Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00733/09.6BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:VIRGÍNIA ANDRADE
Descritores:IVA;
CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS;
NOTIFICAÇÃO ALÍNEA D) DO N.º 1 DO ARTIGO 60.º DA LGT E ARTIGO 91.º DA LGT;
Sumário:
I. Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira apura imposto em falta (IVA), consubstanciada em elementos concretos que recolheu na contabilidade do sujeito passivo, estando em causa apenas a qualificação jurídica dos factos fiscalmente relevantes, fá-lo por meio de meras correcções técnicas/aritméticas, não estando sequer autorizada a socorrer-se de métodos indirectos para proceder à respectiva correcção da matéria coletável.

II. Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira procede a correcções meramente aritméticas no apuramento do imposto em falta, não está obrigada a notificar o sujeito passivo de imposto para os efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, nem para o efeito do artigo 91.º da LGT.

III. Não é de aplicar o regime dos preços de transferência previsto no artigo 58.º do CIRC, aplicando-se o procedimento próprio, valorizando-se a prestação de serviços pelo valor do mercado e sujeitando-se ao regime de fundamentação próprio constante do artigo 77.º n.º 3 da LGT, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira não deu conta de incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei, por verificação do aumento ou diminuição dos preços praticados, com o propósito de diminuir ou eliminar a tributação.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por [SCom01...], S.A contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada da liquidação de IVA n.º .....194, referente ao período de 0612, no montante de €7.202,37 e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º .....195, no montante de €400,96.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra o indeferimento expresso da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação de IVA e Juros Compensatórios, referente ao mês de Dezembro de 2006, no montante global de € 7.603,33.
B. A douta sentença recorrida entendeu que a Administração Fiscal violou o disposto nos artigos 87º e 88º da LGT, e deveria ter efectuado as correcções pela via dos métodos indirectos.
C. A Fazenda Pública, inconformada com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, considera que a mesma enferma de erro de julgamento da matéria de facto e de erro de julgamento de direito, como se especificará.
D. O Tribunal a quo terá fixado, como única questão que lhe cumpriria solucionar, a relativa à alegada “utilização encapotada de métodos indirectos”.
Ora,
Desde logo,
E. Quanto à matéria de facto, o juiz tem o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a pretensão do autor e a posição da Fazenda Pública, discriminando a que considera provada da não provada (cfr. art. 154º, 596º, 607º do CPC, e art. 123º do CPPT).
F. Como impõe o art. 205º, da CRP, e resulta dos art. 154º e 607º do CPC, as decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido e qualquer dúvida suscitada no processo serão sempre fundamentadas.
G. A este respeito, seguindo Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes (cfr. «Dos recursos – regime do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24.08.2009», pág. 240), “(…) a apreciação de cada meio de prova pressupõe o conhecimento do seu conteúdo, a determinação da sua relevância e a sua valoração. (…) Como já se notou a motivação constitui, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível, de garantia do direito ao recurso. Por isso que as decisões sobre qualquer pedido controvertido ou sobre qualquer dúvida suscitada no processo serão sempre fundamentadas (arts. 208.º, n.º 1 da CRP e 158.º, n.º 1).”
H. Ora, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento por falta de apreciação e valoração crítica de todos os factos apurados, de acordo com a prova produzida nos autos, isto é, por falta de apreciação e valoração crítica de toda a matéria de facto que interessa para a decisão.I. O entendimento de que a apreciação crítica das provas é condição essencial para que a sentença esteja devidamente fundamentada de facto e de direito é, igualmente, jurisprudencialmente consagrado – cfr. acórdão de 15.04.2009 do STA, processo n.º 1115/08, segundo o qual “A fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto”. E, “(…) será indispensável (…) que seja efectuada uma apreciação crítica da prova traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo dos outros.”
J. O erro de julgamento de facto ocorre porque o Tribunal decide mal ou contra os factos apurados.
Ainda,
K. Importa, ainda, também, em face da “Fundamentação de Direito” da sentença recorrida, demonstrar porque a Fazenda Pública entende não padecerem as correcções vertidas no RIT, bem como a liquidação de IVA de 2006 daí resultante, de qualquer vício conformador de ilegalidade, incorrendo o Tribunal a quo em erro de julgamento de direito ao declarar totalmente procedente a acção e anulando a liquidação impugnada.
L. Veja-se o enunciado do relatório de inspecção tributária, pág. 15, referente à correcção em apreço no autos:
“72 – Prestações de Serviços associadas à actividade de prestação de serviços de construção civil
D1 No decurso do procedimento inspectivo, concluiu-se, no âmbito da actividade de prestação de serviços de construção civil terem sido executados trabalhos à empresa [SCom02...] não reconhecidos contabilisticamente, logo, com inerente omissão no apuramento do resultado fiscal.
De facto, detectaram-se documentos elucidativos de trabalhos extra em imóveis comercializados pela empresa [SCom02...], designadamente, respeitantes a fracções do prédio correspondente ao Lote ... do empreendimento “«...X...»”, situado na freguesia ..., concelho ..., identificado na respectiva matriz urbana predial sob o artigo ...93.
Nos aludidos documentos, emitidos pela [SCom01...], discriminam-se os trabalhos extra realizados, o valor dos mesmos e o valor do respectivo IVA. No entanto, não se verificou o reconhecimento contabilístico do proveito, com a consequente omissão no apuramento da matéria colectável de IRC e na liquidação de IVA.
Os serviços foram efectuados no exercício de 2006, conforme verificável nos documentos e nos mapas resumo elaborados pela empresa. Propõe-se assim, para o exercício de 2006, e em sede de IRC, uma correcção à matéria colectável, traduzida em acréscimo ao total de proveitos, no montante de €34.297,00. Propõe-se também uma liquidação adicional de IVA, que adiante se fundamentará, sobre o mesmo valor, consubstanciado em proveitos omitidos, no montante de €7.202,37, imputável ao último período de tributação do exercício de 2006, no caso 0612.
Em anexo (5) encontra-se o mapa de apuramento dos valores correspondentes aos trabalhos executados. “
M. Veja-se ainda o enunciado do relatório de inspecção tributária, pág. 21, referente à mesma correcção: “Imposto sobre o Valor Acrescentado – IVA
Conforme art.º 1.º do CIVA, as prestações de serviços efectuadas em território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, estão sujeitas a IVA. Consideram-se prestações de serviços operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisição intracomunitárias ou importações de bens, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 4.º do CIVA.
Por cada prestação de serviços o sujeito passivo estava obrigado a emitir uma factura ou documento equivalente (art.º 28.º, n.º 1, b) do CIVA). E conforme art.º 35.º, n.º 1 do mesmo diploma, a factura ou documento equivalente referidos no art.º 28.º devem ser emitidos o mais tardar no quinto dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido nos termos do art.º 7.º, que regra geral, nas prestações de serviços, será no momento da sua realização.
Sendo a empresa em análise sujeito passivo de IVA, pela prestação de serviços de construção civil, está obrigada a dispor de contabilidade que permita o apuramento e fiscalização do imposto, devendo nela constar os elementos necessários ao preenchimento da declaração periódica (art.º 28.º, n.º1 alínea g) e art.º 44.º n.º 1, os dois do CIVA).
Para o preenchimento da declaração e controlo claro e inequívoco do imposto, é necessário que a contabilidade revele todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo (art.º 44.º n.º s 2, 3, e 4 do CIVA).
Ora, o sujeito passivo omitiu uma parte da sua actividade, não reconhecendo contabilisticamente a totalidade dos proveitos. Não emitiu factura ou documento equivalente por cada prestação de serviço efectuada, não procedeu à liquidação do imposto mediante a aplicação de uma taxa ao valor da contraprestação obtida dos adquirentes dos seus serviços.
De facto, conforme descrito no ponto D1 do item Acréscimos aos proveitos em sede de IRC, os trabalhos extra executados no ano de 2006 em imóveis comercializados pela empresa [SCom02...], não foram objecto da competente emissão de factura ou documento equivalente, e não deram origem à respectiva liquidação do imposto mediante a aplicação de uma taxa ao valor da contraprestação obtida dos adquirentes dos seus serviços, correspondente ao valor tributável determinado de acordo com o n.º 1 do art.º 16.º do CIVA.
O art.º 7.º do Código do IVA, define as regras de aplicação da lei no tempo, contemplando os factos que determinam o nascimento da obrigação tributária e a sua exigibilidade de harmonia com a natureza das operações praticadas, considerando-as segundo critérios de natureza económica nem sempre coincidentes com os critérios jurídicos de transmissão Assim, em regra, o imposto torna-se exigível no momento em que ocorre o facto gerador do mesmo, isto é, a ocorrência dos pressupostos que geram a obrigação tributária.
