Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00884/12.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/30/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Alexandra Alendouro
Descritores:RESPONSABILIDADE MÉDICA – INTERVENÇÃO CIRÚRGICA – FALTA DE CONSENTIMENTO INFORMADO – DANOS
Sumário:I - A responsabilidade civil emergente da realização de acto médico, ainda que se prove a inexistência de erro ou má prática médica segundo a lege artis, pode fundar-se na violação do dever de informação do paciente relativamente aos diagnóstico e prognóstico da doença bem como aos riscos associados à realização do acto médico, possíveis de ocorrerem segundo a arte médica e cientifica do momento, e de modo a que o paciente possa prestar um consentimento livre, consciente e esclarecido sobre a sua sujeição ao acto médico.

II – Provado nos autos que ocorreu falta de prestação de informação sobre os riscos comuns associados à cirurgia tiroideia, e assim uma omissão ilícita e culposa (faute du service), o Hospital demandado é responsável pelo pagamento de indemnização à Autora, a arbitrar segundo a equidade, e tendo em conta a culpa do agente (o seu grau de culpa) e as demais circunstâncias do caso concreto, pelo dano causado ao respectivo direito à autodeterminação ou liberdade de decisão convenientemente esclarecida – artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de Novembro, então aplicável, e artigos 494.º, 496º/1/4 e 566º n.º 3 do Código Civil.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:T.
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR DO (...), E.P.E
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO:
T., com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, acção administrativa comum contra o CENTRO HOSPITALAR DO (...), E.P.E, e E., Médico Assistente Graduado de Cirurgia Geral, também com os sinais dos autos, com vista à efectivação da responsabilidade civil extracontratual, pedindo a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de € 85.175,00, a título de danos morais e patrimoniais.
Para tanto, alegou que a intervenção cirúrgica a que foi submetida em 20/05/2004 constituiu uma violação do seu direito à integridade física e moral e, por conseguinte, geradora de responsabilidade civil a) por falta de consentimento livre, consciente e esclarecido a tal intervenção e b) por erro médico concretizado na desnecessidade da intervenção cirúrgica realizada para tratamento da doente e/ ou má execução da arte técnica cirúrgica, a apreciar de harmonia com a leges artis.
Em sede de saneamento, no que ora releva, considerou-se o médico demandado parte legítima apenas quanto à alegada “falta de consentimento livre, consciente e esclarecido do lesado”.
Foi admitida a intervenção da Seguradora A. – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., requerida pelo Réu E..
O TAF de Braga julgou parcialmente procedente a presente acção, condenando o Hospital da (...), E.P.E, no pagamento de uma indemnização no valor de € 1000,00, por ter realizado intervenção cirúrgica em 20/05/2004, sem prestar informação com vista a obter um consentimento livre, consciente e esclarecido da Autora, e absolvendo o Réu E. do pedido.
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Desta decisão vem a AUTORA interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL.
[A entidade demandada também interpôs recurso jurisdicional, o qual não admitido por despacho proferido pelo TAF a quo, com fundamento no facto da decisão impugnada não ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão (sucumbência). Desta decisão não foi interposta reclamação.]
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Em alegações de recurso, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“(…)
I) o Tribunal "a quo" considerou factos que entendeu traduzirem alguma culpa da lesada, por não ter feito prova de que se tivesse recebido mais informação teria recusado o consentimento necessário para a intervenção cirúrgica e porque entre o diagnóstico e a realização da cirurgia decorreram três meses, a Autora prestou dois consentimentos para internamento/intervenção cirúrgica, com o teor constante do ponto X) da matéria de facto julgada provada, ou seja, um consentimento genérico e inespecífico; no entanto não refletiu sobre se devia recorrer a uma segunda opinião sobre a terapêutica adequada ao seu estado de saúde e respetivos riscos.
II) A Autora entende, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, ter sido produzida prova no sentido que se tivesse recebido mais informação, teria recusado o consentimento para a intervenção em causa, o que resulta do depoimento de parte prestado em sede de audiência de julgamento:
Mandatária da Autora (31m20s): "...se a Senhora tivesse a noção, se tivesse a consciência e conhecimento dos riscos que podiam ocorrer, a Senhora tinha a possibilidade de consentir ou não consentir livre?
Autora: Sim e não tinha consentido na altura, teria continuado na minha ideia era vigiar porque atualmente já tenho outro (nódulo) na outra metade (da tiróide) e está em vigilância. (32m10s).
III) Acresce que resulta da matéria de facto provada, sob os pontos JJ), NN), UU),VV), XX), ZZ), DDD), que se transcrevem infra, os danos resultantes da cirurgia em causa, com reflexos na vida pessoal, profissional e nos atos da vida diária da Autora:
JJ. )Nessas consultas, a Autora queixou-se ao Segundo Réu dos sintomas que passou a padecer após intervenção cirúrgica, tais como:
_ dificuldade em comer alimentos sólidos e secos como arroz, bolachas, maçãs ou pão, entre outros, por engasgamento fácil;
_ dificuldade em dosear o ar que inspira e expira, principalmente enquanto fala, carrega pesos, realiza esforços;
_ dificuldade em controlar o refluxo faringolaríngeo;
_ crises frequentes de falta de ar, tosse e sensação de engasgamento – cf. declarações por parte da Autora e do Réu E..
NN.) Desde a cirurgia que a Autora apresentava queixas de dispneia de esforço (médios e grandes esforços), engasgamento fácil e episódios de laringoespasmo paroxístico – cf. declarações de parte da Autora e do Réu E., Relatório Médico da Dra. M..
UU.) Contudo, as queixas de refluxo faringo-laringeo são exacerbadas por uma laringe paralítica, tornando-se francamente mais sintomático do que o previsível numa laringe funcionante, podendo ser agravado por situações de stress – cf. Relatório Pericial de fls. 402 e ss. dos autos.
VV.) Com referência a uma escala de 1 a 10 pontos, a aspiração recorrente e/ou incompetência laríngea atinge 10 pontos – cf. de fls. 404 e ss. dos autos (relatório pericial)
XX. )Após intervenção cirúrgica, a Autora deixou de poder realizar esforços, limitando a sua acção a nível pessoal, profissional e lúdico.
ZZ.) A autora vive angustiada e ansiosa com receio de ter crises de falta de ar(dispneia) graves ou de se engasgar de um momento para o outro.
DDD.) A Autora trabalha no escritório de uma empresa, com necessidade de percorrer distâncias entre o armazém e o seu posto de trabalho durante o horário laboral, de subir e descer escadas, o que muito lhe custa após a intervenção cirúrgica em causa nos autos e já lhe causou vários episódios de falta de ar, graves, com necessidade de ser assistida pelos seus colegas de trabalho.
Ora, decorre nomeadamente do senso comum, que se a Autora tivesse conhecimento do risco de lesão do nervo laríngeo, com consequente paralisia da corda vocal direita em abdução e paralisia da hemilaringe direita, com as limitações à sua vida profissional, pessoal e lúdica não teria dado o seu consentimento para a intervenção.
IV) Pelo que, deve ser julgado provado que se "a Autora tivesse recebido informação sobre o risco de lesão do nervo laríngeo, de paralisação da hemilaringe direita e paralisação da corda vocal direita, teria recusado o consentimento para a intervenção cirúrgica".
V) Por outro lado, resulta da matéria provada sob ponto Q) que "A Autora confiou na opinião médica do Dr. E.", por ter confiado na opinião médica do segundo Réu, a Autora não procurou obter uma segunda opinião sobre a terapêutica adequada ou sobre os riscos decorrentes da cirurgia em causa.
VI) Ainda que a Autora tivesse procurado uma segunda opinião, incumbia e era obrigação do segundo Réu prestar à Autora toda a informação e esclarecimentos sobre o diagnóstico, terapêutica e riscos decorrentes da cirurgia, necessários a um consentimento informado, esclarecido e livre.
VII) O Tribunal "a quo" considerou que a Autora adoptou uma conduta passiva, concorrente para a falta de menção integral dos riscos em geral e do risco de lesão do nervo laríngeo em especial, em causa.
VIII) Em consequência, entendeu o Tribunal "a quo" que a conduta da Autora devia ditar a redução da responsabilidade dos Réus nos termos do disposto no artigo 570º do Código Civil e consequentemente da indemnização a atribuir.
IX) A Autora entende, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário que no caso em apreço não praticou qualquer facto culposo para a produção ou agravamento dos danos, pelo que foi violado o artigo 570º do Código Civil.
X) Deste modo, a Autora entende ter ocorrido erro na determinação da norma aplicável, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, por entender que não contribuiu nem concorreu para a falta do consentimento informado livre e esclarecido, não concorreu para a falta de menção integral dos riscos em geral e do risco em especial de lesão do nervo laríngeo em causa.
XI) Acresce que, não estamos perante uma situação em que ocorra falha de adesão à terapêutica aconselhada pelo médico ou incumprimento de indicações ou conselhos médicos de tratamento ou terapêutica por parte da lesada, pelo que a Autora entende que não deve ser aplicada no caso em apreço a norma prevista no artigo 570º do Código Civil.
XII) Pelo exposto, a Autora entende que ocorreu erro na determinação da norma aplicável, salvo o devido respeito por douto entendimento diverso, ao julgar o Tribunal "a quo" a existência de facto culposo praticados pela lesada concorrentes para a produção do dano, na fixação do montante da indemnização.
XIII) Por se tratarem de danos não patrimoniais que pela sua gravidade merecem a tutela do Direito, a Recorrente entende ser aplicável a norma estabelecida no artigo 496, n.º1 e nº4 do Código Civil, devendo o pedido de indemnização ser fixado com recurso à equidade.
XIV) Resulta da análise da douta Sentença recorrida, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, a ausência de fundamentação da fixação do valor indemnizatório atribuído pelo Tribunal "a quo" à Autora, apenas é referido no terceiro parágrafo da página 26 o seguinte:
"Passando ao cálculo da indemnização assente em juízos de equidade tendo em conta o acima exposto, temos - após ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio» - que a indemnização deverá corresponder ao valor de 1000,00€".
XV) O Tribunal "a quo" refere ter realizado uma "ponderação casuística da individualidade do caso concreto", no entanto não esclarece os critérios utilizados para tal ponderação, nem o modo como chegou ao valor da indemnização.
