Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00606/05.1BECBR-A-C
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/25/2022
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO - NULIDADES DE SENTENÇA- CONTRADIÇÃO COM CASO JULGADO ANTERIOR
Sumário:I – As causas de nulidade de sentença previstas no artigo 615º do CPC são de enumeração taxativa, pelo que, não se reconduzindo o argumentário invocado pelo Recorrente em nenhuma das hipóteses ali previstas, carece de sustentação legal a pretensão de ver a decisão recorrida fulminada com a sanção de invalidade mais gravosa.

II - Não encerrando a decisão judicial recorrida de qualquer contradição com caso julgado anterior, e mostrando-se aquela já mostra cristalizada na ordem jurídica, não procede agora arvorar a infidelidade da execução ao que primeiro foi julgado, em triunfo do que supostamente se oporia.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução de Sentença
Decisão:Negar provimento ao recurso interposto pelo MAI, conceder provimento ao recurso da Autora.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
O MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA e J.., ambos com os sinais dos autos, vêm intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo de Coimbra [doravante TAF de Coimbra] nos âmbito dos presentes autos, que, em 26.08.2021, julgou “(…) a presente ação executiva parcialmente procedente e, em ordem a proceder à execução do acórdão proferido pelo TCAN em 12.06.2019 nos autos de que esta execução constitui um apenso: a) Condeno[u] os Ministérios executados a, no prazo de 30 dias, procederem ao cálculo da diferença entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento inspetivo) que a exequente efetivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data da sua aposentação, e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril; b. Fixo[u] em 30 dias, contados desde o termo do prazo mencionado na alínea antecedente, o prazo para que se dê integral execução ao julgado, procedendo ao pagamento à exequente do valor da indemnização calculada nos termos supra mencionados acrescida dos juros que se mostram devidos, até efetivo e integral pagamento, conforme determinado na decisão exequenda; (ii) absolv[eu] os executados do pedido indemnizatório formulado pela exequente; (iii) condeno[u] o exequente e os executados no pagamento das custas processuais a que houver lugar, na proporção do decaimento (…)”.
Alegando, o Recorrente Ministério da Administração Interna formulou as seguintes conclusões: “(…)
1) A decisão ora recorrida labora em erro do direito aplicável ao caso em juízo;
2) A decisão ora recorrida propõe-se executar o acórdão do TCAN proferido em 12 de junho de 2019 que decreta a reconstituição da situação atual hipotética do Exequente J.. na carreira de inspetor de viação;
3) A decisão ora recorrida ignora o acórdão do TCAN proferido em 6 de março de 2015 sobre a mesma relação material controvertida em que é reconhecido ao Exequente J.. o direito à indemnização por impossibilidade superveniente da regulamentação da carreira de inspetor de viação;
4) O acórdão do TCAN proferido em 6 de março de 2015 já transitou há muito em julgado, como reconheceram tempestiva e sucessivamente o TAFC-UO 1 e o próprio TCAN nos autos dos Processos nº. 606/05.1BECBR,606/05.1BECBR-A e 606/05.1BECBR-A-X;
5) Somente o acórdão do TCAN proferido em 6 de março de 2015 é aplicável à pretensão do Exequente J.., por força do disposto nos artigos 625.° e 628.° do Código de Processo Civil, segundo a remissão supletiva do artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
6) Em consequência, a decisão ora recorrida padece do vício de nulidade previsto no artigo 615.°, nº. 1, alíneas d) e e), e 4, do Código de Processo Civil, aplicável segundo a mesma norma remissiva do artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…)”.
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Quanto ao seu recurso, concluiu a Recorrente J.. nos seguintes termos: “(…)
A - Ao julgar a ação executiva parcialmente procedente, o tribunal a quo decidiu que “no que se refere à comunicação à CGA do valor das remunerações que aquela teria auferido do que vem invocado pelos Ministérios executados, afigura-se-nos não poder a mesma ser ordenada pelo Tribunal, por se entender que existe uma contradição, no plano decisório, entre os dois acórdãos do TCAN proferidos sucessivamente sobre a mesma pretensão no âmbito dos Processos n.°s 606/05.1BECBR e 606/05.1BECBR- A (reconduzindo-se tal circunstância à existência de caso julgado anterior à decisão que se visa executar - cf. Artigo 729.°, al. f) do Código de Processo Civil).”
B - O TCA Norte, no douto Acórdão, de 6 de março de 2015, confirmou a decisão recorrida quanto à convolação objetiva do processo, apenas em relação aos autores integrados na carreira de inspetor de viação: “2. Confirmam a decisão recorrida quanto à convolação objetiva do processo, apenas no que toca a este último grupo de autores.”
C - E qual foi a decisão recorrida confirmada? A decisão proferida em primeira instância, pelo TAF de Coimbra, que determinou que em face da “improcedência do pedido de declaração de ilegalidade por omissão de um regulamento por impossibilidade absoluta, faz nascer o direito à indemnização na esfera jurídica dos autores, devendo, nesse caso, o tribunal convidar as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida, nos termos do n° 1 do artigo 45° do CPTA.” - Cfr. Sentença do TAF de Coimbra.
D - Ao contrário do que o tribunal a quo decidiu, o que o Acórdão do TCA Norte, de 6 de março de 2015, determina é que, apesar de apenas em relação aos autores integrados na carreira de inspetor de viação se verificar uma omissão ilegal de regulamentar, pelo que se verifica ser fundamentado o pedido inicialmente formulado por estes autores, uma vez que ocorreu a revogação da norma depois da propositura da ação, seja convolado o processo - convolação objetiva do processo por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do Art. 45°, do CPTA.
E - Quanto ao Acórdão do TCAN, de 12 de junho de 2019, revogou a decisão recorrida que fixou a indemnização aos autores recorrentes em €15.000,00, com fundamento em que “é possível determinar, com recurso ao n° 3 do artigo 15°, supra transcrito, partindo da regra consagrada no n° 2, o escalão para o qual o funcionário transitaria, se o D.L. n° 112/2001, de 5 de abril tivesse sido, como deveria ter sido, regulamentado, dado a transição se fazer para o escalão igual ao que o funcionário detém na categoria de origem, devendo depois, ficcionada a transição, ter em conta as carreiras, categorias e escalões, previstos no Mapa I anexo ao diploma em apreço, para determinar a remuneração de cada um dos ora recorrentes.
Por outro lado, como também alegam os recorrentes, em relação ao subsídio de inspeção, o mesmo passaria a ser fixado, por força do disposto no artigo 12° n° 2 do diploma em apreço, numa percentagem de 22,5% da remuneração de cada um dos recorrentes, abonado em 12 mensalidades, sendo considerado no cálculo da pensão pela forma prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 47.o do Estatuto da Aposentação.”
Assim, o recurso deve proceder dado o D.L. n° 112/2001, de 6 de abril permitir determinar em que medida se faria a transição dos recorrentes para o novo regime das carreiras inspetivas se o referido diploma tivesse sido alvo de atempada regulamentação.”
