Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00320/16.2BEVIS |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 01/16/2025 |
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Tribunal: | TAF de Viseu |
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Relator: | ANA PATROCÍNIO |
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Descritores: | REVERSÃO, CULPA NA INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO; ÓNUS DA PROVA, NEXO DE CAUSALIDADE; ARTIGO 24.º, N.º 1, ALÍNEA A) DA LGT; |
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Sumário: | I - Na previsão da alínea a), do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, pretendem-se isolar as situações em que o gerente culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património da devedora originária se tornou insuficiente para satisfação da dívida exequenda. II - Para este efeito, deve a Administração Tributária alegar e provar factos ilícitos, praticados pelo revertido ou com o seu consentimento, que tenham resultado numa diminuição do património social, tornando-o insuficiente para satisfação das dívidas geradas no período do exercício do seu cargo. III - No entanto, não basta à Administração Tributária provar a prática de actos ilícitos, isto é, de inobservância (culposa) das disposições destinadas à protecção dos credores, é necessário que prove que o prejuízo derivou de tal inobservância; isto é, tem, ainda, de demonstrar o necessário nexo de causalidade entre o facto e o dano. |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório «AA», contribuinte fiscal n.º ...33, na qualidade de revertida, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 23/11/2023, que julgou improcedente a oposição intentada contra o processo de execução fiscal n.º ...14, a correr termos no Serviço de Finanças ..., em que é devedora originária a sociedade “[SCom01...], Lda.”, NIPC ...74, anteriormente designada “[SCom02...], Lda.”, para cobrança de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado, do período de 2007 e 2008, no montante global de €304.810,33. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “I. A AT juntou 3 (três) decisões judiciais, de forma inconcebível e inseridos a martelo, em sede de alegações finais. II. A prova tinha de ser introduzida na Contestação – e não nas Alegações Escritas. Tanto mais que não tratam de “factos” supervenientes, mas conhecidos pela Ré aquando do prazo para a apresentação da Contestação. E esses “factos” não são de conhecimento oficioso. Aliás, as Alegações da Recorrente não invocam nenhum destas características – tudo em conformidade com os vários números do artigo 83.º do CPTA, ex vi artigo 2.º CPPT. III. Mal andou o Tribunal recorrido ao considerar os ditos factos, ou melhor, as considerações ou argumentos que a Recorrente resolveu brandir nas suas Alegações Escritas falseando a verdade e esquecendo todo o processualmente adquirido. IV. A junção de documentos pela AT com as alegações é manifestamente ilegal e extemporânea, pelo que os mesmos deveriam ter sido desentranhados, de acordo com o preceituado no artigo 423.º do CPC, o que se requereu em sede de alegações, mas que foi totalmente desconsiderado. V. Apesar do estudo de reestruturação ser de julho de 2002, a venda dos imóveis ocorreu em 2005 e 2006, uma vez que, e dada a dimensão da reestruturação, as condições para realizar a transferência do património tiveram que ser adquiridas e preparadas, tendo havido a necessidade de se realizar avaliações e obter licenças, envolvendo, ainda, outras empresas e sendo necessário haver suporte financeiro para a realização dos pagamentos. Sobre a alegada Gerência de Facto da Devedora Originária VI. A Recorrente exerceu funções de administração na Devedora Originária de 30 de janeiro de 2004 até 4 de fevereiro de 2008, tendo terminado nessa data aquela função. VII. A Recorrente nunca teve uma atuação censurável, tudo fez, em face das circunstâncias concretas da situação, ajudando o seu pai Sr. «BB», para acautelar a subsistência da empresa. VIII. Através das várias testemunhas é totalmente corroborado aquilo que se vem dizendo acerca da (não) gerência da Oponente, ora Recorrente, isto é, em momento algum a Recorrente pode ser responsabilizada pelas dívidas da Devedora Originária, uma vez que resulta claro da prova testemunhal que quem decidia o dia a dia da [SCom01...] era o Sr. «BB» e não a ora Recorrente «AA». IX. A AT por forma a tentar provar a gerência da Recorrente, imputa factos e situações ocorridos posteriormente a 4 de fevereiro de 2008, quando a Recorrente, terminou as funções de gerente. X. Há uma clara e cega demanda da Autoridade Tributária contra a Oponente, ora Recorrente, que argumenta falaciosamente e retira conclusões que não são verdadeiras, com perguntas invasivas e fora do âmbito testemunhal. Perante as várias chamadas de atenção, tanto por parte do Douto Tribunal, como por parte do Mandatário da Recorrente, o Jurista da Autoridade Tributária, acaba por pedir desculpa pela indelicadeza, ao ponto de as perguntas terem que ser feitas por intermédio do Meritíssimo Juiz. Desta forma, no fim da inquirição, ao minuto [01:08:34 a 01:08:47], justificando a indelicadeza com o entusiasmo da própria diligência. XI. Ainda sobre a AT nada ter juntado e nada ter provado nos presentes autos, a ora Recorrente esclarece que dos 4 cheques que terão sido assinados entre 2004 e 2007 (mas não se sabe as datas dos mesmos, pois não foram juntos aos autos) os mesmos eram sempre preenchidos e deixados na empresa por parte do Sr. «BB». Como este gerente estava muito tempo fora da sede, deixava os cheques caso fossem necessários. Dos cheques assinados pela ora Recorrente enquanto mera Administradora XII. Como todas as testemunhas afiançaram, os cheques só eram entregues se houvesse uma ordem expressa nesse sentido por parte do Sr. «BB». XIII. Ainda relativamente aos cheques, os mesmos foram assinados pela Recorrente enquanto Administradora da Devedora Originária, no entanto, foram num período em que nada tem a ver com a presente reversão. XIV. Repita-se, que a ora Recorrente apenas assumiu a função de administradora de 30 de janeiro de 2004 até 4 de fevereiro de 2008, tendo