garantindo que o imposto não será deduzido por mais de uma vez.
Nos pontos 7 a 10 do direito de audição, o Sujeito Passivo faz alusão a diversos princípios, concluindo simplesmente no ponto 11 que “(…) não pode a Administração Tributária depois de solicitar cópia dos documentos da contabilidade e dando a impressão que esses elementos seriam suficientes para confirmar as deduções do IVA, vir agora, sem qualquer explicação, dizer que não aceita os valores indicados (…)”, terminando desta forma o exercício do seu direito de audição, considerando que “ (...) devem ser mantidos os valores declarados pelo Sujeito Passivo e não ser feita qualquer correcção às suas declarações de IVA”.
Importa, desde logo e em abono da verdade, fazermos a rectificação do que está a ser ora alegado. Nunca foram por nós solicitadas quaisquer fotocópias de documentos ao Sujeito Passivo. A notificação efectuada, que se junta em anexo ao presente relatório é, nesse aspecto, cristalina.
(…)
Sem se colocar em causa qualquer dos princípios invocados, que de resto resultam da Lei, queremos, contudo, realçar a diferente interpretação que fazemos dos mesmos, nomeadamente quanto ao estipulado no art. 58º da LGT, cuja epígrafe se reporta ao “princípio do inquisitório”.
Vem o Sujeito Passivo invocar o referido preceito legal, pretendendo, na sequência do que alegou anteriormente, colocar sobre a Administração Tributária o ónus da confirmação, junto dos seus fornecedores, dos valores por si declarados, a partir de fotocópias de alguns documentos que, como ficou claro no projecto de conclusões, ainda que estas fotocópias cumprissem todos os requisitos necessários para a admissibilidade da dedução do imposto nelas mencionado (o que não é o caso como atrás ficou claro) apenas justificariam uma ínfima parte da totalidade do imposto deduzido no exercício alvo de inspecção.
Deste modo, ainda sobre o “princípio do inquisitório” e corroborando o que atrás já se disse, refira-se que “(…) a previsão desta obrigação da administração tributária de averiguar os factos relevantes para a decisão não significa que ela tenha o ónus da prova desses factos (…) O poder inquisitório que preside à actuação da Administração (…) não vai ao ponto de obrigar a Administração a efectuar oficiosamente as diligências necessárias à comprovação do quadro factual trazido ao seu conhecimento pelo interessado que não tenha o mínimo de consistência ou a qualquer outro quadro factual não indicado pelo requerente (acórdão da secção do contencioso Administrativo de 4-7-95, proferido no recurso n.º 35730, publicado em Apêndice ao Diário da República de 27-1-98, página 5916 (…)”.
Atento todo o exposto, mantemos na íntegra a correcção proposta (…)
(cfr. fls. não numeradas do PA apenso aos autos);
27) Foram emitidas, com fundamento nos RIT referidos nas duas alíneas anteriores, as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios, as quais foram remetidas para a morada da sede da impugnante através de carta registada simples:
Nº liquidaçãoTipoPeríodoQuantia (€)Data de emissãoData limite para pagamento voluntário
...43IVA2007/019 835,9923-07-201130-09-2011
...44Juros compensatórios1 694,4923-07-201130-09-2011
...45IVA2007/029 694,6323-07-201130-09-2011
...46Juros compensatórios1 639,3223-07-201130-09-2011
...47IVA2007/038 448,3723-07-201130-09-2011
...48Juros compensatórios1 400,8123-07-201130-09-2011
...949IVA2007/047 645,9323-07-201130-09-2011
...50Juros compensatórios1 240,9423-07-201130-09-2011
...51IVA2007/059 134,0323-07-201130-09-2011
...52Juros compensatórios1 453,4423-07-201130-09-2011
...53IVA2007/068 888,1523-07-201130-09-2011
...54Juros compensatórios1 384,1223-07-201130-09-2011
...955IVA2007/0711 787,7123-07-201130-09-2011
...56Juros compensatórios1 795,6123-07-201130-09-2011
...57IVA2007/082 888,1923-07-201130-09-2011
...58Juros compensatórios430,4623-07-201130-09-2011
...59IVA2007/0913 387,3323-07-201130-09-2011
...60Juros compensatórios1 946,8523-07-201130-09-2011
...61IVA2007/1011 444,8523-07-201130-09-2011
...62Juros compensatórios1 629,2423-07-201130-09-2011
...63IVA2007/1123 567,3623-07-201130-09-2011
...64Juros compensatórios3 274,8923-07-201130-09-2011
...65IVA2007/1241 159,4023-07-201130-09-2011
...66Juros compensatórios5 575,1323-07-201130-09-2011
...67IVA2008/0126 525,3123-07-201130-09-2011
...68Juros compensatórios3 511,5223-07-201130-09-2011
...69IVA2008/0210 646,1123-07-201130-09-2011
...70Juros compensatórios1 373,2023-07-201130-09-2011
...971IVA2008/0312 517,1923-07-201130-09-2011
...72Juros compensatórios1 570,6523-07-201130-09-2011
...73IVA2008/048 771,4323-07-201130-09-2011
...74Juros compensatórios1 071,8023-07-201130-09-2011
...75IVA2008/059 031,6123-07-201130-09-2011
...76Juros compensatórios1 074,8923-07-201130-09-2011
...77IVA2008/0612 080,8423-07-201130-09-2011
...78Juros compensatórios1 395,4223-07-201130-09-2011
...79IVA2008/0710 384,9223-07-201130-09-2011
...80Juros compensatórios1 165,3923-07-201130-09-2011
...81IVA2008/084 537,1223-07-201130-09-2011
...82Juros compensatórios494,2423-07-201130-09-2011
...83IVA2008/098 435,4323-07-201130-09-2011
...84Juros compensatórios890,2323-07-201130-09-2011
...85IVA2008/109 374,0523-07-201130-09-2011
...86Juros compensatórios958,4623-07-201130-09-2011
...87IVA2008/115 886,9323-07-201130-09-2011
...88Juros compensatórios580,6323-07-201130-09-2011
...89IVA2008/127 490,6323-07-201130-09-2011
...90Juros compensatórios715,0023-07-201130-09-2011
...91IVA2009/03T16 663,1723-07-201130-09-2011
...92Juros compensatórios1 417,0523-07-201130-09-2011
...93IVA2009/06T14 990,7523-07-201130-09-2011
...94Juros compensatórios1 120,4023-07-201130-09-2011
...95IVA2009/09T14 125,0923-07-201130-09-2011
...96Juros compensatórios914,8423-07-201130-09-2011
...97IVA2009/12T14 470,9323-07-201130-09-2011
...98Juros compensatórios792,9323-07-201130-09-2011
(cfr. docs. 1576 a 1631 juntos aos autos com a p.i. e fls. 45-48 do PA relativo à reclamação graciosa);
28) Por requerimento remetido ao Serviço de Finanças 1... 1 através de carta registada no dia 04-10-2011, ao qual juntou cópias da carta-aviso n.º ...32 e respectivo folheto informativo anexo, de 11-06-2010, e da ordem de serviço nº OI20......71, de 09-06-2010, a impugnante deduziu reclamação graciosa contra as liquidações referidas na alínea anterior (cfr. fls. 4-44 do PA relativo à reclamação graciosa);
29) A reclamação graciosa referida na alínea anterior foi indeferida por despacho de 20-02-2012 do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças 1..., proferido sobre a informação nº ...55 da respectiva Divisão de Justiça Tributária (cfr. fls. 112-114v. do PA relativo à reclamação graciosa);
30) Por requerimento remetido ao Serviço de Finanças 1... 1 através de carta registada no dia 29-03-2012, ao qual juntou cópias da carta-aviso n.º ...32, de 11-06-20101, e da ordem de serviço nº OI20......71, de 09-06-2010, a impugnante recorreu hierarquicamente do despacho de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 3-24 do PA relativo ao recurso hierárquico);
31) O recurso hierárquico referido na alínea anterior foi indeferido por despacho de 04-03-2013 do Subdirector-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, proferido sobre a informação nº ...94 da Direcção de Serviços do IVA (cfr. fls. não numeradas do PA relativo ao recurso hierárquico);
32) A petição inicial dos presentes autos foi apresentada no Serviço de Finanças 1... 1 no dia 01-07-2013 (cfr. carimbo aposto na primeira página da p.i.).

Factos não provados
Não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão da causa, atenta a causa de pedir.
Motivação
A matéria de facto dada como provada foi a considerada relevante para a decisão da causa e resultou das posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados e da análise crítica do teor dos documentos e das informações oficiais juntas aos autos e constantes do PA, conforme discriminado em cada alínea do probatório.
A restante matéria alegada não foi julgada provada ou não provada por não ter relevância para a decisão da causa ou por não ser susceptível de prova, por se tratar de considerações pessoais ou de conclusões de facto ou de direito.»

2.2. De direito
In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Braga, por via da qual em sede de questão prévia afastou o conhecimento da nulidade arguida em sede de alegações pré sentenciais do despacho que dispensou a realização da prova testemunhal, desconsiderou enquanto objecto dos autos a conhecer a matéria de facto e de direito inovadoramente alegada em sede de alegações e, conhecendo do mérito dos autos se debruçou sobre as questões que identificou julgando a impugnação das liquidações adicionais de IVA de 2007, 2008 e 2009, improcedentes.
Cumpre a este Tribunal ad quem apreciar e decidir, o que de imediato nos propomos, seguindo a sequência cronológica em que assentam as alegações e conclusões de recurso.

2.2.1. Da dispensa da prova testemunhal – Conclusões 1) a 5)
A Recorrente assaca de nulo o despacho que dispensou a realização de prova testemunhal, alegando que a matéria dos autos envolve factualidade controvertida que poderia ser confirmada ou infirmada por testemunhas (factos vertidos em 4), 9), 20) e todo o teor dos RIT transcrito por via dos itens 25), 26) e 27) da matéria de facto dada por provada), mais alega que a não produção desta prova terá gerado um défice instrutório.
