Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00489/16.6BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/23/2017
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Hélder Vieira
Descritores:URBANISMO; AUTORIZAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DE EDIFÍCIO; DEFERIMENTO TÁCITO; INDEFERIMENTO EXPRESSO; REVOGAÇÃO DE ACTOS CONSTITUTIVOS DE DIREITOS
Sumário:
I — O deferimento expresso ou tácito do pedido de licenciamento de obras é requisito do deferimento do pedido de intimação judicial para emissão de alvará.
II — Improcede o pedido de intimação, sempre que o acto tácito, de deferimento do pedido de licenciamento em causa, tiver sido revogado por acto expresso posterior a que não seja atribuída ilegalidade geradora de nulidade.
III — Não obsta a tal conclusão, a circunstância de o acto expresso revogatório ter sido proferido na pendência do processo de intimação, uma vez que este acto superveniente deve ser valorado na apreciação do mérito da intimação, de acordo com o previsto no artigo 611º do Código de Processo Civil. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:CPT Unipessoal, Ld.ª
Recorrido 1:Município de Oliveira do Hospital
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
Recorrente: CPT Unipessoal, Ld.ª
Recorrido: Município de Oliveira do Hospital
Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou improcedente a supra identificada acção administrativa urgente (artigo 112º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro), na qual era pedida a intimação do Presidente do órgão executivo do município demandado a emitir autorização de utilização do edifício construído ao abrigo da licença de construção nº 34/2014.
O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação[ Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, 639.º e 640º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.]:
1.ª) Nos processos urgentes, como é o caso do processo de intimação para a emissão do alvará de autorização de utilização de edifício, não existe a possibilidade de apresentação de articulados, nem de provas, depois da apresentação da resposta/oposição/contestação, com exceção do exercício do contraditório quanto às exceções deduzidas no articulado do requerido.
2.ª) Foram mal julgados os factos constantes dos pontos 2 a 7 dos factos dados como provados na medida em que não foram alegados, nem pela Requerente, nem pelo Requerido, os quais também não eram ou foram supervenientes no momento da interposição da ação, razão pela qual o tribunal estava impedido de os conhecer e julgar.
3.ª) Tais factos devem ser considerados como não escritos e, logo, como inexistentes no processo.
4.ª) O tribunal recorrido ao ter entendimento diverso fez incorreta aplicação da lei e do direito, violando o artigo 5.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA e artigo 86.º, CPTA e 611.º do CPC.
5.ª) A sentença recorrida conheceu, assim, de questões, colocadas pela prova daqueles factos, em especial condicionantes da licença de construção e outros factos ocorridos entre a emissão da licença de construção e o pedido de autorização para utilização, que lhe estava vedado conhecer, nomeadamente, que o ato de deferimento tácito estava viciado e por isso não podia ter viabilidade a pretensão deduzida na petição inicial.
6.ª) Mas se assim é, então o tribunal estava obrigado a conhecer da ampliação da causa de pedir e do pedido, formulados na resposta à exceção deduzida na contestação, em que foi alegada a inexistência de qualquer vício naquele deferimento tácito e ser manifestamente ilegal o indeferimento do pedido de emissão do alvará de autorização de utilização.
7.ª) Razão pela qual a sentença é nula, duplamente, nos termos do artigo 95.º do CPTA e do artigo 615.º n.º 1 alínea d), do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, ao conhecer de questões que não podiam conhecer, por não terem sido alegadas na contestação, nem na P.I., nem em articulado superveniente, e por não conhecer de questões que devia conhecer e lhe foram colocadas na resposta à exceção, através da ampliação da causa de pedir e do pedido.
8.ª) O tribunal recorrido ao não ter determinado ao Requerido a junção do PA, em face da sua não junção com a contestação, bem como ao permitir que aquele procedesse à junção aos autos de documentos avulsos, para além do prazo que lhe era fixado, sem qualquer consequência sancionatória, documentos esses que foram produzidos já depois dos articulados e que vieram a fundamentar a sentença, com prejuízo para os interesses da Requerente, fez incorreta aplicação da lei e do direito, violando o princípio da igualdade de armas das partes e, acima de tudo, o que dispõe o artigo 84.º do CPTA.
9.ª) E com isso foi proferida uma sentença parcial, injusta e em total desconformidade com os mais elementares princípios de direito processual que visam garantir a imparcialidade e isenção das decisões judiciais.
10.ª) Sendo inaceitável que o tribunal, perante um processo urgente e depois da apresentação dos articulados, tenha, através da prolação de 5 despachos, de mero expediente, permitido que passasse a existir no processo aquilo que não existia no momento da apresentação da contestação: revogação e ou indeferimento de ato tácito de deferimento.
11.ª) O tribunal, por despacho de mero expediente, já depois da apresentação dos articulados, perante o documento junto com a contestação, que nunca foi levado ao conhecimento do destinatário (ver factos não provados) notificou o Requerido para, em 5 dias, informar o tribunal se já tinha proferido a decisão definitiva.
12.ª) O tribunal, em 7 de outubro de 2016, estava em condições de julgar a ação, mas em vez disso, o processo esteve parado até 15 de novembro de 2016 para, novamente, proferir despacho de mero expediente a notificar o Requerido para informar em 5 dias, se tinha proferido a decisão final.
13.ª) O Requerido, em total desrespeito pelo tribunal, veio a responder em 22 de dezembro de 2016, juntando cópia do indeferimento de 24 de novembro de 2016, muito para além dos 5 dias que lhe foram fixados.
14.ª) E com base nele, ato praticado pelo presidente da câmara em 24 de novembro de 2016, veio o tribunal a julgar improcedente a ação de intimação por falta de deferimento tácito que foi, entretanto, revogado, por aquele.
15.ª) O tribunal permitiu, assim, através de despachos de mero expediente, que o recorrido município viesse a revogar o ato de deferimento tácito para, após isso, julgar a ação improcedente.
16.ª) Sendo mais inaceitável, que o tribunal, em 23 de dezembro de 2016, tenha conhecimento daquele ato revogatório e, por tanto, em condições de proferir sentença, venha, apenas, a fazê-lo em 24 de fevereiro de 2017, termo do prazo de 3 meses para impugnar o ato expresso de indeferimento, não se coibindo de lembrar, já depois do prazo, que as garantias de tutela efetiva do direito da Requerente seriam feitas com aquela impugnação, o que não deixa de ser uma provocação.
17.ª) A douta sentença recorrida, absorvendo todos os despachos de mero expediente proferidos depois de 7 de outubro de 2016, aceitando os factos praticados após essa data, sugeridos pelo tribunal, aceitando que o Requerido praticasse atos processuais para além do prazo que lhe foi fixado, sem consequências, para julgar a ação improcedente, é parcial e injusta, está em desconformidade com os mais elementares princípios de garantia processual de igualdade das partes previsto no artigo 4.º do CPC; viola o princípio da celeridade processual previsto no artigo 6.º do CPC; viola o princípio processual da justa composição do litígio previsto no artigo 7.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA e, acima de tudo, viola o princípio da legalidade processual.
18.ª) Verificando-se o decurso do prazo de 10 dias, isto é deferimento tácito do pedido, a que se refere o artigo 64.º n.º 1 do RJUE aprovado pelo D.L. 555/99, de 16 de dezembro, alterado e republicado pelo D.L. 136/2014, o presidente da câmara está vinculado a emitir o alvará de autorização de utilização, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo.
19.ª) E, dentro do prazo de 10 dias fixado no n.º 1 do mesmo artigo 64.º, desde que o pedido de concessão da autorização de utilização seja acompanhado por termo de responsabilidade do diretor de obra, o presidente da câmara está vinculado a conceder a autorização da utilização.
20.ª) Fora do caso previsto na conclusão anterior, mas sempre dentro do prazo de 10 dias, o presidente da câmara municipal, determina a vistoria ao edifício em 3 hipóteses:
- O pedido não foi acompanhado de termo de responsabilidade;
- Existirem indícios sérios (sublinhado nosso), a concretizar no processo, de que a obra está em desconformidade com o respetivo projeto e condições estabelecidas.
- Existir indícios sérios de que o edifício ou sua fração autónoma, não é idóneo para o fim pretendido.
21.ª) Face a este quadro legal previsto no artigo 64.º do RJUE, o presidente da câmara municipal, está impedido de indeferir o pedido de autorização para utilização, sem previamente, no caso de fortes indícios, a concretizar, determinar a vistoria.
22.ª) O direito à utilização do edifício construído pela recorrente decorre da licença de construção e permite, possuindo o competente alvará, celebrar negócios sobre e através do edifício, nomeadamente, alojamento, tratamento termal, alimentação, cessão de exploração, trespasse, venda, etc.
23.ª) Sem o alvará de autorização de utilização a recorrente não pode exercer a sua atividade económica, direito fundamental análogo aos direitos liberdades e garantias, previsto no artigo 61.º da CRP.
24.ª) O indeferimento do pedido de autorização de utilização nega o exercício daquele direito fundamental, o qual foi conferido pela licença de construção, razão pela qual estamos perante um ato nulo e de nenhum efeito e, por isso, não produz qualquer efeito revogatório de ato de deferimento tácito.
25.ª) Razão pela qual devia o tribunal dar provimento ao pedido e intimar o presidente da câmara municipal a emitir o competente alvará de autorização para utilização.
26.ª) E mesmo que o ato de indeferimento fosse meramente anulável, por violação do artigo 64.º do RJUE, ao não determinar, se fosse o caso, vistoria ao edifício para posterior decisão, sempre o tribunal devia intimar o presidente da câmara municipal a emitir o alvará de autorização de utilização.
27.ª) A douta sentença fez uma incorreta aplicação da lei e do direito violando todas as normas jurídicas previstas nos artigos 64.º do RJUE.
28.ª) Após o dispositivo da sentença com condenação em custas, não pode o tribunal fixar o valor a ação, por se ter esgotado o poder jurisdicional, mantendo-se como valor da ação aquele que foi indicado na P.I. e não impugnado pelo Requerido.
29.ª) Sendo certo que o pedido de intimação para a emissão de alvará de autorização de utilização não se enquadra no critério especial previsto no artigo 33.º alínea a) do CPTA dado que este é, apenas, aplicável ao momento anterior à concessão da autorização da utilização.
30.ª) Sendo certo, ainda, que o benefício económico de obter o alvará de autorização para utilização é indeterminado e não corresponde à vantagem da efetiva utilização dado que esta utilização já ocorreu anteriormente, conforme artigo 64.º n.º 5 do RJUE, no momento em que a Requerente deu conhecimento à câmara municipal do depósito das taxas devidas pela emissão do alvará de utilização.