terminado nessa data aquela função. Da outorga da Procuração em virtude da detenção do Sócio-Gerente XV. Em virtude da já referida detenção, do Sr. «BB», este viu-se obrigado a outorgar uma procuração à ora Recorrente, para que esta representasse a Devedora Originária na qualidade e apenas na qualidade (!) de procuradora. XVI. Assim, foi no âmbito da procuração outorgada que a Recorrente contactou a APA em 30 de setembro de 2015. XVII. No que concerne às informações remetidas pela APA, refira-se que, além de as mesmas não constarem dos autos, não se sabe a que ano se reportam e serão uma mera informação prestada por terceiro, desconhecendo-se as circunstâncias da eventual emissão. XVIII. Caso se pretendesse provar algo, poderia e deveria ter sido ouvida a pessoa responsável pela prestação das informações, alegadamente em nome da referida APA. XIX. Em todo o caso, como a Recorrente esclareceu, a única comunicação com a APA foi em 30/09/2015 – num período temporal que nada tem a ver com as dívidas da Devedora Originária em apreço nos presentes autos tendo atuado, com base numa procuração. XX. Outorgada pela Devedora Originária que lhe conferia amplos poderes e que foi aceite por aquela entidade. XXI. Como alias está bem patente na comunicação constante dos autos, assinada pela Recorrente, onde consta a menção aos seus poderes de representação, como se pode verificar das iniciais “P.P.”. Da assinatura de atas, relatórios de gestão e atas de diligências XXII. Já em relação a assinaturas em atas, relatórios de gestão e atas de diligência, mais não se poderá dizer que são meras assinaturas de tomadas de conhecimento, além da AT não precisar no tempo, a que anos se refere e de uma vez mais não juntar qualquer documento comprovativo do mesmo, não representa nem significa o exercício efetivo dos poderes de gerência de facto. XXIII. Da vasta jurisprudência assente nesta matéria, a gerência de facto não poderá ser atestada pela prática de atos isolados, mas antes pela existência de uma atividade continuada, na medida em que a gerência é, antes de mais, a investidura num poder. XXIV. A responsabilização subsidiária pressupõe o poder de controlar e determinar a vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias. XXV. Quando assim procede, quando «assina» ou «dá o nome», não o faz no uso de qualquer critério de oportunidade ou prossecução de interesse estatutário que não domina, mas sim para satisfazer um interesse pessoal alheio ao qual está vinculado ou subordinado por razões «não estatutárias». XXVI. Deste modo, analisada a matéria de facto, constata-se que ficou por provar uma realidade suscetível de evidenciar um tal exercício efetivo dos poderes de administração por parte da ora Recorrente. XXVII. E agora, à má fé e para grande espanto e surpresa da Recorrente, a AT pretende usar tais documentos por si assinados para legitimar e tentar(?) “provar” que continuou a exercer a gerência da Devedora Originária, mesmo após ter cessado tais funções em 04-02- 2008(!). XXVIII. Pelo que é clara a ilicitude do comportamento da AT com esta pretensão, o que não deixará de ser sindicado por este Tribunal. XXIX. Ainda quanto às notas de diligência e à comunicação assinada pela Recorrente a 30 de março de 2015, as mesmas não provam qualquer exercício da gerência pela Recorrente após a data de renúncia ao cargo, que ocorreu, relembre-se, em 04-02-2008. XXX. Uma vez mais, somos obrigados a concluir que a Recorrente não exerceu efetivamente as funções de administração/gerência na Devedora Originária e a AT nada provou relativamente a este pressuposto, uma vez que, na verdade, nada há para provar. XXXI. Com efeito, não é suficiente para provar o que quer que seja, a mera afirmação de restaria «apenas a oponente, enquanto filha do Sr. «BB», para assegurar os destinos da sociedade» (cf. alegações da AT, 1.ª linha da página n.º 2). XXXII. É manifesto que, dos elementos constantes do processo, e ao contrário do alegado pela AT, não se poderá concluir, como se fez no despacho de reversão, que a Recorrente exerceu reiteradamente a gerência de facto durante o período de formação do facto tributário, bem como no período em que a alegada dívida estava para pagamento. XXXIII. É que, entre as assinaturas da ordem de serviço e nota de diligência da inspeção tributária supra referida e a comunicação enviada à APA em 30 de março de 2015, dista um intervalo temporal de 8 anos, no qual a AT não junta quaisquer elementos, ainda que indiciários, de que a Recorrente pudesse ter exercido a gerência durante esse período de tempo. XXXIV. Como resulta dos depoimentos prestados, a Oponente e ora Recorrente, nada podia decidir. XXXV. Bem analisada a matéria de facto provada, constata-se que ficou por provar uma realidade suscetível de evidenciar um tal exercício efetivo dos poderes de administração por parte da ora Recorrente, ficando uma dúvida substancial e fundada sobre o efetivo exercício da gerência da sociedade executada por parte da ora Recorrente, de modo que, competindo à AT o ónus probatório do exercício efetivo da administração por parte da Recorrente, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respetiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a AT XXXVI. A AT não provou o exercício de uma gerência efetiva por parte da Oponente. XXXVII. E não o fez, pois a Oponente não exerceu qualquer gerência na Devedora Originária no período indicado pela AT. Por força da reapreciação da prova gravada, os factos provados deverão ser alterados neste sentido: Nunca, em momento algum, foi negado que a ora Recorrente figurou como Administradora da devedora originária entre 30 de janeiro de 2004 e 4 de fevereiro de 2008, de igual forma também não nega que assinou cheques, de igual forma, não nega que representou através de Procuração a devedora originária perante a APA, e que à falsa fé, assinou, atas de diligências. Mas, convenientemente, esquece-se a AT de referir que a grande maioria dos atos foram praticados após 4 fevereiro de 2008, data em que a ora Recorrente, deixou de figurar enquanto Administradora da devedora originária. E em relação aos poucos atos que foram praticados na gerência nominal da ora Recorrente, a AT e o Tribunal recorrido, bem sabem que a ora Recorrente apenas praticou atos de uma gerência nominal, em que esta praticou atos de gerência mas sempre e incondicionalmente na dependência do gerente efetivo, o Sr. «BB», que determina formalmente todos os atos e atuações, e por isso se tratar de uma gerência nominal. De um conjunto de atos isolados praticados pela ora Recorrente não podemos, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que a mesma exerceu de facto, a gerência da dita sociedade. A AT não aduziu ao processo qualquer prova concreta da culpa da gerência da ora Recorrente e mal andou o Tribunal ao corroborar esta caça às bruxas de que a ora Recorrente, está a ser alvo. O artigo 24.