Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00197/24.4BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/04/2025
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA/MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES E INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL;
SUBSCRITORA DA CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES;
ARTIGO 2º, N.º 2 DA LEI N.º 60/2005, DE 29 DE DEZEMBRO;
ARTIGO 22º, Nº 1 DO ESTATUTO DA APOSENTAÇÃO;
INÍCIO DE FUNÇÕES;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», professora, portadora do NIF ...83..., residente na rua ..., ... ..., instaurou ação administrativa contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, com sede na Avenida ..., ... ..., a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, com sede na Avenida ..., ... ... e o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP, com sede na Avenida ... de outubro, 175, ... ..., apresentando como pedidos:
a) O reconhecimento do direito da Autora à manutenção da inscrição e do vínculo na Caixa Geral de Aposentações e da qualidade de subscritora da CGA, com efeitos desde setembro de 2009;
b) A condenação dos Réus à prática dos atos materiais conducentes à reposição da situação legalmente devida, nomeadamente à manutenção/reinscrição da Autora na CGA com efeitos retroativos desde setembro de 2009 integrando-a no regime de proteção social convergente bem como à transferência das contribuições entregues à Segurança Social para a Caixa Geral de Aposentações;
c) A notificação dos Réus para procederem à junção de todo o procedimento administrativo da Autora;
d) A condenação dos Réus no pagamento de custas e demais encargos com o processo.”
Por saneador-sentença proferido pelo TAF de Penafiel foi decidido assim:
Julgo a presente ação procedente e, em consequência:
a) reconheço o direito da Autora a manter-se inscrita na CGA desde setembro de 2009, e, nessa conformidade, condena-se, ainda, os Réus a praticarem os atos necessários à reconstituição da situação da referida.


Deste vem interposto recurso pela CGA.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:
A - Para que possa “reativar” a sua inscrição no Regime Previdencial gerido pela CGA não é suficiente ter existido um vínculo à função pública, que conferiu esse direito, antes de 31 de dezembro de 2005. É necessário existir uma continuidade temporal entre vínculos com a administração pública!

B - É isto que resulta da maioria da jurisprudência dos Tribunais superiores Nacionais! Veja-se, por exemplo, o Acórdão 889/13, de 2014-03-06, oriundo do Supremo Tribunal Administrativo, ao qual muitos outros foram buscar, parte, da sua fundamentação para condenar a CGA a proceder à reinscrição de ex-subscritores em situação semelhante à da aqui recorrida, esquecendo-se, todavia da tão importante necessidade de continuidade temporal entre vínculos públicos.

C - Da leitura do referido Acórdão resulta claro que o critério a seguir não poderá ser unicamente o de saber se se trata de uma situação em que já tinha existido exercício em funções públicas, com inscrição, antes de janeiro de 2006 ou, se se trata de uma situação em que o funcionário ou agente público nunca havia sido detentor da qualidade de subscritor da CGA.

D - Deverá, igualmente, ter-se em conta se se encontra verificado o critério da continuidade temporal.

E - É o que resulta a contrario do referido Acórdão, o qual não deixa margem para dúvidas ao afirmar que não cai no âmbito do artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, em conjugação com o disposto no artigo 22.º n.º 1 do Estatuto da Aposentação, a situação de um professor que rescinde o contrato administrativo de provimento que o liga a uma instituição de ensino e celebra com outra instituição um novo contrato com efeitos a partir do dia seguinte - ou seja, em termos formais há descontinuidade do vínculo jurídico mas não há descontinuidade temporal.

F - Ora, no caso da aqui recorrida resulta da leitura do seu registo biográfico, junto com a petição inicial que, entre 31 de agosto de 2005 e 01 de setembro de 2009 não existe registo de exercício de funções, desconhecendo-se o que sucedeu. Terá sido demitida? Ter-se-á demitido? Não sabemos!

G - Resulta, também, que retomou o exercício das funções docentes no ano letivo de 2009/10, mais concretamente a 1 de setembro de 2009, no Agrupamento de Escolas ..., ao abrigo de um novo vínculo estabelecido com base num Contrato de Trabalho em Funções Públicas, que em nada se assemelha ao anteriormente detido e que lhe vinha permitindo a manutenção da inscrição no Regime previdencial gerido pela CGA.

H - O mesmo é dizer que no seu caso existiu uma descontinuidade do vínculo jurídico em termos formais, pelo estabelecimento de um novo vínculo contratual com os agrupamentos de escolas para onde foi lecionar em setembro de 2009, e descontinuidade temporal entre vínculos, - desde agosto de 2005 até setembro de 2009.