F - Em consequência da revogação da decisão recorrida, o TCAN condenou o “Ministério da Administração Interna e o Ministério das Finanças e da Administração Pública a pagar a cada dos Recorrentes identificados a fl. 317 dos autos - numeração física - os montantes correspondentes aos diferenciais remuneratórios entre o valor das remunerações mensais que cada Recorrente efectivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data de interposição do presente recurso - ou à data da sua aposentação, se anterior - e o valor da remuneração que deveria ter efectivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do D.L. n° 112/2001, de 6 de abril, acrescido do diferencial entre o valor do suplemento de função inspetiva efectivamente auferido e o valor desse mesmo suplemento que deveria ter sido estabelecido se tivesse sido regulamentada a carreira de inspeção em que estavam inseridos os Recorrentes, em cumprimento do disposto no D.L. n° 112/2001, acrescidos de juros de mora, à taxa de 7%, desde 1 de julho de 2000 até 30 de abril de 2003 e 4% desde 1 de maio de 2003, até à data do pagamento das referidas quantias, devendo ainda ser comunicada à Caixa Geral de Aposentações o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos para que, mostrando-se pagos os necessários descontos se proceda ao recálculo das pensões dos Recorrentes entretanto aposentados, negando provimento ao recurso interposto pelo Ministério da Administração Interna.”
G - Entende o tribunal a quo que esta decisão “é incompatível com o que antes se havia decidido, no sentido de que não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objeto de regulação através de normas regulamentares, e de que, por isso, haveria que proceder à modificação do objeto do processo, passando este a ser, não a omissão regulamentar, per se, mas sim a indemnização devida pela atuação ilegítima das entidades demandadas, que perdurou desde 01.07.2000 (data da produção de efeitos do DL 112/2001), até à extinção da DGV, conforme resulta da decisão proferida no Proc. n.° 606/05.1BECBR.”
H - Olvida a decisão recorrida as especificidades do processo administrativo executivo, concretamente o conceito amplo de execução e para a, consequente, aceitação no processo administrativo da execução de sentenças constitutivas e, em geral a existência de momentos declarativos nos processos executivos.” - Cfr. Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, 2011, 11a Edição, Almedina.
I - Momentos declarativos esses que incluem a especificação dos atos e operações necessários para dar execução à sentença e, claro está, na própria fixação judicial da indemnização devida, no caso de convolação objetiva do processo, ou seja, a especificação condenatória, que constitui a maneira adequada de assegurar a plenitude do processo de execução.
J - O Acórdão do TCA Norte de 6 de março de 2015 apenas determina a convolação objetiva do processo, não determina ou sequer baliza os critérios de apuramento da indemnização.
K - O acórdão de 12 de junho de 2019, que revogou a decisão recorrida - que fixara tal indemnização em € 15.000,00 - e, “cabendo a indemnização peticionada pelos ora recorrentes no domínio da devida pela causa legítima de inexecução de sentença”, determinou a sua forma de apuramento.
L - O acórdão de 6 de março de 2015 nada decidiu acerca desta questão, isto é, sobre a “forma de cálculo” da indemnização, decidiu somente quanto ao reconhecimento do direito à indemnização.
M - O mesmo é dizer que, na parte dispositiva, o acórdão de 12 de junho de 2019, forneceu os critérios de apuramento, cálculo e determinação da indemnização, incluindo a comunicação à CGA, naquilo que é o seu momento declarativo, clarificador e dispositivo.
N - Já o Acórdão de 6 de março de 2015 não o fez, mas não exclui qualquer critério de apuramento/fixação da indemnização.
O - Não há, pois, casos julgados contraditórios.
P - O Tribunal a quo ao decidir que o pagamento da pensão da aqui Recorrente tendo por referência o valor “das novas remunerações” “equivaleria a reconstituir a carreira da A., tudo se passando como se a omissão regulamentar não tivesse existido, isto é, a emitir um regulamento para o passado, o que conforme se disse expressamente no acórdão proferido no ano de 2015, não é possível, por um regulamento, com essas características, não ser dotado das características de generalidade e abstração que deve conter”, faz um juízo que não cabe em sede de execução, quando deveria simplesmente promover a execução do Acórdão do TCA Norte, de 12 de junho, nos exatos termos em que este fixou os critérios de apuramento e determinação da indemnização, o que, repita-se, aqueloutro acórdão não fez (nem afastou).
Q - Violou o caso julgado - Art. 619°, n° 1, do CPC.
R - O caso julgado formado pelo Acórdão do TCA Norte, de 12 de junho de 2019, impedia o Tribunal a quo de apreciar a questão de mérito consubstanciada na condenação dos Ministérios a comunicar “à Caixa Geral de Aposentações o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos para que, mostrando-se pagos os necessários descontos se proceda ao recálculo das pensões dos Recorrentes entretanto aposentados”.
S - É, pois, a sentença em análise nula por violação do caso julgado, ao não cumprir o decidido pelo TCA Norte, em 12 de junho de 2019: condenação dos Ministérios recorridos a comunicar “à Caixa Geral de Aposentações o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos para que, mostrando-se pagos os necessários descontos se proceda ao recálculo das pensões dos Recorrentes entretanto aposentados” - Cfr. Arts. 619°, 620°, 621° e 615°, n° 1, al. d), todos do CPC, ex vi, Art. 1°, do CPTA.
T - A sentença recorrida é igualmente nula, uma vez que os respetivos fundamentos estão em oposição com a decisão transitada em julgado, proferida pelo TCA Norte, de 12 de junho de 2019 - Art. 615°, n° 1, al. c), do CPC, ex vi, Art. 1°, d CPTA.
U - Apesar do Acórdão do TCA Norte, de 12 de junho de 2019, condenar os Ministérios a comunicar “à Caixa Geral de Aposentações o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos para que, mostrando-se pagos os necessários descontos se proceda ao recálculo das pensões dos Recorrentes entretanto aposentados”, entendeu o tribunal a quo que “na verdade, impor aos Ministérios executados o pagamento das contribuições para a CGA, e a comunicação a esta entidade do valor “das novas remunerações” o que só se compreende se servir para que, daí em diante, as pensões dos AA. aposentados, como a aqui exequente, passassem a ser pagas tendo por referência esse valor, equivaleria a reconstituir a carreira da A., tudo se passando como se a omissão regulamentar não tivesse existido, isto é, a emitir um regulamento um regulamento para o passado, o que, conforme se disse expressamente no acórdão proferido no ano de 2015, não é possível, por um regulamento, com essas características, não ser dotado das características de generalidade e abstração que deve conter.”
V - Este segmento da decisão é ostensivamente contraditório com os factos dados como provados - Facto 3 - IV Fundamentação - A. De Facto, da Sentença recorrida.
X - Factos provados esses que conduzem logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado necessária e obrigatoriamente oposto.(…)”.
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Notificada da interposição do recurso jurisdicional por parte do Ministério da Administração Interna, a Recorrida J.. produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência parcial da presente ação.
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O Recorrido Ministério da Administração Interna também contra-alegou o recurso apresentado por J.., tendo advogado a improcedência do mesmo.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as seguintes:
(i) Recurso jurisdicional interposto pelo Ministério da Administração Interna: determinar se a sentença recorrida “(…) padece do vício de nulidade previsto no artigo 615.°, nº. 1, alíneas d) e e), e 4, do Código de Processo Civil, aplicável segundo a mesma norma remissiva do artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…)”.