31.ª) Em qualquer dos casos, a admitir-se que a sentença, ao fixar o valor da ação por remessa para o valor da estimativa da obra a fornecer por uma das partes que beneficia das custas, sem se saber qual é esse valor, viola o princípio do contraditório previsto no artigo 3.º do CPC e, acima de tudo, impede o tribunal de ponderar a aplicação do artigo 6.º n.º 7 do RCP, pois o custo da obra de construção de um hotel de 5 estrelas, foi superior a 5.000.000,00 €, muito superior ao valor de 275.000,00 € que esta norma de custas prevê para o uso da faculdade de reduzir ou dispensar o pagamento superior àquele.
32.ª) Finalmente, a admitir-se que não é violado o princípio do contraditório nos termos em que foi fixado o valor, por referência à estimativa da obra, então a norma do artigo 33.º alínea a) do CPTA, ao estabelecer o critério do valor da ação por referência ao critério do custo previsto para a obra construída, em que o valor de custas a pagar é superior a 40.000,00 €, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio constitucional da proporcionalidade previsto no artigo 18.º da CRP enquanto restringe o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da mesma norma fundamental, em face da simplicidade da questão a decidida.

TERMOS EM QUE deve ser julgado procedente o presente recurso e, a final, ser dado provimento ao pedido formulado pela Requerente na sua P.I.”.

O Recorrido contra-alegou, em termos que se dão por reproduzidos, e, tendo elaborado conclusões, aqui se vertem:
1. “A sentença recorrida não merece reparo, porquanto a Recorrente, nas suas alegações, não apresentou uma fundamentação válida, limitando-se a insistir na existência de deferimento tácito do pedido de emissão do alvará de autorização de utilização da obra.
2. As considerações iniciais da Recorrente de alegado favorecimento do tribunal a quo ao Recorrido são de natureza difamatória, merecendo o nosso repúdio e censura por se revelarem manifestamente inadmissíveis e inadequadas, ao levantar suspeitas sem qualquer fundamento ou prova, colocando em causa a honra e integridade profissional de todos os intervenientes neste caso para escamotear o facto de, na verdade, ser a própria Recorrente quem procurava tirar vantagem da situação de o Recorrido, inadvertidamente, ter notificado a Recorrente da proposta de indeferimento do seu requerimento por correio simples (em vez de correio registado com aviso de receção), assim fazendo crer que a mesma inexistiu e que se havia gerado o deferimento tácito do seu pedido, alcançando, desta forma, um efeito que sabia não estar em condições legais para obter.
3. Os pontos 2 a 7 da matéria de facto sempre devem ser dados como provados, não tendo ocorrido in casu qualquer violação do artigo 5.º do CPC e dos artigos 86.º do CPTA e 611.º do CPC (pelo contrário!), uma vez que, de um ponto de vista processual:
· Nos termos do n.º 2 do artigo 107.º do CPTA, aplicável por força da remissão prevista no n.º 7 do artigo 112.º do RJUE (considerando-se que o meio processual considerado próximo daquele regime é a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões), após a resposta do Requerido, o tribunal pode levar a cabo todas as diligências que se mostrem necessárias, o que não deve significar apenas a promoção da resposta às exceções pelo autor/a;
· De acordo com o princípio do dispositivo (cf. artigo 5.º do CPC), segundo o qual as partes apenas têm de alegar os factos essenciais à causa de pedir, devendo o tribunal ter em conta outros factos que resultem da instrução da causa, bem como segundo o qual não deve o tribunal estar limitado pelo alegado pelas partes para aplicar as regras de direito, andou bem o tribunal a quo ao considerar todos os factos que resultaram das diligências que promoveu e que tiveram lugar posteriormente (no seguimento também, aliás, do contraditório da ora Recorrente e que, portanto, importaram esclarecimentos e resposta por parte do ora Recorrido);
· Adicionalmente, ao abrigo do dever de gestão processual (cf. artigo 6.º do CPC), o tribunal a quo tinha o dever de, partindo dos articulados das partes, não ficar por aí, promovendo, sem nunca esquecer o exercício do contraditório, as diligências que entenda necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, o que lhe permitiu assegurar que o ato de indeferimento expresso não padecia de nulidade, circunstância que importava apurar no âmbito deste processo;
· Finalmente, não obsta à consideração no âmbito do processo de intimação o facto de decisão final de indeferimento ter sido proferida na pendência do mesmo, de acordo com o disposto no artigo 611.º do CPC, relativo à atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, nomeadamente os extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão (neste sentido, vide Acórdão do STA de 7/9/2010, proc. n.º 0224/10, disponível em www.dgsi.pt).
4. A ampliação da causa de pedir e do pedido da Recorrente não foi considerado pelo tribunal a quo, dado que o processo de intimação não constitui a forma de processo adequada para discutir da legalidade ou da ilegalidade do “deferimento tácito” que se haja formado e/ou da legalidade do ato de indeferimento expresso revogatório daquele deferimento, conforme entendimento jurisprudencial uniforme e reiterado do STA (cf. Acórdãos do STA, de 12/03/2003 - Proc. n.º 0352/03, de 05/02/2004 - Proc. n.º 01892/03, de 07/09/2010 - Proc. n.º 0224/10) e ainda conforme entendimento do tribunal ad quem (cf. Acórdão do TCAN, de 5/4/2013).
5. Pelo que a sentença recorrida não viola igualmente o artigo 95.º do CPTA e a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, também não padecendo, por esta via, de nulidade.
6. Pelas razões acima mencionadas não viola igualmente a sentença recorrida o princípio da igualdade de armas (cf. artigo 4.º do CPC), porquanto, por um lado, o tribunal a quo tinha o poder e o dever de conhecer a factualidade relevante para alcançar uma justa composição do litígio e, por outro, a decisão final deve corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, conforme dispõe a parte final do n.º 1 do artigo 611.º do CPC, pelo que sempre teria de se ter consideração o ato de indeferimento expresso proferido a 24/11/2016.
7. Nem resultam violados pela sentença recorrida os princípios da celeridade e da legalidade processual, tendo em conta que o Recorrido manifestou logo na sua contestação a intenção de indeferir expressamente o requerimento da Recorrente (em conformidade com a proposta de indeferimento oficiada a 13/7/2015 e dado que esta não se pronunciou em sede de audiência prévia e considerando a devolução pela Recorrente do valor das taxas autoliquidadas), pelo que os esclarecimentos solicitados pelo tribunal a quo se justificam porque efetuados em prol descoberta da verdade material.
8. Assim, para a apreciação do caso concreto, e com relevância do ponto de vista substantivo, importa ter em conta a seguinte factualidade dada como provada:
· a Recorrente apresentou requerimento para emissão de autorização de utilização, que deu entrada nos serviços municipais a 30/6/2016, tendo sido produzida, a 6/7/2016, pela Divisão de Planeamento e Gestão do Território, a respetiva informação técnica e emitido, a 8/7/2016, o correspondente despacho com proposta de indeferimento pelo Presidente da Câmara Municipal;
· a 13/7/2016, a Recorrente foi oficiada do sentido negativo da referida proposta (conforme registo n.º 01/2016/255 Ref. CM S 3704). Tendo sido verificado o lapso no envio do ofício em causa (correio simples em vez de correio registado com aviso de receção), embora o mesmo não tenha sido devolvido pelos CTT à Câmara Municipal, foi enviado novamente à Requerente, com registo n.º 4293, datado de 26/08/2016, devidamente registado e com aviso de receção;
9. De onde resulta que:
· o Recorrido cumpriu o prazo legal de 10 dias previsto no n.º 1 do artigo 64.º do RJUE, cabendo então à ora Recorrente pronunciar-se em sede de audiência prévia no prazo definido na lei para o efeito. O que não fez;
· inexiste deferimento tácito da sua pretensão, uma vez que o Presidente da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital se pronunciou efetivamente sobre a mesma e notificou a Recorrente da sua proposta de indeferimento;
· nestes termos, não poderia a Recorrente fazer uso da previsão do n.º 4 do artigo 64.º do RJUE, tendo disso sido notificada pelo Recorrido por ofício datado de 25/7/2016, em resposta ao ofício daquela de 15/7/2016 (matéria de facto dada como provada).
10. Adicionalmente, importa igualmente ter em consideração a prática pelo Recorrido de ato de indeferimento expresso da pretensão da Recorrente, o qual revoga (implicitamente) o ato de deferimento tácito (caso se considere que o mesmo se formou).
11. Como tal, sendo o deferimento tácito condição necessária para a procedência do processo intimação (caso se entenda que o mesmo se verificou in casu), constatando-se o ulterior indeferimento expresso da referida pretensão e a inexistência de evidência de qualquer ilegalidade geradora de nulidade do ato revogatório, atenta a motivação do mesmo - apreciada pelo tribunal a quo, que teve o mesmo entendimento aqui plasmado - o desaparecimento deste requisito deverá resulta na improcedência da presente ação (cf. Acórdão do TCAN, 00884/12.0BEAVR, de 5/4/2013).
12. Caso não se entenda que os elementos mencionados sejam suficientes para a apreciação do caso concreto, sempre se contraporá a argumentação da Recorrente no que respeita à legalidade do ato de indeferimento expresso praticado.
13. Nessa medida, cumpre ter em consideração a factualidade subjacente à execução das obras em causa, nomeadamente:
· as condicionantes relativas à natureza pública do caminho existente, constantes do alvará de licença de construção;
· o deferimento do pedido de alterações ao projeto, com exceção do muro de vedação, conforme ofício n.º CM 6078, datado de 23/10/2015, de que a Requerente foi notificada, e respetivo averbamento constante do alvará de licença de construção;
· construção de uma estação elevatória de águas residuais no decurso da execução da obra, projetos de infraestruturas urbanísticas e correspondentes ligações às redes públicas que não tinham sido submetidos a licenciamento, bem como as alterações ao projeto de arranjos exteriores, que também devem ser submetidas a licenciamento municipal, em ambos os casos por força do disposto no n.º 2 do artigo 4.º do RJUE.
14. Nestes termos, mesmo que alegadamente cumpridas as formalidades previstas no n.º 1 do artigo 64.º do RJUE, é errado o entendimento de que o Recorrido estava vinculado à emissão do alvará de autorização de utilização ou, ao invés, à determinação de vistoria à obra, de acordo com o disposto no n.º 2 daquela disposição.
15. Perante os factos enunciados quanto à execução das obras, não era possível ao Recorrido, com a razoabilidade que deve impender sobre a atuação da Administração, deferir o pedido de emissão do alvará de autorização de utilização da Recorrente, porquanto cabia àquele, naquele momento, verificar a conformidade da obra concluída com o projeto que havia sido inicialmente aprovado e com as condições de licenciamento.