Por esse facto, é proposta a liquidação adicional de IVA incidente sobre o montante de €34.297,00, correspondente à totalidade dos trabalhos identificados, executados em 2006 dando lugar ao apuramento de imposto adicional a pagar no montante de €7.202,37, imputável ao último período de tributação, no caso 0612.”
N. A correcção meramente aritmética sustenta-se nos factos apurados e documentados na contabilidade da impugnante e não em qualquer presunção, sendo que, nesta parte, os impugnantes não apresentaram argumentos que permitam pôr em causa a exactidão da conclusão deduzida pela AT.
O. Esta correcção de IVA de 2006 está directamente relacionada com a de IRC de 2006, relativamente às correcções referentes a prestações de serviços de construção civil, explicita fundamentadamente o RIT que, no decurso do procedimento inspectivo, concluiu-se terem sido executados trabalhos à empresa [SCom02...] não reconhecidos contabilisticamente, logo, com inerente omissão no apuramento do resultado fiscal.
P. De facto, detectaram-se documentos elucidativos de trabalhos extra em imóveis comercializados pela empresa [SCom02...], designadamente, respeitantes a fracções do prédio correspondentes ao Lote ... do empreendimento “«...X...»”, situado na freguesia ..., concelho ..., identificado na respectiva matriz urbana predial sob o artigo ...93, conforme pág. 44 a 66 do PA junto aos autos
Q. Nos aludidos documentos, emitidos pela [SCom01...], discriminam-se os trabalhos extra realizados, o valor dos mesmos e o valor do respectivo IVA. No entanto, não se verificou o reconhecimento contabilístico do proveito, com a consequente omissão no apuramento da matéria colectável de IRC e na liquidação de IVA.
R. Os serviços foram efectuados no exercício de 2006, conforme verificável nos documentos e nos mapas resumo elaborados pela empresa.
S. Efectuou-se, assim, para o exercício de 2006, e em sede de IRC, uma correcção meramente aritmética à matéria colectável, traduzida em acréscimo ao total de proveitos, no montante de € 34.297,00 directamente relacionada com a liquidação de IVA em apreço no presente recurso.T. Na realidade, não se tendo contestado a execução das prestações de serviços mencionadas, limitou-se a administração fiscal a aceitar os dados existentes na própria empresa, acrescendo à matéria colectável de IRC do exercício de 2006, o montante de € 34.297,00 e consequente IVA de 2006 em apreço neste recurso.
U. Neste cenário, relativamente a estas correcções, não restava à AT outra alternativa legal que não as correcções produzidas, apuradas por mera soma aritmética desses rendimentos, estando, aqui, até, legalmente vedado o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável. Em suma, a AT estava vinculada à aplicação do critério que deriva da lei, devendo, portanto, produzir as “correcções técnicas” correspondentes
V. A correcção de IVA em 2006 efectuada, trata-se de uma operação sujeita nos termos do artigo 1.º alínea a), por se consubstanciar numa prestação de serviços nos termos do artigo 4.º n.º 2 alínea b) e o valor tributável resulta da aplicação do artigo 16.º n.º 4 alíneas b) e c), todos do CIVA.
W. A inspecção tributária não fez as correcções por métodos indirectos, pois tinha elementos contabilísticos, documentos conexos com a contabilidade e suporte informático que permitiram as correcções meramente aritméticas sem recurso a qualquer presunção, suspeição ou suposições.
X. O método utilizado foi o mais correcto e adequado à verificação e apuramento do rendimento real do impugnante.
Y. Foi possível destrinçar e apurar os valores correctos constantes de todos os elementos disponíveis para o cálculo das correcções efectuadas.
Z. A questão essencial reside no método utilizado pelos serviços da administração fiscal (AF) para a determinação da matéria tributável na sequência da acção inspectiva.
AA. Propugna a sentença recorrida, no sentido do alegado pela impugnante, o entendimento de que as correcções efectuadas pela Administração Tributária (AT), não são propriamente correcções técnicas, mas meras presunções da existência de factos tributários e dos correspondentes rendimentos, a partir de indícios e elementos ao seu dispor, pelo que, a AT teria procedido “à determinação do rendimento tributável da Impugnante através de verdadeira avaliação indirecta da matéria tributável”.
BB. Ora, assim não se entende, pois o que os Serviços de Inspecção Tributária fizeram foi proceder à mera análise de documentos, e outros elementos e,
CC. consequentemente, do conspecto dos dados aí explanados, apenas foram extraídas meras constatações, ilações e não presunções, como se afirma sentença recorrida.
DD. Da análise do RIT, é claro que bastou efectuar uma análise simples aos documentos para se concluir que os mesmos demonstravam a necessidade das correcções indicadas no relatório fundamentador do acto tributário de liquidação posto em crise nos presentes autos.
EE. Presunções são deduções que se tiram de factos conhecidos para estabelecer ou firmar um facto desconhecido, pelo que não estão em causa presunções, nem resulta do procedimento que houvesse a necessidade de firmar um facto ou mais factos desconhecidos, uma vez que, FF. a determinação da matéria tributável real era exequível a partir dos valores reunidos pelos SIT, transcritos nos anexos ao RIT, e notificados ao impugnante,
GG. ou seja, era possível apurar o valor real efectivo da matéria tributável, pelo que, a AT procedeu a meras correcções aritméticas, resultantes de imposição legal – apuramento de IVA em falta.
HH. O sistema fiscal português consagra a declaração do contribuinte como método regra de apuramento dos rendimentos e bases de imposto tributáveis.
II. No entanto, nem sempre o apuramento da matéria colectável se fará com base na declaração do contribuinte, desde logo, e ao que aqui nos interessa, quando do controlo efectuado resultar que a matéria colectável apurada na declaração não corresponde à realidade, prevendo a lei que,
JJ. se do controlo efectuado pela AT resultar que a matéria colectável apurada na declaração não corresponde à realidade, o apuramento deixa de fazer-se com base apenas na declaração do contribuinte, podendo a AT a quantificar a matéria tributável, através do recurso a meios alternativos de apuramento: ou com recurso a correcções técnicas ou a métodos indiciários.
KK. Porém, decorre da lei que o recurso aos métodos indirectos de avaliação da matéria tributável só é legalmente possível quando o recurso a correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, já que constitui um método excepcional de tributação que só pode ser utilizado quando se mostra inviabilizada a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação dessa matéria colectável.
LL. Com efeito, a lei estabelece que, mesmo no caso de ocorrerem irregularidades ou inexactidões na contabilidade, o recurso aos métodos indirectos só pode verificar-se quando não seja de todo possível a comprovação e quantificação directa dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável (cfr. art. 87º da LGT e art. 87º e 90º do CIVA).
MM. Isto porque, a tributação deve incidir sobre a matéria tributável real, e, assim, a avaliação indirecta, porque envolve a apreciação de elementos de ordem subjectiva e, por isso, menos exactos, constitui meio subsidiário de determinação da matéria tributável, que só pode ser utilizada nos casos e condições previstos na lei.
NN. Como dizem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes De Sousa, in Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 2.ª edição, nota 1 ao art. 81.º, pág. 357, “sendo o cálculo matemático, fundado em elementos estritamente objectivos, o método de determinação da matéria colectável que permite uma maior exactidão no apuramento da matéria colectável real, ele, quando puder ser utilizado, terá de ser preferido a qualquer outro método que envolva aplicação de elementos de ordem subjectiva”.
OO. Até porque, como é também sabido, a AT actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade (de acordo com o disposto no art. 266º nº 2 da CRP a Administração só pode agir nas condições em que a lei lho autoriza), não gozando, portanto, de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável.
PP. Em suma, o recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o recurso a correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois a fixação da matéria tributável por tais métodos constitui um método excepcional de tributação.
QQ. Como se diz no Acórdão do STA, de 7.5.2003, rec. nº 0243/03: “(…) o recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o recurso a correcções técnicas se revele impraticável.”
RR. As situações previstas no art. 87º da LGT são taxativas. Avaliado o conteúdo de cada uma das suas alíneas e verificados os concretos dados factuais que envolvem a situação vertente, julgamos fluir a conclusão clara de que os motivos aí fixados não são talhados para que se justificasse, “in casu”, o recurso a métodos indirectos.
SS. No caso concreto, pela motivação factual referenciada no relatório, justificava-se o recurso às indicadas correcções aritméticas, pois, não foram afirmados nem se vislumbram motivos para afastar a quantificação que foi efectuada e que, como assente, correspondem aos valores inscritos nos documentos existentes e apreendidos na impugnante.