Temos que perscrutadas as alegações e conclusões de recurso, a Recorrente desenvolve duas teses quanto ao despacho que dispensou a realização de prova testemunhal, uma primeira (i) de que esse despacho está ferido de nulidade e, uma segunda, (ii) assente nos erros dos pressupostos de facto e de direito e défice instrutório, discorrendo este ataque do teor das seguintes conclusões “A decisão de dispensa de prova testemunhal é nula e faz com que a sentença a quo fatalmente não disponha de factualidade suficiente para aplicar o dispositivo, enfermando de erro nos seus pressupostos de facto e de direito." e "Se o juiz dispensar a produção de prova testemunhal, e a não realização dessa diligência afectar o julgamento da matéria de facto, deve a sentença ser anulada por défice instrutório.”.
Apreciando.
De harmonia com o consignado nos artigos 195.º e seguintes do CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei ou realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
De relevar, outrossim, que as mesmas se subdividem em nulidades principais e nulidades secundárias, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos.
Com efeito, as nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, estando, por seu turno, as nulidades secundárias/ irregularidades incluídas na previsão geral do artigo 195.º CPC, cujo regime de arguição está sujeita ao contemplado no artigo 199.º CPC.
Atento o disposto nos aludidos normativos, extrai-se como é pacifico, que a dispensa de prova testemunhal não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, sendo certo que a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreve, subsume-se normativamente no artigo 195.º do CPC, pelo que configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no artigo 199º CPC [neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça 02 de julho de 2015, processo nº 2641/13.7TTLSB.L1.S1, de 29 de janeiro de 2015, Proc. 531/11.7TVLSB.L1.S1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de abril de 2018, processo nº 533/04.0TMBRGK6.1].
No que concerne ao alcance da expressão “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa”, pois que a lei não fornece uma definição do que seja, convoca-se o doutrinado por Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra Editora., pág. 486, de que:“(...) os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela“.
Mais importa ter presente que “(...) o legislador em parte alguma esclarece quando é que se deve entender que a irregularidade cometida influiu no exame ou na decisão da causa, pelo que “só caso por caso a prudência e a ponderação dos juízes poderão resolver” – vide Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, 1982, pág. 109.” [in acórdão deste Tribunal Central de 30.11.2011, proc. n.º 545/08.4BEBRG]
Ora, tendo presente os considerandos supra, ter-se-á de concluir no sentido da improcedência da aludida arguição, e isto porque, o acto de dispensa de prova testemunhal está na esfera decisória do Juiz do Tribunal a quo que, desde logo, pondera e decide em conformidade, donde, não pode ser entendido como um acto que tem de ser realizado obrigatoriamente.
Note-se que, no âmbito do processo judicial tributário compete ao juiz avaliar, casuisticamente, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sempre tendo presente que a instrução tem por objeto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Razão pela qual nos revemos totalmente no decidido em sede de questão prévia pelo Tribunal a quo quando fundamenta o não conhecimento da nulidade assacada em sede das alegações apresentadas ao abrigo do artigo 120º do CPPT, do qual se extrai:
« No caso dos autos, a eventual nulidade processual arguida, decorrente de não ter sido realizada ou, segundo a perspectiva da impugnante, continuada, a audiência contraditória de inquirição de testemunhas, resulta directamente do despacho de fls. 1972 do SITAF, pelo que tem aqui plena aplicabilidade a jurisprudência citada (abre-se aqui um parêntesis, no entanto, para fazer notar que em 02-02-2019 foi proferido o seguinte despacho: “Em virtude da impossibilidade de recuperação da gravação da inquirição efetuada no dia 09/07/2018, e porque o respetivo depoimento se revela essencial à descoberta da verdade e à boa decisão da causa impõe-se designar nova data para a inquirição de todas as testemunhas arroladas” [cfr. fls. 1794 do SITAF] o que só pode ter, quanto a nós, o alcance de anular a inquirição já realizada, pelo que não será adequado falar-se em continuação da audiência contraditória de inquirição de testemunhas, mas, quando muito, na sua repetição).
Sucede ainda que o requerimento apresentado não pode ser convolado em recurso, não só porque se mostra inserido nas alegações pré-sentenciais, não sendo autonomizável das mesmas, mas sobretudo porque não formula conclusões, o que constitui causa de rejeição do recurso (art.º 641º, nº 2, al. b), do CPC).
Considerando o exposto concluímos que, independentemente de se qualificar o despacho de fls. 1972 do SITAF como um despacho de “rejeição de algum meio de prova ou como um despacho que “põe fim à audiência de julgamento que já se havia iniciado sem concluir a mesma”, o mesmo apenas poderia ser impugnado por via de recurso, não sendo o articulado apresentado susceptível de convolação em tal meio processual.».

Assim, face a todo o exposto, improcede a arguida nulidade processual, imputada ao despacho que dispensou a prova testemunhal nesta sede recursória.

Prosseguindo, de entre esta temática do despacho de dispensa de realização de prova testemunhal, mais argumenta a Recorrente que “Ao dispensar a prova testemunhal, o Tribunal cerceou os direitos de defesa da recorrente e violou os arts. 114º, n.º 1, 115º, n.º 1 CPPT, art. 3º, n.º 3 CPC (ex vi art. 2º, al. e) CPPT) e ainda o art. 242º CCiv., ao não permitir à impugnante a prova dos factos alegados”.
Vejamos, pois.
Nos termos do disposto no artigo 411.º do Código do Processo Civil, “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, consagrando-se assim o princípio do inquisitório, que no seu sentido restrito, que é o rigoroso, “opera no domínio da instrução do processo tendo o juiz aí poderes mais amplos do que no domínio da investigação dos factos, na medida em que pode determinar quaisquer diligências probatórias que não hajam sido solicitadas pelas partes” – cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição, Almedina, pág 207.
No mesmo sentido, o n.º 1 do artigo 99.º da Lei Geral Tributária, sob a epigrafe “Princípio do inquisitório e direitos e deveres de colaboração processual”, estabelece que “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”.
De igual forma, dispõe o n.º 1 artigo 13.º Código de Procedimento e de Processo Tributário ao estatuir que “aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”.
Por fim, o artigo 114.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, prevê que “não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de produção de prova necessárias (…)
Como ficou consignado no acórdão do STA, de 14.09.11, proferido no processo n.º 215/11, “(…) o processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral Tributária, um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. E, por isso, o juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos «se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115, n.º 1 e 119.º do CPPT.
Assim, embora o tribunal tenha, em princípio, de admitir todos os meios de prova que as partes ofereçam – posto que em processo tributário de impugnação são, em regra, admitidos todos os meios gerais de prova (artigo 115.º do CPPT) – pode recusar a sua produção caso exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias.
O direito à prova no procedimento e no processo tributário existe e é objecto de uma tutela muito forte, mas não constitui um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados, como acontece com o artigo 392.º do Código Civil, onde se estabelece que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”, e com o disposto nos artigos 393.º, 394.º e 395.º desse Código, que prevêem as situações em que é inadmissível a prova testemunhal.
Em suma, compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que instrução tem por objecto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito”.
Ou seja, da lei não decorre que o juiz esteja obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes; impõe-se-lhe o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências que o Tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade. Será, pois, “o critério do juiz que prevalece no que concerne a determinar quais as diligências que são úteis para o apuramento da verdade, sendo inevitável em tal determinação uma componente subjectiva, ligada à convicção do juiz. No entanto, a necessidade da realização das diligências pode ser controlada objectivamente, em face da sua real necessidade para o apuramento da verdade, podendo, por isso, ser apreciada em recurso a correcção da decisão de recusa de realização de qualquer diligência” – cfr. J. Lopes de Sousa, obra citada, Vol. I, pág. 180.
Em suma, “(...) cabe ao tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada. Para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados” – cfr. Acórdão do TCA Sul de 10.11.2022, proc. 2222/15.0BESNT.
E, como dispõe o artigo 115.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no processo tributário são admitidos todos os meios gerais de prova, não se encontrando assim limitado a um especifico modo de prova.
Nestes termos, “(...) não obstante o juiz não estar obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes, contudo deve ponderar sobre a admissibilidade dos meios de prova no caso concreto. Nesse sentido deve ponderar a realização de diligências úteis à descoberta da verdade material, mormente quando existam factos controversos que careçam de prova bastante, de modo a que seja, sempre que possível, a não ficarem dúvidas sobre essa factualidade controvertida. Significa isto, que a omissão de diligências necessárias à descoberta da verdade material, acarreta um défice instrutório, quando em face do alegado e da análise dos elementos dos autos, se possa antever que a realização de algum meio de prova poderia ser modo de aquisição processual de melhor esclarecimento dos factos, tanto mais que não se vislumbra fossem diligências irrelevantes para os termos da causa.” – cfr. Acórdão do TCA Norte de 23.11.2023, proc. n.º 01045/11.1BEBRG.
Cumpre desde logo relevar, na senda do alegado pela Recorrente o facto de não ter sido interposto recurso do despacho interlocutório do despacho de dispensa de prova testemunhal, e erroneamente ter enveredado pela tese de nulidade daquele despacho, que não colhe, como se viu, não inviabiliza, per se, a apreciação do aduzido vício e concreto deficit instrutório.
Com efeito, como doutrinado pelo Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo nº0289/11, de 16 de novembro de 2011: “(...) antes do mais, poderíamos interrogarmo-nos se pode agora a Recorrente, que não interpôs recurso do despacho que dispensou a prova testemunhal, questionar em sede de recurso da sentença a falta da produção da prova testemunhal. Manifestamente, sim, não havendo sequer que averiguar aqui se aquele despacho é ou não necessário e se, a ser proferido, faz ou não caso julgado formal. (…)
Por outro lado, o Tribunal de recurso sempre pode sindicar o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova em sede do recurso interposto da sentença. Aí, não só o impugnante ou a Fazenda Pública podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa, anular a sentença oficiosamente (…).”
Por outras palavras, não faz sentido, alegar o cerceamento dos seus direitos de defesa por referência ao despacho que dispensou a prova testemunhal, pois que o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova poderá ser sempre objecto de sindicância em sede de recurso da sentença final, em sede de sustentação da insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, bem como pode e deve o próprio tribunal ad quem, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente.