I - Ou seja, em agosto de 2005, por ter cessado o vínculo contratual iniciado em 1998 e ter estabelecido, em setembro de 2009, um novo vínculo contratual ao abrigo de um Contrato de Trabalho em Funções Públicas, a Autora/Recorrida perdeu a qualidade de subscritora da CGA.

J - Razão pela qual o Agrupamento de Escolas para onde a Autora foi lecionar cumprindo, rigorosamente, o disposto na Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, promoveu a sua inscrição no Regime Geral da Segurança Social, encontrando-se, aquela, a descontar quotas para o RGSS desde então!

K - A tudo isto acresce que a sentença de que se recorre, ao reconhecer o Direito da Autora/recorrida com efeitos retroativos à data em que foi inscrita no RGSS viola o disposto no artigo 38.º, n.º2 do Código do Procedimento dos Tribunais Administrativos, pondo em causa o principio da certeza e segurança jurídicas.

L - De todo o exposto, com o devido respeito, conclui-se que o Tribunal “a quo” não andou bem ao julgar a ação totalmente procedente e condenando os réus à manutenção da inscrição da Autora na CGA com efeitos a setembro de 2009.
M - Não tendo apreciado e aplicado corretamente a Lei, razão pela qual deverá a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente e absolva os réus de todos os pedidos.

Termos em que, e nos mais de direito, deverá a douta sentença, de que se recorre, ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente, com as necessárias consequências.
A Autora juntou contra-alegações, concluindo:
1 - Estando em causa o reconhecimento do direito à manutenção da inscrição e vínculo da Autora/Recorrida na CGA e, consequentemente, no regime de proteção social convergente, está em causa o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas (cfr. artigo 37°, n° 1, alínea f) do CPTA) e a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que igualmente decorrem de normas jurídico-administrativas.

2 - A Autora/Recorrida ao longo da sua carreira contributiva efetuou descontos mensais para a CGA ao abrigo de contratos de trabalho sucessivos e anuais celebrados com o Ministério da Educação, tendo em setembro/2009 sido inscrita, erradamente, no regime geral da segurança social.

3 - O art. 2° da Lei n.° 60/2005, de 29 de dezembro impõe, portanto, um limite na inscrição de novos subscritores, a partir de 1 de janeiro de 2006, vedando o acesso ao regime social convergente de trabalhadores ou agentes que exerçam funções públicas e se inscrevam após esta data, e, consequentemente, a obrigatoriedade da inscrição destes trabalhadores no regime geral da segurança social.
Neste sentido, a Caixa Geral de Aposentações está impedida de inscrever trabalhadores que, pela primeira vez, estejam a exercer funções públicas após o limite temporal estabelecido por aquela norma

4 - A jurisprudência das três instâncias administrativas tem sido unânime em considerar que a norma do n.° 2 do art. 2° da Lei n.° 60/2005, de 29 de dezembro, apenas proíbe a inscrição de novos subscritores que, efetivamente, iniciem ex novo funções públicas, independentemente, de terem ocorrido ou não hiatos temporais entre contratos celebrados com o Ministério da Educação para o exercício de funções docentes. A interpretação seguida é a de que a norma em causa visa impedir a entrada de novos subscritores no sistema e não eliminar os subscritores que permanecem no mesmo.

5 - O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de 06/03/2014, no Proc. n.° 0889/13, sumaria que:
"I - Considerando a letra do art. 2° da Lei n° 60/2005, de 29 de dezembro, que se refere apenas ao pessoal que "inicie funções" e a sua razão de ser (proibir a entrada de novos subscritores), afigura-se claro poder retirar-se que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a Caixa Geral de Aposentações estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular de relação jurídica pública.
II - Assim sendo, tendo em conta a letra do preceito e visando o mesmo cancelar novas entradas no sistema e não eliminar os subscritores que permanecem no mesmo, temos de concluir não haver quebra do estatuto de subscritor quando o funcionário ou agente se limita a transitar de uma entidade administrativa para outra sem qualquer descontinuidade temporal, nos termos do estatuído no art. 22°, n°1, do Estatuto da Aposentação, devendo apenas o inciso "direito de inscrição" ser objeto de interpretação corretiva de modo a harmonizar-se com a letra e a teologia intrínseca do art. 2° da Lei n° 60/2005.
III - Se o Associado do Recorrente (professor do ensino superior politécnico) rescinde o contrato administrativo de provimento que o liga a uma instituição de ensino e celebra com outra instituição novo contrato, com efeitos a partir do dia seguinte, embora em termos formais haja descontinuidade do vinculo jurídico, não havendo descontinuidade temporal, a situação não cai no âmbito do art. 2° da Lei n° 60/2005, de 29 de Dezembro, em conjugação com o disposto no art. 22°, n° 1, do Estatuto de Aposentação".