TT. Os valores encontrados, denunciados pela documentação apreendida, tornaram necessária a correcção efectuada, directa, e, consequentemente, naquele montante e não em qualquer outro aleatoriamente determinado.
UU. Decidiu a sentença recorrida que se impunha a aplicação dos métodos indirectos de tributação, consagrados nos artigos 87° a 91° da LGT.
VV. Mas é à luz do relatório da acção inspectiva, maxime do seu ponto III, relativo à descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável, que se tem de concluir se o método de avaliação directa utilizado pela administração fiscal foi correcto ou se, pelo contrário, devia ter sido utilizado o método de avaliação indirecta.
WW. E, como se dá conta no referido relatório, com o objectivo de apurar a situação tributária da empresa, foram efectuadas diversas diligências, tendo-se, nomeadamente, efectuado, em suporte magnético, a recolha de elementos contabilísticos e documentos com eles relacionados registados em suporte informático, considerados indispensáveis e úteis, tendo para o efeito sido providenciado o acompanhamento por uma equipa de auditoria informática.
XX. Partindo dos dados recolhidos na própria empresa, os serviços de inspecção constataram a existência de transacções omitidas na contabilidade, consubstanciando ocultação de proveitos, facto revelador de que a contabilidade não traduz a verdade material sobre a situação tributária da sociedade.
YY. Contudo, entenderam ser possível, comprovar e quantificar, de forma directa e exacta, os elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, tendo como horizonte a avaliação directa.
ZZ. Conforme art° 1.º do CIVA, as prestações de serviços efectuadas em território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, estão sujeitas a IVA.
AAA. Consideram-se prestações de serviços operações efectuadas a titulo oneroso que não constituem transmissões, aquisição intracomunitárias ou importações de bens, de acordo com o disposto no n.° 1 do art.° 4.° do CIVA.
BBB. Por cada prestação de serviços o sujeito passivo estava obrigado a emitir uma factura ou documento equivalente (art.° 28.°, n.° 1, b) do CIVA – redacção à data).
CCC. E conforme art.° 35.º, n.° 1, do mesmo diploma, a factura ou documento equivalente referidos no art.° 28.° devem ser emitidos o mais tardar no quinto dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido nos termos do art.° 7º, que, regra geral, nas prestações de serviços, será no momento da sua realização.
DDD. Sendo a empresa em análise sujeito passivo de IVA, pela prestação de serviços de construção civil, está obrigada a dispor de contabilidade que permita o apuramento e fiscalização do imposto, devendo nela constar os elementos necessários ao preenchimento da declaração periódica (art.° 28.°, n.° 1 alínea g) e art.° 44.º n.° 1, os dois do CIVA).
EEE. Para o preenchimento da declaração e controlo claro e inequívoco do imposto, é necessário que a contabilidade revele todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo (art.° 44º n.° 2, 3 e 4 do CIVA).
FFF. Ora, o sujeito passivo omitiu uma parte da sua actividade, não reconhecendo contabilisticamente a totalidade dos proveitos.
GGG. Não emitiu factura ou documento equivalente por cada prestação de serviço efectuada, não procedeu à liquidação do imposto mediante a aplicação de uma taxa ao valor da contraprestação obtida dos adquirentes dos seus serviços.
HHH. De facto, conforme descrito no RIT - no ponto D1 do item Acréscimos aos proveitos em sede de IRC - os trabalhos extra executados no ano de 2006 em imóveis comercializados pela empresa [SCom02...] não foram objecto da competente emissão de factura ou documento equivalente, e
III. não deram origem à respectiva liquidação do imposto mediante a aplicação de uma taxa ao valor da contraprestação obtida dos adquirentes dos seus serviços, correspondente ao valor tributável determinado de acordo com o n.° 1 do art.° 16.° do CIVA.JJJ. O art.° 7.° do Código do IVA, define as regras de aplicação da lei no tempo, contemplando os factos que determinam o nascimento da obrigação tributária e a sua exigibilidade de harmonia com a natureza das operações praticadas, considerando-as segundo critérios de natureza económica nem sempre coincidentes com os critérios jurídicos de transmissão.
KKK. Assim, em regra, o imposto torna-se exigível no momento em que ocorre o facto gerador do mesmo, isto é, a ocorrência dos pressupostos que geram a obrigação tributária.
LLL. Por esse facto, foi proposta a liquidação adicional de IVA incidente sobre o montante de €34.297,00, correspondente à totalidade dos trabalhos identificados, executados em 2006, dando lugar ao apuramento de imposto adicional a pagar no montante de €7.202,37, imputável ao último período de tributação, no caso 0612.
MMM. Relativamente a 2006, explicita fundamentadamente o relatório já anteriormente referido no ponto
NNN. De acordo com o preceituado legalmente, sempre que a administração fiscal esteja perante uma situação contabilística, de um contribuinte, que se traduza numa escrita com inexactidões, irregularidades e/ou omissões, tem ainda de demonstrar a impossibilidade do seu apuramento directo, e só assim se encontrará legalmente justificado o recurso a métodos indirectos.
OOO. É, de facto, doutrinária e jurisprudencialmente líquido, atendendo à natureza da metodologia em questão, como meramente subsidiária e residual - uma “ultima ratio fisci” – que a administração tributária apenas estará legitimada a recorrer a presunções, quando, por um lado, se indicie fundadamente que a matéria declarada não tem aderência à realidade e, por outro, não haja metodologia alternativa que permita a sua fixação directa (correcções técnicas).
PPP. Os peritos dos serviços da fiscalização tributária entenderam, por disporem de elementos para tal, recolhidos na própria empresa, como se viu, ser possível apurar o imposto em falta por apuramento meramente aritmético.
QQQ. Isto, não obstante existirem factos reveladores de falta de aderência da contabilidade à realidade, pois, tal circunstância, não é legitimadora, por si só, face à natureza excepcional da metodologia em questão, do recurso a presunções.
RRR. No caso em apreço, atendendo a que a própria impugnante reconhece a execução dos serviços de construção civil em causa, não se compreende uma decisão contra a valoração do preço dos serviços prestados ao custo reconhecido, em si mesma favorável à impugnante.
SSS. Na realidade, não se tendo contestado a execução das prestações de serviços, limitou-se a administração fiscal a aceitar os dados existentes nas empresas, efectuando correcções ao imposto a pagar em sede de IVA: liquidação adicional de IVA, no montante de € 7.202,37 (resultado da aplicação da taxa de 21%, à totalidade dos trabalhos extra em imóveis comercializados pela empresa [SCom02...], executados em 2006, no valor de € 34.297,00).
TTT. O mesmo se diga, relativamente ao momento declarativo indicado pelos serviços de inspecção tributária, correspondente ao último período de tributação (0612 – Dezembro de 2006): na impossibilidade de identificar o momento exacto da exigibilidade do imposto, a administração fiscal considerou a hipótese menos onerosa para a impugnante.
UUU. Resulta, assim, não existir qualquer vício de violação da lei, e, consequentemente, qualquer vício de forma, por preterição da formalidade legal, por falta de notificação do direito de audição, nos termos do art. 60º, al. d) da LGT, pois, não estava em causa a aplicação de métodos indirectos.
VVV. Saliente-se que a obrigação legal que se impunha à AT de notificar a aqui impugnante para exercício do direito de audição prévia antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, nos termos da al. e) do art. 60º da LGT e art. 60º do RCPIT, foi cumprida.
WWW. Também não existe violação de lei por a impugnante não ter sido notificada para requerer o procedimento de revisão da matéria tributável, nos termos do art. 91º da LGT, porquanto,
XXX. este procedimento aplica-se unicamente quando a matéria tributável é fixada pela AT por recurso a métodos indirectos, e não quando a mesma é determinada por correcções técnicas ou meramente aritméticas (cfr. n.º 1 e n.º 14 do art. 91º da LGT).
YYY. Portanto, sobre a alegada preclusão do direito de reclamação para a comissão de revisão, atenta à metodologia utilizada pelos serviços de inspecção tributária, verifica-se que este procedimento não poderia ser utilizado.
ZZZ. Fundamentar um acto tributário consiste na indicação dos factos e das normas jurídicas que o justificam, isto é, na sucinta exposição das razões de facto e de direito que determinaram a AT à prática desse acto, conforme dispõe o art. 77º, nº1, da LGT.
AAAA. Assim, fundamentar consiste em “deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta, ou em exprimir os motivos por que se resolve de certa maneira e não de outra”,
BBBB. Os factos inspeccionados, e descritos no Relatório dos SIT, mostram-se devidamente provados pelos documentos compreendidos nos respectivos anexos.