16. Nem inversamente estava o Recorrido obrigado a determinar uma vistoria à obra quando haja manifesta violação de normas legais e regulamentares, como in casu (considerando, em especial, a questão relativo ao domínio público), o que impossibilita, desde logo, a concessão do alvará de autorização de utilização, até por tal constituir um dispêndio de recursos financeiros municipais.
17. De facto, se pode existir deferimento tácito (como o refere expressamente o legislador) tem de existir igualmente a possibilidade de deferimento expresso e o contrapolo - o indeferimento expresso -, o que significa que sempre que não estejam reunidas as condições para emitir autorização de utilização (até mesmo que a obra tenha sido realizada de acordo com o projeto) pode proceder-se ao indeferimento.
18. A lógica do “tertium non datur” não pode aqui ser aplicável, porque senão chegaríamos ao cúmulo de não estar nada edificado e se pedir autorização de utilização e de o Município - sabendo da situação de facto ou de direito em apreço - ter de mandar vistoriar o “nada”.
19. No caso em apreço, o Recorrido tinha conhecimento de que não estavam reunidos os elementos necessários à emissão da autorização de utilização aquando da sua solicitação, situação que não se iria alterar com uma vistoria ao local, a qual se revelaria, consequentemente, inútil.
20. Pelo que andou bem o Recorrido ao indeferir o pedido de emissão de alvará de autorização de utilização do edifício da Recorrente, não tendo por essa via, conforme resulta do acima explicitado, violado quer o artigo 61.º da CRP, quer o artigo 64.º do RJUE. Por conseguinte, o ato de indeferimento expresso não deve ser considerado nulo ou anulável.
21. Por fim, quanto à determinação do valor da causa, cumpre notar que não se verificou uma situação de deferimento tácito, para além de que foi proferido ato de indeferimento expresso que revogou, caso se considere que tenha existido, o deferimento tácito que eventualmente se tenha formado, mas que não se consolidou na ordem jurídica.
22. Pelo que, nessa medida, tem cabimento a aplicação do disposto na alínea a) do artigo 33.º do CPTA enquanto critério especial de fixação do valor da causa, uma vez que o caso sub judice vertia sobre a formação ou não deferimento tácito e, bem assim, da concessão de autorização de utilização do edificado.
Termos em que, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a sentença recorrida.”.

O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, em termos que se dão por reproduzidos.

De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, as questões suscitadas[ Tal como delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões, nas quais deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade — artigos 608º, nº 2, e 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil ex vi artº 140º do CPTA.] e a decidir[ Para tanto, e em sede de recurso de apelação, o tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto, “ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito”, reunidos que se mostrem os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas — art. 149.º do CPTA.], se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida padece de nulidade por excesso e por omissão de pronúncia, erro nos pressupostos de facto e nos de direito.
Cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA
A matéria de facto fixada pela instância a quo é a seguinte:
1. Em 07/04/2014, o Requerido emitiu a favor da requerente o alvará de licença de construção com o n.º 34/2014, processo n.º 01/2009/240, que titula a aprovação das obras que incidem sobre o prédio sito em Cova das Caldas ou Caldas de São Paulo, descrito na Conservatória do registo predial de Oliveira do Hospital, sob o n.º 2508 e inscrito na matriz rústica sob o artigo 1609 e urbana 352 e 356 da respetiva freguesia, cujo uso se destina a Empreendimento Turístico 5 estrelas - cfr.doc. de fls. 175/176 dos autos.
2. Do alvará de licença de construção referido no ponto anterior, consta o seguinte condicionamento das obras: Não significa nem tem implícito o reconhecimento de qualquer invalidade do despacho de rejeição a revogar, nem significa implícita ou explicitamente, o reconhecimento por qualquer forma de que o caminho em causa é de propriedade da Requerente do licenciamento ou que é de propriedade privada;
Existe a convicção por parte da Câmara de que o caminho em causa é de natureza pública pelo que, na ausência de título ou decisão judicial, será proposta em tribunal ação de reconhecimento judicial da sua natureza pública;
O requerente do licenciamento estará obrigado a reconhecer e respeitar a natureza pública de tal caminho, com todas as características e condicionantes inerentes a qualquer caminho público, se o Tribunal vier a declarar a sua natureza pública. – cfr. fls. 175 dos autos.
3. Com data de 22 de abril de 2016, o requerido emitiu a favor da requerente o alvará de licença especial n.º 38/2016, processo n.º 01/2009/2040/0, que consubstancia licença especial de conclusão das obras que foram licenciadas pelo alvará de licença referido em 1., de onde constam os mesmos condicionamentos que resultam do alvará de licença inicial – cfr. fls. 177 dos autos.
4. Com data de 06/01/2016, encontra-se aposta no livro de obra a seguinte indicação: “Na sequência das chuvas intensas da semana passada, houve a invasão de águas pluviais das vias públicas para dentro do loteamento que provocou a derrocada de dois muros de pedra e o arrastamento de bases de tout-vennant e solo. O projeto de águas pluviais não contempla nem está preparado para a receção das águas dos arruamentos acima, provocando danos nos trabalhos de arranjos exteriores e inviabilizando o seu progresso”. - cfr. fls. 7 do livro de obra 2743, com data de abertura de 13/07/2015, anexo aos autos.
5. Com data de 06/04/2016, encontra-se aposta no livro de obra a seguinte indicação: Alterações aprovadas por despacho de 20/10/2015, com exceção do muro, conforme já comunicado através do ofício 6078, de 23/10/2015 – cfr. fls. 8 do livro de obra 2743, com data de abertura de 13/07/2015, anexo aos autos.
6. Com data de 22/06/2014, encontra-se aposta no livro de obra a seguinte indicação: “A obra encontra-se concluída de acordo com os projetos aprovados cumprindo as condições da SIE” – cfr. fls. 10 do livro de obra 2743, com data de abertura de 13/07/2015, anexo aos autos.
7. Com data de 22/10/2015, com o registo n.º 01/2015/541, proc.º 01/240/2009, o Requerido dirigiu à Requerente, ofício do qual resulta o seguinte:
Relativamente ao processo mencionado em epígrafe, serve o presente para comunicar a V.Exª que, de acordo com o despacho de 20/10/2015, deve deslocar-se ao balcão único, sendo portador do respetivo alvará e livro de obra para se proceder ao registo das alterações.
(…)
Quanto à construção de um muro de vedação a que chama amovível, de acordo com informação técnica, dado as características do mesmo, ou seja, fixar-se no solo com carácter permanente e não respeitar o afastamento já referido pelos Serviços de 4,50mts em toda a sua extensão em relação ao eixo da via, não existem condições para a emissão de parecer favorável, devendo o promotor ter em atenção a requalificação do arruamento e só depois, com os serviços, analisar a situação” – cfr. doc. de fls. 178 dos autos.
8. Com data de 30/06/2016, a Requerente dirigiu ao Requerido requerimento pelo qual solicita “Vem requerer a V.Exª, ao abrigo do artigo 76.º do RJUE, aprovado pelo Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação, a emissão de alvará de autorização e utilização, referente ao Processo de Obras n.º 01/2009/240…” cfr. fls. 40 dos autos.
9. A instruir o requerimento referido no ponto anterior, a requerente, ente outros, juntou ficha de elementos estatísticos, livro de obra, projeto de condicionamento acústico e termo de responsabilidade, telas finais – vedação e termo de responsabilidade assinado pelo técnico responsável pela direção técnica das obras – cfr. fls. 6 e 7 dos autos.
10. Em 15/07/2016, a requerente apresentou no requerido, requerimento pelo qual dava conta que no dia 30/06/2016, havia apresentado junto dos serviços do requerido, pedido de emissão de alvará de autorização e utilização relativo à obra cuja licença foi emitida com o número 34/2014, tendo instruído o pedido com os elementos necessários, sendo que até àquela data não foi notificada no prazo sobre eventual tomada de decisão prevista no artigo 64.º, n.º 2, situação prevista no ponto 4 do artigo 64.º, do Decreto-lei n.º 555/99 de 16 de dezembro, solicitando, assim, a emissão do alvará de utilização, no prazo de cinco dias – cfr. fls. 8 dos autos.
11. Em 25 de julho de 2016, a requerente apresentou novo requerimento junto dos serviços do requerido, pelo qual requer: “Face ao exposto e em conformidade com o estipulado no ponto 5 do artigo 113.º do já referido diploma DL 555/99, de 16 de dezembro e legislação subsequente e tendo procedido à liquidação das taxas devidas, como se comprova por documento anexo, vem a requerente CPT comunicar que vai dar imediata utilização às instalações construídas sob o alvará de construção 34/2014 e alvará de licença especial n.º 38/2016. Mais se informa que não se verificando a emissão voluntária do título requerido até ao dia 29 de julho de 2016, desencadeará o processo junto do tribunal administrativo, como o ponto 5 do artigo 113.º estipula” - cfr. fls. 15/16 dos autos.
12. Com data de 25 de julho de 2016, o Requerido dirigiu à requerente o ofício CM S 3869, registo n.º 01/2016/261, Procº 01/2009/240, sob o título “Construção de aldeamento turístico – Pedido de Autorização de Utilização”, no qual refere: Relativamente ao processo mencionado em epígrafe, serve o presente para informar V.Exª que o pedido deu entrada a 30 de junho de 2016, teve informação técnica a 06 de julho de 2016, despacho a 08 de julho de 2016 e o requerente foi oficiado a 13 de julho ofº com registo n.º 01/2016/255, ref.ª CM S 3704. De acordo com o artigo 87.º (contagem dos prazo) do Decreto-lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, à contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras:…
Além disso, a notificação foi expedida antes do primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo. Assim, concluiu-se que o Município cumpriu o prazo de 10 dias legalmente previsto, cabendo agora ao requerente pronunciar-se em sede de audiência prévia no prazo definido na lei para o efeito.
Deste modo, não poderá V.Exª fazer uso da previsão constante do n.º 4 do artigo 64.º do RJUE” – cfr. doc. 7 junto pela requerente, fls. 17 dos autos.
13. Com data de 13/07/2016, registo n.º 01/2016/255, Procº 01/2009/240, o requerido emitiu ofício que tem domo destinatária a requerente, com o seguinte teor:
[imagem omissa]
- cfr. fls. 45/46 dos autos.
14. Com data de 25/08/2016, registo n.º 01/2016/264, Procº 01/224072009, o Requerido remeteu à Requerente ofício do qual resulta: “Relativamente ao processo mencionado em epígrafe, juto se envia a V.Exª cópia do n/ ofício n.º CM S3704 de 13/07/2016, com proposta de indeferimento e respectivo registo de saída dos serviços”, sendo que o teor do ofício CM S3704, é o que resulta do documento inserido no ponto anterior – cfr. fls. 171 / 174 dos autos.