º n.º 1, alínea a) exige a prova da culpa para a responsabilização subsidiária, não se satisfazendo com a mera gerência nominal. Não bastando a outorga de poderes nominais de gerências, exige-se antes o exercício efetivo dessas funções, o exercício efetivo dos poderes e em face da prova testemunhal resulta claro que a ora Recorrente não exerceu precisamente essas funções, nem esses poderes. Há bastante jurisprudência assente quanto a este tema, não bastando “dar o nome” ou “assinar” para se responsabilizar o gerente nominal. A Recorrente não controla, não define o rumo e a estratégia da [SCom01...]. Apenas praticou atos de aparente gerência, mas fê-lo desacompanhado de qualquer critério de oportunidade ou prossecução de interesse estatutário que não domina, apenas para satisfazer o interesse pessoal alheio do Sr. «BB». Estamos perante uma relação de dependência, como resulta claro da prova testemunhal do próprio depoimento de parte. Em face da prova produzida, é da mais elementar justiça que se proceda à alteração da matéria de facto nomeadamente, quando se diz que a ora Recorrente era Administradora da [SCom01...], dever-se-á alterar para o facto de esta ser apenas gerente nominal, porque como resulta claramente da prova testemunhal, quem decidia tudo dentro da empresa é e sempre foi o Sr. «BB», Nunca por nunca, ninguém decidiu o que quer que seja dentro da empresa sem a autorização ou consentimento daquele. Ou seja, a gerência da ora Recorrente, como é fácil de entender, era apenas nominal. De igual forma, os cheques que foram assinados, apesar de, repita-se, não sabermos que cheques são porque não foram juntos, ou em que datas concretas foram assinados, não provam qualquer gerência. Aliás esse tema ficou provado através da prova testemunhal, nomeadamente, os cheques estavam na empresa e o Sr. «BB» é que dava a ordem para ser ou não entregues ao cliente ou ao fornecedor em particular. Nunca, por nunca, a ora Recorrente decidiu que pagamentos efetuar ou a quem. Em face da prova produzida, é da mais elementar justiça que se proceda à alteração da matéria de facto nomeadamente, quando se diz que a ora Recorrente assinava cheques, tentando com isso, provar atos de gerência, antes pelo contrário, uma vez que esta atuação não basta para se considerar uma efetiva gerência de facto, veja-se o que foi supra exposto nos pontos anteriores sobre a gerência nominal. O mesmo se diga em relação aos relatórios de contas, a ora Recorrente assinou-os porque a mesma figurava como Administradora, mas apenas se tratou de uma gerência nominal, nunca, por nunca se tratou de uma gerência de facto. E isto mesmo ficou perfeitamente provado e demonstrado através dos vários depoimentos das testemunhas. Em face da prova produzida, é da mais elementar justiça que se proceda à alteração da matéria de facto nomeadamente, quando se diz que a ora Recorrente assinava relatórios de contas, tentando com isso, provar atos de gerência, antes pelo contrário, uma vez que esta atuação não basta para se considerar uma efetiva gerência de facto, veja-se o que foi supra exposto nos pontos anteriores sobre a gerência nominal. Já no respeitante às reuniões com a APA, apenas de referir que estes contatos foram feitos em 2015, e cronologicamente, não pode, nem é aceite que se tente fazer prova, com um facto ocorrido 8 anos após a ora Recorrente terminar de figurar como Administradora da devedora originária. Em face da prova produzida, é da mais elementar justiça que se proceda à alteração da matéria de facto nomeadamente, quando se diz que a ora Recorrente representou a APA em representação da Administração, tentando com isso, provar atos de gerência, antes pelo contrário, uma vez que esta atuação não basta para se considerar uma efetiva gerência de facto, veja-se o que foi supra exposto nos pontos anteriores sobre a gerência nominal. Sobretudo, quando esta procuração de representação apenas surge em virtude, da detenção do Sr. «BB». Mas mais, foi à falsa fé que a Sra. Funcionária da AT deu ordem para que a ora Recorrente assinasse as notas de diligências, para agora se tentar provar atos de gerência, quando estes atos ocorreram em 09-09-2008 e 10-03-2009, conforme n.º 7) dos I factos provados. Repita-se novamente, factos ocorridos após o término da gerência nominal da ora Recorrente. Em face da prova produzida, é da mais elementar justiça que se proceda à alteração da matéria de facto nomeadamente, quando se diz que a ora Recorrente assinava atas de diligência, tentando com isso, provar atos de gerência, antes pelo contrário, uma vez que esta atuação não basta para se considerar uma efetiva gerência de facto, veja-se o que foi supra exposto nos pontos anteriores sobre a gerência nominal. Sobretudo, quando estas atas foram assinadas à falsa fé e após o período em que a ora Recorrente figurava como Administradora da devedora originária. Sobre a alegada insuficiência dos Bens de Originária Devedora XXXVIII. O objetivo sempre foi manter a empresa em funcionamento, tendo ficado provado que a empresa tinha viabilidade e a situação em que a mesma se encontrava era transitória, fruto de vicissitudes da conjuntura económica. XXXIX. Bem sabemos, que apesar de a Devedora Originária ser uma das maiores exportadoras de vinho a granel, este “título” não é sinónimo de liquidez, uma vez que a Devedora Originária acumulava prejuízos desde o exercício de 2010, créditos incobráveis juntos de clientes da empresa, sofreu os efeitos da crise económica portuguesa de 2008, foi forçada a assumir