(ii) Recurso interposto por J..: apurar se a decisão judicial recorrida enferma de (ii.1.) nulidade de sentença, por violação de caso julgado e por oposição entre os fundamentos e a decisão e, bem assim, por (ii.2) erro de julgamento de direito, por violação do disposto “(…) no Art. 45º, do CPTA e os Arts. 619º, 620º, 621º e 615º, nº 1, al. d) e 615º, al. c) e 625º, todos do CPC (…)”.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte:“(…)
1. Em sentença de 09.04.2010, proferida no processo n.° 606/05.1BECBR, consignou-se, entre o mais:
“(…) concorda-se que para efetivação da transição para as novas carreiras e possibilidade dos (possíveis) destinatários poderem auferir o suplemento de função inspetiva, o DL nº 112/2001, de 6 de abril carecia da publicação do referido decreto regulamentar, sem o qual o regime instituído naquele não produz efeitos relativamente aos autores, pois este diploma subordinava a essa produção de efeitos à emissão de um decreto regulamentar.
Por outro lado, é pacífico que até hoje, relativamente aos funcionários da extinta DGV, não foi emitido o decreto regulamentar em causa.
Ocorre, por isso, uma situação de ilegalidade por omissão de normas regulamentares, nos termos do nº 1 do artigo 77º do CPTA, que estabelece existe uma situação de ilegalidade por omissão das normas quando a sua adoção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a atos legislativos carentes de regulamentação.
Porém, nos termos do nº 2 do citado preceito, quando o tribunal verifique a existência de uma situação de ilegalidade por omissão, julga procedente a ação e disso dará conhecimento à entidade competente, fixando prazo, não inferior a seis meses, para que a omissão seja suprida.
Neste aspeto, face à extinção da DGV, ocorre uma situação de impossibilidade, sendo aparentemente inútil a emanação de tal injunção.
No entanto, é notório o paralelismo entre a situação dos autos e a examinada no citado acórdão.
Desde logo porque, independentemente das funções que cabem aos autores atualmente, a sua situação estatutária como funcionários da DGV deixou de ser necessária. Ou seja, perante o novo quadro legal, a situação atual não carece de qualquer regulamentação: não há necessidade de regulamentar as carreiras inspetivas (inexistentes) da DGV. Impõe-se assim a improcedência do pedido quanto à verificação da situação de ilegalidade de emissão do regulamento para situações atuais e futuras, por falta do requisito acima apontado (existência de ato legislativo - ainda - carente de regulamentação).
Neste ponto, cumpre assinalar que, por isso mesmo, o novo Ministério da tutela não carecia de ser chamado à ação, porque não se cura de regular para futuro a nova situação dos autores. E, do mesmo modo, porque é a situação passada que está em desconformidade com o ordenamento jurídico, apenas deve ser chamado à colação quem, no passado, tinha o dever regulamentar que foi omitido, assim se mantendo o interesse dos réus em contradizer.
Mas, tal como acontece na situação contemplada pelo acórdão transcrito, as situações passadas foram vividas à sombra de um quadro legal, efetivamente carente de regulamentação e estão ainda em desconformidade com a ordem jurídica e, por outro lado, já não é possível emitir um regulamento que corrija essa ilegalidade.
Ou seja, não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objeto de regulação através de normas regulamentares, uma vez que a situação atual e futura já não carece de qualquer regulamentação e a situação passada não é suscetível de ser regulada através de normas gerais e abstratas.
No entanto, à semelhança do que sucede no caso analisado pelo STA, a improcedência do pedido de declaração de ilegalidade por omissão de um regulamento por impossibilidade absoluta, faz nascer o direito à indemnização na esfera jurídica dos autores, devendo, nesse caso, o tribunal convidar as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida, nos termos do n0 1 do artigo 45º do CPTA.
(…)
DECISÃO
Pelo exposto:
1) Julgo improcedente o pedido de declaração de ilegalidade por omissão de regulamento;
2) Fixo, nos termos do nº 1 do artigo 45º do CPTA, o prazo de 20 dias para as partes acordarem no montante da indemnização devida.”- cf. fls. 266 e ss. dos referidos autos no SITAF;
2. Por acórdão proferido em 06.03.2015, no âmbito do processo mencionado no ponto antecedente, o TCA Norte julgou verificada uma situação de impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido inicial, em relação aos autores integrados na carreira de inspetor de viação, e confirmou a decisão recorrida quanto à convolação objetiva do processo, apenas no que toca a este último grupo de autores, entre o mais, com os seguintes fundamentos:
“(…)
No caso concreto e, como vimos, apenas em relação aos autores integrados na carreira de inspetor de viação se verifica uma omissão ilegal de regulamentar; pelo que se verifica ser fundamentado o pedido inicialmente formulado por estes autores.
Voltamos aqui a citar o teor do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.06.2012, no processo n.° 0337/11, com o qual também neste trecho se concorda:
“(...)
A revogação do ato legislativo carente de regulamentação faz cessar a partir da revogação a necessidade da sua regulamentação. Por isso, a partir de então, ou seja, a partir do momento em que o ato legislativo deixa de vigorar, deixa de existir uma condição de procedência.
No entanto, esta evidência não afasta a possibilidade de, durante a vigência da norma carente de regulamentação, se ter tomado exigível a obrigação de emitir as normas e, por esse motivo, a Administração se encontrar já numa situação de “ilegalidade por omissão”. Por isso a revogação da lei carente de regulamentação, só por si, não afasta a existência de uma situação de ilegalidade por omissão ocorrida durante a sua vigência. Não é, pois exato, concluir que a revogação da lei carente de regulamentação implica necessariamente a improcedência da ação de condenação na emissão do regulamento.
Para determinar os efeitos de tal revogação, toma-se necessário averiguar várias coisas: (i) se a revogação ocorre antes ou depois de proposta a ação; (ii) se a revogação é retrativa; (iii) se durante a vigência da norma revogada, chegou a constituir-se na esfera jurídica dos interessados o direito ou interesse legítimo de exigir a condenação da Administração na emissão das normas.
Se a revogação da norma ocorre antes da propositura da ação, esta deve ser julgada improcedente, sem aplicação do art. 45°, 1 do CPTA. Falta um requisito de procedência: vigência da lei carente de regulamentação. Se durante o período de vigência da norma chegou a haver uma ilegalidade por omissão, só resta ao interessado lesado pedir a respetiva indemnização através da ação para efetivação da responsabilidade civil.”
É que, em face dessa revogação, não existem situações presentes e futuras carentes de regulamentação e, como este STA tem reafirmado, também não é juridicamente possível emitir regulamentos para o passado, dado estes não poderem ser dotados das características de generalidade e abstração que os mesmos devem conter (cfr., neste sentido, por todos, os acórdãos de 23/4/2008 e de 19/10/2010, proferidos nos recursos n.°s 897/07 e 460/08, respetivamente). (...)”
No caso concreto a revogação da norma ocorreu depois da propositura da ação.
A Direção-Geral de Viação foi extinta com a criação da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, operada pelo DL n.º 77/07, de 29 de março, que no seu artigo 13° revogou expressamente o Decreto-Lei n.º 484/99.
E a presente ação foi proposta em 19.10.2005 - ver fls. 1.