15. Com data de 25/11/2016, Proc.º n.º 01/2009/240, registo n.º 01/2016/255, CM S 5773, de 25711/2016, recebido pela Requerente em 02/12/2016, o Requerido notificou a requerente nos seguintes termos:
[imagem omissa]
– cfr. fls. 180/182 dos autos.
16. Em 18/08/2016, a requerente remeteu a petição inicial dos presentes autos – cfr. fls. 2 dos presentes autos.

Fatos não provados:
A data em que a requerente possa ter recebido o ofício emitido pelo requerido com a referência CM S 3704, de 13/07/2016, cujo teor consta do ponto 13 do probatório.
*
II.2 – DO MÉRITO DO RECURSO
Comecemos por ver, em síntese, o iter processual relevante até à decisão final.
A Requerente, ora Recorrente, veio a juízo pedir que fosse julgada procedente a acção, proferindo-se sentença que intimasse o Presidente da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital a emitir, no prazo de cinco dias, a “competente autorização de utilização do edifício construído ao abrigo da licença de construção 34/2014”.
A causa de pedir assenta na alegação de recusa de emissão do alvará de autorização de utilização, após pedidos da sua emissão sobre os quais “…nunca foi notificada de qualquer despacho ou decisão de indeferimento …”,
Citado, contestou o Requerido, ora Recorrido, alegando ter emitido atempado acto de indeferimento, tendo o requerente sido “oficiado do sentido negativo da referida proposta (conforme registo nº 01/2016/255 Ref. CM S 3704)”, considerando não ter havido deferimento tácito, ou, sem prescindir, a considerar-se ter existido, foi entretanto proferido acto de indeferimento expresso.
De seguida, a Requerente veio ampliar a causa de pedir e o pedido, alegando, em síntese, que, a admitir-se a existência das informações técnicas e do despacho de indeferimento de 8 de Julho de 2016, que as telas finais, como consta do parecer, respeitam a lei quanto ao afastamento do eixo da via; que a falta de autorização ou licença para construir o muro de vedação não pode interferir, nem servir de fundamento para o indeferimento, na apreciação do pedido de autorização de utilização do edifício; que a exigência, após a conclusão das obras, de pedido de licenciamento para as «especialidades» enferma de ilegalidade; que os dois pareceres que precederam a decisão de indeferimento são falsos, coma motivação ali expendida, concluindo como na petição inicial acrescendo o seguinte pedido: “Deve, ainda, se for entendimento do tribunal que ocorreu indeferimento expresso do pedido de autorização para utilização do edifício, anular-se o ato administrativo que indeferiu o mesmo”.
Pelo Mº Juiz a quo foi ordenada a junção, aos autos, do processo administrativo, o que veio a acontecer.
Foi ainda proferido despacho, com data de 15-11-2016, que, em face do alegado e do teor dos documentos juntos pelo Requerido, impôs a este o dever de informar nos autos se efectivamente havia ocorrido a decisão final, juntando os comprovativos respectivos, uma vez que, de acordo com documento junto, resultava ter havido apenas audiência prévia.
Após insistência do tribunal, o Requerido, em 12-12-2016, veio a juntar o documento de fls. 134 dos autos em suporte de papel, que consubstancia informação nº 88/2016 da Divisão de Planeamento e Gestão do Território do Município de Oliveira do Hospital, que versa sobre o referido pedido de autorização de utilização e proposta de indeferimento, sobre a qual foi aposto despacho de indeferimento, com data de 24-11-2016.
Foi a Requerente também notificada no sentido de informar qual o comportamento adoptado quanto ao mencionado nos parágrafos 3º, 4º e 6º do ofício que ora consta de 13. Da matéria de facto assente.
A Requerente veio informar o que consta de fls. 126 dos autos em suporte de papel, designadamente, que foi aprovada a execução do muro e que “tem contrato celebrado com a Direção Geral de Energia e Geologia para a prospecção e pesquisa de águas minerais”.
Posteriormente, em 22-12-2016, veio ainda o Requerido a suscitar em adrede requerimento a consideração do referido despacho de indeferimento, apesar de o mesmo ter sido proferido na pendência da acção.
Em face do alegado pelas partes nos articulados, procedeu o tribunal a diligências instrutórias, pelo despacho de 04-01-2017, a fls. 151 a 154 dos autos, impondo ao Requerido o dever de, designadamente e com nossos sublinhados:
a) Comprovado ter notificado a Requerente do seu ofício nº CM S 3704, de 13/07/2016;
b) Esclarecer, juntando cópias dos alvarás de licença de construção, se estes contemplavam alguma condicionante ou restrição ao licenciamento, nomeadamente quanto à necessidade de licenciamento das infraestruturas urbanísticas, quais as concretas, quais as concretas alterações que terão ocorrido no decurso da obra para a qual a Requerente pretende autorização de utilização, nomeadamente se a obra licenciada contemplava tais projectos, se eles respeitavam à construção em si e às redes interiores ou se contemplavam os arranjos e infraestruturas exteriores (entenda-se exteriores aos edifícios ou ao limite da propriedade onde eles se encontram construídos) e mesmo em relação a estes, se ocorreram alterações no decurso da obra e quais, que determinem a necessidade de licenciamento das infraestruturas urbanísticas;
c) (…)
d) juntar a decisão final que diz ter produzido de indeferimento da pretensão da Requerente, bem assim da prova da sua notificação à Requerente;
e) Juntar o livro de obra que a Requerente entregou com o pedido de autorização de utilização;
f) juntar cópia do ofício que terá dirigido à Requerente com a referência CM S 6078, de 23/10/2015, bem assim oi comprovativo da sua notificação.”.
Cumprido, pelas partes, o ordenado no referido despacho, sobreveio a sentença ora sob recurso.
Quanto ao procedimento administrativo de autorização, em si, verifica-se o seguinte, em síntese:
A Requerente apresentou ao Município de Oliveira do Hospital, em 30-06-2016, requerimento de emissão de alvará de autorização de utilização do edifício descrito na CRP de Oliveira do Hospital sob o nº 2508, inscrito na matriz urbana de Penalva de Alva sob os artigos 1609, 352 e 356, sito em Caldas de São Paulo.
O requerimento foi instruído, com a entrega expressamente naquela data, “com os elementos assinalados no Anexo 06.04 – Elementos instrutórios de emissão de alvará de autorização de utilização”, quais sejam, designadamente:
— “documentos comprovativos da qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realização da Operação…”;
— “…elementos instrutórios em formato digital, com as peças escritas em formato ‘pdf’ e as peças desenhadas em formato ‘dwf’, ‘pdf’, ‘dwg’, ou ‘dxf’, ou formatos abertos equivalentes, prontas a imprimir à escala”;
— “pré-certificação do SCE, emitido por perito qualificado no âmbito do Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Comércio e Serviços”;
— “Livro de obra”;
— “Projeto de condicionamento acústico e termo de responsabilidade do respectivo técnico”;
— “Telas finais … -Vedação”;
— “termo de responsabilidade assinado pelo técnico responsável pela direcção técnica da obra”.
Com data de 06-07-2016, Técnico Superior da Divisão de Planeamento e Gestão do Território do Município de Oliveira do Hospital pronunciou-se sobre aquele requerimento — informação técnica nº SL-112/16 —, referindo que anteriormente, em 27-08-2015, a requerente havia dado entrada de uma vedação que não distanciava, na sua totalidade, pelo menos, 4,50 metros do eixo da via pública, pelo que aquela pretensão havia sido indeferida. E acrescentou: “Estas telas finais respeitam agora a vedação com aquele afastamento. No entanto, e salvo melhor opinião, penso que, previamente, esta nova implantação deveria ser submetida a controlo prévio e, só posteriormente a um eventual deferimento desta, ser, então, solicitada a autorização da autorização de utilização.” [sic]. Mais acrescenta: “Será igualmente necessária a apresentação de uma planta de arranjos exteriores devidamente actualizada”.
O Chefe de Divisão daquele Departamento de Planeamento e Gestão do Território emitiu então parecer/proposta de despacho ao Presidente da Câmara de Oliveira do Hospital, declarando, designadamente: “Concordo com a informação técnica SL/112/16, sugerindo-se a transcrição da mesma (…)”.
Acrescentou ainda, designadamente, que “relativamente às especialidades deve o promotor proceder ao licenciamento das correspondentes infra-estruturas urbanísticas, tendo em atenção as alterações no decurso da obra, com as redes de abastecimento de águas, saneamento e rede de águas pluviais, incluindo as ligações às infra-estruturas públicas, assim como, esclarecimentos relativamente ao aproveitamento de recursos naturais minerais, conforme consta um requerimento apresentado de direitos de prospecção e de pesquisa à Direcção Geral de Energia e Geologia (…). Face ao exposto, não existem condições para emissão de parecer favorável ao pedido de autorização de utilização, porque será necessário proceder ao licenciamento das alterações existentes e correspondente aprovação, conforme proposto e só depois deve ser solicitada a autorização de utilização. Assim, de acordo com os artigos 121º e 122º do Código de Procedimento Administrativo, dispõe V. Exª de um prazo de 10 (dez) dias para reclamar da decisão” (nosso sublinhado).
A decisão que sobre o mesmo foi exarado por despacho autografo tem o seguinte teor: “Indeferido de acordo com a informação técnica”.
Tal como consta dos factos não provados, não se provou “a data em que a requerente possa ter recebido o ofício emitido pelo requerido com a referência CM S 3704, de 13/07/2016, cujo teor consta do ponto 13 do probatório”, ou seja, o ofício em que se pretende comunicar o sentido da decisão, de indeferimento, e ainda que a Requerente dispunha de prazo de 10 dias para “reclamar da decisão”, “de acordo com os artigos 121º a 122º do Código do Procedimento Administrativo”.
No entanto, com data de 25-08-2016, o Requerido enviou à Requerente ofício do qual resulta: “Relativamente ao processo mencionado em epígrafe, juto se envia a V.Exª cópia do n/ ofício n.º CM S3704 de 13/07/2016.
Finalmente, para o que ora importa ter em mente, com data de 25/11/2016, recebido pela Requerente em 02-12-2016, o Requerido notificou a requerente de que, designadamente, “…de acordo com o despacho do Sr. Presidente da Câmara de 24/11/2016, fundamentado na falta de aprovação do projeto da vedação confinante com a via pública, assim, como, na falta de apresentação do projeto de alterações dos arranjos exteriores e licenciamento das correspondentes infraestruturas urbanísticas, tendo em atenção as alterações no decurso da obra, nomeadamente rede de abastecimento de água, rede de saneamento de água residuais urbanas e pluviais, incluindo as suas ligações às redes públicas, os quais são objecto de controlo prévio ao abrigo do nº 2 do artigo 4º do Decreto-Lei 555/99, de 16 de dezembro, na sua actual redacção (…)” (nosso sublinhado).