Aqui chegados, entramos no domínio do deficit instrutório, e neste particular, alega a Recorrente que a “A discussão da matéria dos autos envolve matéria factual controvertida, como por exemplo, vários factos provados passíveis de serem infirmados ou confirmados através de prova testemunhal 4), 9), 20) e todo o teor dos RIT – 25), 26) e 27).”, sem concretizar em que medida mediante a realização da prova testemunhal lograria a prova de que factualidade, qual a factualidade a acrescer aquela que foi fixada, como lograria outra redacção e qual a pretendida, não alcança este Tribunal a pretensão da Recorrente.
Aliás, atente-se ao corpo das alegações e aí se alude ao facto 9) fixado, o qual em momento algum afere da alteração da sua redacção, apenas se insurge com a valoração do mesmo, afirmando que dele não se pode concluir a existência de recusa de colaboração por parte do gerente da Recorrente, não apontando um qualquer erro à sua redacção, mas sim exigindo que a sua leitura seja concatenada com os itens 14) e 15) da matéria de facto provada.
Ora, in casu, o Tribunal a quo dispensou a produção de prova testemunhal porquanto entendeu que a realidade fática a que a Recorrente tinha manifestado intenção de produzir prova testemunhal mais não representa que matéria destituída de “(...) relevância para a decisão da causa e que, além disso, trata-se também de alegação conclusiva e, como tal, insusceptível de prova”. E, de facto, não se vislumbra qualquer erro de julgamento, não só se validando, por um lado, tal entendimento como, por outro lado, atento o âmbito e extensão da presente lide -e conforme se analisará em sede própria- sempre a produção de prova testemunhal seria manifestamente irrelevante.
Assim, tendo presente, como vimos, que a realização das diligências instrutórias pressupõem a sua utilidade, com vista ao esclarecimento da factualidade alegada relevante para a decisão da causa, e que, em ordem ao prosseguimento desse desiderato, no caso sub judice, a inquirição das testemunhas arroladas não se mostra útil, atendendo à natureza dos factos para cuja prova foram arroladas, por redundarem em meras conclusões e ou afirmações que decorrem da valoração de factos que emergem do próprio procedimento inspectivo [sendo disso exemplo as ordem de serviço emitidas, seu conteúdo, diligências levadas a cabo no âmbito do procedimento, datas e modo das notificações, etc...] tendo presente, outrossim, que os autos reúnem todos os elementos necessários para a prolação da decisão final, conclui-se que a dispensa da produção de produção de prova testemunhal não acarretou qualquer violação do inquisitório e da descoberta da verdade material, tendo o Tribunal a quo atuado dentro dos meandros da lei sem que lhe possa ser apontado qualquer deficit instrutório, neste momento.
Termos em que improcedem as alegações de recurso atinentes à dispensa de produção de prova testemunhal e às cominações a ela inerentes perante o alegado pela Recorrente.
2.2.2. Da omissão de pronúncia – conclusões 7) a 11)
O Tribunal a quo não conheceu de uma serie de vícios, assente de que os mesmos apenas foram alegados em sede de alegação escrita ao abrigo do artigo 120º CPPT, porquanto os mesmos contêm matéria de facto e de direito nova.
Alega a Recorrente que tal decisão está em flagrante contradição com o princípio jura novit cura e com o disposto no artigo 95º, n.º 3 CPTA, que impõe ao tribunal pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade invocadas ou identificá-las, ouvidas as partes.
Mais argumenta, que alegou causas de invalidade que não devem ser consideradas novas, mas antes incluídas no thema decidendum das previamente alegadas em sede de petição.
Vejamos.
A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida a apreciação do Tribunal.
Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas a apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.
Conforme doutrinado por Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143, “(...) são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Apreciando.
A Recorrente sustenta, ab initio, que a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia na medida em que não foram conhecidas as seguintes questões:
(i) Da caducidade do direito a liquidação, por não ter sido notificada das liquidações impugnadas de forma regular e atempada (cfr. especialmente, os artigos 19º, 22º, 25º e 27º das alegações apresentadas ao abrigo do artigo 120º do CPPT)
(ii) Da violação de normas sobre o procedimento inspetivo, mormente no artigo 63º, nº 4, da LGT, por ter sido realizado mais do que um procedimento de inspecção referente ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação e violação do disposto no artigo 61º, nº 2, do RCPIT, conjugado com o artigo 63º, nº 4, da LGT, na medida em que a nota de diligência referente à inspecção dita interna (NDD........) não indicou quais as tarefas realizadas (cfr. os artigos 37º a 51º das alegações apresentadas ao abrigo do artigo 120º do CPPT)
(iii) Da falta de fundamentação formal das liquidações e violação do disposto no artigo 19º do Código do IVA (CIVA) (cfr. artigos 100º a 108º das alegações apresentadas ao abrigo do artigo 120º do CPPT)

In casu, cumpre atentar ao segmento da sentença recorrida, que considerou as questões elencadas como novas, que aqui se transcreve por extracto:
«(...) Esta alegação constitui alegação nova, dado que em sede de petição inicial não lhe foi feita nenhuma alusão. Ora, no contencioso tributário de anulação a causa de pedir consiste nos “vícios específicos que se invocam para obter o pretendido efeito invalidante do acto impugnado”. Assim, sabendo-se que “os vícios do acto tributário são simples formas específicas de ilegalidade, será sempre de atentar que, em contencioso de anulação, a causa de pedir consiste no facto ou factos integradores do vício ou vícios imputados ao acto impugnado, ou seja, consiste na concreta realidade de facto subsumível à invocada ilegalidade inquinadora da validade do acto impugnado. Daí que o tribunal, sendo embora livre na qualificação jurídica dos factos, só possa conhecer de vícios do acto impugnado cujos factos constitutivos tenham sido alegados pelo impugnante, sob pena de cometer a nulidade [de excesso de pronúncia]” (cfr. acórdão do TCAS de 14-05-2002, proferido no processo nº 1707/99, em que foi relatora Dulce Neto; o sublinhado é nosso; vd., em sentido idêntico, o acórdão do STA de 21-01-2015, proferido no processo nº 0152/13, em que também foi relatora Dulce Neto: “Com efeito, decorre do preceituado na parte final nº 1 do art. 108º do CPPT, que é na petição inicial do processo de impugnação que o autor tem de expor as razões de facto e de direito que fundamentam o pedido, salvo se supervenientes ou de conhecimento oficioso. É nessa peça processual que tem de alegar os factos integrantes da causa de pedir (que no contencioso de anulação consiste no comportamento concreto da Administração violador das normas jurídicas, nos factos integradores dos vícios imputados ao acto impugnado) e de delinear o pedido que dessa causa de pedir decorre”; os sublinhados são nossos).
Em face do exposto, não estando em causa factos subjectivamente supervenientes nem matéria de conhecimento oficioso, o Tribunal não tomará posição sobre a matéria de facto e de direito inovadoramente alegada em sede de alegações, já que as alegações previstas no art.º 120º do CPPT destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que já são objecto do processo (cfr. acórdão do STA de 25-09-2013, proferido no processo nº 0895/13; vd., em sentido idêntico, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado e Comentado. Vol. II, Áreas Editora, 6ª ed., pp. 297-298) (…)”»
E, em sede de sustentação da nulidade invocada de que:
«Desde já se adianta que não procede a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Antes de mais, porque, ao contrário do que aduz a Recorrente, do cotejo do teor da petição inicial, das alegações pré-sentenciais e da sentença, conclui-se que a matéria de facto e de direito elencada nos pontos 1) a 3) do segmento ora transcrito da decisão recorrida constituiu alegação nova (inserta nas alegações pré-sentenciais), dado que em sede de petição inicial não lhe foi feita nenhuma alusão.
Acresce, sobre a questão de se saber se o n.º 3 do art. 95.º do CPTA, ao dispor que «Nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, exceto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório», impõe um verdadeiro ónus ao juiz administrativo, gerador de uma nulidade da sentença caso não seja cumprido, Mário Aroso de Almeida [in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª edição, 2017, pg. 767] é cristalino ao dizer que «todos os vícios dos atos administrativos - e, portanto, mesmo aqueles que apenas são fonte geradora de anulabilidade – são de conhecimento oficioso», esta circunstância «não tem (…) a consequência de tornar passíveis de arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, as sentenças que não conheçam de vícios que não tenham sido invocados no processo, nem pelo autor, nem pelo MP.». Pois que, e «[n]a verdade, a omissão de pronúncia, a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, está em correspondência direta com o estabelecido no artigo 608.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo Código, onde se prescreve que o “juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Caso o juiz deixe de apreciar um vício não suscitado no processo, apesar de ser de conhecimento oficioso, não desrespeita o comando contido no artigo 608.º, n.º 2, apenas podendo entender-se que o juiz não detetou o vício ou que o considerou como não verificado e não encontrou, por isso, motivo para exercer a apreciação oficiosa.».
Também a jurisprudência dos tribunais superiores tem seguido este entendimento. Veja-se, a título de exemplo, a doutrina que dimana do acórdão do TCA Norte, de 23.04.2021, P.01092/06.4BEVIS2 , no qual sumariou que «I – Se o Tribunal não usou da prorrogativa contida no artigo 95º nº 3 do CPTA (na redação do DL. nº 214-G/2015) nos termos do qual, nos processos impugnatórios, o tribunal deve “…identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas”, tendo-se circunscrito à apreciação das causas de invalidade que foram invocadas pelos autores na ação, não se impunha que desse cumprimento do disposto no inciso final do nº 3 do artigo 95º, assegurando às partes a apresentação de alegações complementares».
O n.º 3 do art. 95.º do CPTA não impõe qualquer ónus, pese embora a sua importância como válvula de escape do sistema, viabilizando que o juiz possa identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas na acção, o que ocorrerá, na maioria dos casos, quando evidentes, o que não sucede, manifestamente, no caso em apreço.»
Manifesto é perante a sustentação transcrita que falece a nulidade imputada, mormente a avocação do n. º3 do artigo 95º do CPTA.
No que importa reter temos por assente que só ocorrerá nulidade da sentença se o juiz deixou de apreciar questões que lhe cumpria conhecer.