XVI) Resultou provado que após a cirurgia realizada pelo segundo Réu em 20/05/2004 a Autora ficou com os seguintes danos:
a Autora deixou de poder realizar esforços, limitando a sua ação a nível pessoal, profissional e lúdico; a Autora vive angustiada e ansiosa com receio de ter crises de falta de ar (dispneia) graves ou de se engasgar de um momento para o outro; no local de trabalho a Autora necessita de percorrer distâncias entre o armazém e o seu posto de trabalho durante o horário laboral, de subir e descer escadas, o que muito lhe custa após a intervenção cirúrgica em causa nos autos e já lhe causou vários episódios de falta de ar graves, com necessidade de ser assistida pelos seus colegas de trabalho; mais resultou provado que a Autora se queixou ao segundo Réu de dificuldade em comer alimentos sólidos e secos como arroz, bolachas, maçãs ou pão, entre outros, por engasgamento fácil; dificuldade em dosear o ar que inspira e expira, principalmente enquanto fala, carrega pesos, realiza esforços; dificuldade em controlar o refluxo faringolaríngeo; crises frequentes de falta de ar, tosse e sensação de engasgamento (alíneas JJ), XX), ZZ), DDD) constantes da matéria de facto provada.
XVII) Mais resulta da matéria julgada provada que com referência a uma escala de 1 a 10 pontos, a aspiração recorrente e/ou incompetência laríngea atinge 10 pontos, cf. fls. 404 e ss. dos autos, ou seja cf. relatório da perícia médico legal.
XVIII) O segundo Réu não esclareceu a Autora que a intervenção cirúrgica de hemitiroidectomia direita comportava risco de paralisação da corda vocal direita em abdução, de imobilidade da hemilaringe em posição paramediana, de edema da comissura posterior traduzindo refluxo faringolaríngeo e de insuficiência glótica, conforme alínea T) da matéria de facto provada.
XIX) Assim, a cirurgia realizada pelo segundo Réu é ilícita devido à falta de consentimento informado, livre e esclarecido, por violação do direito à autodeterminação, ao primado da dignidade humana e em consequência é o mesmo responsável pelos danos da intervenção não autorizada.
XX) Perfilham este entendimento, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo nº 3192/14.8TBBRG-G1, de 10/01/2019, Relator: Sr.ª Juíza Desembargadora Sandra Melo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1, de 02/06/2015, Relator: Sr.ª Juíza Conselheira Maria Clara Sottomayor; onde se refere no ponto III do Sumário: “O consentimento do paciente é um dos requisitos da licitude da atividade médica (artigos 5.º da CEDHBioMed e 3.º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) e tem que ser livre e esclarecido para gozar de eficácia: se o consentimento não existe ou é ineficaz, a atuação do médico será ilícita por violação do direito à autodeterminação e correm por sua conta todos os danos derivados da intervenção não autorizada.”
XXI) O dever de informação e o consentimento informado tem consagração legal, nomeadamente, na Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, publicada no Diário da República 1ª Série de 3/1/2001, Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (art. 3º), artºs. 25 e 26 da Constituição da República Portuguesa, artigo 70º do Código Civil, Código Deontológico da Ordem dos Médicos artigos 44º e 45º, Lei de Bases da Saúde ( Lei nº 48/99 de 24/8, alterada pela Lei nº 27/2002 de 8/11 ).
XXII) Os danos não patrimoniais supra descritos são ressarcíveis, como os incómodos, a angústia, a ansiedade, a lesão da intangibilidade pessoal e íntima da paciente, da autodeterminação e ainda a violação da liberdade em si mesma.
XXIII) O Código Civil consagra o princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil e o critério da fixação equitativa da indemnização correspondente no artigo 496, n.º3 do mesmo diploma legal.
XXIV) Os danos não patrimoniais, embora insuscetíveis de uma verdadeira reparação ou indemnização, porque não avaliáveis em dinheiro, podem ser, de algum modo compensados.
XXV) Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, neste caso a violação do direito à autodeterminação, liberdade, integridade física e psíquica, a alegria de viver e não podem ser reintegrados por equivalente.
XXVI) A compensação pelos danos sofridos, assume um significado simbólico de reconhecimento da dignidade da pessoa humana e da sua dor, pois, na verdade, estes danos são irreparáveis e nada substitui a qualidade de vida e a saúde perdidas.
XXVII) O consentimento informado do paciente, por força do primado da dignidade da pessoa humana e da sua autodeterminação, é um requisito essencial da licitude da intervenção cirúrgica.
XXVIII) O facto de a cirurgia ser medicamente indicada não é suficiente para determinar a sua licitude, exigindo-se o conhecimento do doente e o esclarecimento sobre a índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da intervenção ou tratamento.
XXIX) O Código Civil não enumera os danos não patrimoniais, confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar, no quadro das várias situações concretas, estabelece que o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo Tribunal, atendendo à Jurisprudência e a soluções de fixação de montantes indemnizatórios em situações paralelas ou similares, tendo em consideração o sentido das decisões sobre a matéria, os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras situações judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito – os padrões de indemnização que vêm sendo adoptados pela jurisprudência, nomeadamente os mais recentes, constituem também circunstância a ter em conta no quadro das decisões que façam apelo à equidade.
XXX) No caso em análise o Tribunal "a quo" atribuiu à Autora uma indemnização "simbólica", ora, a Jurisprudência tem atribuído indemnizações muito mais elevadas para situações similares/paralelas de inexistência ou ineficácia de consentimento informado, livre e esclarecido, nomeadamente as seguintes decisões: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/11/2017, Processo nº 23592/11.4T2SNT.L1.S1, Relator: Sr.ª Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/06/2015, Processo n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1, Relator: Sr.ª Juíza Conselheira Maria Clara Sottomayor; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/03/2017, Processo n.º 6669/11.3TBVNG.S1, Relator: Sr. Juiz Conselheiro Gabriel Catarino; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/01/2019, Processo n.º3192/14.8TBBRG-G1, Relator: Sr.ª Juíza Desembargadora Sandra Melo.
XXXI) Por todo o exposto, a douta Sentença recorrida padece de falta de fundamentação na determinação e fixação do montante indemnizatório face aos danos decorrentes da cirurgia realizada pelo segundo Réu, provados nos autos, perante os montantes fixados pela Jurisprudência em situações similares ou paralelas, a Autora entende, salvo o devido respeito por doutos entendimentos contrários, que o montante indemnizatório não é adequado aos danos que sofreu e ainda sofre.
XXXII) Por outro lado, consta da matéria de facto provada no ponto RR.), que "A lesão nervosa laríngea é um risco descrito na cirurgia tiroideia, cf. Relatório Pericial de fls. 402 e ss. dos autos"; consta também da matéria de facto provada sob ponto T) que "Nas consultas que tiveram lugar antes do internamento, o Segundo Réu não esclareceu a Autora de que a intervenção cirúrgica comportava risco de paralisação da corda vocal em abdução, da imobilidade da hemilaringe em posição paramediana, de edema da comissura posterior traduzindo refluxo faringolaríngeo e de insuficiência glótica - cf. declarações da Autora e do Réu E..
XXXIII) Acresce que, resulta da matéria provada sob ponto PP.) "Assim, a intervenção cirúrgica realizada a 20/05/2004 pelo segundo Réu causou à Autora as seguintes lesões: paralisia da corda vocal direita em posição paramediana, com fenda glótica posterior cf. Relatório Pericial de fls.402 e ss. dos autos".
XXXIV) A lesão nervosa laríngea constitui um risco descrito da cirurgia tiroideia, no entanto, conforme consta do primeiro parágrafo da página 25 da douta Sentença proferida pelo Tribunal "a quo", "O Médico Demandado nunca representou o dano como possível, atenta a dimensão do nódulo e sua localização, tanto mais que nunca chegou a diagnosticar a lesão provocada em virtude da cirurgia por inexistência de disfonia. Assim sendo, o Médico Demandado tem necessariamente que ser absolvido do pedido."
XXXV) Sucede que, constando da matéria de facto provada que a lesão nervosa laríngea é um risco descrito da cirurgia tiroideia, ou seja, um risco descrito em estudos médicos e na bibliografia sobre a matéria, o Segundo Réu tinha obrigação de representar o dano de lesão nervosa laríngea decorrente da cirurgia como possível, no entanto não o fez e em consequência não prestou à Autora a informação sobre o referido risco, conformando-se com esse resultado, causando danos resultantes da violação do dever de informação.
XXXVI) Não resulta dos consentimentos expressos prestados em 17/03/2004 e em 19/05/2004, por ocasião do internamento para realização de cirurgia a informação do risco de lesão nervosa laríngea, acresce que, não resultou provado a prestação de informação oral pelo Segundo Réu do referido risco, pelo que foi omitida a prestação de informação em causa.
XXXVII) Esta omissão é ilícita por violação das leges artis, porque a Autora não foi devidamente esclarecida sobre a envergadura e possíveis consequências da cirurgia em causa, em concreto do risco de lesão nervosa laríngea, paralisia da hemilaringe direita, paralisia da corda vocal direita em posição paramediana, com fenda glótica posterior.
XXXVIII) Acresce que, consta do elenco da matéria provada nos pontos II), o seguinte: "Após a intervenção cirúrgica, o Segundo Réu efectuou consultas à Autora em 02/06/2004, em 29/09/2004, em 03/12/2004, em 13/04/2005, em 26/10/2005 e em 11/10/2006" e do ponto JJ) "Nessas consultas, a Autora queixou-se ao Segundo Réu dos sintomas que passou a padecer após a intervenção cirúrgica, tais como: - dificuldade em comer alimentos sólidos e secos como arroz, bolachas, maçãs ou pão, entre outros, por engasgamento fácil; - dificuldade em dosear o ar que inspira e expira, principalmente enquanto fala, carrega pesos, realiza esforços; dificuldade em controlar o refluxo faringolaríngeo; -crises frequentes de falta de ar, tosse e sensação de engasgamento" e do ponto KK) "O Segundo Réu fez corresponder estes sintomas à ansiedade e stress".
XXXIX) Não obstante as queixas apresentadas pela Autora, o segundo Réu não as valorizou, nem aconselhou a Autora a realizar exames de diagnóstico no pós operatório, não procurou auxiliar a Autora a ultrapassar e minorar as sequelas resultantes da cirurgia realizada em 20/05/2004, o que salvo o devido respeito por douto entendimento contrário constitui a prática de um ato ilícito no pós operatório, pelo qual os Réus devem ser responsabilizados e a ter em atenção na fixação do montante a fixar em sede de indemnização.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO que Vs. Exas. melhor suprirão, requer a Vs. Exas. concedam provimento ao recurso interposto e em consequência seja decidido alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto conforme se especifica e alterar a matéria de Direito nos termos supra descritos. Decidindo deste modo, Vs. Exas. farão como sempre inteira justiça.