6 - As interrupções entre contratos não impediram que a Autora/Recorrida voltasse a exercer funções (que atualmente ainda exerce) e às quais correspondia e o direito de manter a inscrição na CGA. O Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos proferidos em 09/06/2022, no Proc. n.° 099/21.6BEBRG; em 22/09/2022, nos Procs. n.°s 877/21.6BEBRG e 1974/20.0BEBRG, não admitiu os recursos interpostos pela CGA e pelo Ministério da Educação em processos de docentes que tiveram hiatos temporais entre contratos, tendo confirmado o mérito das decisões judicias que reconheceram o direito daqueles docentes em manter o direito de inscrição na CGA, com efeitos retroativos.

7 - O artigo 22°, do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 498/72, de 09 de dezembro prevê as situações em que se verifica a "eliminação do subscritor", com o respetivo cancelamento da sua inscrição:
"1. Será eliminado o subscritor que, a título definitivo, cesse o exercício do seu cargo, salvo se for investido noutro a que corresponda igualmente direito de inscrição.
2. O antigo subscritor será de novo inscrito se for readmitido em quaisquer funções públicas previstas nos artigos 1.° e 2.° e satisfizer o disposto no artigo 4.°."

8 - Determina-se neste preceito que assiste ao ex subscritor o direito de ser de novo inscrito, caso pretenda voltar a ingressar em funções públicas, resultando que, o cancelamento da inscrição do subscritor ocorre caso exista cessação definitiva do exercício do cargo, assistindo-lhe, porém, o direito de ser de novo inscrito, se voltar a ingressar no exercício de funções públicas.

9 - Esta norma não põe em causa a ratio legis da Lei n.° 60/2005, de 29 de dezembro, uma vez que, a mesma visa a proibição de entrada de novos subscritores e não a eliminação daqueles que já integravam a CGA.

10 - Não assiste, por isso, qualquer razão à Ré/Recorrente ao afirmar que a Autora/Recorrida cessou funções públicas passando à situação de ex-subscritora, nos termos do disposto no art. 22° do Estatuto de Aposentação, ignorando, que se trataria com esta disposição normativa, de uma cessação definitiva de um cargo público.

11 - Bem andou a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que condenou as Entidades Demandadas a reconhecerem o direito da Autora/Recorrida como subscritora da CGA e a praticarem todos os atos materiais necessários a repor a inscrição com efeitos a setembro de 2009, em conformidade com a posição da jurisprudência e da doutrina maioritária.

12 - E prefigura-se ser, assim, de concluir que só poderão improceder as alegações e o que foi por si peticionado em sede de recurso e ser dados como conformes e legais os fundamentos e a decisão proferida na douta sentença recorrida.