Pelo que, verificando-se em relação a este grupo de autores fundamento válido para o pedido deduzido na ação, de declaração de ilegalidade por omissão de regulamento, impõe-se em relação a eles a convolação objetiva do processo por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 45° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…)”. - cf. acórdão a fls. 1506 e ss. dos referidos autos no SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3. Por acórdão proferido em 12.06.2019, no âmbito de ação administrativa intentada, entre outros, pelo ora exequente, contra o MAI e o MF, que correu termos neste Tribunal sob o n.° 606/05.1BECBR-A, e na sequência de recurso interposto em 22.06.2017, foram as entidades demandas condenadas a «pagar a cada dos Recorrentes (...) os montantes correspondentes aos diferencias remuneratórios entre o valor das remunerações mensais que cada recorrente efetivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data de interposição do (...) recurso - ou à data da sua aposentação se anterior - e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril, acrescido do diferencial entre o valor do suplemento de função inspetiva efetivamente auferido e o valor desse mesmo suplemento que deveria ter sido estabelecido se tivesse sido regulamentada a carreira de inspeção em que estavam inseridos os recorrentes, em cumprimento do disposto no DL 112/2001, acrescidos de juros de mora à taxa de 7%, desde 1 de julho de 2000 até 30 de abril de 2003, e de 4% desde 1 de maio de 2003 até à data de pagamento das referidas quantias, devendo ainda ser comunicada à Caixa Geral de Aposentações, o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos, para que, mostrando-se pagos os necessários descontos, se proceda ao recálculo das pensões dos recorrentes entretanto aposentados».- cf. documento n.° 1 junto com o requerimento executivo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
4. Em julho de 2000 a exequente tinha a categoria de técnica profissional principal - cf. doc. 2 junto com o r.e.;
5. Em maio de 2002 a exequente foi promovida a inspetora de viação especialista – cf. doc. 5 junto com o r.e.;
6. A partir de abril de 2005 a exequente deixou de estar no escalão 1, passando para o escalão 2 da referida categoria - cf. doc. 9 junto com o r.e.;
7. Por despacho do Subdiretor Geral de Viação foi nomeado técnico profissional especialista da carreira de inspetor de viação com efeitos a 26.03.2002 - cf. informação do IMT;
8. Nos anos de 2000 a 2014 a exequente auferiu as remunerações e suplementos que se inferem das tabelas insertas nos artigos 13.º e 16.º do requerimento executivo, e que aqui se dão por reproduzidas;
9. O MAI e o MF não procederam, até ao momento, ao pagamento de qualquer indemnização à exequente – acordo;
10. A exequente pagou ao seu advogado, para instaurar e acompanhar a presente ação executiva, a quantia de 1.500,00€ acrescidos de IVA –acordo
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Factos não provados
Considera-se não provada, conclusiva, de direito ou sem relevância para a decisão a proferir, a matéria alegada a que se não fez referência.
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Motivação
A decisão da matéria de facto efetuou-se, mediante o recorte dos factos pertinentes para o julgamento da presente causa em função da sua relevância jurídica, atentas as várias soluções plausíveis de direito (artigos 607.°, n.° 3 e 596.° do CPC), com base no exame dos documentos juntos aos autos (não impugnados; artigos 374.° e 376.° do Código Civil e cuja veracidade não foi colocada em crise; artigos 370.° a 372.° do Código Civil), e ainda nos documentos remetidos pelo IMT, tal como se encontra especificado nas várias alíneas da matéria de facto julgada como provada (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
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A Exequente, aqui Recorrente, em devido tempo, intentou a presente ação executiva contra o Ministério das Finanças, peticionando a execução do julgado da decisão proferida em 14.06.2019, nos autos 606/05.1BECBR-A, do TAF de Coimbra, de que a presente execução é um apenso, que condenou as entidades demandadas a “(…) pagar a cada dos Recorrentes (...) os montantes correspondentes aos diferencias remuneratórios entre o valor das remunerações mensais que cada recorrente efetivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data de interposição do (...) recurso - ou à data da sua aposentação se anterior - e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril, acrescido do diferencial entre o valor do suplemento de função inspetiva efetivamente auferido e o valor desse mesmo suplemento que deveria ter sido estabelecido se tivesse sido regulamentada a carreira de inspeção em que estavam inseridos os recorrentes, em cumprimento do disposto no DL 112/2001, acrescidos de juros de mora à taxa de 7%, desde 1 de julho de 2000 até 30 de abril de 2003, e de 4% desde 1 de maio de 2003 até à data de pagamento das referidas quantias, devendo ainda ser comunicada à Caixa Geral de Aposentações, o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos, para que, mostrando-se pagos o necessários descontos, se proceda ao recálculo das pensões dos recorrentes entretanto aposentados».
O T.A.F. de Coimbra julgou parcialmente procedente esta ação executiva, e consequentemente, “(…) a) Condeno[u] os Ministérios executados a, no prazo de 30 dias, procederem ao cálculo da diferença entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento inspetivo) que a exequente efetivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data da sua aposentação, e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril; b. Fixo[u] em 30 dias, contados desde o termo do prazo mencionado na alínea antecedente, o prazo para que se dê integral execução ao julgado, procedendo ao pagamento à exequente do valor da indemnização calculada nos termos supra mencionados acrescida dos juros que se mostram devidos, até efetivo e integral pagamento, conforme determinado na decisão exequenda; (ii) absolv[eu] os executados do pedido indemnizatório formulado pela exequente; (iii) condeno[u] o exequente e os executados no pagamento das custas processuais a que houver lugar, na proporção do decaimento (…)”.
A ponderação de direito na qual se estribou o juízo de procedência parcial da presente ação executiva foi, sobretudo, a seguinte: “(…)
Como se sabe, as decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas (artigo 205.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa e artigo 158.°, n.° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Por isso, impõe o artigo 162.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que as sentenças dos tribunais administrativos que condenem a Administração à prestação de factos ou à entrega de coisas devem ser espontaneamente executadas pela própria Administração, no máximo, no prazo procedimental de 90 dias, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução.
Bem assim, dispõe o artigo 168.° do mesmo diploma, no que releva para o caso dos autos, que quando, dentro do prazo concedido para a oposição, a Administração não dê execução à sentença nem deduza oposição, ou a oposição deduzida venha a ser julgada improcedente, o tribunal, estando em causa a prestação de um facto infungível, fixa, segundo critérios de razoabilidade, um prazo limite para a realização da prestação e, se não o tiver já feito na sentença condenatória, impõe uma sanção pecuniária compulsória.
Como se refere no sumário do Acórdão do STA proferido no Proc. n.° 01368/14 de 14-12-2016 (acessível em www.dgsi.pt, bem como toda a jurisprudência doravante mencionada):
I - A execução de decisão judicial terá de consistir na prática pela Administração dos atos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada, considerando e respeitando, não só todos os fundamentos de ilegalidade julgados verificados, de molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do ato ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o ato não tivesse sido praticado em pleno respeito do julgado, mas também os termos da pronúncia condenatória nela firmados.
Ora, remetendo para os factos dados como provados, deles se extrai que foi proferida decisão judicial pelo TCAN em 12.06.2019, que condenou o MF e MAI, a:
(i) pagar a cada dos Recorrentes (...) os montantes correspondentes aos diferenciais remuneratórios entre o valor das remunerações mensais que cada recorrente efetivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data de interposição do (...) recurso - ou à data da sua aposentação se anterior - e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril;
(ii) pagar o diferencial entre o valor do suplemento de função inspetiva efetivamente auferido e o valor desse mesmo suplemento que deveria ter sido estabelecido se tivesse sido regulamentada a carreira de inspeção em que estavam inseridos os recorrentes, em cumprimento do disposto no DL 112/2001;
(iii) pagar juros de mora à taxa de 7%, desde 1 de julho de 2000 até 30 de abril de 2003, e de 4% desde 1 de maio de 2003 até à data de pagamento das referidas quantias;
(iv) comunicar à Caixa Geral de Aposentações, o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos, para que, mostrando-se pagos os necessários descontos, se proceda ao recálculo das pensões dos recorrentes entretanto aposentados.