CCCC. Da leitura do relatório ficam a conhecer-se os factos e os elementos que os revelam, percebendo-se em que medida as irregularidades e os documentos detectados no âmbito da acção inspectiva levaram às correcções efectuadas, qual a finalidade da actuação, tendo sido empregue um discurso capaz de fundar a decisão procedimental, e o motivo porque não poderia senão levar àquela liquidação de imposto.DDDD. Satisfeita a exigência legal de prova da factualidade que pressupõe a actuação da AT e de racionalidade da decisão do procedimento que levou à liquidação de imposto e de transparência desse mesmo procedimento, e EEEE. sendo existentes e convincentes tais pressupostos de facto e de direito, manifestados no discurso fundamentador utilizado, tal base conduz à inversão do ónus da prova, competindo ao impugnante provar os factos constitutivos da ilegalidade invocada como fundamento do pedido de anulação da liquidação, o que não almeja fazer.
FFFF. O impugnante mostra ter ficado esclarecido com o percurso lógico e valorativo levado a cabo pelos SIT, a tal ponto que sustenta os vícios arguidos em motivos que, ainda que fossem procedentes, o que não se concede, são superficiais e laterais ao essencial do discurso fundamentador, de facto e de direito.
GGGG. Da prova testemunhal produzida pela impugnante, em nosso entender, não resultaram elementos que infirmem, contradigam ou provem o contrário do que se afirma no relatório de inspecção.
HHHH. Assim, a liquidação impugnada não enferma de qualquer vício de violação de lei.
IIII. A sentença de que se recorre fez errada subsunção dos factos ao Direito e às normas legais aplicáveis, constantes do CIVA, LGT e CPPT.
JJJJ. Não relacionou devidamente os factos provados nos documentos constantes dos autos com a prova testemunhal produzida, tirando daí as devidas ilações.
KKKK. Com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, com o desta forma decidido não se conforma a Fazenda Pública, porquanto considera que a douta sentença padece de erro de julgamento de facto decorrente da falta de apreciação e valoração crítica de todos os factos e de toda a prova produzida e fixada nos autos, e, ainda, incorre em erro de julgamento sobre a matéria de direito, tudo, em violação do disposto nos art. 1º, 4º, 7º, nº 4, 16º, nº 1 e 2 al c), 28º, nº 1 al b) e g), 35º, nº 1 e 44º, nº 1, 2, 3 e 4 do CIVA e art. 74º, 75º da LGT.
Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.”

Não houve contra-alegações.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos ao abrigo do disposto no artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
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Objecto do recurso
A questão suscitada pela Recorrente e delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões é a de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, ao julgar procedente a Impugnação Judicial deduzida, no entendimento de que, no caso vertente, a AT andou mal ao proceder a correcções da matéria tributável que identifica como técnicas ou meramente aritméticas, mas que têm, efectivamente, subjacentes correções de índole presuntiva.
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2 - Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz: “De facto
1)A ora Impugnante foi submetida a ação inspetiva externa, credenciada pela Ordem de Serviço ...32 - cfr. teor de fls.1 do relatório de inspeção tributária (RIT), ínsito no processo administrativo tributário (PAT), apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
2)A ação inspetiva iniciou-se em 23.01.2008, com a assinatura do Despacho ...92 para “Consulta, recolha e cruzamento de dados”, a realizar nas instalações da empresa, respeitante aos exercícios de 2005 e 2006 - cfr. teor de fls.1 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
3) A emissão da credencial que sustentou o presente procedimento inspetivo foi motivada pela conjugação de dois fatores:
1.No âmbito de um procedimento de inspeção credenciado pelo Despacho ...42, ao sujeito passivo [SCom03...], Lda. (doravante [SCom03...]), NIPC ...42, constatando-se terem sido realizadas operações com a sociedade [SCom01...], tornou-se pertinente averiguar se foram contabilizados todos os proveitos, com inerente reflexo no apuramento do resultado fiscal e no montante de imposto a pagar pelo sujeito passivo aqui em análise, sendo para o efeito emitida a ...32;
2. Tornou-se necessário informar o Processo de Inquérito n.º...99/06 OTDPRT, respeitante a uma denúncia proveniente da Procuradoria-Geral da República, o qual justificou a emissão de credenciais para o desenvolvimento dos procedimentos externos de inspeção respeitantes a «AA» e às empresas [SCom02...], Lda. ([SCom02...]), NIPC ...20; e [SCom04...], S.A., ([SCom04...]), NIPC ...40, dado estarem em causa considerações sobre o comportamento fiscal das empresas identificadas, do próprio «AA» e dos seus filhos, nomeadamente «BB» - cfr. Teor de fls.1 e 2 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
4) Em 09.03.2005 foi celebrado um contrato promessa de compra e venda entre a sociedade [SCom01...] e a empresa [SCom03...], através do qual o promitente alienante ([SCom01...]) se comprometia a vender ao promitente adquirente ([SCom03...]), um imóvel destinado a indústria sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...15... «AA» - cfr. teor de fls.2 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
5) Em 12.06.2006 foi revogado o referido contrato, com efeitos nessa data - cfr. teor de fls.2 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
6) Em 12.06.2006 foi revogado o contrato m.i. na alínea 5) deste Probatório - cfr. teor de fls.2 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
7) Os serviços de inspeção tributária (SIT), constataram terem sido pagas importâncias a título de sinal e princípio de pagamento pela [SCom03...], perdidas a favor da [SCom01...] com a revogação do contrato promessa - cfr. teor de fls.2 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
8) Antecedendo o procedimento externo de inspeção, os SIT analisaram-se as relações inter sujeito passivo, verificando-se que «AA», para além de pertencer aos órgãos sociais da [SCom02...] e da [SCom04...], é administrador da [SCom01...], justificando-se assim a inspeção tributária desta sociedade - cfr. teor de fls.2 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
9) Os SIT, verificaram, que já tinha sido emitida uma credencial, solicitando a afetação e alargamento do período de análise temporal, desencadeando-se assim a ação inspetiva a coberto da Ordem de Serviço m.i. na alínea deste Probatório, no sentido de investigar a real situação tributária do SP e eventualmente proceder a correções fiscais, relativamente aos exercícios de 2004, 2005 e 2006, com âmbito parcial, abrangendo o IRC e IVA - cfr. teor de fls.2 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
10) A sociedade [SCom01...] iniciou a sua atividade em 11.05.1984, registada pelo exercício da atividade de Construção de Edifícios (Residenciais e não Residenciais), CAE 41200 - cfr. teor de fls.3 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
11) A sociedade [SCom01...] encontrava-se enquadrada no Regime Geral de Determinação de Lucro Tributável em sede de IR e em sede de IVA no Regime Normal Trimestral com periodicidade mensal desde 01.01.1995 - cfr. Teor de fls.3 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
12) A referida sociedade, assume a forma jurídica de sociedade anónima, constituída por cinco acionistas: «AA», «CC», «DD», «BB» e «EE» - cfr. teor de fls.3 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
13) O presidente do Conselho de Administração da empresa, que se manteve ao longo do período em análise no procedimento inspetivo é «AA» - cfr. teor de fls.3 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
14) A contabilidade da sociedade Impugnante é organizada através de meios informáticos - cfr. teor de fls.3 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
15) Desde 2005 é responsável pela elaboração da contabilidade da sociedade Impugnante «FF», NIF ...99 - cfr. teor de fls.3 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
16) A partir de 04.04.2008 o Técnico Oficial de Contas da sociedade Impugnante passou a ser «GG», NIF ...58 - cfr. teor de fls.3 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
17) Os SIT constataram que os motivos subjacentes à abertura da Ordem de Serviço, m.i. na alínea 1) deste Probatório “verificando-se estarem relacionados com eventual ocultação de parte da actividade desenvolvida de construção de imóveis para venda e prestação de serviços de construção civil, tornou-se pertinente o exame e recolha de elementos susceptíveis de revelar a situação tributária da empresa. Para o efeito, para além de procedimentos de análise prévios, mediante recolha de elementos constantes do sistema informático da DGCI respeitantes ao SP, considerou-se apropriada a visita às instalações da empresa, credenciada com o Despacho ...92, para consulta, recolha e cruzamento de dados, com o objectivo de: - analisar registos contabilísticos e documentos com eles relacionados e outra documentação interna ou externa relativa às operações económicas e financeiras efectuadas com clientes, fornecedores, instituições de crédito, sociedades e quaisquer outras entidades. Dado o volume de informação e a impossibilidade de efectuar fotocópias no local, foram requisitados os elementos e documentos de acordo com o disposto no art.º 56.º, n.º2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), objecto de uma análise sucinta e reprodução daqueles considerandos úteis e indispensáveis, tendo sido assinados os competentes termos de requisição e posterior devolução;
- efectuar em suporte magnético a recohal dos elementos contabilísticos e documentos com eles relacionados registados em suporte informático, considerados indispensáveis e úteis, tendo para o efeito sido providenciado o acompanhamento por uma equipa de auditoria informática devidamente credenciada, tendo sido elaborado o competente “Auto de Diligência” de que foi entregue uma cópia ao SP.