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A Recorrida Seguradora A. – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. contra-alegou formulando as seguintes conclusões: (…)”
1. Ao impugnar a matéria de facto, a recorrente não cumpre o ónus que lhe é imposto pelo artigo 640º do C.P.C.
2. O “facto” que a recorrente pretende ver aditado ao elenco dos factos provados é incompatível com os factos provados nas alíneas L, N, M, Q e R e o facto nº 1 não provado.
3. Por outro lado, esse “facto” não foi alegado ta quale na douta petição inicial – cfr. artigos 23º e 24º deste articulado.
4. A não submissão à cirurgia não era uma opção, já que, dada a dimensão do nódulo, a operação teria forçosamente de realizar-se.
5. Caso a cirurgia não se realizasse, haveria grave risco para a saúde da recorrente, uma vez que só a intervenção cirúrgica permitiria saber se o tumor era benigno ou maligno.
6. A conduta do segurado da ora alegante – o segundo réu E. – nenhuma censura poderá merecer, devendo ser mantida a decisão que o absolveu.
Termos em que deve o recurso ser considerado improcedente, com o que se fará a melhor e mais perfeita JUSTIÇA.”
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O Recorrido Hospital apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
“(…)
A. O presente Recurso vem interposto da douta sentença proferida nos autos à margem referenciados e que, entre vários considerandos, decidiu pela procedência parcial da presente acção administrativa comum, considerando relativamente ao ora Recorrido – único ponto merecedor de censura, a nosso ver-, a existência de uma alegada conduta passiva desta, e indemnizável em quantia de €1.000,00 (mil euros), impedindo desta forma e por critério de valor a discussão autónoma e que aqui se desenvolverá.
B. Decidindo como decidiu, na essência e pureza dos factos e com os fundamentos que a sentença recorrida reflete, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que conduz atualmente o processo não só fez uma correcta leitura e interpretação dos factos e Direito nos autos, como no essencial procedeu a uma adequada subsunção dos mesmos à(s) norma(s) jurídica(s) e ao Direito, tendo apenas entrado em manifesta colisão e contradição com o sentido e alcance do raciocínio expendido na parte em que decide por uma alegada conduta passiva do Recorrido, que manifestamente não se pode conceber ou aceitar em face das conclusões sobre culpa do lesado e em face do quadro clínico adivinhável, caso a intervenção não houvesse sido efetuada, e o tumor fosse na realidade maligno.
C. Repristinando o pedido inicial, veio a A. reivindicar o pagamento de uma quantia não inferior a € 85.175,00 nos autos, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, fundamentando-se para o efeito no instituto da responsabilidade civil extracontratual por erro médico.
D. A sentença recorrida refere e bem que “…A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem reiteradamente afirmado que um erro médico capaz de desencadear os mecanismos indemnizatórios, terá de ser aferido não em função do resultado, mas antes em função do juízo sobre a forma como os profissionais em causa agiram no caso concreto. …” (sic, página 21 e ss.)
E. Mas mais, refere expressa e lapidarmente o Mm.º julgador a quo que:“…À Autora foi diagnosticado em exame de rotina um nódulo na glândula tiróide. A Ecografia demonstrava a existência de um nódulo de 10x8 mm de diâmetro. Para estar seguro da decisão médica, o Segundo Réu solicitou exame médico complementar — uma biópsia aspitativa ecoguiada à formação nodular, da qual resultou a existência de uma formação nodular com cerca de 10mm de diâmetro na hemi-tiróide direita. Por sua vez, do exame citológico resultou a natureza da peça: compatível com tumor folicular. Nada há a apontar à indicação médica para a necessidade de cirurgia. Pelo contrário, o quadro clínico preenchia os critérios para cirurgia, ou seja, reclamava acto cirúrgico. Felizmente, o tumor folicular era benigno. Por sua vez, provou-se que a lesão nervosa laríngea é um risco descrito da cirurgia tiroideia. …” (sic, pág. 22 da sentença recorrida).
F. Venerandos Desembargadores, em face de todos estes dados e perante um quadro clínico que encerrava à data uma perspetiva de risco de vida (caso o tumor viesse a revelar-se maligno, que não veio felizmente), acaso é admissível considerar-se que a A. -Recorrente não possuía todos os dados para recusar a cirurgia?
G. De forma alguma se pode validamente considerar que a A. -Recorrente foi submetida a uma intervenção médico-cirúrgica que haja constituído uma violação do seu direito à integridade física e moral por (i) falta de consentimento livre consciente e esclarecido, (ii) por desnecessidade da intervenção cirúrgica (!) e (iii) por violação da legis artis.
H. Na realidade, não só o argumento de prescrição alegado pelo Recorrido é completamente válido porquanto resulta da petição inicial e foi confirmado pela prova produzida nos autos que a cirurgia sob análise foi executada em 20/05/2004, nas instalações da aqui 1ª Ré e que todos os danos invocados nos autos ter-se-iam verificado, imediatamente, após a realização da referida cirurgia sendo necessariamente conhecidos e são por si nessa medida alegados quando refere que após a intervenção cirúrgica a autora sofreu limitações na sua atividade laboral, fica impedida de se deslocar ao armazém, de subir e descer escadas e foi substituída por outro trabalhador na realização de determinadas tarefas (cfr. artigo 22º da douta p.i., sublinhado nosso) e que “…Em consequência da actuação do Réu na intervenção cirúrgica realizada em 20/05/2004 que causou à Autora as lesões referidas em 30º esta ficou a padecer desde então das seguintes sequelas…” (cfr. artigo 44º da p.i. e sublinhado nosso), pelo que não poderia o Mm.º juiz a quo ter decidido pela improcedência da matéria de exceção e deveria ter dado a mesma como ocorrida nos termos da contestação da 1.ª R. nos autos, de acordo com o disposto no artigo 5º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, que dispõe que o direito à indemnização por responsabilidade extracontratual do Estado, das demais pessoas colectivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes, bem como o direito de regresso, prescrevem nos termos do estabelecido no artigo 498º do Código Civil, isto é, no prazo de 3 anos, tal como o anterior artigo 71º nº 2 do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de julho.
I. Tendo sido citada nos autos para contestar a presente ação em 23/05/2012, é lapidarmente claro que há muito se encontrava prescrito o direito que a Recorrente pretende fazer valer nos presentes autos, e tal deve ser expressamente declarado pelos Venerandos Desembargadores, no uso da prerrogativa revogatória que lhes assiste, o que se requer, absolvendo o Recorrido do pedido deduzido nos presentes autos.
J. Prosseguindo, e retomando o excerto da sentença recorrida que citamos anteriormente está cabalmente demonstrado que a cirurgia nos autos era indicada, requerida e necessária, logo nunca poderia constituir uma violação do direito da Recorrente à integridade física e moral.
K. Quanto à alegada desnecessidade da intervenção cirúrgica, tal não poderia estar mais longe da verdade, porquanto da prova produzida, quer documental, quer testemunhal, não resultaram provados quaisquer factos que fundamentem essa alegada desnecessidade, bem pelo contrário.
L. Em sede de julgamento foram ouvidas diversas testemunhas sendo que dos respetivos depoimentos apenas resultou a confirmação de não ter existido qualquer violação das legis artis, nem qualquer falha, acto ou omissão culposa, ou sequer, meramente negligente, perpetrada por qualquer funcionário ou trabalhador do Recorrido e, nomeadamente pelo 2º R., reputado como um excelente profissional, responsável, zeloso, e cumpridor das suas obrigações, o que também resultou sobejamente demonstrado da prova produzida nos autos, em especial da prova testemunhal produzida.
M. Das declarações de parte deste resultou sem margem para dúvidas todo o enquadramento do atendimento prestado à utente, nomeadamente o encaminhamento através do respetivo médico de família para a consulta do 2º Réu, e com a indicação de realização de cirurgia a um nódulo da hemitiroideia direita; a biópsia prévia e a conclusão por existência de tumor folicular - patologia que não pode ser diagnosticada completamente sem ser em sede cirúrgica -, logo sempre necessária, neste caso concreto, para emissão de diagnóstico, e classificada como indispensável (logo, não optativa, porque o cenário clínico à data podia ser de risco de vida).
N. Apenas com a cirurgia podia ser diagnosticado se o referido tumor folicular era benigno ou maligno, pois é necessário proceder a um exame histológico, o que só se consegue através da cirurgia, sendo indispensável para alcançar um diagnóstico quanto ao estado de saúde da aqui Recorrente, e designadamente quanto à malignidade ou não do referido tumor folicular, a realização da cirurgia, sob pena de grave risco para a sua saúde e mesmo para a sua vida, no caso eventual de malignidade do referido tumor.
O. Não podem decidir os Venerandos Desembargadores validamente e em consciência senão pela manifesta necessidade da realização da cirurgia e, em consequência, que os RR. não poderiam ter atuado doutra forma na defesa da saúde e da vida da Recorrente e no cumprimento rigoroso das legis artis, que não fosse com a realização da cirurgia efectivamente realizada.
P. Não resultou, pois, provada qualquer desnecessidade da realização da cirurgia, mas antes que a mesma foi fundamental e indispensável ao diagnóstico do estado de saúde da Recorrente.
Q. Sobre a falta de consentimento livre, consciente e esclarecido, relativamente à realização da cirurgia sob análise, também relativamente a esta questão não pode resultar qualquer dúvida, nem da prova documental junta aos autos, nem da prova testemunhal produzida, que o mesmo foi devidamente prestado e é do conhecimento público e notório que a informação podia ser obtida pela própria Recorrente, bastando para o efeito digitar “risco cirurgia a um nódulo da hemitiroide” num qualquer motor de busca.
R. Mas mais: mostra-se junto aos autos não apenas um consentimento de internamento, tratamento e operação subscrito pela Autora, mas até dois, mais concretamente os documentos datados de 17/03/2004 e 10/05/2004 e juntos aos autos em sede de contestação integrando o processo clínico da Recorrente, o que necessariamente deve afastar qualquer espectro de conduta passiva desta e conduzir à necessária e integral absolvição do Recorrido!
S. Recorde-se que na primeira data agendada para a cirurgia verificou-se que a Recorrente não poderia ser sujeita à mesma por razões da saúde, pois encontrava-se constipada (cfr. resulta das notas de enfermagem juntas com a contestação e das declarações de parte do 2º Réu), pelo que - não obstante já ter sido a Recorrente devidamente informada relativamente à necessidade e fundamentos da cirurgia e às suas eventuais complicações, riscos e efeitos secundários, e também quanto aos riscos que poderia correr caso não fosse submetida a qualquer cirurgia, e já ter, em consequência, subscrito o referido consentimento de internamento, tratamento e operação -, foi a cirurgia adiada em 17/03/2004, tendo-se designado nova data para o efeito.