vários financiamentos e responsabilidades junto de instituições bancárias (que levou, inclusive, à constituição de um penhor, que evitou que a Devedora Originária entrasse em situação de insolvência e lhe permitiu continuar em funcionamento). XL. Por forma, a que a atividade da empresa se mantivesse, a Recorrente foi gerindo a dívida, pagando algumas dívidas, que lhe permitiam de forma imediata continuar com a atividade e por isso é que a empresa se mantém em funcionamento há mais de 10 anos, após o início do processo executivo. XLI. De forma evidente, reconhece a Recorrente, que o pagamento dos créditos ao Estado foram sendo protelados, no entanto, a Recorrente mantém interesse que a empresa continue em atividade, honrando assim os créditos devidos ao Estado. Da Inexistência de culpa da Recorrente pela insuficiência de bens da Originária Devedora para o pagamento da dívida exequenda XLII. Resulta claro da prova testemunhal, que a Recorrente optou (e voltaria a optar!) por manter a empresa em funcionamento (pois não é opção parar de vender), uma vez que crê, porquanto tem capacidade para tal, que a situação é reversível, razão pela qual a Recorrente nunca pediu a insolvência da Devedora Originária. XLIII. Pelo que apenas se pode concluir não estar preenchido o requisito da insuficiência patrimonial da Devedora Originária, previsto nos artigos 23.º, n.º 2, da LGT e 153.º, n.º 2, do CPPT, condição sine qua non, para que se opere a reversão contra os responsáveis subsidiários. XLIV. Desde já se refira que a responsabilidade subsidiária do gestor não passa por um juízo de censura sobre o mérito dos atos de gestão, mas sobre se a sua conduta contribuiu de forma culposa para a diminuição do património da Devedora Originária. XLV. Ora, para além da clara falta de demonstração da ilicitude da atuação da Recorrente na diminuição do património da Devedora Originária pela Autoridade Tributária, não existe culpa do mesmo na sua diminuição. XLVI. Para esta falta de liquidez em muito contribuíram os montantes que se encontram em dívida por parte de múltiplos clientes, muitos deles incobráveis em virtude da insolvência, cujo valor global daria para pagar várias vezes o montante em execução nos presentes autos. XLVII. De igual forma e ao contrário do que parece querer a Autoridade Tributária, não poderá responsabilizar a Recorrente pela não satisfação dos créditos que a Devedora Originária detém sobre terceiros. XLVIII. De referir que a Devedora Originária obteve, ao longo de vários anos e para o desenvolvimento da respetiva atividade, vários financiamentos e responsabilidades junto de diversas instituições bancárias. XLIX. Sucede que a cobrança desses financiamentos e responsabilidades foi precipitada por essas instituições bancárias que, ao aperceberem-se da frágil situação financeira da Devedora Originária, exigiram o reembolso imediato de todos os empréstimos. L. E que, para fazer face à pressão de tesouraria criada, por um lado, pela quebra nas receitas e produtos das vendas e, por outro, por tais cobranças exigidas de forma imediata pelas instituições financeiras, viu-se assim a Recorrente obrigado a constituir um penhor sobre certos bens junto da sociedade [SCom03...], SA, para que esta assumisse esses compromissos juntos das diversas entidades bancárias. LI. Quanto ao destino dado pela Recorrente às verbas relativas ao produto das vendas e lucros que obteve refira-se que as mesmas têm de ser contrabalançadas com os custos ou gastos necessários à geração de tais proveitos! LII. Ora, é precisamente aí que estão os proveitos das vendas efetuadas pela Devedora Originária: estão consumidas pelos gastos necessários à realização dessas vendas e à manutenção da fonte produtora, tendo em conta que a Recorrente sempre atuou no pressuposto de que a Devedora Originária iria recuperar da situação de insolvência técnica em que se encontra. LIII. É manifesta a ausência de culpa da Recorrente na insuficiência do património da Devedora Originária para satisfação da dívida tributária em execução. LIV. Sendo também manifesta a existência de fatores exteriores à vontade da Recorrente que no seu conjunto, levaram a que a Devedora Originária tenha acumulado sucessivos prejuízos, desde o ano de 2010, que levaram à insuficiência de bens para pagamento das dívidas tributárias em execução nos presentes autos. LV. Acrescente-se que a Recorrente sempre atuou no pressuposto da recuperação da Devedora Originária, de que é exemplo a constituição de diversas garantias sobre bens das diversas sociedades do grupo para assegurar o financiamento do penhor. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá dar-se provimento ao presente recurso, devendo ser proferido Acórdão que decida julgar procedente, por provada, a Oposição à execução fiscal deduzida nos autos, com todas as legais consequências, fazendo V. Exas. a acostumada, JUSTIÇA!” **** A Recorrida não contra-alegou. **** O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso. **** Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, ao considerar ser a Recorrente parte legítima na execução, por estarem demonstrados os pressupostos para operar a reversão. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “IV I Factos provados 1) A empresa [SCom02...], LDA., atualmente designada por [SCom01...], LDA. (NIPC ...74) foi constituída em 18 de janeiro de 1975, sob a forma de sociedade anónima e assim permaneceu até 4 de fevereiro de 2008, data em que foi transformada em sociedade por quotas, cfr. certidão de matrícula junta a fls. 1579 a 1583 do processo executivo (correspondente ao volume VII disponível para consulta em CD) junto aquando da informação prestada nos termos do artigo 208º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a qual consta da parte final do doc. 004479723 do processo digital, sendo deste os demais elementos infra referidos que não tenham outra indicação; 2) No quadriénio de 2004/2008 o Conselho de Administração da [SCom02...] era composto, na qualidade de vogal, pela ora Oponente, idem anterior; 3) Nas atas do Conselho de Administração, datadas de 2004 a 2007 a Oponente figurou como Administradora e, nessa qualidade por ela foram subscritas, vide fls. 1591 a 1603 do processo executivo melhor discriminado em 1; 4) Subscreveu também na referida qualidade, em 25-02 e 07-03 do ano de 2007 procurações forenses juntas a petições judiciais, cfr. fls. 1604 a 1607 do processo executivo a que se vem aludindo; 5 Assinou cheques da devedora originária, pelo menos entre os anos de 2004 e 2007, vide fls. 1625 e 1629 do processo executivo; 6) Apôs também a sua assinatura na qualidade de administradora nos relatórios de contas de dezembro de 2006 e março de 2007, cfr. fls. 1608 a 1623 do processo executivo; 7) Apesar de em termos registrais a Oponente só ter sido gerente apenas até início de fevereiro de 2008, posteriormente interveio em representação da administração da [SCom02...]