Da reunião de elementos e com a investigação efectuada tornou-se possível averiguar da existência da dedutibilidade indevida de custos e da evidência de proveitos omitidos, procedendo-se, ao abrigo da Ordem de Serviço atrás identificada, à avaliação directa do valor real dos rendimentos sujeitos a tributação, justificando as correcções aritméticas em sede de IRC e IVA, conforme a seguir se descreve” - cfr. teor de fls.4 e 5 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos;
18) Os SIT do diagnóstico efetuado à contabilidade da sociedade Impugnante, constataram a existência de situações que consubstanciaram erros materiais, que afetam o resultado contabilístico e por consequência o resultado fiscal, erros de apuramento fiscal extracontabilístico e transacções omitidas na contabilidade, originando correções à matéria coletável em sede de IRC e ao imposto liquidado em sede de IVA - cfr. teor de fls.5 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
19) De acordo com o descrito no ponto D1 do item Acréscimos aos proveitos em sede de IRC do RIT, os trabalhos extra executados no ano de 2006 em imóveis comercializados pela empresa [SCom02...], não foram objeto da competente emissão de fatura ou documento equivalente e não deram origem à respetiva liquidação de imposto mediante a aplicação de uma taxa ao valor de contraprestação obtida dos adquirentes dos seus serviços, correspondente a valor tributável determinado de acordo com o nº1 do artigo 16º do CIVA - cfr. teor de fls.19 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
20) Com tal fundamento os SIT propuseram a liquidação adicional de IVA incidente sobre o montante de € 34.297,00, correspondente à totalidade dos trabalhos que identificaram, executados em 2006, dando lugar ao apuramento de imposto adicional a pagar no montante de € 7.202,37, imputável ao último período de tributação, no caso 0612 - cfr. teor de fls.20 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
21) Os SIT consideraram que as situações relatadas nos pontos D2 e D3 do item Acréscimos aos proveitos em sede de IRC, em prestações de serviços comprovadamente efectuadas pela empresa com vista às necessidades particulares dos detentores de capital da empresa seu titular, do pessoal ou em geral a fins alheios à mesma e não tendo com referência às mesmas sido reconhecido qualquer proveito contabilístico, consubstanciam situações de omissão de proveitos, com relevo fiscal em sede de IVA - cfr. teor de fls.20 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
22) Com tal fundamento os SIT propuseram as seguintes correções ao imposto a pagar em sede de IVA: No que diz respeito à situação identificada em D2 do RIT - liquidação adicional de IVA, no montante de € 65.426,86, resultado da aplicação da taxa de 19%, vigente na altura, ao valor contabilizado como custo, €344,351,88, imputado à construção de habitação de titular do capital da empresa, a declarar em 0408, período correspondente ao último registo de custos suportados; no que diz respeito à situação evidenciada em D3 do RIT, propõe-se a liquidação adicional de IVA no montante de € 36.945,60, resultado da aplicação da taxa de 21% aos custos suportados de € 175.931,40, imputável ao período 0512 - cfr. teor de fls.20 a 21 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
23) Na sequência do procedimento inspetivo desencadeado à ora Impugnante foi proposta a liquidação adicional de IVA ao período 0612 no montante de €7.202,370512 - cfr. teor de fls.20 a 21 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
24) A sociedade Impugnante foi notificada em 18 de Junho de 2008 para o exercício do direito de audição na sequência da elaboração do relatório da acção de inspecção - cfr. teor de fls.20 a 21 do RIT, ínsito no PAT, apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
25) A sociedade impugnante exerceu por escrito o direito de audição em 30 de Junho de 2008 - cfr. doc. respeitante ao exercício do direito de audição, ínsito no PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais;
26) Reconheceu e aceitou que os serviços de construção civil efetuados nas casas de «BB» e «AA» tinham sido efetivamente realizados - cfr. doc. respeitante ao exercício do direito de audição, ínsito no PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais;
27) A sociedade Impugnante apresentou Reclamação Graciosa em 30 de abril de 2009 - cfr. processo de reclamação graciosa, ínsito no PA apenso aos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais;
28) A Reclamação Graciosa foi indeferida por despacho proferido em 30 de Outubro de 2009 - cfr. processo de reclamação graciosa, ínsito no PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais;
29) A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi notificada à sociedade Impugnante em 2 de Novembro de 2009 - cfr. processo de reclamação graciosa, ínsito no PA apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais;
30) A presente impugnação judicial deu entrada no TAF de Penafiel no dia 18 de novembro de 2009 - cfr. fls.1 dos autos digitais;
31) Os administradores da sociedade Impugnante são remunerados - cfr. depoimento de «HH»
32) A barra de ouro, ainda se encontra guardada na empresa, era para ser oferecida a um cliente especial, mas acabou por não ser oferecida - cfr. depoimento da testemunha «HH»;
33) Eram feitas estimativas dos custos das obras, com a expectativa de se vir a fazer a obra em questão - cfr. depoimento da testemunha «II»;
34) Essas estimativas eram feitas pela funcionária «II» - cfr. depoimento da testemunha «II»;
35) Os registos das estimativas tinham fins pessoais internos, serviam para a Impugnante ter uma noção de quanto iria gastar se realizasse uma determinada obra - cfr. depoimento da testemunha «II»;
36) O contrato promessa de compra e venda celebrado entre a sociedade Impugnante e a “[SCom03...]”, foi depois revogado - cfr. depoimento da testemunha «GG»;
37) As importâncias nele indicadas não foram objeto de registo contabilístico - cfr. depoimento da testemunha «GG»;
38) Foram executados trabalhos pela Impugnante no empreendimento “«...X...»” da sociedade [SCom02...], embora não saiba se o material referido nos documentos existentes no ficheiro informático detetado no âmbito do procedimento inspetivo foi ou não utilizado na execução desses trabalhos - cfr. depoimento da testemunha «JJ».
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Não existem outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão da causa.”
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Motivação da matéria de facto
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo e no procedimento de reclamação graciosa em apenso aos atos, bem como no depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante: «HH»; «II»; «GG» e, pela testemunha da Fazenda Pública: «JJ», identificados em cada um dos factos.
O depoimento das testemunhas revelou-se objetivo, sério e esclarecedor para o Tribunal.
As testemunhas, prestaram depoimentos claros e credíveis, assentes em conhecimento direto da realidade por si descrita, tendo em conta a sua intervenção nos factos, ou parte dos factos, que originaram o diferendo entre a sociedade impugnante e a AT em apreciação.
Do relatório de inspeção tributária (RIT), resulta toda a factualidade que consubstancia a declaração fundamentadora dos atos e liquidações impugnadas.
As informações oficiais, em que se integra o RIT e respetivos anexos, fazem fé em juízo, sempre que devidamente fundamentadas, cfr. artigos 76º, nº1, da Lei Geral Tributária (LGT) e 115º, nº2, do CPPT.
No entanto, uma coisa é dar como provado que a AT realizou os atos de inspeção descritos no Probatório e, recolheu as informações aí referidas, outra distinta é dar como provado o que ela concluiu, como efetivamente sendo essa a verdade dos factos.
Ora, do depoimento da testemunha arrolada pela Impugnante, «HH», efetuado com isenção e resultante de conhecimento direto, pois, à data da realização da audiência contraditória de inquirição de testemunhas, era funcionária administrativa da sociedade [SCom01...], à cerca de 23 anos, aí desenvolvendo a sua atividade em trabalhos de cariz administrativo, nomeadamente, lidando com assuntos relacionados com entidades Bancárias, cheques, pagamentos a fornecedores, administradores e trabalhadores da empresa, etc, resultou, que os Administradores da sociedade impugnante eram à data dos factos remunerados.
Facto igualmente confirmado pela testemunha, «GG», responsável pela contabilidade da Impugnante à vários anos (à data da audiência contraditória de inquirição de testemunhas), tendo acompanhado o procedimento inspetivo efetuado à sociedade Impugnante, que originou a liquidação objeto da presente impugnação judicial, tendo explicado a este Tribunal, de forma clara e objetiva, como foram tratados os rendimentos acessórios, nomeadamente viagens, gastos com portagens, comunicações e consumos de energia elétrica, dos Administradores da Impugnante, enquadrando-se tais despesas nos benefícios ou regalias não incluídas na remuneração principal, auferidos devido a prestação de trabalho na sociedade por parte dos referidos acionistas da mesma.