T. Na nova data, o 2.º Réu informou também a Recorrente que enquanto não fosse realizada a cirurgia não poderia ser feito um diagnóstico certo e fiável e que, portanto, a mesma poderia estar a desenvolver um tumor cancerígeno e ainda que se o tumor fosse maligno estaria a correr risco de vida, tendo alertado ainda que uma cirurgia deste género apresenta riscos, designadamente riscos de lesão das cordas vocais e nervos associados, não obstante, os referidos se encontrem publicamente disponíveis e de fácil obtenção.
U. Só assim se pode compreender que a Recorrente haja aceite a proposta de cirurgia cuja recomendação vinha já efetuada desde o médico de família e que era uma sua vontade demonstrada, desde logo, na primeira consulta que realizou (no médico de família e com o 2º Réu), conforme resulta dos autos e do respetivo processo clínico, pelo que mal andou a sentença apenas nesta secção.
V. Seguidamente, acresce ainda que na nova data agendada para o ato cirúrgico foi novamente a Recorrente devidamente esclarecida conforme resultou provado nos autos e, também novamente, subscreveu um referido consentimento de internamento, tratamento e operação, tudo conforme resulta do consentimento datado de 19/05/2004 e junto aos autos com a contestação, bem como das declarações de parte do 2º Réu e do depoimento das testemunhas C., R. e J.!
W. Venerandos Desembargadores, sejamos absoluta e lapidarmente honestos: perante um cenário clínico potencialmente life threatning, em que a Recorrente (i) vinha com recomendação cirúrgica, (ii) prestou o seu consentimento para a cirurgia duas vezes, e (iii) sem alguma vez ter questionar os médicos ou enfermeiros sobre qualquer dúvida ou aspecto que cuidasse ter melhor esclarecido, como considerar qualquer conduta passiva do Recorrido?
X. Recorde-se que a testemunha C. - a realizar estágio de enfermagem no 1.º R./Recorrido e que esteve presente na realização dos atos pré-operatórios no segundo internamento da utente, tendo realizado a história clínica de enfermagem e redigido as notas de enfermagem conforme resulta do processo clínico junto aos autos com a contestação depôs que a Recorrente foi devidamente esclarecida relativamente à necessidade e fundamentos da cirurgia e às suas eventuais complicações, riscos e efeitos secundários, e também quanto aos riscos que poderia correr caso não fosse submetida a qualquer cirurgia. Mais tendo esclarecido que todos os registos e documentos constantes dos autos são verdadeiros e descrevem na íntegra o que aconteceu nas datas nos mesmos consignadas!
Y. Acresce que a testemunha J., cirurgião que à data se encontrava a prestar serviço no Hospital de (...) atestou estes factos e ainda que operava com o 2º Réu, como sucedeu no caso concreto da Recorrente, sendo que a cirurgia decorreu sem quaisquer intercorrências, tudo contribuindo para a necessária conclusão que o consentimento informado e esclarecido foi validamente colhido e exercido, devendo revogar-se a sentença nesta parte absolvendo o Recorrido do pedido.
Z. É a Recorrente que insiste com o médico pela realização da cirurgia em apreço, pelo que nenhum fundamento tem a sentença recorrida ao concluir pela alegada verificação de conduta passiva do Recorrido, ao contrário das restantes conclusões que pugnam pela sua absolvição.
AA. A Recorrente esteve sempre plenamente ciente da necessidade da cirurgia e da sua urgência, como também dos benefícios (e não poderia deixar de ser, riscos) associados, tendo sido esclarecida devidamente e de acordo com o que entendeu adicionalmente solicitar.
BB. Finalmente, refira-se que não obstante a sentença recorrida haja concluído que “…Existe nexo de causalidade entre a paralisia da hemilaringe direita e a hemitiroidectomia direita. Porém, não se provou em juízo qualquer deficiente e/ou malformada técnica médico cirúrgica. Não se provou qualquer imperícia na arte da técnica cirúrgica. …” (sublinhado e destaques nossos).
CC. Mesmo assim sendo, Venerandos Desembargadores, com o devido respeito, outra conclusão não pode ser retirada senão a da absolvição integral dos RR. do pedido, o que desde já se requer.
DD. Quanto ao nexo de causalidade na matéria dada como provada nos autos, foi demonstrado que quando se secciona o nervo recorrente tal facto teria consequências imediatas, designadamente ficando a utente rouca ou com dificuldades em falar, o que não sucedeu no caso da Recorrente, que não apresentava alterações no tom de voz, nem na função respiratória, após a cirurgia e igualmente no dia 22/05/2004 (dois dias após a cirurgia), afastando-se o mesmo.
EE. As eventuais lesões causadas não são definitivas, pois a utente recuperou totalmente a voz e a função respiratória, uma vez que a corda vocal não atingida reage, “compensando” os danos da outra corda vocal, sendo demonstrado e resultando da literatura e dos estudos nesta área da medicina, que se após uma ano depois da cirurgia se mantiver a disfonia, tal não resulta de qualquer intercorrência cirúrgica, antes sendo apelidado como uma “crise disfónica de histeria”, em consonância com as alegações de refluxo faringo-laríngeo, demonstrado à saciedade até em relatório pericial que tal sintoma não é sequer passível de ser consequência da cirurgia nos autos.
FF. Dúvidas não podem, pois, restar relativamente à verificação de qualquer violação das legis artis que pudesse sustentar o pedido deduzido pela Recorrente nos presentes autos e em sede de recurso, antes cumprindo que os Venerandos Desembargadores restabeleçam a Justiça e a cabal correcção da decisão recorrida, absolvendo integralmente o Recorrido do pedido, uma vez que a atuação dos RR. conforme resultou da prova produzida nos autos e da matéria dada como provada não integrou qualquer conduta passível de preencher os pressupostos de responsabilidade civil extracontratual, ou de produzir os danos nos autos.
Nestes Termos, e nos demais de Direito que os Venerandos Desembargadores doutamente suprirão, se requer seja negado provimento ao presente recurso e consideradas as presentes contra-alegações, seja revogada a douta sentença recorrida na parte em que condena o Recorrido, substituindo-se por outra que decida pela integral absolvição dos RR. do pedido, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!”.
*
O Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 146.º do CPTA, não tendo emitido parecer.
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II – QUESTÕES DECIDENDAS:
Nos limites das conclusões das alegações do recurso – cfr. artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 639.º do CPC, ex vi artigos 1.º do CPTA – cabe apreciar e decidir se a sentença incorreu nos alegados erros de julgamento de facto e de direito.
Sublinhando-se que não se apreciará o pedido de revogação da sentença formulado nas contra-alegações de recurso pelo Recorrido Hospital, uma vez que como se referiu no supra no Relatório, o recurso jurisdicional interposto pelo ora Recorrido Hospital não foi admitido por despacho proferido pelo TAF a quo, com fundamento no facto de a decisão impugnada não ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão, o qual transitou em julgado.
Não podendo o ora Recorrido contornar a irrecorribilidade da sentença, utilizando as contra-alegações para solicitar a revogação da mesma, nos moldes em que o fez.
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III – FUNDAMENTAÇÃO:
1/DE FACTO
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1.1. O TAF de Braga fixou a factualidade provada e não provada (e respectiva motivação) nos seguintes termos:
“(…)
FACTOS PROVADOS
A. O Centro Hospitalar do (...), E.P.E. pertence ao que se designa Serviço Nacional de Saúde e resultou da fusão do Hospital de São (...) com o Hospital da Senhora (...) E.P.E., efectuada através do Decreto-Lei n.º 50-A/2007 de 28 de Fevereiro – por acordo.
B. O Segundo Réu exerce as funções de médico assistente graduado de cirurgia geral ao serviço do Primeiro Réu – por acordo.
C. O Segundo Réu – E. – transferiu a sua responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros no exercício da sua profissão para a Seguradora A. – cf. Apólice PT/008407124500/00000.
D. Por ter acusado alguns episódios de cansaço, a Autora foi aconselhada a apurar se padecia de alguma doença relacionada com a tiroide – por confissão.
E. A Autora foi encaminhada para os Serviços do Hospital de São (...), pelo seu médico de família, Dr. J. por lhe ter sido diagnosticado em exame de rotina um nódulo na glândula tiróide – por acordo.
F. Este diagnóstico havia sido efectuado pelo médico assistente da Autora em função de uma ecografia que demonstrava a existência de um nódulo de 10x8 mm de diâmetro – cf. Relatório Pericial de fls. 359 e ss. dos autos,
G. A Autora foi admitida na consulta de cirurgia do primeiro Réu em 03/12/2003 – por acordo.
H. Como meio auxiliar de diagnóstico, o Segundo Réu solicitou a realização de uma biópsia aspirativa ecoguiada à formação nodular localizada na hemitiroide direita da Autora no decorrer do mês de Janeiro de 2004 – por acordo.
I. A Autora efectuou a biópsia aspirativa ecoguiada prescrita pelo Segundo Réu no “Centro de Imagiologia (…), Lda.” – por acordo.
J. No referido exame, constatou-se que a Autora padecia de uma formação nodular com cerca de 10mm de diâmetro na hemi-tiróide direita, tendo os produtos obtidos na biópsia aspirativa ecoguiada seguido para estudo citopatológico – por acordo.
K. Extrai-se do exame citológico: “Natureza da peça: Punção biópsia aspirativa guiada para nódulo de 10 mm de diâmetro, da hemitireoide direita. Relatório: o exame citológico das lâminas enviadas mostra esfregaços com sangue e cédulas epiteliais tireoideias com formação de folículos, compatível com tumor folicular. Conclusão: Quadro citológico compatível com tumor folicular.” – cf. Relatório Pericial de fls. 363 e ss. dos autos.
L. O tumor folicular é uma patologia que não pode ser diagnosticada completamente sem ser em sede cirúrgica – cf. depoimento do Médico E..
M. Só com a cirurgia é possível aferir se o referido tumor folicular é benigno ou maligno - cf. depoimento do Médico E..
N. Em Fevereiro de 2004, em Consulta Externa de Cirurgia Geral do Hospital de (...), o Réu F. transmitiu à Autora que tinha um tumor na tiróide e que, atentos os resultados dos exames, aconselhava cirurgia, tão rápido quanto possível – cf. Relatório Pericial de fls. 363 e ss. dos autos; por confissão.
O. O Segundo Réu não consultou um colega endocrinologista, ou recorreu a acompanhamento multidisciplinar – por acordo.
P. O Segundo Réu não aconselhou a Autora a efectuar uma consulta com um médico especialista da tiróide – por acordo.
Q. A Autora confiou na opinião médica do Dr. E. – por confissão.
R. A Autora fez corresponder tumor a cancro e sempre exteriorizou vontade em ser operada – por confissão; cf. declarações das partes.