Do mérito.
Alega a Recorrente que “Foram mal julgados os factos constantes dos pontos 2 a 7 dos factos dados como provados na medida em que não foram alegados, nem pela autora, nem pelo réu, os quais também não eram ou foram supervenientes no momento da interposição da ação, razão pela qual o tribunal estava impedido de os conhecer e julgar. Tais factos devem ser considerados como não escritos e, logo, como inexistentes no processo. O tribunal recorrido ao ter entendimento diverso fez incorreta aplicação da lei e do direito, violando o artigo 5.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA e artigo 86.º, CPTA e 611.º do CPC.”.
Afigura-se que sem razão.
Se, na verdade, o princípio dispositivo enforma o nosso processo civil, v.g. quanto ao impulso processual inicial como na delimitação objectiva e subjectiva da instância, também, por contraposição, «o princípio inquisitório é aquele segundo o qual a vontade relevante no processo é a do juiz, a quem cabe a direcção da lide», como verte Ana Prata, Dicionário Jurídico, vol. I, 5ª ed., Almedina, pág. 1125, aliás, na esteira de Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, pág. 123, para quem, segundo tal princípio, «o processo é dominado pela vontade daquele que o deve julgar, e que recebe da ordem jurídica poderes para uma decisão justa».
Evidentemente, a amplitude de poderes instrutórios do juiz é corroborada numa diversidade de normas: Desde logo, o juiz tem o dever de considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, os factos notórios e aqueles que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do CPC); Para além do dever de gestão processual (artigo 6º do CPC), incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer (artigo 411º do CPC); Tem a possibilidade de requerer oficiosamente qualquer tipo de documentos, incluindo informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objectos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade, seja a requisição feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros (artigo 436º do CPC); o poder de determinar oficiosamente uma perícia (artigo 477º do CPC); Determinar, em qualquer estado do processo, a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa (artigo 452º do CPC); Julgar da conveniência e proceder, por sua iniciativa, a inspecção judicial (artigo 490º do CPC); O dever de ordenar o depoimento de pessoa não arrolada como testemunha que tenha conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa (artigo 526º do CPC).
No caso presente, apesar dos documentos juntos aos autos com os articulados apresentados pelas partes, operou o Mmº Juiz a quo a instrução dos autos, em face dos factos alegados e patenteados nos documentos juntos pelas partes inicialmente e ainda do pedido formulado pela Requerente, de resto, como ao juiz cabe, como vimos, no exercício de um poder/dever, ao abrigo dos poderes instrutórios e de gestão processual ínsitos, designadamente e no presente caso, nos artigos 6º, 7º, nº 2, 411º, todos do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, e ainda artigos 90º, nºs 2 e 3, ex vi artigo 97º, todos do CPTA, aplicáveis por via do disposto no artigo 112º, nº 7, do RJUE de oficiosamente ordenar todas a diligência que considere necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer — factos instrumentais —, como foi o caso dos factos 2 a 7 da matéria assente, relativamente aos factos erigidos pelo Requerido em fundamento do indeferimento do pedido de autorização de utilização e enformadores da sua ambiência factual.
Como tal, tendo sido permitido às partes o exercício do contraditório, também não se verifica a violação do princípio da igualdade de armas, tal como alega na conclusão 8ª da alegação de recurso, como também não se verifica a violação desse princípio pelo invocado motivo de o Requerido ter efectuado junção de documentos aos autos sem qualquer consequência sancionatória, sem que venha arguido que essa irregularidade possa influir ou tenha influído no exame e decisão da causa e sem que se mostre ter sido atempadamente arguida (artigos 195º, nº 1, 199º e 149º, nº 1, todos do CPC).
Improcedem, neste ponto, os fundamentos do recurso.

Quanto às invocadas nulidades da sentença.
Alega a Recorrente que a sentença é nula, duplamente, nos termos do artigo 95º do CPTA e do artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, ao conhecer de questões que não podiam conhecer, por não terem sido alegadas na contestação, nem na P.I., nem em articulado superveniente, e por não conhecer de questões que devia conhecer e lhe foram colocadas na resposta à excepção, através da ampliação da causa de pedir e do pedido.
Conclui a Recorrente: “A sentença recorrida conheceu, assim, de questões, colocadas pela prova daqueles factos, em especial condicionantes da licença de construção e outros factos ocorridos entre a emissão da licença de construção e o pedido de autorização para utilização, que lhe estava vedado conhecer, nomeadamente, que o ato de deferimento tácito estava viciado e por isso não podia ter viabilidade a pretensão deduzida na petição inicial. Mas se assim é, então o tribunal estava obrigado a conhecer da ampliação da causa de pedir e do pedido, formulados na resposta à exceção deduzida na contestação, em que foi alegada a inexistência de qualquer vício naquele deferimento tácito e ser manifestamente ilegal o indeferimento do pedido de emissão do alvará de autorização de utilização.”.
Sem razão, todavia.
Sem prejuízo de consubstanciar erro de julgamento, não se verifica, todavia, nulidade decorrente de vedado conhecimento de questões ou da omissão referida, pois, embora abordada, especialmente em face do argumento da Requerente da não notificação da intenção de indeferimento, foi julgada inútil a questão da formação do deferimento tácito, em face do expresso indeferimento que sobreveio. Lê-se na sentença recorrida: “…ainda que se haja formado “deferimento tácito” por efeito da articulação dos arts. 62.º, 63.º, 64.º do RJUE, tal realidade e sua discussão para e na economia do julgado resulta inútil e insubsistente porquanto se constata que um eventual “deferimento tácito” havido do pedido de autorização de utilização do edificado veio a ser alvo de expresso indeferimento que não se apresenta ou evidencia como nulo e como tal aquele “deferimento tácito” foi por este eliminado da ordem jurídica por efeito da revogação operada, realidade essa que se mostra suficiente para que se imponha a conclusão da improcedência da pretensão de intimação que se mostra formulada pelo aqui recorrente nos autos dada a inexistência de ato “deferimento tácito” consolidado.”.
Improcedem os fundamentos do recurso nesta matéria.

As conclusões 8ª a 17ª da alegação de recurso culminam na seguinte síntese: “17.ª) A douta sentença recorrida, absorvendo todos os despachos de mero expediente proferidos depois de 7 de outubro de 2016, aceitando os factos praticados após essa data, sugeridos pelo tribunal, aceitando que o réu praticasse atos processuais para além do prazo que lhe foi fixado, sem consequências, para julgar a ação improcedente, é parcial e injusta, está em desconformidade com os mais elementares princípios de garantia processual de igualdade das partes previsto no artigo 4.º do CPC; viola o princípio da celeridade processual previsto no artigo 6.º do CPC; viola o princípio processual da justa composição do litígio previsto no artigo 7.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA e, acima de tudo, viola o princípio da legalidade processual.”.
Nesta matéria, como já vimos acima, não se mostrando terem sido arguidas, no momento próprio, as atinentes eventuais nulidades (artigos 195º, nº 1, 199º e 149º, nº 1, todos do CPC), delas não cabe agora conhecimento, pela intempestividade.
Por outro lado, não se vislumbra ter sido iniciado qualquer procedimento no sentido da verificação de qualquer impedimento do juiz ou que lhe tenha sido oposto suspeição (artigos 115º e seguintes e 119º e seguintes, do CPC).

Quanto à alegação de que a sentença é injusta, o que se liga ao julgamento, resta a sua apreciação no âmbito do objecto do recurso e se a tanto se guindar a causa, sendo o recurso a sede própria, na medida do seu objecto. Tal como ensina Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, reimpressão, pág. 211 e seguintes, “os recursos são meios de obter a reforma de sentença injusta, de sentença inquinada de vício substancial ou erro de julgamento.”.
Vejamos então a questão do erro de julgamento de direito, com violação das normas do disposto no artigo 64º do RJUE.
Tenhamos agora presente o procedimento de autorização de utilização de edifícios previsto no nº 5 do artigo 4º e especificamente regulado nos artigos 62º a 66º, todos do RJUE aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99 Alterado pelos seguintes diplomas legais:
- DL n.º 214-G/2015, de 02/10;
- Rectificação n.º 46-A/2014, de 10/11
- DL n.º 136/2014, de 09/09
- DL n.º 266-B/2012, de 31/12
- Lei n.º 28/2010, de 02/09
- DL n.º 26/2010, de 30/03
- DL n.º 116/2008, de 04/07
- DL n.º 18/2008, de 29/01
- Lei n.º 60/2007, de 04/09
- DL n.º 157/2006, de 08/08
- Lei n.º 4-A/2003, de 19/02
- Lei n.º 15/2002, de 22/02
- Declaração n.º 13-T/2001, de 30/06
- DL n.º 177/2001, de 4/06
- Declaração n.º 5-B/2000, de 29/02, de 16 de Dezembro.
A autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas na sequência de realização de obra sujeita a controlo prévio destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projeto de arquitetura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do respetivo procedimento de controlo prévio, assim como a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis, podendo contemplar utilizações mistas, reza o nº 1 do artigo 62º.
O pedido de autorização de utilização deve ser instruído de harmonia com as exigências do artigo 63º: 1 - O pedido de autorização de utilização deve ser instruído com as telas finais, acompanhadas de termo de responsabilidade subscrito pelo diretor de obra ou pelo diretor de fiscalização de obra, no qual aqueles devem declarar que a obra está concluída e que foi executada de acordo com os projetos de arquitetura e especialidades, bem como com os arranjos exteriores aprovados e com as condições do respetivo procedimento de controlo prévio e que as alterações efetuadas ao projeto estão em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis. 2 - O pedido de autorização de utilização pode ainda ser instruído com termo de responsabilidade subscrito por pessoa legalmente habilitada a ser autor de projeto, nos termos do regime jurídico que define a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos, pela fiscalização de obra e pela direção de obra..
De harmonia com o nº 1 do artigo 64º, a autorização de utilização é concedida no prazo de 10 dias a contar da recepção do requerimento, com base nos termos de responsabilidade referidos no artigo anterior, salvo se, nesse mesmo prazo, o presidente da câmara municipal, oficiosamente ou a requerimento do gestor do procedimento, determinar a realização de vistoria, por se verificar alguma das situações previstas no n.º 2 deste preceito.