Demostrou ainda ter conhecimento da celebração do contrato promessa de compra e venda que a sociedade [SCom01...], na qualidade de alienante, celebrou com a empresa “[SCom03...]”, na qualidade de adquirente em 09.03.2005
Disse a este Tribunal, que, o contrato promessa de compra e venda celebrado entre a sociedade Impugnante e a “[SCom03...]”, foi revogado, pelo que, as importâncias nele indicadas não foram objeto de registo contabilístico.
Foi ainda confrontado com a questão da realização de obras por parte da sociedade Impugnante, no valor de € 34.297,00, respeitantes a trabalhos extra, no empreendimento “«...X...»”, o qual era propriedade e foi comercializado pela [SCom02...],entendendo a AT, que tal omissão se deveria refletir na esfera tributária dos acionistas sob a forma de adiantamento por conta de lucros, com base num mapa que constava do sistema informático da Impugnante.
Explicou ao Tribunal, que, do referido mapa não constava indicação sobre se o montante em causa correspondia aos custos suportados ou ao eventual preço de venda a debitar à [SCom02...].
A testemunha «II», funcionária da Impugnante à cerca de 18 anos, (à data da realização da audiência contraditória de inquirição de testemunhas) e, responsável pela elaboração dos orçamentos e estimativas de custos com obras a realizar pela sociedade Impugnante, prestou o seu depoimento de forma séria e objetiva e revelou conhecimento direto de tudo o que disse ao Tribunal.
Esclareceu o Tribunal sobre o procedimento da sociedade Impugnante, relativo a estimativas e orçamentos elaborados pela Impugnante, com vista à realização de obras.
Demonstrou saber da existência do mapa constante do sistema informático da Impugnante, onde se encontravam discriminadas as frações objeto de trabalhos extra e indicação de valores.
A testemunha da Fazenda Pública, a Inspectora Tributária, «JJ», quando confrontada com a questão, recusou a ideia de os registos em causa serem estimativas, baseando a sua posição, no facto de existir uma alegada correspondência entre os documentos referidos no registo e as faturas constantes da contabilidade da Impugnante.
É um facto não controvertido que, no sistema informático da Impugnante, foram encontrados registos extra-contabilísticos, elucidativos de trabalhos de construção civil extra em imóveis comercializados pela [SCom02...].
Mais se refere, no RIT, que os aludidos documentos discriminam os trabalhos extra realizados, o valor dos mesmos e o valor do respetivo IVA, fazendo-se menção ao anexo n.º5 do RIT, como contendo os valores correspondentes aos trabalhos realizados.
Ou seja, entende a AF que os materiais e mão de obra referidos no registo informático em causa, dizem respeito a obras/trabalhos executados pela Impugnante no ano de 2006 à empresa [SCom02...], não reconhecidos contabilisticamente.
A Impugnante não nega a realização das referidas obras.
Quando no âmbito da audiência contraditória, a testemunha da Fazenda Pública, «JJ», foi confrontada com algumas das faturas em causa (cfr. teor da acta ínsita nos autos), a mesma não soube explicar a metodologia usada para formular as conclusões vertidas no RIT.
Na verdade, se os trabalhos em causa foram realizados pela Impugnante e, os clientes finais, que adquiriram as frações em causa à [SCom02...], pagaram o preço referido, sem menção a IVA, teria a AT que encontrar o preço praticado pela ora Impugnante à [SCom02...] na prestação de serviços, executados por conta desta empresa.
Pelo que, não obstante a existência de elementos concretos que definissem o exato valor da faturação, os SIT presumiram que o mesmo correspondia ao valor praticado pela [SCom02...].
Não demonstrou a AT, de forma coerente, que a correcção em causa tenha assentado em premissas seguras e válidas.
Saliente-se que, relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123º, n.º 2, do CPPT e artigo 607º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2º, alínea e), do CPPT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596º, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e), do CPPT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal, e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 1 , o “relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provados ou não provados factos redundantes ou incompatíveis com os factos dados como provados, nem afirmações conclusivas ou de direito formuladas pelas partes.
Nada mais de relevante, há a retirar da prova carreada a estes autos, tanto mais, que grande parte das questões se reporta a apreciação de questões de direito.”

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2.2 – O direito
Constitui objecto do presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IVA n.º .....194, referente ao período de 0612 e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º .....195, emitidas na sequência de procedimento inspectivo realizado à contabilidade da Recorrida ao ano de 2006, em que a Autoridade Tributária e Aduaneira apurou IVA em falta na decorrência da falta de contabilização de proveitos relativos a serviços de construção civil prestados pela Recorrida à sociedade [SCom02...], Lda., por meio correções meramente aritméticas.
2.2.1. O erro de julgamento de facto e de direito
A Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou procedente a impugnação judicial por considerar, no essencial, que a Autoridade Tributária e Aduaneira violou o disposto nos artigos 87.° e 88.° da LGT, na medida em que entendeu não se estar perante meras correcções técnicas, ou seja, perante uma metodologia de avaliação directa da matéria colectável, pois efectuou correcções com base em elementos extra-contabilísticos, através dos quais partiu de factos conhecidos para firmar factos desconhecidos, através de presunções.
Assim, foi entendido que a Autoridade Tributária e Aduaneira somente se encontrava legitimada se tivesse recorrido à aplicação de métodos indirectos, uma vez que, partiu de factos conhecidos para firmar factos desconhecidos, através de presunções.
A Fazenda Pública, insurge-se contra o assim decidido, imputando à sentença recorrida erro de julgamento de facto e de direito, sustentando que os Serviços de Inspecção Tributária procederam à mera análise de documentos e outros elementos, e, consequentemente, do conspecto dos dados aí explanados, apenas foram extraídas meras constatações, ilações e não presunções, pelo que, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a meras correcções aritméticas, resultantes de imposição legal – apuramento de IVA em falta.
Vejamos.
A questão que ora cumpre apreciar e decidir foi, muito recentemente, decidida por este Tribunal Central Administrativo do Norte, em Acórdão proferido em 25.01.2024, no âmbito do processo n.º 730/09.1BEPNF, em conhecimento de recurso interposto pela Fazenda Pública de sentença em tudo idêntica à ora recorrida, proferida em processo de impugnação judicial deduzida pela aqui Recorrida relativamente a IRC do exercício de 2006, tendo subjacente o mesmo relatório do procedimento inspectivo e em que as alegações são do mesmo teor das produzidas nos presentes autos.
Ora, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito à luz do disposto no artigo 8.º nº 3 do Código Civil, e porque concordamos com tal decisão e respectivos fundamentos, por semelhança ao caso sob apreciação, acolhemos a argumentação jurídica aduzida naquele Acórdão, na medida em que não se vislumbra justificação para decidirmos em sentido contrário, passando-se aqui a citar o mesmo.