In casu, trata-se de uma impugnação judicial, cujo formalismo processual vem definido nos arts. 103º a 134º do CPPT, iniciando-se com a entrega de uma petição inicial com os contornos definidos no art. 108º do referido diploma legal. É nesta peça processual que o impugnante desenha e define os contornos do pleito, expondo as questões de facto e de direito que fundamentam o pedido, colocando, em suma, as questões que pretende ver dirimidas e que, com excepção daquelas outras que sejam do conhecimento oficioso, balizam a pronúncia do tribunal.
Ora, como se evidencia na petição inicial, a impugnante invocou, como fundamentos da sua pretensão: i) da violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 7º do RCPIT; ii) da violação do disposto nos artigos 37º, nº 2 e 38º, ambos do RCPIT, na parte relativa à notificação levada a cabo a no âmbito da ordem de serviço nº OI20......71; iii) da violação do disposto no artigo 15º do RCPIT, por o despacho de alteração do âmbito e extensão do procedimento de inspecção não estar devidamente fundamentado; iv) da violação do disposto no artigo 36º, nº 2, do RCPIT, por o procedimento de inspecção não ter sido concluído no prazo de seis meses a contar da notificação do seu início e por a prorrogação do procedimento por três meses não ter sido notificada dentro do mencionado prazo de seis meses; v) da falta de fundamentação do despacho de prorrogação do procedimento por três meses; vi) da violação do disposto no artigo 60º, nº 4, do RCPIT, por o RIT não ter sido elaborado no prazo de 10 dias, mas sim no prazo de 11 dias; vii) da violação do disposto no artigo 62º, nº 3, al. n), do RCPIT, por não terem sido indicados os meios de reação ao RIT; viii) da violação do disposto no artigo 62º, nº 3, al. i), do RCPIT, por a AT não ter indicado e juntado os meios de prova utilizados para a alteração dos valores declarados pelo sujeito passivo; ix) da violação dos princípios da verdade material, do contraditório e da cooperação, previstos nos artigos 6º, 8º e 9º, todos do RCPIT, conjugados com os artigos 58º, 73º, 74º, nº 1 e 75º, nº 2, todos da Lei Geral Tributária (LGT) (ou erro sobre os pressupostos); x) da caducidade do direito à liquidação na parte relativa aos exercícios de 2007 e 2008 por o procedimento inspectivo ser nulo e tudo se passar como se não tivesse sido feita a inspecção, correndo o prazo de caducidade continuamente e sem qualquer suspensão; xi) da AT não ter aceitado nenhuma das facturas apresentadas, não procedendo a qualquer dedução no montante do IVA, emitindo as liquidações impugnadas sem ter em consideração todos os documentos que lhe foram sendo exibidos, os quais continham a identificação do sujeito passivo de IVA bem como todos os elementos legalmente exigidos, não tendo feito prova cabal de que a impugnante não apresentou as DP de IVA de forma correcta.
E, em sede de alegações que produziu nos termos e para os efeitos do artigo 120º do CPPT, suscitou: 1) Caducidade do direito à liquidação por não ter sido notificada das liquidações impugnadas de forma regular e atempada (cfr., especialmente, os artigos 19º, 22º, 25º e 27º das alegações) quando, em sede de petição inicial, apenas tinha alegado a caducidade do direito à liquidação por o procedimento inspectivo ser nulo e tudo se passar como se não tivesse sido feita a inspecção; 2) Violação do disposto no artigo 63º, nº 4, da LGT, por ter sido realizado mais do que um procedimento de inspecção referente ao mesmo sujeito passivo, imposto e período de tributação e violação do disposto no artigo 61º, nº 2, do RCPIT, conjugado com o art.º 63º, nº 4, da LGT, na medida em que a nota de diligência referente à inspecção dita interna (NDD........) não indicou quais as tarefas realizadas (cfr. os artigos 37º a 51º das alegações); 3) Falta de fundamentação formal das liquidações e violação do disposto no artigo 19º do Código do IVA (CIVA) (cfr. artigos 100º a 108º).
Todavia, como bem aludiu o Tribunal a quo, tais alegações destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objecto do processo, o que torna, em princípio, inadmissível a invocação superveniente de novos vícios nessa peça processual.
Aliás, como muito bem refere Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 783, «A indicação do pedido ou pedidos e dos factos em que se fundamentam, bem como a indicação dos vícios que o impugnante imputa ao acto impugnado deve ser feita na petição, não podendo, posteriormente, em regra, formular-se novos pedidos ou invocados novos factos ou imputados outros vícios, designadamente nas alegações previstas no art. 120º deste Código.
Este entendimento, que tem vindo a ser adoptado quase generalizadamente pelo STA, baseia-se no princípio da estabilidade da instância (art. 268º do CPC) e no ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (nº 1 deste art. 108º).
Por outro lado, os vícios geradores de mera anulabilidade, só podem ser arguidos no prazo previsto na lei (art. 136º, nº 2, do CPA), pelo que se não forem imputados ao acto nesse prazo, o interessado perderá o direito de os arguir.
Assim, só em casos excepcionais, quando se esteja perante questões de conhecimento oficioso ou quando factos subjectivamente supervenientes para o impugnante lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia ter conhecimento no momento da apresentação da petição, será permitido ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado, o que está em sintonia com o preceituado no art. 506º do CPC, sobre a admissibilidade de articulados supervenientes, que deve ser subsidiariamente aplicável, com adaptações, ao processo de impugnação judicial, por força do disposto na alínea e) do art. 2º do CPPT.».
E, afastado que se mostra aplicabilidade às questões novas suscitadas do artigo 95º, n.º3 do CPTA, aderindo-se ao despacho de sustentação, temos por assente que as questões identificadas 1) a 3) nos termos em que as mesmas se mostram configuradas em sede de alegações pré sentenciais representam em si questões jurídicas novas e não factos subjectivamente superveniente, pois nem se mostra alegado ou indiciado que a impugnante não teve nem podia ter tido conhecimento dos factos que sustentam tais vícios na data da apresentação da petição, quais sejam caducidade do direito à liquidação, violação dos arts. 63º, n.º 4 LGT e 61º, n.º 2 RCPITA (procedimento inspetivo), falta de fundamentação formal das liquidações e violação do artigo 19º do Código do IVA.
Destarte, não constituindo questões supervenientes nem de conhecimento oficioso, a invocação de novos factos em sede das alegações previstas no artigo 120.º do CPPT aplicável por remissão do nº 1 do artigo 211º do CPPT, na medida em que implica alteração da causa de pedir, não é objeto de conhecimento, sob pena de ser violado pelo tribunal a quo, o princípio da estabilidade da instância consagrado no artigo 260º do CPC.

2.2.3. Do erro de julgamento de facto – conclusões 12) a 17)
O Recorrente critica que a factualidade dada como provada constante do itens 3), [no inciso “que os recebeu] 9), 25) e 26) pelo Tribunal a quo, porquanto a mesma assenta maioritariamente no Relatório da Inspeção Tributária (RIT), cujas conclusões são meros juízos pessoais do documentador e não constituem prova em juízo por si só (artigo 371º, n.º 1 Código Civil). Mais sustenta que a mera transcrição do RIT não é suficiente para fundamentar factos provados e que a AT tem o ónus de produzir prova em tribunal para corroborar as suas conclusões, especialmente quando os factos são impugnados (artigo 574º, n. º2 do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT).
Que dizer?
Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.
Preceitua o aludido normativo que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida [António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181].
Sendo que o que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do artigo 640.º do CPC [vide neste sentido acórdão do STJ de 03.03.2016, proferido no âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1. S.].
Mais importa ter presente que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.
Recuperemos o exacto teor dos itens do probatório sobre os quais recai a indignação da Recorrente:
3) Em 28-06-2010, na sequência da devolução da correspondência referida na alínea anterior, a AT remeteu ao impugnante, que os recebeu, a carta-aviso e o folheto informativo anexo, via telefax (cfr. página 3 da informação fundamentadora do despacho de indeferimento do recurso hierárquico a fls. não numeradas do PA relativo ao recurso hierárquico, fls, 95 do PA relativo à reclamação graciosa e ponto “II - 3. 5. - Diligências efectuadas” do RIT relativo ao ano de 2009 inserto no PA);
9) Os inspectores tributários «CC» e «DD» deslocaram-se às instalações da impugnante sitas no Parque Industrial ..., em ..., no dia 06-12-2010, pelas 10:00 h., tendo em vista, em cumprimento do despacho referido na alínea anterior, proceder à cópia em suporte magnético/digital dos dados processados no equipamento electrónico utilizado pela impugnante nos registos de contabilidade e de outros com ela relacionados, não tendo a diligência sido concretizada porque por volta das 11:15 h. o gerente da impugnante, «BB», se opôs a que essa recolha de elementos prosseguisse (cfr. fls. 93v. do PA relativo à reclamação graciosa);
25) Os SIT elaboraram, com data de 30-06-2011, o RIT referente ao procedimento inspectivo levado a cabo ao abrigo da ordem de serviço nº OI20......71, de cujo teor se destaca o seguinte: (....) (cfr. fls. não numeradas do PA apenso aos autos);
26) Os SIT elaboraram, com data de 01-07-2011, o RIT referente aos procedimentos inspectivos levados a cabo ao abrigo das ordens de serviço nºs OI20......14 e OI20.....15, de cujo teor se destaca o seguinte: (...) (cfr. fls. não numeradas do PA apenso aos autos);”
Vejamos.
Se bem alcançamos a posição da Recorrente, a mesma pretende a expurgação da matéria de facto de juízos pessoais do documentador do RIT, mais sustentando que a recondução do teor do RIT ao probatório é errada por o mesmo não constituir factos.
Quanto ao primeiro facto, item 3) do probatório pretende que seja eliminada a palavra que “os recebeu”. Como é consabido, a jurisprudência tem sido clara no sentido de que o relatório de envio é um meio de prova suficiente para comprovar a data do envio, bastando para tal a apresentação do mesmo pela parte a quem compete a prova, a qual se dá por concretizada desde que daquele conste a data e hora da transmissão, o número de fax do destinatário e o número de páginas enviadas. Ora, todos esses elementos fazem parte do “relatório de emissão” constante de fls. 95 verso do processo Administrativo apenso à reclamação graciosa.