Quanto ao pedido de autorização de utilização, retira-se do preceituado no artigo 111º, designadamente a alínea c), que este se considera tacitamente deferido, com as consequências gerais, pelo decurso dos prazos fixados para a sua prática, sem que o mesmo se mostre praticado.
E, na verdade, não sendo determinada a realização de vistoria no prazo referido no nº 1 do artigo 64º, o requerente pode solicitar a emissão do alvará de autorização de utilização, tendo em vista a obtenção de um título para a dita operação urbanística (cfr. artigos 63º, nº 4, e 74º, nº 3, 76º e nº 6 da Portaria 216-E/2008, de 3 de Março).
Por fim, ainda que determinada, mas não sendo a vistoria realizada nos termos dos nºs 1 a 5 do artigo 65º, pode o requerente, ao abrigo do nº 6 do artigo 65º, solicitar a emissão do título de autorização de utilização, mediante a apresentação do comprovativo do requerimento da mesma nos termos do artigo 63.º, o qual deve ser emitido no prazo de cinco dias e sem a prévia realização de vistoria.

Vejamos em concreto.
O requerimento de autorização de utilização do edifício em crise foi apresentado no dia 30-06-2016, instruído, com a entrega expressamente naquela data, “com os elementos assinalados no Anexo 06.04 – Elementos instrutórios de emissão de alvará de autorização de utilização”, quais sejam, designadamente:
— “documentos comprovativos da qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realização da Operação…”;
— “Autorização de exploração – D.G.G.G.”;
— “…elementos instrutórios em formato digital, com as peças escritas em formato ‘pdf’ e as peças desenhadas em formato ‘dwf’, ‘pdf’, ‘dwg’, ou ‘dxf’, ou formatos abertos equivalentes, prontas a imprimir à escala”;
— “pré-certificação do SCE, emitido por perito qualificado no âmbito do Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Comércio e Serviços”;
— “Livro de obra”;
— “Projeto de condicionamento acústico e termo de responsabilidade do respectivo técnico”;
— “Telas finais … -«Vedação»”;
— “termo de responsabilidade assinado pelo técnico responsável pela direcção técnica da obra”.
Em face deste pedido, compete ao presidente da câmara municipal, por sua iniciativa ou por indicação do gestor do procedimento, decidir as questões de ordem formal e processual que possam obstar ao conhecimento de qualquer pedido ou comunicação apresentados no âmbito do presente diploma, como verte o nº 1 do artigo 11º do RJUE. Assim, no prazo de oito dias a contar da apresentação do requerimento, o presidente da câmara profere despacho de aperfeiçoamento do pedido, de rejeição liminar quando da análise dos elementos instrutórios resultar que o pedido é manifestamente contrário às normas legais ou regulamentares aplicáveis ou de extinção do procedimento, nos termos vertidos no nº 2 do artigo 11º.
Certo é que, nos termos do nº 5 do mesmo artigo 11º, não ocorrendo rejeição liminar ou convite para corrigir ou completar o pedido ou comunicação, no prazo previsto no n.º 2, presume-se que o requerimento ou comunicação se encontram corretamente instruídos.
No caso presente, é, pois, de presumir que o requerimento se encontrava correctamente instruído, já que nenhuma das situações previstas se mostra ter ocorrido, designadamente a rejeição liminar na sequência de análise dos elementos instrutórios de que tivesse resultado que o pedido era manifestamente contrário às normas legais ou regulamentares aplicáveis.
Vejamos agora o que aconteceu, de seguida.
Com data de 06-07-2016, o requerimento foi objecto de análise na Divisão de Planeamento e Gestão do Território do Município de Oliveira do Hospital e sobre ele foi prestada informação técnica, pelo Técnico Superior CMBSL— informação técnica nº SL-112/16 —, referindo que anteriormente, em 27-08-2015, a requerente havia dado entrada de uma vedação que não distanciava, na sua totalidade, pelo menos, 4,50 metros do eixo da via pública, pelo que aquela pretensão havia sido indeferida.
E acrescentou (nossos sublinhados): “Estas telas finais respeitam agora a vedação com aquele afastamento. No entanto, e salvo melhor opinião, penso que, previamente, esta nova implantação deveria ser submetida a controlo prévio e, só posteriormente a um eventual deferimento desta, ser, então, solicitada a autorização da autorização de utilização.” [sic]. Mais acrescenta: “Será igualmente necessária a apresentação de uma planta de arranjos exteriores devidamente actualizada”.
O Chefe de Divisão daquele Departamento de Planeamento e Gestão do Território, FAPD, emitiu então parecer/proposta de despacho ao Presidente da Câmara de Oliveira do Hospital, declarando, designadamente: “Concordo com a informação técnica SL/112/16, sugerindo-se a transcrição da mesma (…)”.
Acrescentou ainda, designadamente, que “relativamente às especialidades deve o promotor proceder ao licenciamento das correspondentes infra-estruturas urbanísticas, tendo em atenção as alterações no decurso da obra, com as redes de abastecimento de águas, saneamento e rede de águas pluviais, incluindo as ligações às infra-estruturas públicas, assim como, esclarecimentos relativamente ao aproveitamento de recursos naturais minerais, conforme consta um requerimento apresentado de direitos de prospecção e de pesquisa à Direcção Geral de Energia e Geologia — Aviso nº 13383/2013, de 16 de outubro de 2013, dando conta de um plano de prospecção e pesquisa de águas minerais naturais, datado de 29 de janeiro de 2015, sendo que, em 15 de Abril de 2015, há menção de um contrato para atribuição de direitos de prospecção e pesquisa de águas minerais no concelho de Oliveira do Hospital. Face ao exposto, não existem condições para emissão de parecer favorável ao pedido de autorização de utilização, porque será necessário proceder ao licenciamento das alterações existentes e correspondente aprovação, conforme proposto e só depois deve ser solicitada a autorização de utilização. Assim, de acordo com os artigos 121º e 122º do Código de Procedimento Administrativo, dispõe V. Exª de um prazo de 10 (dez) dias para reclamar da decisão”.
Assim, à proposta de controlo prévio e junção de planta de arranjos exteriores que a informação técnica encerra, foi agregado mais um conjunto de fundamentos de indeferimento: um primeiro, atinente às especialidades deve o promotor proceder ao licenciamento das correspondentes infra-estruturas urbanísticas, tendo em atenção as alterações no decurso da obra, com as redes de abastecimento de águas, saneamento e rede de águas pluviais, incluindo as ligações às infra-estruturas públicas (adiante veremos a sua relevância) e um segundo que exige esclarecimentos relativamente ao aproveitamento de recursos naturais minerais, cuja relevância como obstáculo ao deferimento da autorização de utilização do edifício em causa nos escapa completamente e nada nos autos esclarece, a não ser a Requerente que, a pedido do tribunal, veio dizer ter contrato celebrado com a Direcção-Geral de Energia e Geologia para prospecção e pesquisa de águas minerais (fls. 126 dos autos em suporte de papel).
A parte final da proposta de despacho é, outrossim, pouco clara, no que toca à audiência prévia: Invocando os artigos 121º e 122º do CPA, que se reportam efectivamente à audiência prévia do interessado antes de ser tomada a decisão final, aponta, por outro lado, o prazo de 10 dias para reclamação, como se decisão final fosse ali proposta.
Em qualquer caso, certo é que a decisão que sobre o mesmo foi exarado por despacho autografo tem o seguinte teor: “Indeferido de acordo com a informação técnica”.
Fica-nos a dúvida (mais uma), sobre se é uma pura e simples decisão de indeferimento, sobre se é uma decisão de indeferimento com fundamento na informação técnica que expressamente aponta ou se é indeferimento com os fundamentos do parecer/proposta de despacho, aqui tomada como informação técnica.
Certo é que não foi expressamente concedida a autorização de utilização nem determinada a vistoria a que alude o nº 2 do artigo 64º do RJUE.
Certo ainda é que as razões que fundamentam, em qualquer dos casos, o referido indeferimento se subsumem à previsão normativa da alínea b) do nº 2 do artigo 64º do RJUE, o que impõe a realização de vistoria. Voltaremos a esta questão mais adiante.
Entretanto, tal como consta dos factos não provados, não se provou “a data em que a requerente possa ter recebido o ofício emitido pelo requerido com a referência CM S 3704, de 13/07/2016, cujo teor consta do ponto 13 do probatório”, ou seja, o ofício em que se pretende comunicar o sentido da decisão, de indeferimento, e ainda que a Requerente dispunha de prazo de 10 dias para “reclamar da decisão”, “de acordo com os artigos 121º a 122º do Código do Procedimento Administrativo”.
A não prova deste facto, nos termos em que se mostra vertido, vai ao encontro do alegado pelas partes: Do alegado pela Requerente, no sentido de nunca ter sido notificada de tal despacho; Do alegado pelo requerido, na admissão da possibilidade de não ter ocorrido a notificação ou, como defende ainda na contra-alegação de recurso por ter sido verificado um lapso no envio do ofício em causa (correio simples em vez de correio registado).
Por fim, também é certo, porque provado, que aquele ofício de que não se provou a notificação veio a ser notificado à Requerente, por ofício com data de 26-08-2016, o qual culmina, como acima se viu, com o seguinte: “Assim, de acordo com os artigos 121º a 122º do Código do Procedimento Administrativo, dispõe V. Exª de um prazo de 10 (dez) dias para reclamar da decisão.”.
Quid júris?
Sabendo-se que no caso presente, resulta provado (factos 1., 2, e 3.) que o Requerido emitiu a favor da Requerente alvará de licença de construção nº 34/2014 e alvará de licença especial nº 38/2016, vejamos.
O procedimento de licenciamento de obras de edificação mostra-se dividido em duas fases, sendo a primeira atinente à apreciação e aprovação do projecto de arquitectura e a segunda à apresentação dos projectos de engenharia de especialidades, conduzindo ao licenciamento da obra, consubstanciando a deliberação final de deferimento do pedido de licenciamento, a licença para a realização da operação urbanística (cfr. v.g. artigos 18º a 27º do RJUE).
Com as alterações introduzidas ao RJUE pelo Decreto-Lei nº 26/2010, de 30 de Março, dispensa-se não apenas a apreciação dos projectos de especialidade pelos serviços municipais, como também se dispensa da apresentação na câmara municipal das consultas, certificações, aprovações ou pareceres externos, desde que, nos termos do nº 9 do artigo 13º do RJUE, os respectivos projectos de arquitectura e os de especialidades fossem acompanhados por termo de responsabilidade subscrito por técnico autor de projecto legalmente habilitado que atestasse o cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis (com excepção dos projectos de electricidade e do gás, reguladas por legislação especial — nº 10 do artigo 13º do RJUE).