Nestes termos e nos demais de direito, que suprirão, deverá ser julgado improcedente, o recurso interposto pela Recorrente e, em consequência, ser confirmada a sentença recorrida, como é de JUSTIÇA.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. A Autora é professora. (cfr. documento nem. 1 junto com a petição inicial).
2. A Autora é titular da inscrição da CGA com o nem. ...33. (cfr. documento nem. 1 junto com a petição inicial).
3. A Autora foi inscrita no regime previdencial da CGA em 01.09.1998. (cfr. fls 1 do pa).
4. A Autora tem o seguinte nem. da Segurança Social ...20. (cfr. documento nem. 1 junto com a petição inicial).
5. A Autora foi inscrita na Segurança Social em 01 de setembro de 2009. (cfr. fls 103 do Sitaf).
6. A Autora prestou funções nos seguintes estabelecimentos de ensino:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. documento nem. 1 junto com a petição inicial).
7. Em junho de 2005, a Autora efetuou descontos para a Caixa Geral de Aposentações. (cfr. documento nem. 2 junto com a petição inicial).
8. Em outubro de 2009, a Autora efetuou descontos para o Instituto da Segurança Social. (cfr. documento nem. 3 junto com a petição inicial).
9. Em 03 de novembro de 2023 a Autora requereu a “atualização do vínculo de subscritor” à Caixa Geral de Aposentações. (cfr. fls 2 do pa).
10. Em março de 2024, a Autora encontrava-se inscrita no Regime da Segurança Social. (cfr. fls 10 do pa).
11. A Autora auferiu de várias prestações sociais por parte do Instituto da Segurança Social. (cfr. fls 104 a 107 do Sitaf).
DE DIREITO
É objecto de recurso o saneador-sentença que julgou procedente a ação.
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, com consagração nos artigos 635.º, n.º(s) 4 e 5, 639.º, n.º(s) 1 e 2 e artigos 1.º, 140.º, n.º 3 e 146.º, n.º 4 do CPTA que o objeto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respetivo recorrente, o que se traduz no impedimento do tribunal ad quem de conhecer de matéria que aí não tiver sido invocada, exceto as situações de conhecimento oficioso, seja de mérito ou de natureza adjetiva.
Assim, vejamos,
Na óptica da Recorrente a Autora não tem direito à manutenção da sua inscrição na Caixa Geral de Aposentações pela descontinuidade temporal verificada nos seus vínculos de emprego público a termo que, no seu entender, em cada contrato, representam o início de funções públicas para efeito do disposto no artigo 2º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro.
Invoca, em síntese, que não basta ter estado inscrito na CGA antes de 31 de dezembro de 2005, mas que é necessária a existência de continuidade temporal com a Administração Pública.
Não vemos que tenha razão.
A decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel atendeu, e bem, a pretensão da Autora.
Não se verifica qualquer dos vícios apontados à mesma, muito menos, a errada interpretação das disposições normativas invocadas pela Ré/Recorrente.
Como é sabido, a Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro estabelece os mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social, no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões.
Prevê este diploma, quanto à inscrição de subscritores na Caixa Geral de Aposentações que:
1 - A Caixa Geral de Aposentações deixa, a partir de 1 de janeiro de 2006, de proceder à inscrição de subscritores.
2 - O pessoal que inicie funções a partir de 1 de janeiro de 2006 ao qual, nos termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de protecção social da função pública em matéria de aposentação, em razão da natureza da instituição a que venha a estar vinculado, do tipo de relação jurídica de emprego de que venha a ser titular ou de norma especial que lhe conferisse esse direito, é obrigatoriamente inscrito no regime geral da segurança social.
Este dispositivo normativo impõe, portanto, um limite na inscrição de novos subscritores, a partir de 1 de janeiro de 2006, vedando o acesso ao regime social convergente de trabalhadores ou agentes que exerçam funções públicas e se inscrevam após esta data, e, consequentemente, a obrigatoriedade da inscrição destes trabalhadores no regime geral da segurança social.
Neste sentido, a Caixa Geral de Aposentações está impedida de inscrever trabalhadores que, pela primeira vez, estejam a exercer funções públicas após o limite temporal estabelecido por aquela norma. Ou seja, o que o legislador pretendeu foi não aumentar o número de inscrições através do cancelamento da entrada de novos subscritores e, nessa medida, caminhar para a convergência ao mesmo tempo que se limita o crescimento da despesa pública nesta área.
Aliás, na exposição de motivos constante da Proposta de Lei nº 38/X pode ler-se, entre o mais, que “A concretização da convergência não deve, porém, fazer-se nem à custa do sacrifício das expectativas daqueles que, no quadro do regime actualmente em vigor, já reúnem condições para se aposentarem. Nem de rupturas fracturantes, optando-se antes por um modelo de transição gradual que aplica aos funcionários, agentes da Administração Pública e demais servidores do Estado o regime de pensões do Estatuto da Aposentação, o regime de segurança social ou ambos simultaneamente.”