. através de “contactos escritos, pessoais e telefónicos” com a APA Administração do Porto de Aveiro e assinou, em 09-09-2008 e 10-03-2009, as notas de diligências, no âmbito de ações inspetivas, vide fls. 1624, 1629 e 1630 do processo executivo; 8) A Oponente era e é o braço direito do seu pai, o principal gerente da Originária devedora (OD), tendo plena consciência da situação contabilística e financeira da mesma, conhecendo também todas as alienações e onerações de património ocorridas entre 2005 e 2006 e o destino a dar aos montantes ao dispor da OD, até porque interveio, como Presidente do Conselho de Administração das sociedades adquirentes [SCom04...] e [SCom05...], cfr. os depoimentos das testemunhas arroladas pela Oponente; as suas declarações e os documentos 9 a 11, inclusive, que instruíram a petição inicial. Sobre os depoimentos e declarações vindas de referir não se olvida que uns e outros disseram que era o Pai da Oponente quem comandava os destinos da Originária devedora, mas tem-se também presente toda a factualidade supra descrita e as próprias declarações da Oponente resultando das mesmas que ela conhecia a situação da originária devedora e demais empresas, mormente as ligadas ao ramo imobiliário, ou seja as adquirentes do património onerado pela OD , as quais, segundo a testemunha «CC», “trabalhador da [SCom04...] mas se for necessário presta auxílio noutras empresas do grupo” eram a área onde aquela mais trabalhava. Tem-se presente que, de todo o acervo probatório, resulta ser a OD e as demais empresas do grupo empresas familiares e de gestão familiar onde predomina o patriarca, mas onde a única filha, a Oponente, também marca presença; 9) Em 15 de fevereiro de 2011, a devedora originária, representada pelo seu gerente (o já referido Pai da Oponente) constituiu a favor da empresa [SCom03...], S.A., [SCom06...], S.A., [SCom04...], S.A. e [SCom07...], S.A, todas elas representadas pelos seus administradores, a Oponente e marido, um penhor mercantil sobre bens de que era proprietária, avaliados no valor global de € 24.187.774,46, os vinhos existentes nos vários entrepostos e o recheio das suas instalações, vide documento 22 da petição inicial; 10) As alienações referidas em 8) foram objeto de ações declarativas de impugnação pauliana, processos ..8/0...TBTND, ..8/0...TBTND-A e ..8/0...TBTND-B do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, atualmente Comarca de Viseu, Inst. Central, Secç. Cível, foram julgadas totalmente procedentes, comprovando-se que elas “provocaram a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou um agravamento dessa impossibilidade”, cfr. ponto 58 do despacho de reversão constante do início do doc. 004479722 do processo digital e págs. 64 e segs. do mesmo doc até págs. 58 do doc. 004479723, realçando-se a clara e profunda motivação da sentença que julgou procedente a impugnação pauliana constante, do início das páginas vindas de referir (págs. 64 e segs…); 11) Em vez do alegado nestes autos pela Oponente, e nas referidas Ações pela OD, ao alegarem que as alienações decorreram de reestruturação do grupo de empresas, onde se integra a OD e as adquirentes, entre outras, realizada na sequência de estudo elaborado pela consultora «DD», vide 136º a 140º da petição inicial, conjugado com o referido estudo constante do doc. 21 da petição inicial e depoimento da testemunha «EE». Estes elementos entendemo-los como insuficientes para afastar a comprovação referida em 10; 12) em 27 de setembro de 2012, o Diário Económico publicou um artigo de informação sobre as maiores exportadoras de vinho e no “TOP - 10 das exportadoras”, constava, em oitavo lugar, a empresa [SCom02...], considerada “a maior exportadora de vinho a granel (...) liderada por «BB», (...)”, cfr págs.60 a 65 do doc. 004479723 do processo virtual; 13) desde 2010 as exportações de vinho têm assumido taxas de crescimento anual positivas, vide diapositivo que integra o estudo apresentado por Telma Machado no Fórum Anual Vinhos de Portugal, organizado em 2015-11-25 pelo instituo da Vinha e do Vinho, IP, intitulado "Os Vinhos de Portugal em 2015: exportação e mercado nacional, disponível no endereço de internet: http://www.ivv.min- agricultura.pt/np4/7newsld=8079&fileName=VinhosPortugal2015TMACFinal.pdf, junto a págs. 59 do doc. 004479723 do processo virtual; 14) A OD, em contraciclo, desde meados de 2009, entrou num conjunto de exercícios com resultados negativos, depois de nos anos de 2003 a 2008, inclusive, ter alcançado resultados positivos, cfr. ponto 62 do despacho de reversão, melhor identificado nas notas de fundamentação do ponto 11 e cópia das Declarações de IES dos anos de 2009 a 2014, inclusive que constituem os docs. 14 a 19 da petição inicial; 15) No processo de execução fiscal n. º ...14, instaurado pelo Serviço de Finanças ... para cobrança coerciva da quantia exequenda de € 304 810,33, relativa a IVA dos anos de 2007 e 2008, em que é devedora originária a sociedade comercial “[SCom01...], Lda.” (NIPC ...74), anteriormente designada [SCom02...] Lda., depois de ter sido projetada a reversão das dívidas e de a Oponente ter exercido o direito de audição foi proferido contra Ela e outros, em 06-05-2016 despacho de reversão, vide projeto de reversão, exercício do direito de audição e despacho de reversão a fls. 1712 a 1753 constante do volume 7 do processo executivo melhor identificado em 1).; 16) Em tal despacho, para além do mais, aludiu-se, para fundamentar a reversão, à factualidade descrita em 2 a 7, idem anterior; 17) No mesmo dia do despacho de reversão foi emitida “CITAÇÃO (REVERSÃO”) contra a Oponente, sendo recebida por «FF», em 10-05-2016, cfr págs. 1760 a 175 do processo executivo a que se vem aludindo; 18) Através do ofício n.