Esta desburocratização ou simplificação procedimental, com apreciação, por parte dos órgãos municipais, apenas das questões externas do projecto de arquitectura (cfr. nºs 1 e 2 do artigo 20º do RJUE) e não apreciação das especialidades, veio a ser reforçada pelo Decreto-Lei nº 136/2014, de 9 de Setembro, introduzindo no nº 8 do artigo 20º do RJUE o seguinte: As declarações de responsabilidade dos autores dos projetos de arquitetura, no que respeita aos aspetos interiores das edificações, bem como dos autores dos projectos das especialidades e de outros estudos nos termos do nº 4 do artigo 10º, constituem garantia bastante do cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, excluindo a sua apreciação prévia, salvo quando as declarações sejam formuladas nos termos do n.º 5 do artigo 10º.
Assim sendo, o acto de aprovação do projecto de arquitectura apresenta-se como o acto pelo qual os municípios procedem ao controlo das condições urbanísticas da realização das obras de edificação, ou seja, procedem à verificação do cumprimento dos instrumentos de planeamento, incluindo os planos especiais de ordenamento do território e das regras técnicas de construção, bem como sobre o uso proposto.
Decididas que ficam definitivamente estas questões com a aprovação do projecto de arquitectura, o procedimento de licenciamento continua com a apresentação dos projectos das especialidades, caso não se tenha apresentado tais projectos com o requerimento inicial (nº 4 do artigo 20º), em relação aos quais os instrumentos de planeamento se quedam mudos, excluindo-se a sua apreciação prévia em face do disposto nos artigos 13º, nº 9, e 20º, nº 8, ambos do RJUE.
É na aprovação do projecto de arquitectura que o município formula um juízo próprio e autónomo em relação à obra, ficando todos os restantes aspectos da edificação (referentes aos projectos das especialidades) fora do seu poder de apreciação — e da sua responsabilidade —, precisamente porque já não estão em causa questões urbanísticas, mas questões eminentemente técnicas cuja aprovação, parecer ou certificação é, em regra, da responsabilidade de entidades externas, cabendo ao município apenas garantir que os projectos de especialidades são atempadamente entregues (nº 6 do artigo 20º do RJUE) e objecto de consulta, aprovação, parecer ou certificação legalmente exigidos.
Assim — e veja-se Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, 2016, 4ª ed., Almedina, págs. 307 a 311 — verifica-se que o acto de aprovação do projecto de arquitectura, cuja apreciação antecede e condiciona os restantes projectos (artigos 20º, nº 4, e 23º, ambos do RJUE), embora se pronuncie apenas sobre um dos projectos da obra, constitui o acto central do procedimento de licenciamento, afirmando a mais recente jurisprudência dos tribunais administrativos, na matéria, o efeito constitutivo e definitivo da aprovação dos projectos de arquitectura — v.g. acórdãos do TCA Sul, 25-03-2010, proc. nº 01460/06; de 24-06-2010, proc. nº 03250/07; de 28-10-2009, proc’s nºs 043/99 e 04110/08; Acórdão do STA, de 14-07-2010, proc. nº 0321/10.
Em conclusão, uma vez aprovado o projecto de arquitectura e tendo as entidades competentes aprovado e emitido parecer ou certificação legalmente exigidos sobre os projectos das especialidades, a licença de construção, acto final do procedimento (artigos 23º e 26º do RJUE), surge como um ato devido, desprovido de pronúncia autónoma e inovadora, limitando-se a confirmar a existência de anteriores actos, v.g. aprovação do projecto de arquitectura e aprovações, pareceres ou certificações dos projectos das especialidades.
Assim se compreende a solução implementada pelo legislador relativamente ao procedimento de autorização de utilização a que alude o nº 5 do artigo 4º do RJUE, que se apresenta agora simplificado na sua linearidade procedimental.
Na verdade, a autorização de utilização de edifícios ou suas fracções autónomas na sequência de realização de obra sujeita a controlo prévio tem apenas um propósito: “(…) destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projeto de arquitetura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do respetivo procedimento de controlo prévio, assim como a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis, podendo contemplar utilizações mistas”, tal como dispõe o nº 1 do artigo 62º do RJUE.
Esquematicamente, neste caso, a autorização de utilização destina-se a verificar:
1 – a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte;
2 - a conformidade da obra com o projecto de arquitectura e arranjos exteriores aprovados;
3 – a conformidade da obra com as condições do respectivo procedimento de controlo prévio;
4 - a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis.
Para tanto, deve o interessado apresentar adrede requerimento devidamente instruído, nos termos definidos no artigo 62º do TJUE, devendo ser instruído com as telas finais, acompanhadas de termo de responsabilidade subscrito pelo director de obra ou pelo director de fiscalização de obra, no qual aqueles devem declarar que a obra está concluída e que foi executada de acordo com os projectos de arquitectura e especialidades, bem como com os arranjos exteriores aprovados e com as condições do respectivo procedimento de controlo prévio e que as alterações efectuadas ao projecto estão em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis. E pode ainda ser instruído com termo de responsabilidade subscrito por pessoa legalmente habilitada a ser autor de projecto, nos termos do regime jurídico que define a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projectos, pela fiscalização de obra e pela direcção de obra.
O que se segue?
Porque estamos perante uma operação urbanística [artigo 2º. Alínea j), do RJUE], de utilização de edifícios, deve entender-se que está sujeita a um controlo prévio, tal como se prevê no artigo 8º, nº 1, do RJUE, aplicável tendo em linha de conta — e, portanto, com as devidas adaptações — o regime jurídico procedimental especificamente previsto na subsecção IV da secção III do capítulo II do RJUE — neste sentido, também Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, op. cit., pág. 487.
Assim, focando-nos nos pontos que relevam à economia do presente aresto, há lugar, no prazo de oito dias a contar da apresentação do requerimento, a uma apreciação liminar, que pode concluir pelo aperfeiçoamento do pedido, pela sua rejeição liminar, quando da análise dos elementos instrutórios resultar que o pedido é manifestamente contrário às normas legais ou regulamentares aplicáveis, ou pela extinção do procedimento, tudo nos temos do nº 2 do artigo 8º do RJUE.
Donde, tal como se prevê no nº 5 daquele artigo 8º, não ocorrendo rejeição liminar ou convite para corrigir ou completar o pedido ou comunicação, no prazo previsto no n.º 2, presume-se que o requerimento ou comunicação se encontram corretamente instruídos.
A autorização de utilização é concedida, no prazo de 10 dias a contar da recepção do requerimento, com base nos termos de responsabilidade referidos no artigo 63º do RJUE, como dispõe o nº 1 do artigo 64º, salvo a situação prevista no número seguinte, reza ainda aquele o nº 1.
Ou seja, na conjugação das normas deste regime procedimental e chamando à colação do disposto no artigo 9º, maxime o seu nº 2, do Código Civil, a alternativa à concessão da autorização da utilização é a determinação da realização de uma vistoria, de harmonia com o disposto no nº 2 do artigo 64º, o que bem se compreende, no desenho que o legislador implementou, em face do que acima se exarou relativamente ao acto de aprovação do projecto de arquitectura e à instrução do pedido com os termos de responsabilidade referidos no artigo 63º, com base nos quais é a autorização de utilização concedida.
Determinada a vistoria, pode da sua realização resultar, então, o indeferimento do pedido de autorização de utilização, sendo que, os motivos de indeferimento dos pedidos de autorização de utilização apresentados ao abrigo do artigo 62º são os que dele constam, devendo ser assegurado, como bem observam Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, op. cit., pág. 475, “a não duplicação (ou dupla valoração) dos motivos de indeferimento ou de controlo municipal invocados nos dois momentos de apreciação: deve, assim, ter-se presente que uma vez que as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis (nº 1 do artigo 62º) foram já mobilizadas no procedimento de licenciamento das obras no âmbito e para o efeito da apreciação e aprovação do projecto de arquitetura, tendo essa apreciação ficado estabilizada nesse momento (…), tal apreciação não pode voltar a ser feita no momento da autorização de utilização.”.
Ora, de harmonia com o disposto no artigo 64º do RJUE ao presidente da Câmara compete conceder a referida autorização de utilização ou determinar, oficiosamente ou a requerimento do gestor do procedimento e ainda no prazo dos 10 dias, a realização de vistoria a efectuar nos termos do artigo 65º, sendo certo que a existirem indícios sérios, nomeadamente com base nos elementos constantes do processo ou do livro de obra, a concretizar no despacho que determina a vistoria, de que a obra se encontra em desconformidade com o respectivo projecto ou condições estabelecidas, então essa situação determina, não o indeferimento, mas sim a realização de vistoria [artigo 64º, nº 2, alínea b)].
No presente caso, não houve rejeição liminar do requerimento, não foi concedida a autorização de utilização com base nos termos de responsabilidade juntos pela requerente, nem foi determinada a realização de vistoria.
O que o Requerido fez, sem a verificação material que a vistoria teria permitido — e, portanto, sem proceder às verificações aludidas no artigo 62º, nº 1, cuja conformidade permitiria deferir o pedido e cuja desconformidade poderia fundamentar o indeferimento —, foi operar directa e imediatamente o indeferimento do pedido de autorização de utilização do edifício, comunicando à Requerente, num primeiro momento, apenas a intenção de indeferimento, para efeito de audiência de interessados — acto jurídico meramente preparatório no procedimento administrativo, que não consubstancia a decisão final, pois não define a situação jurídica do interessado — e, meses depois, o acto de indeferimento sem a prévia realização de qualquer vistoria.
A situação dos autos subsume-se inteiramente à previsão normativa do nº 3 (actual nº 4) do artigo 64º do RJUE: Não sendo determinada a realização de vistoria no prazo referido no nº 1, o requerente pode solicitar a emissão do alvará de autorização de utilização, que deve ocorrer no prazo de cinco dias, mediante apresentação do comprovativo do requerimento da mesma nos termos do artigo 63º.
Todavia, sobreveio o referido acto de indeferimento expresso, de 24-11-2016 (facto 15. do probatório), que, quando entendido como revogatório do deferimento tácito — e sendo certo que a ilegalidade do acto revogatório não pode ser conhecida no processo de intimação a menos que implique nulidade, o que não se evidencia —, sempre imporia a conclusão da improcedência da pretensão de intimação requerida.
Foi esta, em síntese e última ratio, a posição assumida na sentença sob recurso.
Esta posição tem apoio em jurisprudência, designadamente do STA, v.g. acórdãos de 12-03-2003, proc. nº 0352/03; de 27-03-2003, proc. nº 0515/03; de 19-11-2003, proc. nº 01503/03; de 05-02-2004, proc. nº 01892/03; de 07-09-2010, proc. nº 0224/10.