S. À data da intervenção cirúrgica, a Autora, apesar de contar com 29 anos, exteriorizava sintoma de cansaço – cf. declarações prestadas pela Autora;
T. Nas consultas que tiveram lugar antes do internamento, o Segundo Réu não esclareceu a Autora de que a intervenção cirúrgica comportava risco de paralisação da corda vocal em abdução, de imobilidade da hemilaringe em posição paramediana, de edema da comissura posterior traduzindo refluxo faringolaríngeo e de insuficiência glótica – cf. declarações da Autora e do Réu E..
U. Em 17/3/2004, por ocasião de internamento, a Autora prestou consentimento para tratamento e operação – cf. de fls. 106 e ss. dos autos; cf. depoimento das Testemunhas C., M..
V. Porém, a Autora encontrava-se constipada, razão que levou ao adiamento do acto cirúrgico – cf. de fls. 114 e ss. dos autos.
W. Em 19/5/2004, a Autora volta ao Hospital Demandado para ser internada e presta novo consentimento para tratamento e operação – cf. de fls. 117 e ss. dos autos; cf. depoimento das Testemunhas C., M..
X. Os consentimentos prestados tinham o seguinte teor:

Eu abaixo assinado(a), declaro que aceito ser internado(a) de livre vontade e sou solidário(a) com todas e quaisquer decisões quer médicas quer cirúrgicas, que os médicos considerem necessárias para o meu interesse e tratamento.
Aceito a administração de anestesia local ou geral conforme for considerado necessário, assim como a de todos os actos médicos, medicamentosos e de diagnóstico que tiverem por fim o diagnóstico e tratamento adequados.
Aceito de livre vontade todas as normas vigentes e comuns aos regulamentos hospitalares.

Y. - cf. de fls. 106 e 117 dos autos; cf. depoimento das Testemunhas C., M..
Z. A Autora é, assim, internada com diagnóstico pré-operatório: tumor folicular do lobo direito da tiróide – cf. Relatório Pericial de fls. 363 e ss. dos autos.
AA. Em 20/05/2004, a operação realizou-se, a saber: hemitiroidectomia D. Redy-vac – cf. Relatório Pericial de fls. 363 e ss. dos autos.
BB. Com efeito, a Autora submeteu-se à intervenção cirúrgica denominada hemitiroidectomia direita em 20/05/2004 nas instalações da Unidade de (...) do Centro Hospitalar do (...), E.P.E., à data da cirurgia denominado Hospital de São José- (...) – por acordo.
CC. A intervenção cirúrgica efectuada em 20/05/2004 foi realizada com anestesia geral – por acordo.
DD. Em 22/05/2004, tem alta clínica – cf. Relatório Pericial de fls. 363 e ss. dos autos.
EE. Decorreram, aproximadamente, três meses entre a consulta médica da qual resultou informação sobre a necessidade de se submeter a uma cirurgia e a realização dessa mesma cirurgia – por confissão.
FF. Extrai-se do Relatório de exame histológico, datado de 26/05/2004, a natureza da peça/produto: lobo direito da glândula tireóide, com a seguinte descrição macroscópia: retalho de tecido tireoideu de 16g, compreendendo lobo direito, no qual se identifica formação nodular de 0,8 cm de diâmetro, com áreas esbranquiçadas e outras vítreas. Não se identificam glândulas paratireóides na peça cirúrgica. Descrição Histológica: o exame histórico mostra Nódulo de Bócio Colóide. Diagnostico: Nódulo de bócio colóide. Não se observam sinais de malignidade.”
GG. A hemitiroidectomia direita consiste na remoção de metade da glândula tiróide, correspondente à remoção dos lobos superior e inferior direitos – por acordo.
HH. Os nódulos únicos com menos de 10mm (1cm) não têm importância clínica necessitando apenas de controlo anual conforme folheto de informação ao doente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo – por acordo.

MAIS FICOU PROVADO:

II. Após a intervenção cirúrgica, o Segundo Réu efectuou consultas à Autora em 02/06/2004, em 29/09/2004, em 03/12/2004, em 13/04/2005, em 26/10/2005 e finalmente em 11/10/2006 - cf. documento de fls. 29 dos autos.
JJ. Nessas consultas, a Autora queixou-se ao Segundo Réu dos sintomas que passou a padecer após intervenção cirúrgica, tais como:
_ dificuldade em comer alimentos sólidos e secos como arroz, bolachas, maçãs ou pão, entre outros, por engasgamento fácil; limitações alimentares
_ dificuldade em dosear o ar que inspira e expira, principalmente enquanto fala, carrega pesos, realiza esforços; limitações respiratórias
_ dificuldade em controlar o refluxo faringolaríngeo;
_ crises frequentes de falta de ar, tosse e sensação de engasgamento – cf. declarações por parte da Autora e do Réu E..
KK. O Segundo Réu fez corresponder estes sintomas à ansiedade e stress – cf. declarações de parte da Autora e do Réu E..
LL. Em 2008, a Autora realiza TC da laringe, do qual resultou Relatório com seguinte teor:
Relatório Clínico do Dr. E. (CHAA-Unidade de (...), 10-03-2011):
“Inscrita na consulta de cirurgia desde o dia 03/12/2003 por nódulo da Tiroide. Efectuou CBA com o diagnóstico histológico de “Tumor Folicular” pelo que foi proposta para cirurgia tendo efectuado em 20-05-2004 Hemitiroidectomia direita. Exame histológico da peça – Nódulo Colóide. O pós-operatório decorreu sem complicações. Foi seguida na consulta externa até 26/10/2005 sem incidentes ou intercorrências assinaláveis. Desde essa data deixou de comparecer a consultas.”…
Relatório de TC da laringe (Dr. Carlos Pina Vaz, 12-01-2008): “Não se detectam alterações do contorno da oro-faringe. Valéculas e epiglote com aspecto normal. Assimetria dos seios piriformes, verificando-se uma distensão do seio piriforme direito sem correspondente à esquerda. Medialização da cartilagem aritenóide havendo um certo espessamento à esquerda. Medialização da cartilagem aritnóide havendo um certo espessamento da prega ari-epiglótica direita. As cordas vocais têm aspecto simétrico e com e com normal densidade. Normalidade da gordura do espaço para-laríngeo. No andar infra-glótico não detectamos alterações, apresentando a traqueia calibre normal e normal morfologia da sua secção transversal. Nas reconstruções efectuadas no plano sagital e coronal, constata-se alteração da topografia da cartilagem aritenóide e da prega ari-epiglótica direita, sem outras alterações valorizáveis. Efectuou-se ainda alguns “scans” durante a realização da manobra de Valsalva para distensão dos seios piriformes, tendo-se também nesta fase constatado uma assimetria destes e medialização da banda ari-epiglótica direita e respectiva cartilagem aritenóide, sem outras alterações relevantes…”….
- cf. de fls. 364 e 365 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
MM. O Dr. J. observou a Autora no consultório em 27/11/2009 por motivo de ter crises frequentes de dispeneia aguda, informando a Autora de que o exame da laringe por laringoscopia (fibroscopia) revelou a existência de uma paralisia da corda vocal direita em abdução, compatível com as queixas apresentadas pela paciente, com antecedentes de tiroidectomia parcial.
NN. Desde a cirurgia que a Autora apresentava queixas de dispneia de esforço (médios e grandes esforços), engasgamento fácil e episódios de laringoespasmo paroxístico – cf. declarações de parte da Autora e do Réu E., Relatório Médico da Dra. M..
OO. Em Setembro de 2010, a Autora apresentava o seguinte quadro clínico:
Relatório médico da Dra. M. (02-09-2010): “observei a paciente supracitada que apresentava uma história de hemitiroiectomia direita há 6 anos, desde então com queixas de dispneia de esforço (médios e grandes esforços), engasgamento fácil e episódios de laringoespasmos paroxístico. Avaliação Perceptivo-Auditiva: Voz com parâmetros de intensidade, timbre e frequência dentro da normalidade. TMF: normal. Ressonância: adequada. Sinais de tensão muscular cervical em fonação: ligeiros. Avaliação videolaringoestroboscópica: Efectuou avaliação endoscópica com endoscópio rígido, sob luz continua e estroboscópica. Observou-se uma imobilidade da hemilaringe direita em posição paramediana com moderado prolapso antero-medial da aritnóide ipsilateral mas sem sinais de atrofia. Boa compensação contralateral com fenda glótica posterior ligeira. Edema da comissura posterior traduzindo refluxo faringolaríngeo. Com a luz estroboscópica a vibração era simétrica em amplitude e a onda mucosa preservada. Foi medida com IBP. A ponderar cirurgia de medialização para controlo da aspiração e redução da dispneia de esforço que possivelmente traduz insuficiência glótica.”
- cf. de fls. 364 – verso dos autos.
PP. Assim, a intervenção cirúrgica realizada a 20/05/2004 pelo Segundo Réu causou à Autora as seguintes lesões: paralisia da corda vocal direita em posição paramediana, com fenda glótica posterior – cf. Relatório Pericial de fls. 402 e ss. dos autos.
QQ. Estas lesões têm caracter permanente, sem prejuízo de melhorar com cirurgia de medialização – cf. Relatório Médico de Dra. M.; esclarecimentos prestados pela Senhora Perita.
RR. A lesão nervosa laríngea é um risco descrito na cirurgia tiroideia – cf. Relatório Pericial de fls. 402 e ss. dos autos.
SS. A lesão ocorrida por ocasião da intervenção cirúrgica não foi imediatamente detectada face à inexistência de disfonia, que é o sinal de alarme mais evidente da lesão da inervação laríngea, face ao tom de voz normal e boa compensação da hemilaringe contra-lateral – cf. Relatório Pericial de fls. 402 e ss. dos autos.
TT.O refluxo faringo-laríngeo não é consequência directa da cirurgia – cf. Relatório Pericial de fls. 402 e ss. dos autos.
UU. Contudo, as queixas de refluxo faringo-laringeo são exacerbadas por uma laringe paralítica, tornando-se francamente mais sintomático do que o previsível numa laringe funcionante, podendo ser agravado por situações de stress – cf. Relatório Pericial de fls. 402 e ss. dos autos.
VV. Com referência a uma escala de 1 a 10 pontos, a aspiração recorrente e/ou incompetência laríngea atinge 10 pontos – cf. de fls. 404 e ss. dos autos.
WW. Desde o ano de 2010, a Autora foi acompanhada pelo Dr. A., médico especialista em otorrinolaringologista que lhe recomendou consultar a colega Dr. M., também otorrinolaringologista, e efectuou várias sessões de terapia da fala na unidade de Guimarães do Centro Hospitalar do (...), E.P.E. – cf. declarações prestadas pela Autora; cf. documento de fls. 32 dos autos.