º ...91, de 13-05-2016, foi emitida a notificação da oponente, nos termos do artigo 233.º do Código de Processo Civil, vide pontos 7 a 9 da informação que instruiu o despacho que manteve a reversão e ordenou a remessa da oposição a este Tribunal e ainda fls. 1775 e 1776 e sgs. do processo executivo); 19) Em 09-06-2016 a Oponente deduziu a presente oposição à execução, cfr. comprovativo de entrega de documentos constante da parte superior direita da primeira página da petição inicial; 20) As dívidas exequendas foram liquidadas no ano de 2011, ano em que foi instaurada a execução e citada a OD, citação verificada em 26-05-2011, vide as primeiras 32 págs. do processo executivo constantes do volume 1. IV II Factos não provados Inexistem. Motivação e análise crítica da prova produzida: Na determinação do elenco dos factos considerados provados, o Tribunal considerou e analisou, de modo crítico e conjugado, os documentos e informações constantes dos presentes autos e do processo administrativo (que se encontra disponível para consulta no CD que a Entidade Exequente juntou aquando da apresentação da informação prestada nos termos do artigo 208º do CPPT), conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada, documentos esses que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram total credibilidade por parte do Tribunal, por não haver razões para duvidar da sua fidedignidade. O tribunal considerou ainda o depoimento das testemunhas arroladas pelo oponente; «GG» (contabilista certificada, trabalha para o grupo de empresas do qual o oponente é gerente, desde 2003 até à data); «CC» (empregado de escritório na empresa [SCom04...], desde 1998, empresa esta que integra o grupo de empresas de que o oponente é gerente); «EE» (jurista, funcionário da empresa [SCom04...], trabalha desde 1998 para o grupo de empresas das quais o oponente é gerente) ; assim como o depoimento das testemunhas arroladas pela FP, «HH», inspetora que realizou a fiscalização a Originária devedora aos anos 04 a 08 e realizou as correspondentes notificações; «II», casada, Insp. Tributária tendo trabalhado quase exclusivamente nos processos da cruz - execuções, pedidos de dispensa de garantia - entre 2012 e 2016. Foi a autora da informação prestada pela Entidade Exequente nos termos do artigo 208º do CPPT, vide 4º parágrafo do relatório desta sentença. A testemunha «GG», após explicar a sua razão de ciência (conforme se deixou dito), explicou que as dívidas surgiram de dificuldades de tesouraria agravadas a partir de 2008, chegando a ocorrer dívidas aos funcionários; os gerentes, principalmente, o pai da Oponente sempre pensou que dava a volta à situação e por isso não se apresentou à insolvência. Em termos gerais, confirmou que as dívidas da devedora originária eram muitas que o dinheiro gerado pela empresa não dava para pagar tudo. Este depoimento foi prestado de forma serena, fluída, coerente e com conhecimento direto da atividade da devedora originária, da gerência exercida pela oponente apesar de acentuar sempre o Pai desta a comandar os destinos da empresa. Não foi possível perceber que concretas medidas/diligências foram tomadas para pagamento da dívida em execução. Não foi possível ao Tribunal perceber por que razão a Oponente não pagou as dívidas exequendas, sendo certo que a empresa ainda continua em atividade, o que claramente indica a viabilidade da empresa e que esta pagou outras dívidas que lhe permitiram manter-se em funcionamento. Por sua vez, «CC» afirmou que conhece a oponente por ser a gerente das empresas em que se integra a devedora. À semelhança do referido pela testemunha anterior, confirmou que a dívida surgiu num contexto de dificuldades económicas da devedora originária, marcadas por um aumento das dívidas dos clientes, diminuição de vendas, por recurso a empréstimos bancários e pelas dificuldades de tesouraria para fazer face a todas as despesas que iam aparecendo. Sobre a gestão secundou o depoimento da testemunha anterior. Este depoimento foi prestado de forma serena, calma e fluída, mas do mesmo não foi possível extrair as medidas concretas e diligências que a oponente empreendeu para tentar pagar as dívidas em execução. No mais, à semelhança do referido anteriormente, não foi explicado por que razão a oponente e seu Pai não pagaram as dívidas. «EE» começou por explicar que era jurista e que já trabalhou em várias empresas geridas pela Oponente e Pai, mas que o seu conhecimento dos factos era indireto, uma vez que não acompanhou diretamente o processo de execução em apreço e apenas teve conhecimento da existência da dívida exequenda e do respetivo processo executivo através da informação que circulava na empresa devedora originária e noutras empresas geridas pela oponente e demais familiares. Sabia que a devedora originária, desde 2009, começou a enfrentar sérias dificuldades económicas, tinha uma dívida grande à banca e que o oponente teve de garantir pessoalmente essa dívida. Face à conjuntura económica adversa (em que ganharam especial relevância as dificuldades de tesouraria e as duas apreensões de grandes quantidades de vinho), o Pai da Oponente optou por manter a empresa em funcionamento (pois não podia parar de vender), acreditando que a situação era reversível e que iria ultrapassar e recuperar do momento menos bom, razão pela qual o oponente não pediu a insolvência da devedora originária. Era aquele quem geria, os demais, inclusive a Oponente cumpria ordens. Este depoimento mostrou-se genérico, vago, assente num conhecimento indireto dos factos e, com pertinência para o caso sub judice, dele não foi possível extrair qualquer diligência concreta feita pela oponente e seu Pai para tentar pagar a dívida em referência nos autos. As testemunhas da Autoridade Tributária, mormente segunda, revelou conhecimento pormenorizado de todas as dívidas da Originária devedora, conhecimento demonstrado no depoimento que prestou e na informação do 208º que