“No que concerne às correcções que têm na sua génese a conclusão extraída pela Administração Tributária de que o sujeito passivo não relevou contabilisticamente proveitos relativos a “prestações de serviços de construção à sociedade “[SCom02...]”, o Tribunal a quo acolheu a tese propugnada pela Impugnante, aqui Recorrida, de que estamos em presença de uma “utilização encapotada de métodos indirectos “. É sobejamente sabido, o nosso ordenamento jurídico consagra o princípio do sistema declarativo, como meio de apuramento do valor tributável, surgindo as outras vias da sua determinação, da iniciativa da AF, como meios subsidiários ou residuais. Como bem se compreende, o sistema jurídico tinha, necessariamente de prever meios alternativos ao apuramento da matéria colectável dos impostos, no caso daquele princípio não operar por motivos imputáveis ao contribuinte. É que, se por um lado o sistema parte do princípio da boa fé dos contribuintes na revelação dos seus reais e efectivos rendimentos tributáveis, por outro, não pode ignorar que a simples existência de regras parte do pressuposto da possibilidade do seu incumprimento que, nessa medida, não pode deixar de se mostrar acautelada pelo legislador. Razão pela qual o referido sistema assente no princípio da veracidade do declarado pelos distintos sujeitos passivos seja «temperado» pelo verdadeiro dever de cooperação que, sobre eles, impende de prestarem todos os esclarecimentos e revelarem todos os elementos que, nos casos menos “transparentes”, desde logo por inusuais, permitam esclarecer e eventualmente confirmar, dentro do que lhes seja exigível, a aderência do declarado à realidade. Daí que, nos casos em que se mostre ilegitimamente violado aquele dever de cooperação, como será, v.g. e designadamente, o caso de não se não disponibilizar, sem justificação atendível, os elementos necessários ao controlo da sua situação tributária, por parte da AT, no exercício do poder vinculado que a esta está conferido por lei, se dê a automática legitimação desta entidade para o recurso aos referidos meios alternativos disponibilizados por lei, desde que com observância dos restantes pressupostos, por esta, estipulados. Ou seja, sinteticamente, o alcançar da tributação dos rendimentos reais auferidos por via do aludido sistema declarativo pressupõe que os contribuintes disponibilizem à AT todos e quaisquer elementos que lhes sejam exigíveis e que se apresentem como indispensáveis ao correcto apuramento dos mesmos. E, quando assim não suceda, isto é, quando ocorra a quebra daquele dever de colaboração, cujo ónus impende sobre o contribuinte, como meio de assegurar a presunção de aderência à realidade do declarado, inviabilizando, assim, a concretização, por parte da AT, do dever estritamente vinculado a que está obrigada, de controlo e apuramento do efectivo valor tributável, esta ficará legitimada a recorrer a meio alternativo de tributação. Contudo, o lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis - avaliação directa/avaliação indirecta - e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, pelo contrário, cada um deles constitui um seu poder vinculado, sendo que, ao que aqui nos importa considerar, a AT encontra-se vinculada ao recurso às correcções técnicas/aritméticas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar. Ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar de todo inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia indirecta, o que vale por dizer que esta pressupõe uma situação que se mostre “Marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação”, revelando-se como “uma última ratio fisci, ...” (Cfr. JLSaldanha Sanches em “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 302/303). Feita esta breve incursão pelos métodos de avaliação da matéria tributável, permitimo-nos antecipar que, mais uma vez, não andou bem a sentença a quo. Para tanto, bastaria uma leitura atenta da fundamentação do acto tributário impugnado vertida no Relatório Inspectivo, no segmento constante do ponto 23 do probatório, que se transcreve: (…) No decurso do procedimento inspectivo, concluiu-se, no âmbito da actividade de prestação de serviços de construção civil, terem sido executados trabalhos à empresa [SCom02...] não reconhecidos contabilisticamente, logo, com inerente omissão no apuramento do resultado fiscal. De facto, detectaram-se documentos elucidativos de trabalhos extra em imóveis comercializados pela empresa [SCom02...], designadamente, respeitantes a fracções do prédio Tribunal Central Administrativo Norte Subsecção Tributária Comum 35 correspondentes ao Lote ... do empreendimento “«...X...»”, situado na freguesia ..., concelho ..., identificado na respectiva matriz urbana predial sob o artigo ...93... aludidos documentos, emitidos pela [SCom01...], discriminam-se os trabalhos extra realizados, o valor dos mesmos e o valor do respectivo IVA. No entanto, não se verificou o reconhecimento contabilístico do proveito, com a consequente omissão no apuramento da matéria colectável de IRC e na liquidação de IVA. Os serviços foram efectuados no exercício de 2006, conforme verificável nos documentos e mapas de resumo elaborados pela empresa. Propõe-se assim, para o exercício de 2006, e em sede de IRC, uma correcção à matéria colectável, traduzida em acréscimo ao total de proveitos, no montante de €34.297,00. Propõe-se também uma liquidação adicional de IVA, que adiante se fundamentará, sobre o mesmo valor, consubstanciado em proveitos omitidos, no montante de € 7.202,37, imputável ao último período de tributação do exercício de 2006, no caso 0612. Em anexo (5) encontra-se o mapa de apuramento dos valores correspondentes aos trabalhos executados.(…)”(sublinhado e realce nosso). Se é certo que da leitura do segmento transcrito resulta que no caso vertente a Administração Tributária se socorreu de elementos objectivos plasmados em documentos reveladores das concretas prestações de serviço e respectivos valores, encontrados na posse do sujeito passivo, não podemos, ainda, ignorar que os Serviços Inspectivos, mais detectaram, nos ficheiros informáticos da Impugnante, uma aplicação denominada Microplus na qual, mediante registos extra contabilísticos, a empresa repartiu custos de produção, sendo que tais custos encontravam-se lançados pelo valor total constante do documento de suporte, além do que, procedeu a uma fiscalização cruzada à Impugnante e a terceiros com os quais a mesma se relacionava no desenvolvimento da sua actividade. Foi precisamente com base nos elementos objectivos encontrados na posse o sujeito passivo (documentos e informação espelhada no sistema informático do próprio contribuinte) e de outrem com quem girava comercialmente, que a Administração Tributária procedeu às correcções que estão na génese da liquidação adicional impugnada. Assim, impõe-se concluir que para a determinação do rendimento tributável da Impugnante, a Administração Tributária não lançou mão, nem podia lançar, de qualquer metodologia indiciária ou presuntiva, uma vez que as inexatidões, irregularidades e/ou omissões detectadas não impossibilitavam o respectivo apuramento directo, ou seja, mediante meras correcções técnicas. Sobre esta matéria e tal como se sumariou no Acórdão deste TCAN de 03.10.2018, lavrado in proc 320/14.7 BEPRT “Sempre que esteja em causa, apenas a qualificação jurídica dos factos fiscalmente relevantes, na medida em que estes sejam efectivamente do domínio da AT, porque incontroversos, desde logo porque revelados pelos contribuintes ou porque cheguem ao seu conhecimento através de terceiros, o Fisco, concluindo pela falta de aderência à realidade dos elementos declarados pelo contribuinte, apenas os poderá corrigir através de meras correcções técnicas/aritméticas.” O que a Administração Tributaria efectivamente fez in casu, uma vez que não estava em causa uma realidade desconhecida mas, diversamente, operações que efectivamente logrou apurar, com base nos elementos concretos que recolheu, e que lhe permitiram identificar as prestações de serviços de construção civil omitidas, a quem foram prestadas, o respectivo valor, quando, etc… O que significa que a AT não estava sequer autorizada a socorrer-se dos métodos indirectos para proceder à respectiva correcção da matéria coletável. Termos em que a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que lhe vem sacado. Destarte, na procedência do invocado erro de julgamento apreciado, não pode a sentença a quo manter-se na ordem jurídica”
Nesta senda, impõe-se concluir que a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que lhe vem assacado, não podendo a mesma manter-se na ordem jurídica.
2.2.2 – Do conhecimento em substituição
Como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 665.º do CPC ex vi artigo 2º alínea e) do CPPT ”Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”
Nesta medida, considerando que das questões colocadas no articulado inicial pela Impugnante, aqui Recorrida, o Tribunal a quo não apreciou e decidiu da questão relativa à “preterição de formalidades legais”, assim como da questão atinente à “aplicação do regime de preços de transferências”, e, uma vez que as partes já tiveram oportunidade de sobre as mesmas se pronunciarem ao longo dos autos, em cumprimento do normativo citado, passamos a decidir em substituição.2.2.3 – A preterição de formalidades legais
Invoca a Impugnante, aqui Recorrida, que tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira procedido à determinação da matéria tributável por recurso a métodos indirectos, deveria ter sido notificada nos termos do disposto no artigo 60.º n.º 1 alínea d) da LGT para exercer o direito de audição prévia, assim como nos termos do artigo 91.º da LGT, para, querendo, requerer o procedimento de revisão da matéria tributável.
A Fazenda Pública, aqui Recorrente, defende, no entanto, não existir qualquer vício de violação da lei, e, consequentemente, qualquer vício de forma, por preterição de formalidade legal, por falta de notificação do direito de audição, nos termos do artigo 60.º alínea d) da LGT, pois, não estava em causa a aplicação de métodos indirectos.
Ademais, entende que também não existe violação de lei por a Impugnante não ter sido notificada para requerer o procedimento de revisão da matéria tributável, nos termos do artigo 91º da LGT, porquanto, este procedimento aplica-se unicamente quando a matéria tributável é fixada pela Autoridade Tributária e Aduaneira por recurso a métodos indirectos, e não quando a mesma é determinada por correcções técnicas ou meramente aritméticas (cfr. n.º 1 e n.º 14 do art. 91º da LGT).
Vejamos.
Como decorre do disposto no artigo 60.º n.º 1 alínea d) da LGT, sob a epígrafe “Princípio da participação”, “A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: (…) d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção”.
Por outro lado, verificando-se o recurso a métodos indirectos como forma para avaliar a matéria tributável, impõe-se que a AT proceda a notificação para os termos do disposto no artigo 91.º da LGT e artigo 117.º n.º 1 do CPPT, uma vez que, a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável.