Tal condenação estribou-se no entendimento de que a indemnização pela impossibilidade de regulamentar a carreira prevista no DL n.° 112/2001, de 6 de abril deve compensar o exequente pela perda de posição em que a mesma teria ficado colocada se tivesse sido possível fazê-lo, pelo que, sendo possível determinar, com recurso ao artigo 15.° do referido diploma, qual o escalão para o qual o aqui exequente transitaria, se aquele tivesse sido regulamentado, e, bem assim, com recurso ao seu artigo 12.°, n.° 2, qual o aumento percentual do subsídio de inspeção que então auferia, a indemnização pela causa legitima de inexecução, deverá corresponder à diferença entre o que a exequente auferia, e o que viria a auferir na nova (e potencial) carreira.
Estabelece como limite temporal para o computo das diferenças salariais a data de interposição do recurso - 22.06.2017 - ou a data da aposentação dos AA., se anterior.
Na mesma decisão refere-se que as referidas alterações remuneratórias deverão ter reflexo no montante da aposentação dos recorrentes que, entretanto, se tenham aposentado.
Todavia, também nestes autos, no processo principal, foi proferida decisão, transitada em julgado previamente àquela cuja execução é aqui visada, na qual se decidiu que, não existindo situações presentes e futuras carentes de regulamentação e, não sendo juridicamente possível emitir regulamentos para o passado, dado estes não poderem ser dotados das características de generalidade e abstração que os mesmos devem conter se imporia, em relação aos recorrentes inseridos na carreira de inspetor de viação, a convolação objetiva do processo por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 45° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, tendo, por isso, sido as partes convidadas a acordar no montante da indemnização.
Ora, é indubitável que a execução da decisão aqui em causa implica que os Ministérios executados procedam ao cálculo do valor da indemnização devida à exequente, nos termos em que esta vem peticionada, e a paguem. Todavia, no que se refere à comunicação à CGA do valor das remunerações que aquela teria auferido do que vem invocado pelos Ministérios executados, afigura-se-nos não poder a mesma ser ordenada pelo Tribunal, por se entender que existe uma contradição, no plano decisório, entre os dois acórdãos do TCAN proferidos sucessivamente sobre a mesma pretensão no âmbito dos Processos n.ºs 606/05.1BECBR e 606/05.1BECBR-A (reconduzindo-se tal circunstância à existência de caso julgado anterior à decisão que se visa executar - cf. artigo 729.º, al. f) do Código de Processo Civil).
Vejamos, então, em que medida o caso julgado formado pelo acórdão de 06.03.2015 obsta à execução (parcial ou integral) do acórdão proferido em 12.06.2019, nos termos em que a mesma vem peticionada, tendo presente o que se decidiu no Acórdão do TRC de 18.03.2014 proferido no Proc. n.º 556/12.5TBTMR-A.C:
“(…)se o caso julgado não deve abranger o pronunciamento sobre toda e qualquer questão debatida no percurso lógico que conduziu à decisão da ação, justifica-se que ele confira definitividade ao julgamento das questões prejudiciais quando estas se encontrem numa estreita interdependência com a decisão, de tal modo que mesmo quando as partes não hajam formulado os correspondentes pedidos, provocando pronúncias formais em termos decisórios do tribunal, seja aconselhável impedir uma nova apreciação da mesma questão de modo a evitar uma incompatibilidade prática entre as duas decisões”.
Ora, a decisão exequenda, na parte em que ordena que se comunique à Caixa Geral de Aposentações o valor das novas remunerações resultantes dos cálculos a elaborar, para que, mostrando-se pagos os necessários descontos, se proceda ao recálculo das pensões dos recorrentes entretanto aposentados, é incompatível com o que antes se havia decidido, no sentido de que não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objeto de regulação através de normas regulamentares, e de que, por isso, haveria que proceder à modificação do objeto do processo, passando este a ser, não a omissão regulamentar, per se, mas sim a indemnização devida pela atuação ilegítima das entidades demandadas, que perdurou desde 01.07.2000 (data da produção de efeitos do DL 112/2001) até à extinção da DGV, conforme resulta da decisão proferida no Proc. n.º 606/05.1BECBR.
Na verdade, impor aos Ministérios executados o pagamento das contribuições para a CGA, e a comunicação a esta entidade do valor “das novas remunerações”, o que só se compreende se servir para que, daí em diante, as pensões dos AA. aposentados, como a aqui exequente, passem a ser pagas tendo por referência esse valor, equivaleria a reconstituir a carreira da A., tudo se passando como se a omissão regulamentar não tivesse existido, isto é, a emitir um regulamento para o passado, o que, conforme se disse expressamente no acórdão proferido no ano de 2015, não é possível, por um regulamento, com essas características, não ser dotado das características de generalidade e abstração que deve conter.
Quanto ao mais, a decisão exequenda não belisca o caso julgado formado pelo acórdão proferido previamente nos autos principais, na medida em que condena o MAI e o MF a pagar aos ali autores uma indemnização, que não deixa de o ser por se reportar aos diferenciais entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento remuneratório) que a exequente efetivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data da sua aposentação (porque anterior à data do recurso) e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4.
E, conforme se consignou na decisão exequenda, as remunerações que a exequente teria recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4, hão de ser calculadas tendo por base a regra geral de transição prevista no artigo 15.º do referido decreto-lei, segundo a qual os funcionários dos serviços e organismos abrangidos pelo presente diploma, integrados em carreiras de inspeção, transitam para carreira com iguais requisitos habilitacionais de ingresso, sendo que a categoria de integração na nova carreira é a equivalente à detida na data da transição, e a transição faz-se para o escalão igual ao que o funcionário detém na categoria de origem.
Os requisitos de ingresso a atender, para os efeitos supra mencionados, serão os previstos nos artigos 36.º a 38.º do Decreto-Lei n.º 484/99, de 10/11, e os previstos nos artigos 4.º a 6.º Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4.
Por outro lado, o suplemento de inspeção da exequente teria um aumento de 2,5% (cf. artigo 12.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4), passando a ser de 22,5% da remuneração, e o seu cálculo far-se-á através de uma mera operação aritmética, uma vez determinadas as carreira e categoria em que aquele estaria inserido, e tendo por base a respetiva remuneração.
O limite temporal a considerar para efeitos de apurar os diferenciais remuneratórios é claro e foi expressamente definido na decisão exequenda: 22 de junho de 2017 ou a data da aposentação, se anterior.
Assim a indemnização a pagar à exequente corresponderá conforme resulta expressamente do acórdão exequendo, à diferença entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento inspetivo) que aquela efetivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data da sua aposentação (01.01.2015), e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido naquele período, se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril.