subscreveu. Realça-se a indicação do total da dívida rondar os 47 milhões de euros, com uma ínfima parte recuperada sendo a maior fatia respeitante a dívidas ao IVV e ao IFAP. Por último, nas declarações prestadas pela Oponente afirmou que as vendas dos imóveis foram realizadas na sequência de estudo; fez intervenções a pedido do seu pai de acordo com procuração por ele e sua mãe outorgada; aludiu às apreensões de vinho, aos bancos a cortarem o crédito e a exigirem garantias. E foi a necessidade de garantias bancárias que originou o penhor mercantil do stock de vinhos e recheio das instalações. Resulta da factualidade assente, das respetivas notas de fundamentação, a ponderação realizada na articulação das várias provas dos autos constantes e o porquê de se ter julgado comprovada factualidade apesar de algumas testemunhas defenderem o contrário. Sobre o depoimento das testemunhas elas foram e são trabalhadores da OD ou de empresas do mesmo grupo. As declarações prestadas pela Oponente também foram analisadas não se olvidando o interesse da mesma nos autos. Apesar do vindo de referir, as declarações em causa são elucidativas do conhecimento que a declarante tem da OD e demais empresas do grupo confirmando estarmos perante empresas familiares geridas pela família, principalmente pelo Pai da Oponente e por esta.” **** Por se revelar necessário para a boa apreciação da causa e constarem dos autos os elementos probatórios para tanto necessários, ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, adita-se a seguinte matéria ao probatório da decisão da matéria de facto: 21) A dívida exequenda em causa nestes autos respeita a IVA dos anos de 2007 e 2008, tendo o seu prazo de pagamento voluntário expirado em 30/04/2011– cfr. páginas 22 e 23 de fls. 687 do SITAF. 22) A reversão da dívida contra a Recorrente foi efectuada ao abrigo da alínea a) do n.º 1, do artigo 24.º da LGT – cfr. despacho de reversão constante de páginas 5 a 19 de fls. 687 do SITAF. 2. O Direito Nas conclusões I a IV das alegações do recurso, a Recorrente insurge-se contra a junção de documentos pela AT com as alegações escritas pré-sentenciais, pugnando pela sua ilegalidade e extemporaneidade, solicitando que tais documentos fossem desentranhados, de acordo com o preceituado no artigo 423.º do Código de Processo Civil (CPC). Todavia, o tribunal recorrido, em face de tal alegação, já foi ao encontro de tal pretensão da Recorrente, tendo determinado, por despacho judicial proferido em 09/05/2024, o desentranhamento de tais documentos, com fundamento na circunstância de os mesmos já constarem dos autos, por serem instrutores do despacho de reversão; pelo que se mostra prejudicado o conhecimento desta questão. A Recorrente parece requer, ainda, a reapreciação da prova gravada, sustentando que, por força dela, os factos provados deverão ser alterados. Porém, escalpelizando toda a alegação do recurso, não detectámos propriamente qualquer impugnação de factos concretos constantes do probatório, mas antes a discussão do pressuposto da reversão relativo à gerência de facto, acentuando que apenas se mostra demonstrada a gerência nominal ou de direito e que a valoração dos factos levados ao probatório não permitem retirar a ilação de que, no período relevante em causa, a Recorrente tenha gerido, efectivamente, de facto, a sociedade devedora originária. Ora, dando de barato que a Recorrente foi administradora de facto no período de constituição das dívidas (2007 e 2008), a verdade é que o acto em apreço operou a reversão ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea a) da LGT, dado que as dívidas exequendas tinham como data limite de pagamento 30/04/2011, e a Recorrente apenas terá figurado, na qualidade de vogal, no Conselho de Administração da sociedade devedora originária, no quadriénio de 2004/2008 - cfr. pontos 2, 20, 21, e 22 do probatório. Sendo tal bastante para acolher o mesmo julgamento favorável à oponente que foi realizado no âmbito do processo n.º 429/16.2BEVIS, em 19/12/2024, por este TCA Norte, onde também aí é oponente a aqui Recorrente. Estão em apreço dívidas de IVA de 2007 e 2008, e na medida em que tal responsabilidade é aferida pela lei vigente ao tempo do nascimento das dívidas, no caso, deparamos com a aplicação do disposto no artigo 24.º, n.º 1 da LGT, o qual estabelece que: 1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. Quanto ao âmbito de aplicação das referidas alíneas contidas no citado artigo 24.º da LGT, o Acórdão do STA, de 14-02-2013, Proc. n.º 642/12, refere que: “[a] alínea a) do nº 1 do art. 24º abrange apenas as situações em que o gerente à data da constituição das dívidas já não o era na altura em que estas deviam ter sido pagas (razão por que só responderá se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para esse posterior pagamento, competindo à FP o ónus da prova dessa culpa), e que a alínea b) abrange a responsabilidade dos gerentes que exerceram o cargo à data do pagamento das dívidas, independentemente de o terem exercido ou não no período da constituição da dívida (razão por que lhe caberá provar que não lhe é imputável essa falta de pagamento) (Esta diferença no regime do ónus da prova compreende-se quando se atenta que no caso da alínea a) o gerente não pode ser responsabilizado pela falta de pagamento, dado que enquanto exerceu o cargo a dívida não fora posta a pagamento, pelo que só poderá ser responsabilizado caso a exequente prove que ele teve culpa na insuficiência do património societário. E, no caso da alínea b), quando se atenta que o pagamento da prestação tributária constitui uma obrigação do gerente, pelo que tem de ser este a provar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas vencidas durante o período do exercício do cargo, designadamente pela demonstração de que foram os gerentes que exerceram o cargo durante o período do nascimento da dívida que praticaram os actos lesivos do património da executada impeditivos do pagamento das dívidas posteriormente postas à cobrança.) (…)” Com efeito, compulsando o teor da petição inicial e do despacho de reversão, tal permite, com segurança, afirmar que a AT terá demonstrado o exercício da gerência por parte da Recorrente no período de constituição da dívida exequenda, ou seja, em 2007 e 2008, assumindo especial relevância a questão da “culpa”, tanto mais, como referimos, que a reversão operou ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 24.