XX. Após intervenção cirúrgica, a Autora deixou de poder realizar esforços, limitando a sua acção a nível pessoal, profissional e lúdico – cf. declarações prestadas pela Autora, esclarecimentos Prestados pela Senhora Perita, depoimentos das Testemunhas C., M., M., P..
YY. Sem prejuízo do acima referido, a Autora pratica ioga há cinco anos e pilates há três meses – cf. depoimento de M..
ZZ. A autora vive angustiada e ansiosa com receio de ter crises de falta de ar (dispneia) graves ou de se engasgar de um momento para o outro – cf. declarações prestadas pela Autora, depoimentos das Testemunhas M., M..
AAA. Para o apuramento das razões que justificavam as queixas apresentadas, a Autora despendeu a quantia de 175,00€ nas seguintes consultas e exames médicos:
1. consulta de otorrinolaringologia com a Dr.ª E..........60,00 €;
2. consulta de otorrinolaringologia com o Dr. J.… 60,00 €;
3. exame de estroboscopia realizado na F.- Clínica de otorrinolaringologia, Lda............................55,00 €.
- cf. documentos de fls. 40 a 42 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
MAIS FICOU PROVADO:
BBB. Quando foi contratada pela Casa Agrícola do (...), em 2008, empresa para a qual ainda trabalha, a Autora informou que tinha dificuldades respiratórias e que não podia andar percursos a pé e/ou carregar objectos pesados – por confissão.
CCC. A autora continuou a trabalhar para a mesma entidade patronal após a intervenção de hemitiroidectomia direita – cf. depoimento da Testemunha P..
DDD. A Autora trabalha no escritório de uma empresa, com necessidade de percorrer distâncias entre o armazém e o seu posto de trabalho durante o horário laboral, de subir e descer escadas, o que muito lhe custa após a intervenção cirúrgica em causa nos autos e já lhe causou vários episódios de falta de ar, graves, com necessidade de ser assistida pelos seus colegas de trabalho – cf. depoimento da Testemunha P..
NÃO PROVADO:
1. Considerando os resultados dos exames clínicos obtidos antes da cirurgia, a Autora poderia apenas ser submetida a vigilância e se necessário ser-lhe ministrada a terapêutica adequada, ao invés de ser submetida a uma intervenção cirúrgica invasiva.
*
A decisão da matéria de facto resultou da ponderação global e conjugada de toda prova produzida em juízo - documental/testemunhal e pericial - observados que foram os princípios do contraditório e da imediação.
Cumpre destacar que a convicção do julgador fundou-se numa certeza histórico-empírica de alto grau de probabilidade, em resultado do êxito das diligências instrutórias realizadas, tendo sido concatenada cuidadosamente toda a prova produzida.
Igualmente importa destacar que o papel relevante que teve a perícia na actividade de avaliação dos factos relevantes, por ter sido realizada por quem possui especiais conhecimentos científicos, tendo esclarecido o Tribunal de forma isenta, objectiva, conscienciosa, através de respostas alicerçadas em exames médicos que traduziam os pressupostos reais.
É certo que o Relatório Pericial já havia respondido de forma clara e objectiva às questões relevantes para a boa decisão da causa, mas os esclarecimentos prestados em juízo pela Senhora Perita contribuíram para uma melhor apreciação da prova testemunhal, que – do mesmo passo – se debruçou maioritariamente sobre factos que exigem especiais conhecimentos científicos.
Ou seja, as declarações da Senhora Perita em juízo contribuíram para apreciação dos exames efectuados à Autora, para entender o diagnóstico médico realizado pelo Segundo Réu e, bem assim, para identificar as razões que sustentaram a intervenção cirúrgica. O Tribunal valorou positivamente as declarações prestadas pela Autora, que foram sinceras, pese embora se ter detectado algum exagero na descrição dos danos, mas compreensível atento o seu interesse, de resto, natural e obvio, no desfecho da causa.
O crivo do Relatório Pericial permitiu ao Tribunal separar com clareza as queixas da Autora que deveriam merecer credibilidade e que surgiram em virtude da cirurgia.
O Tribunal usou do mesmo crivo para apreciar as declarações prestadas pelo Réu E., igualmente sinceras, sem prejuízo de traduzirem a visão do Réu sobre a realidade. Foi sincero quando comentou em Tribunal que – quando analisou a Ecografia (3/12/2003) - teve dúvidas sobre a necessidade de cirurgia, razão pela qual solicitou exame médico complementar ao nódulo – biopsia (27/01/2004). O resultado da biopsia “tumor folicular” traduz uma patologia incerta, razão que levou o Segundo Réu a indicar a cirurgia. Todos os Médicos que testemunharam foram inequívocos ao afirmar que, em casos como o dos autos, só a cirurgia permite esclarecer se o tumor folicular é benigno ou maligno.
A Testemunha Dr. E., com Especialidade de Análise de Órgãos e Tecidos prestou um depoimento isento, preciso e esclarecedor, tendo subscrito integralmente a opinião do Segundo Réu quando indicou a doente para a cirurgia, baseando a sua posição no exame junto à contestação – de fls. 96 dos autos – que indica a existência de um nódulo único com suspeitas.
Por sua vez, a Testemunha Dr. J., Médico-cirurgião, prestou um depoimento igualmente esclarecedor, demonstrando profundos conhecimentos da Medicina, sem qualquer contradição com os esclarecimentos que haviam sido prestados pela Senhora Perita em juízo, dando força, assim, à prova pericial.
A partir da concatenação das declarações de parte e dos esclarecimentos prestados pela Senhora Perita, o Tribunal ficou seguro que a Autora confiou na opinião médica quanto à necessidade de ser operada, indo, aliás, ao encontro da vontade da Autora expressa desde a primeira consulta com o Médico Demandado.
Mais ficou seguro que o Médico Demandado e a Autora não aprofundaram os riscos da cirurgia, em particular, o risco de paralisia das cordas vocais, descrito na cirurgia tiroideia.
E bem assim que Réu nunca chegou a diagnosticar a lesão aqui em discussão, provocada em virtude da cirurgia por inexistência de disfonia. O Réu inclusivamente não admitiu em juízo o nexo de causalidade entre a cirurgia e a paralisia da corda vocal direita, que o Tribunal julga existir atenta a credibilidade que deu à prova produzida em juízo. Com efeito, a partir da triangulação de toda a prova produzida – esclarecimentos prestados pela Senhora Perita M., Declarações prestadas pelo Réu F. e as Testemunhas E. e J., todos Médicos com especialidades em Medicina Legal, Cirurgia Geral, Análise de órgãos e Tecidos – o Tribunal ficou convencido da existência de nexo de causalidade entre a cirurgia e a paralisia da corda vocal direita em posição paramediana, com fenda glótica posterior, lesões estas que originam as queixas da Autora.
Sendo de destacar que a lesão nervosa laríngea é um risco descrito da cirurgia tiroideia.
Destaca-se: face à posição que o Segundo Réu assumiu em juízo, designadamente, aquando da prestação de declarações de parte, não restam dúvidas de que a Autora só tomou conhecimento da lesão que originava as queixas em Novembro de 2009 quando foi observada pelo Dr. J..
O estado actual da Autora resulta da concatenação das declarações da Autora com o Relatório Pericial, juntamente com o depoimento das Testemunhas indicadas.
Quanto aos factos relacionados com o cumprimento do dever de informação, o Tribunal ficou convencido – a partir das declarações da Autora e Médico Demandado – que a Autora não demonstrou interesse em ser esclarecida sobre os riscos da cirurgia, nem o Médico Demandado se debruçou sobre este tema, a partir do momento que a Autora ouviu o que pretendia ouvir – necessidade de realizar a cirurgia atenta a impossibilidade de responder sobre a natureza do tumor folicular – maligno ou benigno.
Mais importa fundamentar por que razão o Tribunal não ficou convencido da prestação da informação sobre o risco de paralisia da corda vocal.
Primus, por o Tribunal ter ficado plenamente convencido, a partir das declarações prestadas em juízo, que o Médico Demandado nunca representou existir este risco no caso concreto, atento o tamanho do nódulo e a sua localização – basta, para tanto, ouvir a explicação do Médico sobre a imagem a fls. 490 dos autos, que reproduz nervos laríngeos superiores (ramos interno e externo) e nervo laríngea recorrente D.
Secundus, por o Tribunal também ter ficado plenamente convencido a partir das declarações prestadas em juízo que o Médico Demandado, profissional em quem a Autora confiou, que – exactamente por não ter representado - não levou ao conhecimento da Autora esse risco, tendo para essa omissão relevante contribuído o facto de a doente, desde a primeira consulta, demonstrar vontade de ser operada face à incerteza do quadro clínico.
Tertius, por os depoimentos de C. e de M. – Enfermeiras - não se mostrarem suficientes para infirmar a convicção em formação de acordo com a qual os médicos ao Serviço do Hospital Demandado nunca informaram a Autora sobre o aludido risco, além do teor do consentimento, que é vago, genérico, pouco direcionado para a prestação de um consentimento informado.
Quanto à repercussão das lesões no quotidiano, atendeu-se aos depoimentos de C., estudante, filha da Autora, M., Instrutora de Yoga e Pilates, M., vizinha e ex-cunhada da Autora, e P., pessoa que dirige a empresa de venda de produtos agrícolas para a qual a Autora trabalha, todos que mereceram elevada credibilidade, pela sinceridade, simplicidade, espontaneidade com que prestaram depoimento, todas estas Testemunhas demonstraram conhecer e conviver com a Autora em contextos distintos, é certo, a filha e ex-cunhada em contexto pessoal, a instrutora de ioga em contexto lúdico e Pedro Miguel em contexto laboral. Estes depoimentos permitiram ao Tribunal ficar esclarecido sobre as limitações da Autora no quotidiano – crises de falta de ar, engasgamento, receio de ficar sozinha, entre o mais - em virtude da lesão.
*
1.2. Da impugnação da matéria de facto:
1.2.1. Na parte final do recurso, a Recorrente requer que seja alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto conforme especifica nas conclusões.
Ora, lidas as alegações e conclusões de recurso, constata-se que a Recorrente não impugna nenhum dos factos dados como provados nem o único facto dado como não provado – o que ademais, a pretender fazê-lo, sempre teria de cumprir os ónus previstos no artigo 640.º do CPC.
Antes, funda o imputado erro à decisão de facto na insuficiência da factualidade assente, pretendendo que lhe seja aditado um ponto, a saber:
“Se a autora tivesse recebido informação sobre o risco de lesão do nervo laríngeo, de paralisação da hemilaringe direita e paralisação da corda vocal direita, a autora teria recusado o consentimento para intervenção cirúrgica”.