Sumariou-se neste último acórdão:
I - O deferimento expresso ou tácito do pedido de licenciamento de obras é requisito do deferimento do pedido de intimação judicial para emissão de alvará.
II - Improcede o pedido de intimação, sempre que o acto tácito, de deferimento do pedido de licenciamento em causa, tiver sido revogado por acto expresso posterior a que não seja atribuída ilegalidade geradora de nulidade.
III - Não obsta a tal conclusão, a circunstância de o acto expresso revogatório ter sido proferido na pendência do processo de intimação, uma vez que este acto superveniente deve ser valorado na apreciação do mérito da intimação, de acordo com o previsto no art. 663° do C. P. Civil.”.
O argumento jurisprudencial decisivo, por nossa interpretação, era este (retirado do acórdão acabado de citar): “Esse mecanismo [de intimação previsto no artigo 113º do RJUE] está pensado e só tem justificação racional para os casos de deferimentos não viciados e/ou já consolidados na ordem jurídica como casos decididos irrevogáveis. De outro modo conduziria ao resultado absurdo e intolerável de ser um mecanismo judicial de imposição de licenciamentos viciados, retirando à Administração o seu poder legal de revogação de actos meramente anuláveis.
A tutela judicial efectiva está assegurada ao particular através da impugnação judicial do acto revogatório.”.
Havia razão de ser para uma jurisprudência de acautelamento de determinadas situações, que ia ao encontro de preocupações que a doutrina suscitava em face do regime de revogação de actos constitutivos de direitos — como é o caso da autorização de utilização — ínsito no Código do Procedimento Administrativo. Tenhamos presente que ao caso se aplica já o novo CPA aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de Janeiro.
Louvamo-nos de Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, op. cit., pág. 555-556, na sua sintetização: «Previamente à aprovação do novo CPA, a possibilidade de revogação de atos constitutivos de direitos era perspectivada de forma muito limitativa, apenas sendo admitida na parte em que os atos eram desfavoráveis aos seus destinatários e quando todos os interessados tivessem dado consentimento à revogação do ato e em causa não estivessem direitos indisponíveis (cfr. artigo 14º, nº 2, do antigo CPA). Já nessa altura, porém, se questionava se as possibilidades de revogação não poderiam ir além das fronteiras literais do artigo, por exemplo, determinando a revogação da licença perante um achado arqueológico de relevo (interrogação de Luís Pereira Coutinho, “Notas sobre a alteração de licença urbanística”, in Estudos de Direito do Ambiente e de Direito do Urbanismo, ICJP, 2011, disponível online, pp. 330-331).
Neste aspeto, concordávamos então com Pedro Gonçalves [“Revogação de actos administrativos)”, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. III, pp. 316-317] para quem se deve admitir “…a revogação dos actos administrativos (válidos) constitutivos de direitos e interesses legalmente protegidos quando o administrador demonstre que a manutenção dos seus efeitos é inconveniente para o interesse público, o que pode verificar-se sobretudo quando ocorrer uma alteração da situação de facto sobre que o acto incidiu”. Para este Autor, o anterior CPA, ao excluir uma revogação livre, não excluía a revogação dentro de certas condicionantes limitativas, uma das quais será precisamente a que deriva da preponderância ou prevalência do interesse público sobre os interesses privados. Num caso como este, e porque o ato constitutivo de direitos ou interesses legalmente protegidos origina um ambiente de confiança e de expectativa legítima na manutenção dos seus efeitos, o interessado de boa-fé deve ser “justamente ressarcido pelo dano de que a revogação seja causa adequada”.
Hoje, porém, ainda que rodeado de cautelas, o artigo 167º do CPA passou a admitir a revogação com fundamento na superveniência de conhecimentos técnicos e científicos ou em alteração objectiva das circunstâncias de facto, perante as quais, num ou noutro caso, não poderiam ter sido praticados, ou com fundamento em reserva de revogação, na medida em que o quadro normativo aplicável consinta a precarização do ato em causa e se verifique o circunstancionalismo específico previsto na própria cláusula. Estas hipóteses, há muito reclamadas pela doutrina (cfr. no direito do ambiente, Carla Amado Gomes, Risco e Modificação do Acto Autorizativo Concretizador de Deveres de Protecção do Ambiente, Coimbra, Coimbra Editora, 2007), são de particular importância no direito do urbanismo por permitirem a revogação de atos nos casos em que a sua manutenção importaria grave prejuízo para o interesse público urbanístico ou ambiental, bem como por permitirem assegurar o cumprimento de ónus urbanísticos por parte dos particulares.”.
Volvendo ao caso sub judice e em conclusão, tendo presente o disposto no artigo 73º, nº 1, do RJUE e artigos 166º e 167º, ambos do CPA, as razões que o acto de indeferimento expressa são susceptíveis de subsunção na alínea c) do nº 2 do artigo 167º do CPA, donde, a admissibilidade da revogação no caso concreto, pelo que, não se descortinando no acto revogatório qualquer vício gerador de nulidade (vd., por todos, o acórdão STA de 2003-11-19, proc. n° 1503/03 e demais jurisprudência nele citada) e não fazer parte do objecto dos presentes autos de intimação a discussão acerca da mera anulabilidade da decisão expressa de indeferimento da pretensão da autora, é de concluir pelo acerto da decisão de improcedência da acção alcançada na sentença sob recurso.
Com o prejuízo do conhecimento de qualquer outra questão, do exposto resulta que a decisão sob recurso não enferma dos alegados erros de julgamento, pelo que improcedem os fundamentos do recurso quanto ao mérito, mantendo-se a decisão recorrida com os fundamentos supra expostos.

Quanto ao valor da causa.
Nas conclusões 28ª a 32ª da alegação de recurso, coloca a recorrente em crise a decisão sobre o valor da causa, do seguinte teor: “Ao abrigo do disposto no artigo 31.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.T.A., cumpre fixar o valor da causa.
Está em causa um processo urgente que tem por objecto a condenação da Entidade Demandada à prática de ato devido, o da emissão de alvará de utilização de edificação.
A requerente indica como sendo o valor da causa, o de € 5.001,00, que não foi contestado.
Pelo exposto, ao abrigo do critério estabelecido no art.º 33.º, alínea a) do CPTA fixa-se o valor da ação, no valor da estimativa da construção que foi indicado para o respetivo licenciamento, cujo montante deverá ser indicado pelo Requerido.”.
Quanto ao argumento de que após o dispositivo da sentença com condenação em custas, não pode o tribunal fixar o valor a acção, por se ter esgotado o poder jurisdicional, mantendo-se como valor da acção aquele que foi indicado na P.I. e não impugnado pelo réu, cai, desde logo, pela base, uma vez que não se verifica a premissa de cuja verificação depende o raciocínio, ou seja, a fixação do valor da acção não ocorreu “após o dispositivo da sentença com condenação em custas”, mas antes ocorreu na sentença em fase anterior ao conhecimento do mérito da causa e, em todo o caso, de harmonia com a permissão contida no nº 2, in fine, do artigo 306º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA.
Relativamente ao argumento de que o pedido de intimação para a emissão de alvará de autorização de utilização não se enquadra no critério especial previsto no artigo 33º, alínea a), do CPTA, dado que este é, apenas, aplicável ao momento anterior à concessão da autorização da utilização, também não pode colher, na medida em que a acção tem por objecto precisamente a apreciação de decisões respeitantes à realização de empreendimentos privados, no caso, donde o conteúdo económico do acto, a que o corpo do artigo 33º do CPTA manda atender para determinar o valor da causa, terá de ser concretizado de acordo com as regras especiais enunciadas nas diversas alíneas do artigo, no caso, a alínea a) — nesse sentido e para maiores desenvolvimentos, vd. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Almedina, p. 210.
Alega a Recorrente a violação do princípio do contraditório por se fixar o valor por remessa para o valor da estimativa da obra a fornecer por uma das partes que beneficia das custas, sem se saber qual é esse valor, e, acima de tudo, impede o tribunal de ponderar a aplicação do artigo 6.º n.º 7 do RCP, pois o custo da obra de construção de um hotel de 5 estrelas, foi superior a 5.000.000,00 €, muito superior ao valor de 275.000,00 € que esta norma de custas prevê para o uso da faculdade de reduzir ou dispensar o pagamento superior àquele.
Mas não tem razão.
A decisão foi exactamente esta:”…fixa-se o valor da ação, no valor da estimativa da construção que foi indicado para o respetivo licenciamento, cujo montante deverá ser indicado pelo Requerido.”.
Não afasta a possibilidade, no cumprimento da lei (artigo 3º do CPC e nº 1 do artigo 305º do mesmo CPC que permite a impugnação, pelo Réu, do valor da causa indicado na petição inicial), de que o contraditório seja, como deve ser, observado.
No mais, certo é que, a final, a condenação em custas foi do seguinte teor: “Custas pela Requerente (cfr. art. 527.º do CPC) fixando-se a taxa de justiça devida, nos termos do art.º 7.º, n.º1, Tabela I do RCP, em face do valor da estimativa da obra que o requerido deve fornecer aos autos no prazo de cinco dias.”.
Esta decisão não foi objecto de impugnação. Mas certo é que a taxa de justiça é alcançada em face do valor da estimativa da obra que o requerido deve fornecer aos autos no prazo de cinco dias, devendo entender-se que esta formulação não implica a desaplicação de normas que devam aplicar-se em função do valor que vier a ser tornado líquido, designadamente quanto ao exercício do contraditório, como também quanto ao nº 7 do artigo 6º do RCP.
Na verdade, precisamente porque, embora genericamente fixado, ainda não foi tornado líquido o valor da causa, também não se mostra precludida a possibilidade de apreciação da questão do remanescente da taxa de justiça, ex officio ou a requerimento do interessado, se a causa for superior a 275 000 euros, na relevância do disposto no nº 7 do artigo 6º do RCP, pois só nessa altura estarão reunidos todos os elementos que, tendo presente o contexto processual, permitem a ponderação da possibilidade de poder ser desproporcionado o montante da taxa de justiça remanescente a pagar por aplicação do disposto no nº 1 do artigo 6º, podendo impor-se, como tal, o mecanismo que o referido nº 7 do artigo 6º do RCP prevê, com a função de adequar o custo da acção à menor complexidade do processo, em face da possibilidade de graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça remanescente.
Como tal, a decisão não viola a apontada juridicidade.
Improcedem os fundamentos do recurso quanto a esta decisão.
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III.DECISÃO
Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida com os fundamentos supra referidos.
Custas pela Recorrente (artigo 527º do CPC).
Notifique e D.N.
Porto, 23 de Junho de 2017
Ass. Hélder Vieira
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Joaquim Cruzeiro