Assim, a jurisprudência tem sido unânime em considerar que a norma do n.º 2 do artº 2º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, apenas proíbe a inscrição de novos subscritores que, efetivamente, iniciem ex novo funções públicas, independentemente, de terem ocorrido ou não hiatos temporais entre contratos celebrados com o Ministério da Educação para o exercício de funções docentes.
A interpretação seguida é a de que a norma em causa visa impedir a entrada de novos subscritores no sistema e não eliminar os subscritores que permanecem no mesmo.
O Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de 06/03/2014, no Proc. n.º 0889/13, sumaria que:
“I - Considerando a letra do art. 2º da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro, que se refere apenas ao pessoal que “inicie funções” e a sua razão de ser (proibir a entrada de novos subscritores), afigura-se claro poder retirar-se que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a Caixa Geral de Aposentações estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular de relação jurídica pública.”
Na sua fundamentação, e quando em abstrato, este Acórdão se dedica a discorrer acerca do sentido e do alcance da norma, conclui: “assim sendo, considerando a letra do preceito e a sua razão de ser, afigura-se claro poder retirar-se do preceito que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a CGA estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular de relação jurídica pública”.
A referência que este Acórdão faz em relação à (des)continuidade temporal entre vínculos de emprego público surge, apenas, no contexto de aplicação dessa norma ao caso concreto e tendo em conta a sua factualidade própria. Veja que o julgador refere: “para além do mais, considerando que, no caso, não tendo havido sequer hiato temporal nem sequer descontinuidade na prestação do trabalho, a prevalecer a interpretação sufragada no Acórdão recorrido a mesma conduziria a um resultado desproporcionado e a ruturas fraturantes não desejadas pelo legislador, atenta a razão de ser das normas em causa”.
Efetivamente, à situação profissional da Autora não é de aplicar o disposto no artº 2º, n.º 2 da Lei n.º 60/2005, uma vez que o início das suas funções docentes ocorreu em data anterior a 1 de janeiro de 2006.
A descontinuidade temporal verificada nos seus vínculos de emprego público a termo não pode ser imputada à Autora.
Como é do conhecimento público, fruto do regime de recrutamento e contratação de docentes que vigorou nos últimos anos, no período em questão milhares de docentes, tal como a Autora, foram sempre opositores ao concurso nacional, mas não obtiveram colocação anual (com início a 1 de setembro e término a 31 de agosto de cada um daqueles anos letivos).
As interrupções entre alguns desses contratos não impediram que a Autora voltasse a exercer funções e às quais correspondia o direito de manter a sua inscrição no regime social convergente.
O Supremo Tribunal Administrativo assim julgou nos Acórdãos proferidos em 09/06/2022, no Proc. n.º 099/21.6BEBRGe e em 22/09/2022, nos Procs. n.ºs 877/21.6BEBRG e 1974/20.0BEBRG, ao não admitir os recursos interpostos pela CGA e pelo Ministério da Educação em processos de docentes que tiveram hiatos temporais entre contratos, tendo confirmado as decisões judicias que reconheceram o direito daqueles docentes em manter o direito de inscrição na CGA, com efeitos retroativos.
Idêntica interpretação tem sido feita por este Tribunal Central Administrativo do Norte, sempre que tem sido chamado a interpretar o sentido e o alcance do artigo 2º da Lei nº 60/2005, de 29 de dezembro e aplicar esta norma a situações de facto idênticas à da Autora.
Com efeito, os nºs 1 e 2 do artigo 2º da Lei nº. 60/2005, de 29 de dezembro, preconizam a inadmissibilidade de novas inscrições na Caixa Geral de Aposentações, e, bem assim, a obrigatoriedade de inscrição no regime geral de segurança social de todo o pessoal que “inicie funções” a partir 1 de janeiro de 2006, ao qual, nos termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de proteção social da função pública em matéria de aposentação, em razão da natureza da instituição a que venha a estar vinculado, do tipo de relação jurídica de emprego de que venha a ser titular ou de norma especial que lhe conferisse esse direito.
Na determinação do que se deve entender relativamente à previsão “iniciem funções” contida nos nºs 2 do artigo 2º da Lei nº. 60/2005, dever-se-á atender ao teor da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, espraiada, entre muitos outros, no aresto de 06/03/2014, no âmbito do processo nº. 0889/13, que, quanto a esta temática, considerou que o disposto no nºs 1 e 2 do artigo da Lei nº. 60/2005 visa apenas abranger o pessoal que inicie absolutamente funções.
Como aí se sinalizou, por razões atinentes a uma interpretação harmoniosa com a letra e a teleologia intrínseca do artº 2º da Lei nº 60/2005, a eliminação da subscrição do trabalhador em funções públicas decorrente da cessação do exercício do seu cargo prevista no nº. 1 do artigo 22º do EA só ocorrerá se este não for investido noutro cargo a que antes de 01.01.2006 correspondesse direito de inscrição.