Remetendo para o efeito para as seguintes passagens do depoimento de parte que prestou em sede de audiência de julgamento:
Mandatária da Autora (31m20s): "...se a Senhora tivesse a noção, se tivesse a consciência e conhecimento dos riscos que podiam ocorrer, a Senhora tinha a possibilidade de consentir ou não consentir livre?
Autora: Sim e não tinha consentido na altura, teria continuado na minha ideia era vigiar porque atualmente já tenho outro (nódulo) na outra metade (da tiroide) e está em vigilância. (32m10s).
Ora, e desde logo, a prova apresentada para aditar o facto pretendido à matéria assente mostra-se insuficiente para o efeito, traduzindo um excerto do depoimento da própria Recorrente, a qual, sem prejuízo de poder estar convicta quanto à resposta que deu à pergunta formulada pela sua Mandatária, não deixa de ter interesse no desfecho da causa. Para além de tal resposta se basear num facto superveniente (“ter outro (nódulo) na outra metade (da tiroide) que está em vigilância. (32m10s))”.
Depois, e sobretudo, e como bem refere a Recorrida seguradora, o excerto em causa do depoimento da Recorrente suscita dúvidas quanto à sua veracidade quando confrontado com factos que foram dados como provados e com o único facto não provada – não impugnados pela Recorrente – alicerçados na conjugação das provas produzidas, a saber:
L. O tumor folicular é uma patologia que não pode ser diagnosticada completamente sem ser em sede cirúrgica – cf. depoimento do Médico E..
M. Só com a cirurgia é possível aferir se o referido tumor folicular é benigno ou maligno - cf. depoimento do Médico E..
N. Em Fevereiro de 2004, em Consulta Externa de Cirurgia Geral do Hospital de (...), o Réu F. transmitiu à Autora que tinha um tumor na tiróide e que, atentos os resultados dos exames, aconselhava cirurgia, tão rápido quanto possível – cf. Relatório Pericial de fls. 363 e ss. dos autos; por confissão.
Q. A Autora confiou na opinião médica do Dr. E. – por confissão.
R. A Autora fez corresponder tumor a cancro e sempre exteriorizou vontade em ser operada – por confissão; cf. declarações das partes.
NÃO PROVADO:
1. Considerando os resultados dos exames clínicos obtidos antes da cirurgia, a Autora poderia apenas ser submetida a vigilância e se necessário ser-lhe ministrada a terapêutica adequada, ao invés de ser submetida a uma intervenção cirúrgica invasiva.”.
Destes factos – não impugnados – decorrendo, segundo as regras da leges artis que, dada a dimensão do nódulo/tumor se impunha intervenção cirúrgica, só a mesma permitindo saber se o tumor era benigno ou maligno, não havendo outra opção adequada; o que foi aceite pela ora Recorrente, não sendo crível, que mesmo que estivesse ciente de todos os riscos da intervenção cirúrgica tivesse optado por não ser intervencionada, ficando em dúvida sobre o carácter benigno ou maligno do nódulo/tumor em causa.
Sendo que Mmª Juiz do TAF a quo, na fundamentação da matéria assente e não assente, alicerçou a sua convicção probatória, no que ora se aprecia, da seguinte forma:
“O resultado da biopsia “tumor folicular” traduz uma patologia incerta, razão que levou o Segundo Réu a indicar a cirurgia. Todos os Médicos que testemunharam foram inequívocos ao afirmar que, em casos como o dos autos, só a cirurgia permite esclarecer se o tumor folicular é benigno ou maligno.
A Testemunha Dr. E., com Especialidade de Análise de Órgãos e Tecidos prestou um depoimento isento, preciso e esclarecedor, tendo subscrito integralmente a opinião do Segundo Réu quando indicou a doente para a cirurgia, baseando a sua posição no exame junto à contestação – de fls. 96 dos autos – que indica a existência de um nódulo único com suspeitas.
Por sua vez, a Testemunha Dr. J., Médico-cirurgião, prestou um depoimento igualmente esclarecedor, demonstrando profundos conhecimentos da Medicina, sem qualquer contradição com os esclarecimentos que haviam sido prestados pela Senhora Perita em juízo, dando força, assim, à prova pericial.
A partir da concatenação das declarações de parte e dos esclarecimentos prestados pela Senhora Perita, o Tribunal ficou seguro que a Autora confiou na opinião médica quanto à necessidade de ser operada, indo, aliás, ao encontro da vontade da Autora expressa desde a primeira consulta com o Médico Demandado.”
(…)
À Autora foi diagnosticado em exame de rotina um nódulo na glândula tiróide. A Ecografia demonstrava a existência de um nódulo de 10x8 mm de diâmetro. Para estar seguro da decisão médica, o Segundo Réu solicitou exame médico complementar – uma biópsia aspitativa ecoguiada à formação nodular, da qual resultou a existência de uma formação nodular com cerca de 10mm de diâmetro na hemi-tiróide direita. Por sua vez, do exame citológico resultou a natureza da peça: compatível com tumor folicular.
Nada há a apontar à indicação médica para a necessidade de cirurgia. Pelo contrário, o quadro clínico preenchia os critérios para cirurgia, ou seja, reclamava acto cirúrgico. Felizmente, o tumor folicular era benigno. (…)”
Improcede assim o imputado erro de julgamento da matéria de facto, por insuficiência.
*
2/ DE DIREITO
1. A Recorrente propôs a presente acção contra o CENTRO HOSPITALAR DO (...), E.P.E e E., Médico assistente graduado de cirurgia geral com vista à efectivação da responsabilidade civil extracontratual por acto/facto ilícito, pedindo a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de € 85.175,00, a título de danos morais e patrimoniais.
Para tanto, alegou que em 20/05/2004 foi submetida a uma intervenção cirúrgica (hemitiroidectomia direita) realizada pelo segundo Réu, que violou o seu direito à integridade física e moral i) por falta de consentimento livre, consciente e esclarecido e ii) por erro médico consubstanciado na desnecessidade da intervenção cirúrgica realizada para tratamento do nódulo que lhe foi detetado na parte direita da tiroide e/ou má execução da arte técnica cirúrgica, a apreciar de harmonia com a leges artis.
2. O TAF a quo julgou parcialmente procedente a acção, condenando o Réu Hospital no pagamento à Autora de uma indemnização no valor de €1000,00, e absolveu o Réu E. do pedido (circunscrito, em sede de saneamento, à alegada “falta de consentimento livre, consciente e esclarecido da Autora”.).
Mais propriamente, e em termos sintéticos, a sentença após delimitação dos pressupostos gerais da responsabilidade extracontratual em causa, no que concerne à alegada responsabilidade por erro médico a responder apenas pelo Recorrido Centro Hospitalar, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 3,º do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de Novembro, julgou provada a necessidade de realização da cirurgia em causa e não provado qualquer deficiente e/ou malformada técnica médico-cirúrgica segundo a legis artis, julgando improcedente, em consequência, o pedido de condenação no pagamento de indemnização sustentada em erro médico, com a seguinte fundamentação:
(…) A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem reiteradamente afirmado que um erro médico capaz de desencadear os mecanismos indemnizatórios, terá de ser aferido não em função do resultado, mas antes em função do juízo sobre a forma como os profissionais em causa agiram no caso concreto.
Assim, a verificação do facto ilícito há-de de resultar da falta de cuidado, de ponderação, de uso dos meios e dos conhecimentos técnicos e científicos que eram exigíveis.
À Autora foi diagnosticado em exame de rotina um nódulo na glândula tiróide. A Ecografia demonstrava a existência de um nódulo de 10x8 mm de diâmetro. Para estar seguro da decisão médica, o Segundo Réu solicitou exame médico complementar – uma biópsia aspitativa ecoguiada à formação nodular, da qual resultou a existência de uma formação nodular com cerca de 10mm de diâmetro na hemi-tiróide direita. Por sua vez, do exame citológico resultou a natureza da peça: compatível com tumor folicular.
Nada há a apontar à indicação médica para a necessidade de cirurgia. Pelo contrário, o quadro clínico preenchia os critérios para cirurgia, ou seja, reclamava acto cirúrgico. Felizmente, o tumor folicular era benigno.
Por sua vez, provou-se que a lesão nervosa laríngea é um risco descrito da cirurgia tiroideia. Existe nexo de causalidade entre a paralisia da hemilaringe direita e a hemitiroidectomia direita. Porém, não se provou em juízo qualquer deficiente e/ou malformada técnica médico-cirúrgica. Não se provou qualquer imperícia na arte da técnica cirúrgica.”.
E no que respeita à outra causa de pedir da acção – falta de consentimento livre, consciente e esclarecido sobre os riscos associados à intervenção cirúrgica a que a Autora foi submetida, a sentença julgou verificada a referida falta de consentimento livre e esclarecido, por se ter provado que o Hospital Demandado teve uma “conduta negligente, uma faute du servisse, violadora da autonomia individual do doente, valor fundamental da dignidade do Homem numa visão constitucional, que é integral, global e holística.” absolvendo o Réu médico do pedido (circunscrito, em sede de saneamento à alegada “falta de consentimento livre, consciente e esclarecido da Autora”) por não se ter provado que a falta de prestação de informação sobre os riscos da intervenção cirúrgica (de paralisação da corda vocal em abdução, de imobilidade da hemilaringe em posição paramediana, de edema da comissura posterior traduzindo refluxo faringolaríngeo e de insuficiência glótica) tenha constituído uma actuação dolosa – única situação em que o Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de Novembro de 1967, aplicável à data dos factos, permite a responsabilidade solidária do titular do órgão ou agente e da Administração, sendo que no caso de actuação negligente a responsabilidade será exclusiva da Administração, embora com direito de regresso perante o titular do órgão ou agente no caso de ter havido diligência e zelo manifestamente inferiores aos que eram devidos em razão do cargo – cfr. artigos 2.º e 3.º.
Vejamos melhor, transcrevendo o discurso fundamentador da sentença recorrida, nesta sede:
quanto à causa de pedir – falta de consentimento livre, consciente e esclarecido – sobre os riscos associados à intervenção cirúrgica a que foi submetida, importa começar por destacar que a Autora segue o exercício da prognose, tendo em consideração dados errados, nomeadamente, da desnessidade de se submeter à intervenção cirúrgica.
Ora, o Tribunal irá formular um juízo de perspectiva ex ante, mas levando em conta a necessidade de a Autora se submeter à intervenção cirúrgica, porquanto resultou inequívoco – dos meios de diagnóstico - a necessidade de retirar o nódulo, única forma de se aferir da malignidade – ou não – do tumor.