Constando daquele “Relatório de Emissão” que o envio do fax para o número identificado no mesmo (que a Recorrente não põe em causa) ocorreu na data de 28.06.2010, com a menção de correcto, o que conjugado, com a factualidade que discorre do item 4) do acervo probatório, da deslocação da técnica oficial de contas da Recorrente junto da Direcção de Finanças 1... pretendendo inteirar-se acerca do tipo de acção/procedimento que iria ser desencadeado, o qual não vem impugnado, perante a falta de contraprova e de uma cabal impugnação do conteúdo daquele “Relatório de Emissão” permite concluir que o mesmo foi recpecionado / recebido pelo seu destinatário.
Face ao exposto, improcede, assim, a aludida correcção à redacção do item 3) da matéria de facto provada.
Prosseguindo.
No atinente ao item 9) entende a Recorrente que deveria estar contemplado no mesmo as razões que fundamentaram a sua oposição a que a diligência de cópia em suporte magnético/digital dos dados processados no equipamento electrónico utilizado pela impugnante nos registos de contabilidade e de outros com ela relacionados se concretizasse. Contudo para além que inexista uma menção clara de qual o teor do facto a constar na factualidade, o que, per se, obstava, desde logo, ao cumprimento dos requisitos mencionados no citado artigo 640.º do CPC, sempre se dirá que não se vislumbra a necessidade de qualquer aditamento por complementação e/ou correcção da redacção dada, desde logo, porque tal factualidade – das razões da oposição por parte do gerente da impugnante, de que não reconheceu “legitimidade” aos inspectores – pois que, conforme analisaremos em sede própria, tal factualidade não reveste relevo para a presente lide, improcedendo, assim, o aludido complemento.
No mais, insurge-se a Recorrente pela transcrição por extracto do RIT e a sua conversão em factos – 25) e 26) da matéria de facto provada.
Ainda que, mais uma vez, a Recorrente não concretize com a devida substanciação a roupagem de entre aqueles factos o que efectivamente pretende que seja eliminado por considerar que contém assunções fáticas eminentemente conclusivas e valorativas, a que acresce a não concretização de quais os exactos meios de prova que abalam o conteúdo dos mesmos e a concreta impugnação que dirigiu, o que per si determinaria o desfecho do pretendido, atentemos, enquanto tal, ao valor probatório do RIT.
Em conformidade com o disposto no artigo 76º, n.º 1 da LGT, as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei. A força probatória das informações oficiais da AT encontra-se, pois, especialmente regulada em termos em tudo idênticos aos previstos para os documentos autênticos.
Como na anotação 3 ao referido artigo referem Diogo Leite Campos e outros, «Relativamente a factos a […] força probatória [das informações oficiais] existe quanto aos afirmados como sendo praticados pela administração tributária ou com base na percepção dos seus órgãos ou agentes, ou factos determinados a partir dessa percepção com base em critérios objectivos. // No que concerne aos factos afirmados com base em juízos formulados pela administração tributária a partir dos factos materiais apurados que não sejam determinados com base em critérios objectivos não existe aquela especial força probatória, valendo as informações como elementos sujeitos à livre apreciação da entidade competente para a decisão.// É este o regime geral previsto para a força probatória dos documentos autênticos (art. 371.º, n.º 1, do CC), aqui já estendido aos factos determinados segundo critérios objectivos, e não seria congruente com a opção legislativa e ele subjacente, a atribuição de um estatuto probatório privilegiado às informações prestadas pela administração tributária, que nem sequer está funcionalmente colocada no procedimento tributário numa situação de alheamento em relação ao sentido da decisão, que é uma garantia de isenção da prestação de informações.» (cfr. Lei Geral Tributária anotada e comentada, encontro da escrita editora, 4.ª edição 2012, pág. 670 e 671; no mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, volume II, 6.ª edição, 2011, áreas Editores, pág. 261, anotação 5).
Contudo, «Para terem a força probatória referida, as informações oficiais têm de ser fundamentadas e basearem-se em critérios objectivos (…)» - cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, volume II, 6.ª edição, 2011, áreas Editores, pág. 261, anotação 11. Assim, conforme resulta do acórdão do TCAS nº 02800/08 de 13.04.2010 «2. O relatório da acção inspectiva é um documento autêntico, com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, no que concerne às circunstâncias objectivas, nele atestadas, com base na percepção directa do seu autor.». Ou seja, a veracidade das informações prestadas pela inspeção tributária (“fazem fé”), relativa aos factos objetivos (informações) que são relatados no relatório, pelo que nos parece destituída de aderência legal a tese de que o RIT é documento sem qualquer valor probatório. Pelo contrário, esse valor probatório é expressamente assumido na lei para as informações fundamentadas e baseadas em critérios objectivos.
Trata-se de uma “fé” que a lei não estende às conclusões ou ilações retiradas pelo inspector, podendo o decisor, neste caso e partindo dos mesmos factos que assumem verídicos, deduzir e concluir de diferente maneira (assim, José Maria Fernandes e outros, in "Lei Geral Tributária" anotada, Almedina, 2015, pp. 826).
Em sede jurisprudencial, o acórdão do TCAS de 13.04.2010, processo nº 02800/08, reconhece força probatória plena ao relatório, ao sumariar que 2. O relatório da acção inspectiva é um documento autêntico, com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, no que concerne às circunstâncias objectivas, nele atestadas, com base na percepção directa do seu autor.Com um alcance distinto, o acórdão de 26.06.2014, processo nº 07148/13 de 26-06-2014, refere que (i) O valor probatório do relatório de inspecção está condicionado pela aplicação do princípio do contraditório. (ii). Assim, o valor probatório do relatório da inspecção tributária só poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas.
Valem para esta situação as judiciosas palavras de Manuel de Andrade: “Se a parte a quem incumbe o ónus probandi fizer prova de per si suficiente (prova principal) o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela; que a neutralize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza (convicção negativa). Não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (convicção positiva); cfr. artigo 346.º do Código Civil” (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Ed.ª, 1979, p 207/208).
Volvendo aos argumentos da Recorrente atentemos aos artigos da petição por si indicados 64º e 65º, 77º a 81º e 114º. Desde logo se diga que para alcançar a afirmação ali contida de que “AT baseou tal alteração (dos valores declarados) em meras presunções, numa construção factual infundada e que não corresponde à realidade”, impõe que o Tribunal conheça da fundamentação expressa no RIT, enquanto acto fundamento da liquidação a impugnar. Quanto aos artigos 77º a 81º pretende com os mesmos atacar o procedimento inspectivo em sede de violação do princípio do inquisitório e da busca da verdade material, que subjazem a actividade da AT, o que também em si exige a percepção do teor do RIT. E, por último o artigo 114º da petição inicial tece uma afirmação generalizada de que não foram consideradas “facturas cujo valor do IVA e respectivo período se descriminam ...”, entramos aqui no domínio dos pressupostos de facto da não dedução do IVA, sendo que a transposição do RIT vale enquanto tal, acto praticado e o seu conteúdo.
Em suma, o relatório de inspecção tributária, quando devidamente fundamentado e desde que baseado em critérios objectivos, faz fé pública relativamente aos factos que integra (cfr. artigo 76.º, n.º 1, da LGT). Ademais, trata-se de um tipo de documento autêntico (cfr. artigo 363.º, n.º 2, do CC), com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, no que concerne aos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora. Claro está que o sujeito passivo não fica impedido de demonstrar a falsidade parcial ou total do relatório ou de demonstrar que os factos que dele constam não conduzem ao resultado (fiscal) visado pela AT.
Mas, no caso sub judice não é indicada em sede de recurso qualquer prova concreta pela Recorrente por via da qual logre eliminar e / ou aditar um qualquer facto.
E por assim ser, improcedem, na íntegra, as visadas alterações ao probatório.
2.2.4. Da violação do disposto no artigo 36º, n. º2 do RCPIT – conclusões 18 a 22
Alega a Recorrente que AT não deu cumprimento ao disposto no artigo 36º n. º3 do RCPIT e, não fundamentou a extensão do prazo de inspecção, o que fulmina de ilegalidade as liquidações realizadas na sua sequência – exercício de 2009, por irregularidade procedimental.
Atentemos ao decidido;
«Diz a impugnante que “no que concerne à acção inspectiva referente ao período tributário de 2009, com a ordem de Serviço n.º OI20......71”, “tendo o despacho sido proferido em 9 de Junho de 2010, e tendo a prorrogação sido notificada ao Impugnante apenas em 4 de Abril de 2011, resulta claro que o Sujeito Passivo ficou por debaixo do cutelo inspectivo por mais do que os seis meses que a lei permite”, sendo que a prorrogação do procedimento inspectivo “teria de ser notificada dentro dos seis meses em que se realizasse a Acção Inspectiva, e não, como aqui sucedeu, nove meses depois daquele início” (art.ºs 34º, 38º, 39º e 41º da p.i.).
Vejamos.
O art.º 36º, nº 2, do RCPIT estatui que “o procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início”.
No que diz respeito ao início do procedimento externo de inspecção, o art.º 51º, nº 2, do RCPIT, dispõe que “o sujeito passivo ou obrigado tributário ou o seu representante deve assinar a ordem de serviço indicando a data da notificação, a qual, para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de inspecção”.
Temos assim que o procedimento se inicia com a assinatura da ordem de serviço e não, como alegado pela impugnante, com a emissão da ordem de serviço.
Ora, resulta do probatório que a ordem de serviço nº OI20......71 foi assinada no dia 28-10-2010 (cfr. facto provado 6)), pelo que “tendo a prorrogação sido notificada ao Impugnante apenas em 4 de Abril de 2011resulta claro que a impugnante não ficou por debaixo do “cutelo inspectivo” por mais do que seis meses e que a prorrogação foi notificada ainda dentro do referido prazo de seis meses contados desde a notificação do início do procedimento de inspecção, o que seria o bastante para determinar a improcedência desta alegação.