º da LGT, caso em que compete à AT a prova de que foi por culpa do revertido que o património da devedora originária se tornou insuficiente para satisfação da dívida exequenda. “(…) Para este efeito, deve a AT alegar e provar factos ilícitos, praticados pelo revertido ou com o seu consentimento, que tenham resultado numa diminuição do património social, tornando-o insuficiente para satisfação das dívidas geradas naquele período. No entanto, não basta à AT provar a prática de atos ilícitos, isto é, de inobservância (culposa) das disposições destinadas à proteção dos credores, é necessário que prove que o prejuízo derivou de tal inobservância (cfr. Paulo Marques, “Responsabilidade Tributária dos gestores e dos técnicos oficiais de contas – A reversão do processo de execução fiscal”, Coimbra Editora, p.165). Isto é, tem, ainda, de demonstrar o necessário nexo de causalidade entre o ato e o dano (cfr. Tânia Meireles da Cunha, “Da responsabilidade dos gestores de sociedades perante os credores sociais: a culpa nas responsabilidades civil e tributária”, Almedina, p. 140). Para demonstrar a culpa da Recorrente, o OEF considerou a venda de bens imóveis da SDO, que constituíam uma parte importante do seu património, a empresas do grupo a que pertence, através de escrituras celebradas entre 2005 e 2006 e assinadas por «BB» e pela Recorrente, quer em representação da originária devedora, quer em representação das sociedades adquirentes dos bens. Essas vendas foram objeto de ações de impugnação pauliana, julgadas procedentes em 1ª e 2ª instâncias, tendo o Tribunal que as julgou dado como provado o propósito de prejudicar os credores. Mais consignou que a SDO não tem por objeto a venda de bens imóveis e que as vendas em causa ocorreram quando a sua situação económico-financeira se começou a degradar. Invocou, assim, a AT a prática de um facto ilícito – a venda de parte significativa do património da SDO, com o propósito de prejudicar os credores sociais. Contudo, não ensaiou, sequer, demonstrar o nexo causal entre as ditas vendas do património imobiliário da SDO e a insuficiência patrimonial desta para pagamento da dívida exequenda. Para tanto, teria que evidenciar o valor do património imobiliário alienado e a consequente diminuição patrimonial da SDO, para além de, como fez, indicar o valor total das dívidas que lhe estão a ser cobradas. Mais devia demonstrar por que motivo, não obstante a procedência das impugnações paulianas e a consequente disponibilidade dos bens imóveis em causa para satisfazer dívidas da sociedade, a situação de insuficiência patrimonial gerada pela alienação ilícita dos bens se manteve. Quer isto significar que não pode considerar-se demonstrado o apontado nexo causal se, como aparentemente sucede no caso vertente, a situação de insuficiência patrimonial se continua a verificar, apesar de os bens alienados já poderem ser utilizados para pagamento das dívidas exequendas, sem que tenha havido uma diminuição do seu valor. Em suma, a nosso ver, a AT não demonstrou o nexo causal entre a alienação do património imobiliário da SDO e a sua situação de insuficiência patrimonial para pagamento da dívida exequenda, não cumprindo, em consequência, o ónus da prova da culpa da Recorrente, a seu cargo. (…)” – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 19/12/2024, proferido no âmbito do processo n.º 429/16.2BEVIS. Nesta conformidade e sem necessidade de outros considerandos, ficando prejudicadas as restantes questões colocadas no recurso, urge conceder provimento ao mesmo, revogar a sentença na parte recorrida, julgar a oposição procedente e determinar a extinção da execução fiscal quanto à oponente, aqui Recorrente. Importa, por último, realçar que o valor em que a parte decaiu e será condenada nas respectivas custas assenta na base tributável de €304.810,33 (trezentos e quatro mil oitocentos e dez euros e trinta e três cêntimos), valor esse que se apresenta algo superior a €275.000,00, montante a partir do qual passa a acrescer 1,5 UC, a final, por cada €25.000,00 ou fracção e que importa ponderar à luz do princípio da proporcionalidade aferido ao concreto serviço prestado. Nesta instância, tudo ponderado e perante a possibilidade de graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça devida a final, não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP, atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP e as questões colocadas serem simples; alcançamos razões válidas e ponderosas para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP. Na sequência do exposto, deverá a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça. Conclusões/Sumário I - Na previsão da alínea a), do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, pretendem-se isolar as situações em que o gerente culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património da devedora originária se tornou insuficiente para satisfação da dívida exequenda. II - Para este efeito, deve a Administração Tributária alegar e provar factos ilícitos, praticados pelo revertido ou com o seu consentimento, que tenham resultado numa diminuição do património social, tornando-o insuficiente para satisfação das dívidas geradas no período do exercício do seu cargo. III - No entanto, não basta à Administração Tributária provar a prática de actos ilícitos, isto é, de inobservância (culposa) das disposições destinadas à protecção dos credores, é necessário que prove que o prejuízo derivou de tal inobservância; isto é, tem, ainda, de demonstrar o necessário nexo de causalidade entre o facto e o dano. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e julgar a oposição procedente, extinguindo o processo de execução fiscal quanto à oponente, aqui Recorrente. Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; sendo que, nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou. Deve, contudo, a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça. 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