Assim, importa apreciar a conduta dos Réus à luz do dever de informar para as consequências que poderiam advir da intervenção cirúrgica, face ao risco descrito na literatura da cirurgia tiroideia.
Temos como seguro que esta informação deve cingir-se ao que previsivelmente acontece e ocorre nas situações de normalidade, isto é, apenas deve estar contido na informação o que para a arte médica e cientifica do momento é previsível acontecer se a intervenção cirúrgica for realizada segundo a técnica cientifica adequada e com os métodos e meios mais ajustados.
Temos igualmente como seguro que não é deontológica e médico-cientificamente exigível que um clínico preste uma informação que inclua riscos para além do que é cientificamente previsível e adequado ao tratamento/intervenção cirurgia de harmonia com um processo médico que se desenvolve com normalidade.
Por conseguinte, se a lesão nervosa laríngea constitui um risco descrito na cirurgia tiroideia, importava levar ao conhecimento da doente este risco para se verificar um consentimento informado.
Este Tribunal acompanha a classificação de consentimento expresso, implícito, presumido, testemunhado, familiar, genérico, escrito, a partir das regras de conduta médica que, na relação entre a medicina e a sociedade, estabelecem direito, deveres e obrigações, para o que o caso importa – o dever de proporcionar condições para que os doentes possam escolher de forma livre os cuidados de saúde a que vão ser submetidos.
Ora, não resulta do consentimento expresso o conhecimento do aludido risco.
E há que afastar o consentimento implícito atento o risco em causa – com consequências graves - de lesão nervosa laríngea, pese embora resultar da matéria de facto que a doente manifestava desde o início vontade de ser operada.
Por sua vez, estavam reunidas todas as condições para obtenção do consentimento expresso, pelo que também é de afastar o consentimento presumido.
Não resulta da matéria de facto que as Entidades Demandadas tenham prestado a informação em causa na forma oral, pelo que forçoso será concluir que o consentimento prestado não foi informado, livre e esclarecido.
Omissão esta – segundo a leges artis – ilícita por violar a autonomia individual, direito à liberdade de autodeterminação da pessoa – in casu, o único dano a considerar, uma vez que a cirurgia afigurava-se fundamental e indispensável ao diagnóstico do estado de saúde da Autora.
Quanto aos demais pressupostos da responsabilidade, só existe dolo quando o resultado do comportamento do agente tenha sido por ele previsto e querido, seja porque actuou propositadamente para atingir o fim ilícito (dolo directo), porque actuou para atingir um fim lícito, mas sabendo que da sua acção resultaria inevitavelmente um fim ilícito (dolo necessário), ou ainda porque actuou para atingir um fim lícito, mas com consciência de que do seu acto podia advir um fim ilícito e querendo o acto mesmo nessa hipótese (dolo eventual) - vide ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, p. 521 e segs. e PESSOA JORGE, Lições de Direito das Obrigações, Edição AAFDL, 1967, p. 561.
Pese embora ter alegado, a Autora não fez prova de qualquer conduta dolosa por parte do Réu E.. O Médico Demandado nunca representou o dano como possível, atenta a dimensão do nódulo e sua localização, tanto mais que nunca chegou a diagnosticar a lesão provocada em virtude da cirurgia por inexistência de disfonia. Assim sendo, o Médico Demandado tem necessariamente que ser absolvido do pedido.
Quanto ao Hospital Demandado, a Autora provou uma conduta negligente, uma faute du servisse, violadora da autonomia individual do doente, valor fundamental da dignidade do Homem numa visão constitucional, que é integral, global e holística.”.
E, em sede de culpa, a sentença conclui pela verificação de concorrência de culpas, com consequente redução, nos termos do artigo 570.º do Código Civil, da responsabilidade do Demandado e, consequentemente, da indemnização a fixar nos seguintes termos:
(…)
Porém, no caso importa considerar factos que traduzem alguma culpa do lesado.
A paciente não conseguiu fazer prova de que se tivesse recebido mais informação - informação adequada acerca deste risco em particular - teria recusado o consentimento necessário para a intervenção cirúrgica, e – claro – no pressuposto de que a cirurgia era necessária. Com efeito, a biopsia evidenciou um tumor folicular, de natureza e evolução imprevisível.
Mais, entre o diagnóstico e a realização da cirurgia contaram-se aproximadamente três meses, além de que a Autora prestou não um – mas dois – consentimentos para internamento/intervenção cirúrgica.
À luz das regras da experiência, a Autora não podia desconhecer que este tipo de intervenção comportava riscos, tendo tido inclusivamente tempo para refletir sobre se deveria recorrer a uma segunda opinião sobre a terapêutica adequada ao seu estado de saúde e respectivos riscos.
Verificou-se, assim, uma conduta passiva da Autora e, por conseguinte, concorrente para a falta de menção integral dos riscos em geral e deste risco em especial.
Temos, assim, que a conduta da Autora deve ditar a redução - nos termos do artigo 570.º do Código Civil - da responsabilidade dos Demandados e, consequentemente, da indemnização a fixar.”.
Por fim, quanto ao cálculo da indemnização, a sentença exarou o seguinte:
“Passando ao cálculo da indemnização assente em juízos de equidade tendo em conta o acima exposto, temos – após ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio» - que a indemnização deverá corresponder ao valor de € 1.000,00.
3. A Recorrente discorda do assim decidido, essencialmente, por duas ordens de razões: i) a sentença violou o disposto no artigo 570.º do CC, ao julgar que a mesma teve uma conduta omissiva culposa, concorrente com a culpa do Recorrido Hospital em não ter lhe prestado informações sobre os riscos associados à intervenção cirúrgica em causa; ii) o quantum indemnizatório da sentença é diminuto, face aos danos que se mostram provados como consequência da patologia que ficou a padecer em resultado da intervenção cirúrgica, a contabilizar para efeitos de indemnização; sublinhando que a sentença, nesta parte, não fundamenta convenientemente o juízo que seguiu para arbitrar o montante de indemnização em €1.000.00.
Ora, assiste, em parte, razão à Recorrente na critica que dirige à sentença recorrida uma vez que os factos alegados na sentença não demonstram que a mesma tenha contribuído, com culpa, para a falta de conhecimento dos riscos médicos associados à intervenção cirúrgica, a prestar pelo Recorrido Hospital.
Na verdade, os doentes, no caso a Recorrente, não têm qualquer dever ético-jurídico de solicitarem aos médicos informação sobre os riscos integrais das cirurgias a que vão ser submetidos, nem de procurarem tal informação por outras vias. Trata-se antes de uma faculdade que poderão exercer se a consideraram necessária por designadamente terem a percepção de estarem insuficientemente informados sobre os tais eventuais riscos.
Pelo que, não concordamos com a sentença quando, implicitamente, atribui à Recorrente um comportamento ético-juridicamente censurável, concorrente com a conduta culposa do Hospital demandado, quanto à falta de menção integral dos riscos, em geral, e, em especial, da cirurgia efectuada.
Outra será a questão de saber se ocorrem nos autos circunstâncias que possam diminuir a culpa do Recorrido, como se verá.
Já vimos que quanto ao montante da condenação do Recorrido, a sentença fixou-o no valor de € 1.000,00 assente em juízos de equidade tendo em conta o que acima expôs – após ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio».
Ou seja, depois de considerar ilícita e culposa, segundo a leges artis, a omissão (provada) pelo Recorrido Hospital da prestação da informação à Recorrente dos riscos da cirurgia em causa, com a consequência de o consentimento prestado por esta não ter sido informado, livre e esclarecido, julgou provado, em sede de nexo de causalidade, como dano adveniente de tal omissão (o único) o dano à autonomia individual ou ao direito à liberdade de autodeterminação da Recorrente, uma vez que a cirurgia se afigurava fundamental e indispensável ao diagnóstico do estado de saúde da Autora.
O que se acompanha, até porque não se vislumbra existir nexo de causalidade entre a falta de informação em causa e “a paralisia da corda vocal direita em posição paramediana, com fenda glótica posterior” de que a Recorrente passou a padecer em consequência da intervenção cirúrgica e enquanto risco possível da mesma.
Depois, e ainda que a sentença não tenha expressamente referido o disposto no artigo 496.º do CC – que estabelece que na fixação de indemnização por danos não patrimoniais o tribunal deve atender àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, fixando equitativamente o montante da indemnização, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do CC, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem – não deixou de ponderar a culpa do lesante (que julgou atenuada pela conduta omissiva da Recorrente) nem as demais circunstâncias do caso (v.g. a indicação médica para a necessidade de cirurgia, ademais como único acto passível de aferir da benignidade ou malignidade do nódulo/tumor diagnosticado à Recorrente na parte direita da tiroide, de natureza e evolução imprevisível; a falta de prova de qualquer deficiente e/ou malformada técnica médico-cirúrgica, sendo a paralisia da hemilaringe direita um risco possível na hemitiroidectomia direita; o facto de o Médico Demandado nunca ter representado o referido risco como possível, atenta a dimensão do nódulo e sua localização; a falta de prova por parte da Recorrente de que se tivesse recebido mais informação acerca do referido risco em particular, teria, mesmo sabendo que a cirurgia era necessária e urgente, optado por não se submeter à intervenção cirúrgica em causa).
Neste contexto, e nos termos do disposto no artigo 494.º, 496º/1/4 e 566º n.º 3 do CC, cientes de que a equidade apela a valores, entre outros, de razoabilidade, de justa medida das coisas e de igualdade, atestados pelo circunstancialismo do caso concreto, ponderando a culpa do lesante (que se tem por significativamente atenuada, não por concorrência de culpas (que afastamos) mas pelo facto de o diagnóstico quanto ao nódulo em causa e à necessidade de cirurgia, informado à Recorrente, se mostrar correcto segundo a leges artis, de a Recorrente ter sempre exteriorizado vontade em ser operada, e de o Médico Demandado nunca ter representado o referido risco como possível, atenta a dimensão do nódulo e sua localização) bem como o demais ponderado na sentença e que se acompanha, julgamos adequado e equitativo o valor de € 1.000,00 (mil euros) fixado pelo Tribunal a quo, a título de dano não patrimonial – dano ao direito/liberdade de autodeterminação da Recorrente – e no pagamento do qual o Recorrido Hospital foi condenado.
Improcede assim o erro de julgamento imputado à decisão recorrida.
*****
IV– DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida, ainda que, em parte, com distinta fundamentação.
*
Custas pela Recorrente.
*
Notifique-se. DN.
* *
Porto, 30 de Outubro de 2020



Alexandra Alendouro
Paulo Ferreira de Magalhães
Fernanda Brandão