Concretizando:
A exequente foi técnica profissional principal (desde julho de 2000 a maio de 2002), e inspetora de viação especialista, da carreira de técnico profissional de viação, cujo ingresso era feito entre indivíduos habilitados com o 11." ano de escolaridade ou equivalente, com carta de condução e com idade não inferior a 21 anos, aprovados em estágio com a duração de um ano que integra um curso de formação específico (cf. artigo 38.° do referido Decreto-Lei n.° 484/99, de 10/11).
A carreira prevista no Decreto-lei n.° 112/2001 de 6/4 com idênticos requisitos de ingresso corresponde à de inspetor-adjunto (cf. o respetivo artigo 6.°, n.° 2).
Assim, os Ministérios executados, tendo por referência os índices previstos no mapa anexo ao Decreto-lei n.° 112/2001 de 6/4, terão que efetuar o cálculo do diferencial entre o valor das remunerações pagas à exequente e o valor das remunerações que seriam devidas a um principal e a um inspetor-adjunto especialista, tendo em conta os escalões em que aquela esteve inserida.
Bem assim terão que efetuar o cálculo do diferencial entre o suplemento de inspeção que foi pago à exequente e aquele que lhe deveria ter sido pago à luz do disposto no artigo 12.°, n.° 2 do Decreto-lei n.° 112/2001 de 6/4, no mesmo período, e dos juros que são devidos, conforme consta da decisão exequenda.
Face à documentação trazida aos autos pelo IMT, e tendo em conta os factos dados como provados, tais cálculos podem, e devem, ser efetuados pelos Ministérios executados, já que estes têm na sua posse todos os elementos de que necessitam para determinar qual a remuneração que caberia à carreira, categoria, e escalão para a qual a exequente transitaria, à luz do disposto no artigo 15.° do Decreto-lei n.° 112/2001 de 6/4, procedendo ao cálculo do valor da indemnização devida à exequente, e dos respetivos juros (que só serão de 7% até 30 de abril de 2003, e não de 2007, como consta das tabelas elaboradas pela exequente), e, posteriormente, ao seu pagamento.
Tudo conforme infra se determinará. (…)” [fim de citação].
Os Recorrentes pugnam pela revogação do assim e considerado e decidido, impetrando-lhe uma miríade de nulidades de sentença e erro de julgamento de direito.
Realmente, o Ministério da Administração Interna mantém a firme convicção de que a decisão recorrida “(…) padece do vício de nulidade previsto no artigo 615.°, nº. 1, alíneas d) e e), e 4, do Código de Processo Civil, aplicável segundo a mesma norma remissiva do artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…)”.
Já a Recorrente J.. considera que a decisão judicial recorrida incorreu em nulidade de sentença, por violação de caso julgado e por oposição entre os fundamentos e a decisão e, bem assim, de erro de julgamento de direito, por violação do disposto “(…) no Art. 45º, do CPTA e os Arts. 619º, 620º, 621º e 615º, nº 1, al. d) e 615º, al. c) e 625º, todos do CPC (…)”.
Vejamos, pois, se lhe assiste razão, sublinhando, desde já, que as questões decidendas elencadas em ambos os presentes recursos jurisdicionais, com o alcance e fundamentação supra explicitados, serão objeto de análise conjunta, por serem indissociáveis em relação à matéria neles versada na decisão recorrida.
Assim, tendo em conta a motivação aduzida pelo Recorrente Ministério da Administração Interna, importa, antes do mais, aferir se a decisão judicial recorrida “(…) padece do vício de nulidade previsto no artigo 615.°, nº. 1, alíneas d) e e), e 4, do Código de Processo Civil, aplicável segundo a mesma norma remissiva do artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…)”.
Sobre o assunto agora trazido a litígio, pronunciou-se recentemente este Tribunal Central Administrativo Norte no processo nº. 606/05.1BECBR-A-V, que versou sobre situação em tudo semelhante à dos presentes autos.
A questão recursiva tratada na aludida ação nº. 606/05.1BECBR-A-V foi a de saber, tal como fundamentalmente sucede no recurso jurisdicional ora em análise, se a sentença recorrida incorreu em ” (…) vício de nulidade previsto no artigo 615.º, nº.s 1, alíneas d) e e), e 4, do Código de Processo Civil, aplicável segundo a mesma norma remissiva do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…)”, tendo este T.C.A. Norte não dado provimento ao recurso interposto.
Por concordarmos com a solução ali encontrada, não poderemos deixar de convocar tal labor jurisprudencial, tanto mais que o aqui Relator foi um dos Juízes Desembargadores que integra o presente Tribunal Coletivo, sob pena de ser posta em causa a relativa previsibilidade e segurança na aplicação do direito, bem como o próprio princípio da igualdade [artigos 13º da CRP e 8º, nº3, do CC].
Acompanhemos, por isso, as partes mais significativas da argumentação expendida no mencionado processo nº. º 606/05.1BECBR-A-V:“(…)
Os presentes autos foram intentados com vista obter a execução da decisão proferida em 14.06.2019, nos autos 606/05.1BECBR-A.
Compreende-se melhor o fio condutor da discordância do recorrente com atenção ao que vem em corpo de alegações, imputando que “o citado aresto do TCAN de 12 de junho de 2019 contraria frontalmente o sentido material da decisão explanada no Sumário e ínsita na parte IV do Acórdão de 6 de março de 2015 (Doc. 2) também proferido pelo mesmo Tribunal no âmbito do Processo n.º 606/05.1BECBR, no qual esta instância jurisdicional julgou «[…] verificada uma situação de impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido inicial [declaração de ilegalidade por omissão do dever de regulamentação das carreiras de inspeção de viação da extinta Direção-Geral de Viação (DGV)], em relação aos autores integrados na carreira de inspetor de viação [um dos quais sendo o Exequente S..]», mais decretando com este fundamento «[…] a convolação objetiva do processo […], nos termos do artigo 45º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.»” (cfr. art.º 3º).
A seu ver:
«(…)
o TCAN decidiu duas vezes sobre a mesma pretensão material do Exequente S..:
a) Primeiro, no acórdão de 6 de março de 2015, foi decidido que o Exequente tem direito a uma indemnização pela omissão do dever de regulamentação das carreiras de inspeção de viação da extinta DGV;
e
b) Depois, no acórdão de 12 de junho de 2019, a mesma instância veio, ao invés, a decidir que o Exequente tem direito à reconstituição da respetiva situação atual hipotética na carreira de inspeção de viação de acordo com a estrutura retrovigente das carreiras de inspeção da Administração Pública aprovada pelo há muito revogado Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de abril.
7.º
Pelo exposto, constata-se existir uma patente contradição no plano decisório entre os dois acórdãos do TCAN proferidos sucessivamente sobre a mesma pretensão no âmbito dos Processos nº.s 606/05.1BECBR e 606/05.1BECBR-A,
8.º
A qual é resolvida de maneira expressa pelo artigo 625.º do Código de Processo Civil (CPC) conjugado com o artigo 628.º do mesmo Código, aplicáveis por força do disposto no artigo 1.º do CPTA: cumpre-se o acórdão de 6 de março de 2015, por ter transitado em julgado em primeiro lugar”.