Os Acórdãos proferidos por este Tribunal Central Administrativo Norte, em 2022/01/28, no Processo nº 01100/20.6BEBRG, e em 2022/04/08, no Processo nº 00307/19.3VBEBRG concretizam que: “Verificando-se que antes de 01/01/06, a Autora estava inscrita na CGA e que posteriormente a essa data foi investida, através da celebração de sucessivos contratos com o Ministério da Educação, em cargo a que antes de 01.01.2006 correspondia o direito de inscrição na CGA, a mesma tem o direito à sua reinscrição, de acordo com o disposto no artigo 2º da Lei nº 60/2005.”.
Sistematicamente também assim temos decidido.
Em suma,
Considerar, tal como a Ré/Recorrente o faz, que a Autora está a iniciar funções nos termos desta disposição legal apresenta-se uma interpretação que não cabe na letra do artigo 2º, n.º 2, da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro;
A Autora não estava pela primeira vez a exercer funções públicas na data em que foi erradamente inscrita no regime geral da segurança social;
O artigo 22º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 09 de dezembro prevê as situações em que se verifica a “eliminação do subscritor”, com o respetivo cancelamento da inscrição:
“1. Será eliminado o subscritor que, a título definitivo, cesse o exercício do seu cargo, salvo se for investido noutro a que corresponda igualmente direito de inscrição.
2. O antigo subscritor será de novo inscrito se for readmitido em quaisquer funções públicas previstas nos artigos 1.º e 2.º e satisfizer o disposto no artigo 4.º.”;
Determina-se neste preceito que assiste ao ex subscritor o direito de ser de novo inscrito, caso pretenda voltar a ingressar em funções públicas, resultando que, o cancelamento da inscrição do subscritor ocorre caso exista cessação definitiva do exercício do cargo, assistindo-lhe, porém, o direito de ser de novo inscrito, se voltar a ingressar no exercício de funções públicas;
In casu, não se pode dizer que a Autora/Recorrida por ter celebrado, na Administração Pública e em anos sucessivos contratos com o mesmo empregador - o Ministério da Educação -, estivesse a iniciar funções nos termos e para os efeitos do artigo 2º, n.º 2 da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro;
Tal norma visa a proibição de entrada de novos subscritores e não a eliminação daqueles que já integravam a CGA;
Neste sentido é irrelevante a existência de interrupções temporais entre contratos, quer se trate de uma interrupção de dias ou anos do exercício de funções públicas docentes. O limite subjacente na norma prende-se unicamente com a entrada de novos subscritores para o regime social convergente, no sentido de que sejam aqueles que, primeira vez, exercem funções às quais corresponda o direito de inscrição;
Como bem refere o aresto sob recurso, resulta dos factos dados como provados que a Autora foi inscrita na CGA em 01 de setembro de 1998 (facto provado n.º 3) e aí permaneceu até 01 de setembro de 2009 (facto provado n.º 5).
Ademais, resulta dos factos dados como provados que antes de 01 de janeiro de 2006, a Autora estava inscrita na CGA e que, posteriormente a essa data, foi investida, através da celebração de sucessivos contratos com o Ministério da Educação, em cargo a que antes de 01 de janeiro de 2006 correspondia o direito de inscrição na CGA, portanto, a mesma tem o direito à sua reinscrição, em conformidade com o artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, porquanto a Autora foi incorretamente inscrita na Segurança Social. Mesmo após ter interrompido alguns contratos de trabalho com o Ministério da Educação, na medida em que com o início do novo contrato deveria ter sido considerado como uma retoma do exercício de funções públicas, segundo o artigo 22.º, n.º 2, do Estatuto de Aposentação. Dessa forma, deveria ter recuperado o estatuto de subscritora da CGA, o que não aconteceu.
Tal significa, que o cancelamento da inscrição como subscritora da CGA e a subsequente inscrição na Segurança Social são ilegais, pois violam o artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro;
Não é, pois, admissível à luz do mais elementar sentido de justiça que seja prejudicada no direito à sua reinscrição como beneficiário da Caixa Geral de Aposentações;
Bem andou, pois, a decisão recorrida, que reconheceu o direito da Autora a manter-se inscrita na CGA desde setembro de 2009 e condenou os Réus a praticarem os atos necessários à reconstituição da situação da referida, em conformidade, repete-se, com a posição da jurisprudência que defende que a proibição constante do nº 2 do artº 2º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, se aplica a novos subscritores que iniciem ex novo funções públicas, a partir de 1 de janeiro de 2006;
Nessa medida, a Autora não é ex subscritora da CGA, ao abrigo do disposto no artº 22º do Estatuto de Aposentação.
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 04/4/2025

Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Paulo Ferreira de Magalhães