Não obstante, dir-se-á ainda que, mesmo que o prazo previsto no nº 2 do art.º 36º do RCPIT não tivesse sido respeitado, e mesmo que não tivesse havido prorrogação do procedimento inspectivo, tal não determinaria, só por si, a ilegalidade das liquidações impugnadas já que, tal como tem vindo a ser reiteradamente afirmado pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, o incumprimento de tal prazo, embora releve para efeitos de caducidade do direito à liquidação, não constitui vício autónomo e invalidante das liquidações emitidas na sequência da realização do procedimento inspectivo (cfr., neste sentido, apenas a título de exemplo, o acórdão do STA de 25-02-2015, proferido no processo nº 0709/14, de cuja fundamentação se extrai o seguinte: “Esta questão já não é nova, e como bem refere o Ministério Público no seu parecer, já este Supremo Tribunal, bem como o Tribunal Constitucional, tiveram oportunidade de se pronunciar quanto à mesma, tendo-se aí concluído que a ilegal prorrogação do prazo para a realização da inspecção parcial ou univalente não sequência necessariamente, a se, a ilegalidade da liquidação mas apenas a cessação do efeito suspensivo da própria inspecção, pelo que corre, então, desde o início, o prazo de caducidade da liquidação - artigo 46.º, n.º1, da Lei Geral Tributária”).
Termos em que também este fundamento da impugnação improcede.» [destacados nossa autoria]
Estabilizada que se mostra a matéria de facto, atento o exposto, mormente a subsunção jurídica dos factos ao direito aplicável, é manifesto que não foi ultrapassado o prazo legal de 6 meses previsto para a duração típica do procedimento inspectivo, nos termos do artigo 36.º, n.º 2 do RCPIT, designadamente por ter sido notificada do fundamento de prorrogação do mesmo.
Mas será, que a prorrogação em si padece de falta de fundamentação?
Prosseguindo na transcrição em curso, atentemos que:
«A impugnante considera que “tal notificação [da prorrogação por três meses da inspecção levada a cabo a coberto da ordem de serviço nº OI20......71] viola a garantia Constitucionalmente consagrada aos administrados, no art. 268.º, n.º 3 da CRP, de fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos quando estes afectem direitos ou interesses legalmente protegidos” porquanto “nenhum motivo foi invocado para que a inspecção se viesse a prolongar por mais três meses, limitando-se a AT a proceder a tal comunicação ao sócio-gerente, sem mais(art.ºs 41º e 44º da p.i.).
Tal como resulta do ter do acórdão do STA a que supra aludimos, “a ilegal prorrogação do prazo para a realização da inspecção parcial ou univalente não sequência necessariamente, a se, a ilegalidade da liquidação mas apenas a cessação do efeito suspensivo da própria inspecção, pelo que corre, então, desde o início, o prazo de caducidade da liquidação”.
Trata-se de jurisprudência com a qual estamos de acordo e à qual aderimos sem reservas.
Assim, mesmo que se pudesse entender que o despacho de prorrogação não se encontrava suficientemente fundamentado, tal não constituiria, só por si, causa de invalidade das liquidações impugnadas, pelo que também este fundamento impugnatório improcede.»
Aderindo a supra fundamentação, a qual em momento algum é posta em causa em sede das conclusões em apreço, nada mais cumpre referir, determinando-se a improcedência do recurso neste segmento.

2.2.5. Violação do artigo 63º, n. º4 da LGT e 61º n.º 2 do RCPIT – conclusões 23 a 33
Argumenta a Recorrente da violação do artigo 63º, n.º 4 LGT (limitação de inspeções externas) e artigo 61º, n.º 2 RCPITA (notificação da ordem de serviço). Para tanto sustenta que a inspeção referente a 2009 teve a extensão do prazo não fundamentada e que a AT conduziu dois procedimentos inspectivos externos em simultâneo, tendo por objecto o mesmo imposto (IVA) e período. Além disso, uma das notas de diligência não indicou as tarefas realizadas, impedindo a fiscalização do cumprimento da lei.
Ora, o artigo 627.º, n.º 1, do CPC dispõe: “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recurso.
Quer isto dizer que o recurso constitui o principal instrumento de impugnação de decisões judiciais, permitindo a sua reapreciação por um tribunal de categoria hierarquicamente superior.
O recurso tem assim por objeto a alteração total ou parcial da decisão recorrida que pressupõe que tenha incorrido em erro de julgamento, lato sensu, no qual o recorrente deve identificar as questões decididas e que pretende ver reapreciadas para o que deve enunciar e concretizar o que de errado fez a decisão recorrida; dito de outro modo, tem de desferir um ataque concreto à sentença e evidenciar, o que na sua perspetiva fez de errado e não renovar os mesmos argumentos e/ou de modo dissimulado pretender lograr o conhecimento por este Tribunal ad quem matéria que foi em sede de omissão de pronúncia objecto de conhecimento [vide ponto 2.2.2. deste acórdão].
Por conseguinte improcede este segmento do recurso por manifesta inadequação das suas conclusões do recurso, improcedente que foi a nulidade por omissão de pronúncia por nós objecto de conhecimento, pois que as ilegalidades ora avocadas se reconduzem àquelas que expressamente não foram conhecidas pelo Tribunal a quo cujo escrutínio já foi aqui alvo de sindicância, nada mais cumpre conhecer por prejudicado.

2.2.5. Da caducidade do direito liquidação – conclusões 34 a 44
Alega a Recorrente que o critério legal para aferir da caducidade do direito à liquidação é a data de efetiva notificação ao contribuinte, conforme artigo 45º, n.º 1 LGT, argumentando que as liquidações de 2007 e 2008 não foram validamente notificadas, conforme alegado na PI. Contudo e desde logo omite a referência a quais os artigos da petição em que tal referência da falta de notificação das liquidações se mostra esgrimida, para a contra sensu indicar expressamente quais os artigos das alegações apresentadas ao abrigo do artigo 120º do CPPT. ´
É que, à semelhança do referido em 2.2.4. a caducidade do direito à liquidação espelhado na falta de notificação das mesmas, apenas foi alegado ex novo em sede de alegações pré-sentenciais, sobre os quais o Tribunal a quo não tomou conhecimento.
Pelo exposto, e dando aqui por reproduzido as considerações tecidas no ponto 2.2.4, não se toma conhecimento da alegada caducidade nos termos esgrimidos.
2.2.6. Do direito à Dedução do IVA – conclusões 45 a 70
Os actos tributários, ora impugnados, resultaram de correcções aritméticas propostas pelo Serviço de Inspecção da Direção de Finanças ..., no âmbito das acções inspectivas credenciadas nas Ordens de Serviço nºs OI20......71, OI20......14 e OI20.....15, visando os anos de 2009, 2007 e 2008.
Em suma, e para o que ora nos importa, o total do IVA adicionalmente liquidado nos montantes de €157.881,94, de €125,681,57 e de €60.249,94, com referência aos anos de respectivamente, 2007, 2008 e 2009, que corresponde a deduções não aceites em consequência de não terem sido facultados os respectivos documentos contabilísticos, leia-se, as facturas. Com efeito, perante esta falta, a AT considerou, conforme resulta do relatório de inspecção, por não ter sido possível analisar os documentos contabilísticos que originaram as deduções do imposto, por não se poderem comprovar as condições, o âmbito, a exclusão, o momento e as modalidades do exercício do direito à dedução, nos termos dos artigos 19º a 22º e 78º, todos do Código do IVA, nomeadamente pela não verificação dos requisitos exigidos no n.º2 do artigo 19º do Código do IVA e o incumprimento do estatuído no n.º1 do artigo 44º do mesmo diploma, da dedução indevida do IVA.
O que se verifica, porém, é que o sujeito passivo acabou por juntar aos autos 1631 documentos, correspondente a pretensas “facturas” que evidenciam IVA dedutível no montante total que descrimina por períodos no seu artigo 114 da petição inicial e, como ali refere, os mesmos documentos foram apresentados junto da AT que os desconsiderou. Este o cerne da questão do dissídio que cumpre apreciar.
Analisando esta questão, concretamente o direito à dedução do IVA suportado nos documentos juntos, a resposta do Tribunal a quo foi a seguinte e que aqui se deixa transcrita na parte que releva:
«Finalmente, alega a impugnante que “a A.T. não teve em conta os elementos apresentados (…) por considerar que os mesmos não era[m] idóneos”, o que não aceita na medida em que “pela analises das [DP], conjugadas com todas as facturas que aqui se juntam, facilmente se comprova que não assiste qualquer razão à A.T.” já que os “todos os documentos são idóneos de serem considerados válidos para efeitos fiscais, pois, contem a identificação do Sujeito Passivo de I.V.A, bem como todos os elementos legalmente exigidos” pelo que “impunha-se outro comportamento à A.T. (…) nunca procedendo à emissão das liquidações adicionais pela totalidade do suposto I.V.A.(art.º 109º, 113º, 121º, 122º e 123º da p.i.).
A impugnante alega, em substância, que ainda que não aceitasse a dedução de todo o IVA mencionado nas DP, a AT deveria, pelo menos, ter aceitado a dedução do IVA mencionado nos documentos apresentadas durante o decurso do procedimento inspectivo e agora juntos à petição inicial. No fundo, o que a impugnante pretende dizer é que a AT apenas poderia ter liquidado o IVA relativo à diferença entre os montantes constantes das DP e os montantes constantes das facturas apresentadas, o que, em todo o caso, apenas poderia conduzir à procedência parcial da presente acção.
Antes de tudo, cumpre dizer que a alegação de que todos os documentos são idóneos porque contêm todos os elementos legalmente exigidos é conclusiva e, como tal, insusceptível de prova.
Por outro lado, a impugnante parece ignorar que as liquidações impugnadas assentaram em dois fundamentos. De facto, em ambos os RIT se diz o seguinte: “tendo em conta toda a legislação e jurisprudência invocadas, nomeadamente pela não verificação dos requisitos exigidos no n.º 2 do art. 19º do CIVA e por incumprimento do estatuído no n.º 1 do art. 44º do mesmo diploma, o Sujeito Passivo [SCom01...] deduziu indevidamente imposto, no montante global de […], valor que, nos termos do art. 87º do CIVA, será corrigido”.
Ou seja, a AT não desconsiderou o IVA mencionado nos campos 20, 22 e 24 das DP entregues nos exercícios de 2007, 2008 e 2009 apenas por entender que os documentos apresentados não eram idóneos, mas também porque a impugnante não apresentou a sua contabilidade, apesar de lhe ter sido concedido prazo para a refazer, questão especialmente enfatizada nos segmentos do RIT relativos à audição prévia, nos quais se diz, para além do mais, o seguinte: “relevante é o facto de o Sujeito Passivo, tendo sido notificado para organizar a sua contabilidade e ainda especificamente para informar “(…) que diligências foram efectuadas no sentido de obter documentos comprovativos dessas aquisições (substitutivos dos originais), que declarou em auto de declarações em 07/12/2010 não possuir, bem como qual o resultado obtido na sequência das sobreditas diligências (…)”, nunca ter esclarecido que diligências efectuou no sentido de refazer a sua contabilidade, que resultados obteve ou que dificuldades se lhe depararam nesse percurso” e “relevante é o facto de o Sujeito Passivo, tendo sido notificado para organizar a sua contabilidade, nomeadamente “para proceder à regularização do atraso em que se encontra a sua escrita, relativamente aos exercícios de 2007 e 2008”, não o ter efectuado, nem ter dado qualquer justificação para tal” (cfr. factos provados 25) e 26)).
Ora, como já vimos, a existência de contabilidade organizada nos termos do art.º 44º do CIVA é fundamental para que a administração tributária possa levar a efeito uma fiscalização eficaz que permita analisar da conformidade dos dados e valores apurados pelo sujeito passivo e transpostos para as DP, pelo que a falta de tais registos obrigatórios legitima a consequente desconsideração do IVA deduzido pelo sujeito passivo face à impossibilidade de seguro e eficaz controle (cfr. o supracitado acórdão do TCAS de 16-03-2005, proferido no processo nº 00718/03, em que foi relatora Dulce Neto).
A isto acresce ainda que, para além dos requisitos formais previstos no art.º 19º, nº 2, do CIVA, o exercício do direito à dedução depende ainda de requisitos substanciais e temporais previstos nos art.ºs 20º e ss. do CIVA, acerca dos quais a impugnante nada disse.
Como já dissemos, numa situação como a presente, o ónus da prova quanto aos factos constitutivos do direito à dedução recai sobre o sujeito passivo, pelo que qualquer dúvida a este respeito tem que ser valorada contra a impugnante.
Ora, a impugnante nada alegou acerca de cada uma das operações tituladas pelas facturas e outros documentos que apresentou, nomeadamente não esclareceu, de forma concreta e circunstanciada, de que forma cada uma das operações se mostrava necessária à realização das operações referidas no nº 1 do art.º 20º do CIVA, pelo que não está o Tribunal em condições de apreciar se o IVA mencionado em tais documentos é, ou não, dedutível.
Em face do exposto concluímos que a mera apresentação avulsa de facturas ou outros documentos, independentemente de se tratar de cópias ou originais, nunca seria suficiente para, por si só, legitimar o exercício do direito à dedução do IVA mencionado em tais documentos.
A impugnante reitera ainda, a encerrar a petição inicial que “competia à A.T. prova cabal de que a Impugnante não apresentou Declarações Periódicas de IVA de forma correcta, prova essa que não logrou fazer(art.ºs 126º e 127º da p.i.).
Quanto a esta última alegação, reitera-se o que supra se disse a propósito do erro sobre os pressupostos, fazendo novamente notar que numa situação como a presente, em que o sujeito passivo se arroga um direito, nomeadamente o direito à dedução do IVA, é a este que incumbe demonstrar os factos constitutivos de tal direito, dado que já não se pode prevalecer das próprias declarações (in casu, as DP) como meio de prova por a presunção de veracidade de que estas beneficiavam ter cessado, pelos motivos já explicitados.» (fim de transcrição)
Vejamos, então.
Adere-se a toda a longa jurisprudência do TJUE citada nas alegações e conclusões de recurso [vide conclusões 49) a 54)] cientes do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito nacional e, bem assim, da jurisprudência do TJUE. No entanto a jurisprudência citada subjacente ao princípio da neutralidade e da proporcionalidade inerentes ao sistema de funcionamento do IVA, não é susceptível de abalar o julgado, pois a questão dos autos, firmado o julgamento sobre a verificação dos pressupostos de facto da actuação da AT ao recusar a dedução do IVA e de que o ónus da prova desse mesmo direito recai sobre o sujeito passivo o aqui Recorrente, é em torno dessa mesma prova que dissente todo o alegado.
Estamos cientes que apesar do firmado no acórdão do STA, de 12.01.11, processo nº 533/10, de que “Ao contrário das "segundas vias de facturas" em caso de extravio dos originais em virtude de circunstâncias excepcionais, as meras cópias, ainda que autenticadas, não constituem "documento em forma legal" adequado para suportar o direito à dedução do IVA nelas constante, pois que não está demonstrado que as cópias de documento sirvam o propósito de adequada fiscalização do exercício do direito à dedução, garantindo que o imposto não será deduzido por mais de uma vez”, actualmente o princípio da liberdade de apreciação da prova cede, na verdade, nos casos de prova legal, admitindo-se, no entanto, que as normas de direito comunitário e nacional que condicionam o exercício do direito à dedução a requisitos formais devem ser objeto de uma interpretação estrita, de acordo com a jurisprudência do TJUE. Sem prejuízo da prova legal, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607º do CPC.
E, apelando à jurisprudência comunitária, nomeadamente a alegada na conclusão 52), decidiu o Tribunal de Justiça Europeu (TJUE)em 31 de janeiro de 2018, no proc. n.º C-664/16 que: A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, nomeadamente os seus artigos 167.o, 168.o, 178.o, alínea a), e 179.o, bem como os princípios da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado e da proporcionalidade, devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o sujeito passivo que não pode fazer prova do montante do IVA que pagou a montante, mediante a apresentação de faturas ou de qualquer outro documento, não pode beneficiar do direito à dedução do IVA apenas com base numa estimativa resultante de uma peritagem ordenada pelo órgão jurisdicional nacional.
Tal jurisprudência, é, assim, incompatível com a possibilidade de o direito à dedução poder ser baseado em meros indícios, presunções ou outro tipo de prova indirecta, quando o sujeito passivo tiver inviabilizado a possibilidade de prova directa desses pressupostos, contrariamente ao que pretende a Recorrente fazer crer.
Ainda no mesmo processo concluíra o Advogado Geral no mesmo sentido, no n.º 85 das suas Conclusões Gerais, nos seguintes termos: ”Assim, nas circunstâncias do processo principal, o princípio da neutralidade fiscal não pode ser legitimamente invocado por um sujeito passivo que pretende pôr em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA, por não manter os registos exigidos nos termos da Diretiva IVA durante um longo período.”
Em contrapartida, o nº 1 do art.º 75º da Lei Geral Tributária garante a presunção de verdade das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita quando estiverem organizadas de acordo com as normas comerciais e fiscais, sem prejuízo dos demais requisitos exigidos para a dedutibilidade dos gastos. Este regime representa, pois, para o contribuinte evidentes vantagens de previsibilidade e segurança. No caso das faturas, o direito à dedução apenas pode não ser reconhecido em caso de indícios fundados de simulação da operação tributável ou de falta de veracidade do declarado que cabe à administração fiscal demonstrar.
Mas obviamente esse valor probatório da documentação do contribuinte depende da regularidade da sua escrita e respetiva documentação de suporte, cessando em caso de inexistência desses elementos.
E, na sentença sob recurso aí se conclui, assente num prolixo e assertivo discurso fundamentador que nos abstemos de reproduzir e que aqui damos por firmado, que “(...) do exposto conclui-se que, ao contrário do alegado pela impugnante, os factos apurados durante o decurso do procedimento inspectivo – nomeadamente a inexistência de contabilidade – constituem fundamento bastante para fazer cessar a presunção de veracidade e de boa fé de que as DP apresentadas beneficiavam”.
Está, assim, em causa exclusivamente saber se: pode a falta total de elementos contabilísticos comprovativos dos pressupostos da dedução do IVA supostamente suportado ser suprida por quaisquer outros meios de prova admitidos em direito, em especial a prova documental, mediante cópia de facturas e outros elementos, independentemente da incerteza e insegurança que ofereçam?
A Recorrente que apresentou perante AT e reapresentou em sede judicial 1631 documentos, sustenta que sim, mas a Administração Tributária não atendeu os mesmos fundamentando que “(...) Fazemos ainda notar que as fotocópias que nos foram exibidas e entregues, segundo a informação prestada, terão sido pedidas aos respectivos fornecedores, dado que as pastas que continham esses documentos teriam sido furtadas, assim, estranha-se o facto de, algumas delas, serem cópias dos originais, dado que, por regra, e nos termos do n.º 4 do art. 36º do CIVA, os originais são enviados aos clientes, arquivando o fornecedor uma cópia/duplicado e não o original./ Acresce ainda o facto de algumas das fotocópias das facturas, alegadamente solicitadas aos fornecedores e apresentadas pela [SCom01...], não terem qualquer identificação do destinatário/adquirente, nomeadamente o seu nome, identificação fiscal e morada, situação que, por si só, seria suficiente para que o IVA nelas constante não pudesse ser objecto de dedução, nos termos conjugados do n.º 2 do art. 19º e art. 36º, ambos do CIVA. (...) apenas nos são facultadas, em sede do procedimento inspectivo. meras fotocópias desses documentos, sem qualquer explicação ou justificação para que a contabilidade não seja apresentada com os lançamentos contabilísticos suportados em documentos emitidos sob a forma legal, equivalentes aos originais (dado que os documentos originais foram alegadamente furtados)./ Contudo, mesmo nesta hipótese, fica ainda por esclarecer a circunstância de algumas das fotocópias das vendas a dinheiro não terem qualquer identificação do destinatário/adquirente, nomeadamente o seu nome, identificação fiscal e morada, conforme se alude na página 9 deste relatório”.
Em suma, AT manteve a essencialidade do formalismo pela não verificação dos requisitos exigidos no n.º 2 do artigo 19º do CIVA e por incumprimento do estatuído no n.º 1 do artigo 44º do mesmo diploma, o que significa a impossibilidade de comprovação dos pressupostos do direito à dedução apesar dos documentos juntos.
A jurisprudência nacional das instâncias superiores é no sentido da essencialidade dos requisitos formais da dedução, que deve ser recusada quando a ausência desses elementos não permita um adequado controlo da aplicação do IVA. Os requisitos formais do direito à dedução são também requisitos substanciais, sendo a falta dos primeiros, quando não suprida atempadamente, fundamento da recusa da dedução [vide neste sentido acórdão de 07.11.2018, proferido no âmbito do proc. n.º 359/16, de 31.01.2008, processo n.º 902/07 e 15.04.2009, processo n.º 951/08, e acórdãos do TCA Norte de 23.04.2020, proc. n.º 0081/14.7BEPRT e de 15.04.2021, proc. 01645/09.BEBRG].
É o caso da falta de contabilidade e das faturas que a suportam.
Em síntese diga-se que, esta exigência da prova é devido ao carácter rígido e formalista do IVA, de o sujeito passivo destinatário da factura ser titular do direito de dedução correspondente, da natureza plurifásica deste imposto e da consequente necessidade de controlo eficaz, por parte da AT, relativamente às operações económicas tituladas por esses documentos, com vista a prevenir e reprimir a fraude e evasão fiscais. Se certo que tal carácter rígido e formalista do IVA se mostre atenuado pela jurisprudência do TJUE, não se mostra de todo eliminado.
No que tange ao vertido nas conclusões 56) e 57 das alegações de recurso, a existência nos autos de um despacho proferido no âmbito de processo crime por fraude fiscal, o mesmo não consta da factualidade vertida, a sua localização no âmbito dos autos não é concretizada, e mais se apresenta a eventual ocorrência de autoridade de caso julgado desprovida de contexto e sem qualquer aderência às questões suscitadas e decididas pelo Tribunal a quo. Razões pelas quais, não se conhece das mesmas.
Quanto a todo os mais alegado pela Recorrente, pretende a mesma, como já referimos, avocar a junção dos documentos para infirmar as conclusões inerentes ao julgado quando afirma que o sujeito passivo não demonstrou os factos constitutivos do direito à dedução de IVA, “dado que já não se pode prevalecer das próprias declarações (in casu, as DP) como meio de prova por a presunção de veracidade de que estas beneficiavam ter cessado” e que “a falta de tais registos obrigatórios (nt: contabilidade organizada) legitima a consequente desconsideração de IVA deduzido pelo sujeito passivo”, e “a mera apresentação avulsa de facturas ou outros documentos, independentemente de se tratar de cópias ou originais, nunca seria suficiente para, por si só, legitimar o exercício do direito à dedução de IVA”.
Cumpre que na legislação nacional, no nº 1 do art.º 44º do CIVA, uma mera irregularidade contabilística não afecta o direito à dedução, desde que a contabilidade continue a conter elementos que permitam um conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, no entanto não é esse o caso dos autos, em que a contabilidade é totalmente inexistente, e apesar da justificação de furto de toda a contabilidade inerente aos exercícios de 2007, 2008 e 2009, ocorrida já após o conhecimento da existência de procedimento inspectivo, não supre o mesmo tal falta.
Segundo o nº 50 do Acórdão TJUE, Processo C-332/15, de 28 de julho de 2016 – Astone, a luta contra a fraude, a evasão fiscal e eventuais abusos é um objetivo reconhecido e incentivado pelo sistema comum IVA e o Tribunal de Justiça declarou repetidas vezes que os particulares não se podem prevalecer fraudulenta ou abusivamente das normas do direito da União. Em especial, como prossegue o nº 56 do Acórdão, “A falta de entrega da declaração do IVA, tal como não dispor de contabilidade, que permitiriam a aplicação do IVA e a sua fiscalização pela Administração Fiscal, e a falta de registo das faturas emitidas e pagas são suscetíveis de impedir a exata cobrança do imposto e, por conseguinte, de comprometer o bom funcionamento do sistema comum do IVA. Consequentemente, o direito da União não impede os Estados-Membros de considerarem tal incumprimento como uma fraude fiscal e de, nesse caso, recusarem o direito a dedução (v., por analogia, acórdão de 7 de dezembro de 2010, R., C-285/09, EU:C:2010:742, n.os 48 e 49).”.
Deve, assim, considerar-se que, segundo esta jurisprudência, a ausência de contabilidade, tal como a falta de registo das facturas emitidas e pagas, prejudicam necessariamente um controlo efectivo do direito à dedução. Consequentemente, o direito da União não impede os Estados-Membros de equipararem tal incumprimento, incluindo a ausência de contabilidade, ao abuso ou fraude e de, nesse caso, recusarem o direito a dedução, como foi o caso da Administração Tributária portuguesa, ao liquidar o IVA objeto da presente impugnação.
E, quanto à insistência por parte da Recorrente de que logrou a prova que lhe era exigida por via da junção dos 1631 documentos, uma primeira menção se exige de que os mesmos não foram vertidos na factualidade provada e que em sede recurso nenhum ataque é preconizado neste segmento.
Uma segunda menção, é de que acompanhamos integralmente o vertido na sentença de que “a impugnante nada alegou acerca de cada uma das operações tituladas pelas facturas e outros documentos que apresentou, nomeadamente não esclareceu, de forma concreta e circunstanciada, de que forma cada uma das operações se mostrava necessária à realização das operações referidas no nº 1 do art.º 20º do CIVA, pelo que não está o Tribunal em condições de apreciar se o IVA mencionado em tais documentos é, ou não, dedutível.”.
Com efeito, é incontestado que os ónus da alegação e da prova correspondem a institutos diferentes, ainda que em espelho: àquele se refere o artigo 552.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil e a este o artigo 342.º do Código Civil. De resto, já Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil anotado, volume III, 1985, 4.ª edição, Coimbra Editora, página 271 ensinava que "o ónus da prova pressupõe um outro ónus: o da alegação".
Vem em linha com isto a afirmação de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no Código de Processo Civil, Anotado, 2017, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, volume 2.º, página 247 de que "ao juiz cabe controlar a pretensa idoneidade do documento para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova, ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus (…), razão por que o requerente deve identificar, na medida do possível, o documento e especificar os factos que com ele quer provar".
O ónus da prova e a prova não têm, portanto, vida própria, dependem, sempre, do ónus da alegação e da alegação: só faz sentido provar-se o que foi alegado.
Revertendo ao caso sub iudicio, só fazia sentido provar-se que os documentos conferem o direito à dedução se o Recorrente em sede própria tivesse identificado cada um dos documentos e de cada um deles extraísse a respectiva correspondência, pois que a prova do direito à dedução do IVA não é uma realidade abstracta mas concreta. Ora, a Recorrente limitou-se a proceder à sua junção aos autos (vide artigos 114º da petição inicial) “para os devidos e legais efeitos” e de que “Pela análise dos documentos que aqui se juntam constata-se que os mesmos tinham de ser considerados válidos...”.
Neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra, de 15.09.2015, no processo n.º 889/10.5TBFIG.C1, cujo sumário reza assim: "2. Em qualquer caso, porém, o documento tem de referir-se a facto ocorrido antes do encerramento da discussão em 1.ª instância, a facto reportado aos fundamentos da acção (ou da defesa), e devidamente introduzido na causa no respectivo articulado, no limite mediante alegação em articulado superveniente – articulado este que tem como limite temporal justamente aquele encerramento da discussão em 1.ª instância (art.ºs 588.º, n.º 1, e 611.º, n.º 1, do NCPC) –, e não a facto novo somente alegado em recurso".
E, em jeito de foice, diremos que “nada disto contradiz o direito constitucionalmente garantido aos cidadãos de acederem à justiça (art.º 20.º da Constituição da República) e, consequentemente, de produzirem em juízo as provas dos direitos ajuizados: é que, como vimos atrás, esse direito não plana por si mesmo, mas nas asas do ónus da alegação das situações de facto que consubstanciam os direitos demonstrados” [in acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.05.2020, processo n.º 13376/19.7T8LSB].

Destarte, em face de tudo o que vem sendo dito, falece in totum o presente recurso, pelo que o juízo de improcedência decretado pelo Tribunal a quo, deve manter-se.



2.3. Conclusões
I. O acto de dispensa de prova testemunhal está na esfera decisória do Juiz do Tribunal a quo que, desde logo, pondera e decide em conformidade, donde, não pode ser entendido como um acto que tem de ser realizado obrigatoriamente, donde constitua uma nulidade processual;
II. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660º nº 2 do CPC, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
III. O Impugnante deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de anulação do acto de liquidação, no seu articulado inicial, ressalvadas as questões de caráter superveniente e de conhecimento oficioso;
IV. As alegações escritas preceituadas no artigo 120.º do CPPT, destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objecto do processo, inviabilizando, nessa medida, a invocação superveniente de novos vícios nessa peça processual;
V. O relatório de inspecção tributária é um documento autêntico que, quando devidamente fundamentado e desde que baseado em critérios objectivos, faz fé pública relativamente aos factos que integra (cfr. artigo 76.º, n.º 1, da LGT), gozando de força probatória plena no que concerne aos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
VI. A prova quanto a tais factos só pode ser ilidida mediante a arguição e prova da sua falsidade (n.º 1 do artigo 372.º do Código Civil).
VII. A inexistência de contabilidade, de que dependem a aplicação do IVA e a sua fiscalização pela Administração Tributária e, bem assim, de apresentação das facturas emitidas, na medida em que impedem uma prova certa dos requisitos materiais do direito à dedução, são fundamento suficiente para a recusa desta;
VIII. Ao juiz cabe controlar a idoneidade do documento para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus e por isso o requerente deve identificar o documento e especificar os factos que com ele quer provar.

3.DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente.

Porto, 29 de maio de 2025
Irene Isabel das Neves
(Relatora)
Paulo Augusto Cardoso de Moura
(1.º Adjunto)
Graça Maria Valga Martins
(2.ª Adjunta)