9.º
E não o posterior acórdão de 12 de junho de 2019, entretanto invocado como fundamento da presente execução pelo saneador-sentença ora recorrido…
10.º
Porquanto, conforme se extrai diretamente dos números 5, 7 e 8 do Sumário do acórdão de 6 de março de 2015, os quais remetem para o regime de modificação do objeto do processo consagrado no artigo 45.º do CPTA: «a revogação do ato legislativo carente de regulamentação faz cessar a partir da [data da sua] revogação (1 de maio de 2007) a necessidade da sua regulamentação», sendo a declaração de ilegalidade por omissão de regulamento fundamento válido para o pedido deduzido na ação, com a consequente convolação do mesmo em pretensão indemnizatória do Exequente S...
11.º
O que prejudica definitivamente qualquer posterior decisão jurisdicional de decretação da reconstituição da situação atual hipotética do Exequente S.. na carreira de inspetor de viação,
12.º
E que constitui fundamento legal e processual radicalmente distinto de qualquer causa legítima de inexecução acolhida no CPTA mas nunca invocada pelo MAI, ora Recorrente, em nenhum passo do presente Processo n.º 606/05.1BECBR-A-V, não obstante a reiterada confusão conceitual em que labora e naufraga a sentença ora recorrida do TAFC-UO 1…”.
(…)».
Resultará, a seu ver, que a decisão recorrida “é absolutamente nula nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, em virtude de condenar o MAI, ora Recorrente, a executar o acórdão do TCAN proferido em 12 de junho de 2019, em vez do decidido sobre a mesma relação material controvertida no acórdão da mesma instância jurisdicional proferido em 6 de março de 2015 que primeiro transitou definitivamente em julgado” (cfr. art.º 13º).
O domínio em que o recorrente coloca esta última imputação é o das nulidades da sentença, em que o art. 615.º, n.º 1, do CPC, enumera taxativamente as específicas causas, determinando que (apenas) podem consistir na omissão da assinatura do juiz [al.a)]; na omissão da especificação dos fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão [al.b)]; na contradição entre os fundamentos e a decisão ou ocorrência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível [al.c)]; na omissão de pronúncia ou excesso de pronúncia [al.d)]; na condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido [al.e)]; o seu n.º 4 disciplina perante qual tribunal devem ser arguidas.
Como se recolhe na prática, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objeto do recurso que deve ser centrado nos aspetos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades» (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, pág. 132).
E no caso, logo pela enunciação expositiva das hipóteses legais, confrontando com o que vem alegado, é claro que nada do que vem apontado em recurso consubstancia qualquer nulidade tipificada no “artigo 615.º, n.°s 1, alíneas d) e e), e 4, do Código de Processo Civil”.
O ponto não merece mais desenvoltura.
A questão de fundo relativa a uma “patente contradição no plano decisório entre os dois acórdãos do TCAN proferidos sucessivamente sobre a mesma pretensão no âmbito dos Processos n.°s 606/05.1BECBR e 606/05.1BECBR-A”, reconduz-se apenas a uma questão de (ine)eficácia; já ensinava Alberto dos Reis, a eficácia jurídica da segunda decisão fica prejudicada, paralisada pela força e autoridade do caso julgado anterior (“Código Processo Civil anotado”, Vol. V, Coimbra Editora, 1952, págs. 196/7); no mesmo sentido, referem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (“Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Coimbra Editora, 2001, pág. 693) que a prolação de decisão de mérito que o caso julgado impediria conduz a que ela seja ineficaz; tb, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 218.
Vejamos.
Dispõe o art. 625º do CPC que:
«1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.
2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual».
O recorrente entende que ao caso se aplica este regime.
A razão pode servir de causa; os efeitos da violação do caso julgado são remediados através de regra que concede prevalência à decisão que transitou em primeiro lugar e que redunda na ineficácia da sentença coberta por trânsito em julgado posterior, constituindo ainda fundamento de oposição à execução que venha a ser instaurada com base em tal decisão (art. 729º, al. f) do CPC) - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. I Almedina 2018, pág. 748.
Mas o recurso é destituído dessa boa razão.
Nada o recurso censura que se esteja a “a executar o acórdão do TCAN proferido em 12 de junho de 2019” (no proc. n.º 606/05.1BECBR-A).
Com o que o recorrente não se conforma é que a execução siga seu comando.
Aproveitando o texto do Ac. do STA, de 12-12-2019, proferido na sequência da revista (não admitida) interposta deste último referido aresto (Ac. deste TCAN de 12/6/2019; proc. n.º 606/05.1BECBR-A), e melhor dando síntese elucidativa:
«Os vários autores a quem o TCA Norte, por acórdão de 6/3/2015, já reconhecera o direito de obterem dos aludidos Ministérios, nos termos do art. 45º do CPTA, indemnizações por omissão ilegal de regulamentação, solicitaram «in judicio» que elas fossem liquidadas, condenando-se os réus nesse pagamento.
O TAF fixou em € 15.000,00 o valor da indemnização devida, a esse título, a cada autor.
Mas o TCA Norte revogou tal pronúncia; e condenou o MAI e o MFAP a pagar aos autores as diferenças remuneratórias – relativamente à carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada – desde 1/7/2000, bem como os respetivos juros moratórios, e a comunicar à CGA o valor das «novas remunerações» dos autores já aposentados para que «se proceda ao recálculo» das respetivas pensões.».
Na visão do recorrente, o Ac. deste TCAN de 12/6/2019 (proc. n.º 606/05.1BECBR-A), é infiel ao antes decidido (em 6/3/2015, proc. n.º 606/05.1BECBR), atingindo o caso julgado.
Mas sem razão, quando aí, e para o que agora é pertinente, apenas - sem a projeção suposta pelo recorrente - se confirmou “a decisão recorrida quanto à convolação objetiva do processo” (quanto a um grupo de autores).
[Aí se determinou a final:
«(…) IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL, pelo que:
1. Revogam parcialmente a decisão recorrida e, em consequência:
1.1. Julgam a ação improcedente relativamente aos autores que não integravam a carreira de inspetor de viação, absolvendo as entidades demandadas do pedido.
1.2. Julgam verificada uma situação de impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido inicial, em relação aos autores integrados na carreira de inspetor de viação.
2. Confirmam a decisão recorrida quanto à convolação objetiva do processo, apenas no que toca a este último grupo de autores. (…)»]
No âmbito de uma execução, não se estranhará chamar à colação o caso julgado.
Mas é precisamente o que retira razão ao recorrente.
“A contradição de casos julgados, seja material ou simplesmente formal, exige uma relação de identidade – ou ao menos de prejudicialidade – entre o objeto das decisões transitadas em julgado” – Ac. TRC, de 17-04-2012, proc. n.º 116/11.8T2VGS.C1.
Certamente que o decidido em 6/3/2015 (também) adquiriu força de caso julgado formal, com força obrigatória dentro do processo e efeitos jurídicos estabilizados e vinculativos, mas nos precisos limites e termos em que se julgou.
“Decorrendo do disposto no art. 621º do n.C.P.Civil que os limites do caso julgado são definidos pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença (os sujeitos, o objeto e a fonte ou título constitutivo), devendo ainda atender-se aos termos dessa definição estatuída na sentença, esta tem a autoridade do caso julgado – valendo como lei – para qualquer processo futuro, mas só em exata correspondência com o seu conteúdo” – Ac. TRC, de 13-05-2014, proc. n.º 1734/10.7TBFIG-G.C1.
Ora, de pretérito (Ac. de 6/3/2015) confirmou-se tão só, para o que agora importa, “a convolação objetiva do processo por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 45º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.