Ora, no caso presente, e como já supra decidido, a Autoridade Tributária e Aduaneira, no apuramento do imposto em falta (IVA), não recorreu a métodos indirectos, mas a simples correcções meramente aritméticas.
Nesta medida, a Autoridade Tributária e Aduaneira não estava obrigada ao cumprimento do disposto no artigo 60.º n.º 1 alínea d) da LGT, nem a notificar a aqui Requerida para, querendo, requerer o procedimento de revisão da matéria tributável ao abrigo do disposto no artigo 91.º da LGT, não ocorrendo qualquer uma das preterições de formalidades essenciais alegadas, razão pela qual também este fundamento da impugnação estava votado ao insucesso.
2.2.4. - Aplicação do regime de preços de transferências
Invocou ainda no articulado inicial a aqui Recorrida que sempre haveria que se considerar que a operação tivesse sido desenvolvida entre entidades relacionadas, e, portanto, subordinada ao regime dos preços de transferência, como determina o artigo 58.º do CIRC, aplicando-se procedimento próprio, valorizando-se a prestação de serviços pelo valor de mercado encontrado por um dos métodos consagrados na lei, estando subordinado a um regime de fundamentação próprio constante no artigo 77.º n.º 3 da LGT.
Vejamos.
Resultava à data dos factos do n.º 1 do artigo 58.º do Código de IRC que “Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”.
O n.º 4 do mesmo preceito legal estabelecia por seu lado que “Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre: a) Uma entidade e os titulares do respectivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto; b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respectivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes; d) Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha recta; e) Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente; f) Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos temos em que esta é definida nos diplomas que estatuem a obrigação de elaborar demonstrações financeiras consolidadas;g) Entidades entre as quais, por força das relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre elas, directa ou indirectamente estabelecidas ou praticadas, se verifica situação de dependência no exercício da respectiva actividade, nomeadamente quando ocorre entre si qualquer das seguintes situações: 1) O exercício da actividade de uma depende substancialmente da cedência de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de know-how detidos pela outra; 2) O aprovisionamento em matérias-primas ou o acesso a canais de venda dos produtos, mercadorias ou serviços por parte de uma dependem substancialmente da outra; 3) Uma parte substancial da actividade de uma só pode realizar-se com a outra ou depende de decisões desta; 4) O direito de fixação dos preços, ou condições de efeito económico equivalente, relativos a bens ou serviços transaccionados, prestados ou adquiridos por uma encontra-se, por imposição constante de acto jurídico, na titularidade da outra; 5) Pelos termos e condições do seu relacionamento comercial ou jurídico, uma pode condicionar as decisões de gestão da outra, em função de factos ou circunstâncias alheios à própria relação comercial ou profissional. h) Uma entidade residente e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada pelo Ministro das Finanças”.
Assim, do artigo 58.º do CIRC decorre o quadro legal dos preços de transferência, consagrando o princípio da plena concorrência, isto é, os elementos a atender na determinação dos termos e condições que seriam os normalmente acordados entre entidades independentes, os métodos susceptíveis de serem utilizados na determinação do preço de transferência, o conceito de relações especiais, as obrigações acessórias do sujeito passivo e, por fim, o ajustamento correlativo.
Este regime tem por objectivo evitar a manipulação da base tributável, através do aumento ou diminuição dos preços praticados entre sujeitos relacionados entre si, com o propósito de diminuir ou eliminar a tributação, estabelecendo-se na lei requisitos cumulativos cuja verificação justifica que possam ser desencadeadas correcções ao lucro tributável declarado, como decorre do preâmbulo da Portaria n.º 1446-C/2001 de 21 de Dezembro.
Como tal, os sujeitos passivos de imposto podem manifestar abuso do poder de decidir, designadamente pela feitura de opções que diminuem a carga tributária, mas sem que exista uma intenção explicita direccionada nesse sentido, ou um comportamento objectivamente orientado para essa finalidade, falseando a qualificação ou quantificação de factos tributáveis para obter diminuição da tributação e que esta fronteira nem sempre se consegue traçar de forma clara.
Acresce que, o artigo 77.º da LGT, sob a epígrafe “Fundamentação e eficácia”, estatui que “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”
Por sua vez, num dever acrescido de fundamentação, o n.º 3 do mesmo preceito legal estabelece que “Em caso de existência de operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, ou de operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e qualquer outra entidade, sujeita ou não a imposto sobre o rendimento, com a qual aquele esteja em situação de relações especiais, e sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei para essa situação, a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos: a) Descrição das relações especiais; b) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo; c) Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direcção-Geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados susceptíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito; d) Quantificação dos respectivos efeitos.”
Nesta medida, perante a existência de operações ou série de operações sobre bens, direitos ou serviços, ou de operações financeiras, realizadas entre sujeitos/entidades em situação de relações especiais, e, sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei, a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais tem de obedecer aos requisitos supra mencionados.
Ora, na alegação apresentada, a Recorrida limita-se a invocar genericamente a aplicação do regime dos preços de transferência, atentas as relações especiais existentes entre as duas sociedades envolvidas, não concretizando, no entanto, em que medida tal regime seria de aplicar, o que se impunha.
Acresce que, também não vislumbramos quais as razões para o pugnado, senão vejamos.
Como resulta do relatório elaborado na decorrência do procedimento inspectivo efectuado à aqui Recorrida, «AA» é administrador da Recorrida e pertence aos órgãos sociais da [SCom02...], Lda., sociedade a quem a Recorrida executou trabalhos não reconhecidos contabilisticamente e que redundou na percepção por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira de proveitos omitidos no período de 0612 e consequente emissão da liquidação adicional de IVA, ora controvertida.
Nesta medida, e à luz do que aqui demos conta, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 58.º do Código de IRC, impõe-se concluir pela existência de relações especiais entre a aqui Recorrida e a sociedade [SCom02...], Lda.
No entanto, é ostensiva a inexistência de um dos pressupostos basilares para a aplicação de tal regime, como seja o incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei, por verificação do aumento ou diminuição dos preços praticados entre os sobreditos sujeitos, com o propósito de diminuir ou eliminar a tributação, isto porque, do relatório do procedimento inspectivo nada decorre nesse sentido.
Os Serviços da Inspecção Tributária nada relataram quanto à desconformidade dos preços praticados relativamente aos trabalhos extra efectuados em imóveis comercializados pela sociedade [SCom02...], Lda., respeitantes a fracções do prédio correspondente ao Lote ... do empreendimento “«...X...»”, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o artigo ...93, não tendo procedido a qualquer alteração do preço praticado.
Com efeito, do sobredito relatório somente resulta que o valor cobrado não teve o respectivo reconhecimento contabilístico, com a consequente omissão no apuramento da matéria colectável de IRC e na liquidação de IVA.
Nesta senda, não era de aplicar à situação sub judice o regime próprio dos preços de transferência, nem sujeitar a correcção ao regime de fundamentação específico que resulta do n.º 3 do artigo 77.º da LGT, razão pela qual também este fundamento da impugnação improcede.

Em conclusão:
I. Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira apura imposto em falta (IVA), consubstanciada em elementos concretos que recolheu na contabilidade do sujeito passivo, estando em causa apenas a qualificação jurídica dos factos fiscalmente relevantes, fá-lo por meio de meras correcções técnicas/aritméticas, não estando sequer autorizada a socorrer-se de métodos indirectos para proceder à respectiva correcção da matéria coletável.
II. Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira procede a correcções meramente aritméticas no apuramento do imposto em falta, não está obrigada a notificar o sujeito passivo de imposto para os efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, nem para o efeito do artigo 91.º da LGT.
III. Não é de aplicar o regime dos preços de transferência previsto no artigo 58.º do CIRC, aplicando-se o procedimento próprio, valorizando-se a prestação de serviços pelo valor do mercado e sujeitando-se ao regime de fundamentação próprio constante do artigo 77.º n.º 3 da LGT, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira não deu conta de incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei, por verificação do aumento ou diminuição dos preços praticados, com o propósito de diminuir ou eliminar a tributação.

***
3 – Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revogar a sentença recorrida, e, em substituição, julgar a Impugnação Judicial totalmente improcedente.

Custas pela Recorrida em ambas as instâncias, sendo que nesta não paga taxa de justiça, pois não contra-alegou.


Ofício de fls. 52 do processo físico: Após trânsito, remeta cópia certificada do presente Acórdão.

Porto, 21 de Março de 2024


Virgínia Andrade
Rui Esteves
Irene Isabel das Neves