Nada se estatuiu, em termos de definição substantiva, quanto ao pudesse advir (em) fruto dessa convolação; não foi res judicata.
Essa só depois ocorreu; após uma primeira pronúncia do TAF (fixando em € 15.000,00 o valor da indemnização devida) acabou por a final pertencer ao referido Ac. deste TCAN de 12/6/2019, prevalecendo seu diferente dictum.
Entre o antes decidido em 6/3/2015 e o que veio a ser decidido em 12/6/2019 não há vislumbre de qualquer contrariedade (seja por constituírem duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, como o recorrente aduz, seja por se poder assinalar contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual, fosse assim que merecessem ambas “pretensões” qualificação adjetiva).
A oportunidade ao recorrente para, na desenvoltura da instância, dar contributo (e foi dado) ao direito alcançado pela decisão de 12/6/2019, esgotou-se, atingido seu trânsito.
“A decisão judicial não tem por objeto discutir argumentos ou posições jurídicas mas definir o direito na concreta questão que lhe é submetida” (Ac. RC, de 09-09-2015, proc. n.º 175/07.8TASRT-B.C1); a sentença que agora se executa, ao invés do que entende o executado, não surge contraditória com anterior julgado, caso em que seria ineficaz; e tendo já por ela ficado definido o direito, sem tal contradição, não procede agora arvorar a infidelidade da execução ao que primeiro foi julgado, em triunfo do que supostamente se oporia (…)”.
Examinando o teor do Aresto ora transcrito, verifica-se, sem qualquer margem para dúvida, que o mesmo versa sobre a questão recursiva trazida a estes autos.
Não se vislumbra, nem descortina, qualquer argumento de natureza jurídica ou prática para inverter a direção seguida no referido processo, assomando a mesma, a nosso ver, como a mais concordante e consentânea com o bloco legal aplicável ao caso versado nos autos.
Assim, inexistindo quaisquer razões ou circunstâncias específicas que justifiquem diverso procedimento, não vemos razões sustentáveis para divergir da jurisprudência produzida pelo dito Acórdão deste T.C.A.N., antes a ela aderimos.
Tem-se, portanto, por assente que o argumentário invocado no recurso em análise é absolutamente imprestável para fulminar a sentença recorrida com a sanção de invalidade mais gravosa, não encerrando a decisão judicial recorrida qualquer contradição com caso julgado anterior, aliás, a qual até já se mostra cristalizada na ordem jurídica, não podendo, por isso, proceder “(…) agora arvorar a infidelidade da execução ao que primeiro foi julgado, em triunfo do que supostamente se oporia (…)”.
Deste modo, e à luz da fundamentação que agora expressamente se avoca, resulta cristalino que a tese exposta pelo Recorrente Ministério da Administração Interna nos domínios supra assinalados fracassa redondamente.
E este julgamento tem direta repercussão nos vetores sustentadores do recurso interposto pela Recorrente J..
De facto, e com referência às imputadas nulidades de sentença, cabe notar que as causas de nulidade de sentença previstas no artigo 615º do CPC são de enumeração taxativa, pelo que, não se reconduzindo o argumentário invocado pela Recorrente no sentido da violação de caso de julgado em nenhuma das hipóteses ali previstas, carece de sustentação legal a pretensão, sob este particular conspecto, de ver a decisão recorrida fulminada com a sanção de invalidade mais gravosa.
Cabe ainda notar que não pode apontar-se à decisão judicial recorrida qualquer oposição entre os factos e a decisão e/ou a existência de obscuridade ou ambiguidade determinante desta nulidade de sentença.
De facto, a transcrição do teor do aresto promanado no processo n.º 606/05.1BECBR-A - que integra uma mera ocorrência processual com relevo para a decisão a proferir nos presentes autos - nada releva no domínio da contradição dos fundamentos de facto e da decisão.
De resto, a respetiva conclusão decisória está logicamente encadeada com a respetiva motivação fáctico-jurídica desenvolvida por este tribunal, não se descortinando a existência de qualquer obscuridade ou ambiguidade no discurso que a Mmº. Juíza a quo ali expendeu, o qual é perfeitamente inteligível.
Por conseguinte, falece a arguição da Recorrente da existência de nulidade de sentença, por violação de caso de julgado e por oposição entre fundamentos e decisão.
Idêntica conclusão, porém, já não é atingível no domínio da argumentação aduzida pela Recorrente no domínio da inexistência de contradição no plano decisório entre os dois acórdãos do TCAN proferidos sucessivamente sobre a mesma pretensão no âmbito dos Processos n.°s 606/05.1BECBR e 606/05.1BECBR-A.
Na verdade, tal como se sopesou no aresto promanado no processo nº. 606/05.1BECBR-A-V, supra transcrito: “(…) Entre o antes decidido em 6/3/2015 e o que veio a ser decidido em 12/6/2019 não há vislumbre de qualquer contrariedade (seja por constituírem duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, como o recorrente aduz, seja por se poder assinalar contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual, fosse assim que merecessem ambas “pretensões” qualificação adjetiva (…)” [destaque nosso].
Reiterando esta linha jurisprudencial, entendemos ser forçosa a conclusão de que, neste particular conspecto, não andou bem a MMª. Juiz a quo julgar de forma diversa.
Realmente, ao considerar que “(…) a decisão exequenda, na parte em que ordena que se comunique à Caixa Geral de Aposentações o valor das novas remunerações resultantes dos cálculos a elaborar, para que, mostrando-se pagos os necessários descontos, se proceda ao recálculo das pensões dos recorrentes entretanto aposentados, é incompatível com o que antes se havia decidido, no sentido de que não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objeto de regulação através de normas regulamentares, e de que, por isso, haveria que proceder à modificação do objeto do processo, passando este a ser, não a omissão regulamentar, per se, mas sim a indemnização devida pela atuação ilegítima das entidades demandadas, que perdurou desde 01.07.2000 (data da produção de efeitos do DL 112/2001) até à extinção da DGV, conforme resulta da decisão proferida no Proc. n.° 606/05.1BECBR (…)”, o Tribunal a quo não fez uma fez correta subsunção do tecido fáctico apurado nos autos ao bloco legal e jurisprudencial aplicável, sendo, por isso, merecedora da censura que a Recorrente lhe dirige.
Consequentemente, impõe-se revogar a decisão judicial recorrente na parte em que não determina a execução da decisão de “(…) iv. comunicar à Caixa Geral de Aposentações, o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos, para que, mostrando-se pagos os necessários descontos, se proceda ao recálculo das pensões da recorrente “sub judice (…)”, ordenando-se o seu respectivo cumprimento.
Concludentemente, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo Ministério da Administração e concedido provimento ao recurso deduzido por J...
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em:

(i) NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional interposto pelo Ministério da Administração Interna;

(ii) CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional interposto por J.., revogar a sentença recorrida na parte em que não determina a execução da decisão de “iv. comunicar à Caixa Geral de Aposentações, o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos, para que, mostrando-se pagos os necessários descontos, se proceda ao recálculo das pensões da Recorrente”, e ordenar o seu respetivo cumprimento.

Custas do recurso interposto pelo Ministério da Administração Interna pelo Recorrente.

Custas do recurso interposto por J.. pelo Recorrido.

Registe e Notifique-se.
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Porto, 25 de fevereiro de 2021,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia