Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01717/24.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:OPOSIÇÃO;
INDEFERIMENTO LIMINAR;
CONVOLAÇÃO;
Sumário:
I- Não obstante as dívidas ao FEDER serem cobradas através de processo de execução fiscal, a relação subjacente é jurídico-administrativa, pelo que a legalidade do ato constitutivo da dívida só pode ser sindicada através de ação administrativa, intentada nos Tribunais Administrativos.

II – Não é possível a convolação de oposição à execução fiscal para ação administrativa da competência dos Tribunais administrativos.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 02/10/2024 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi liminarmente rejeitada a oposição que deduziu à execução fiscal nº ....................115, a correr termos no Serviço de Finanças ..., instaurada para cobrança coerciva de dividas à Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I.P., relativas a verbas do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) (Operação NORTE-02-...-feder-.....-....-2020), no montante global de €197.922,96.
1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«I. O Tribunal a quo não poderia ter rejeitado liminarmente a presente oposição, sem mais.
II. A Recorrente deduziu a presente oposição à execução fiscal, precisamente, por não dispor de outro meio judicial de reação contra o ato de liquidação, enquadrando-se na hipótese prevista na alínea h) do nº1 do artigo 204º do CPPT.
III. Na Oposição Judicial deduzida, a Recorrente alegou, em suma, que não lhe foi notificada a decisão de revogação da concessão de apoio no âmbito da Operação NORTE-02-...-feder-.....-....-2020 e que apenas dela teve conhecimento já numa fase muito posterior, dir-se-á mesmo, já após o desfecho, quando foi remetida para a sede da Recorrente carta registada contendo a notificação da Agência de Desenvolvimento e Coesão, I.P., para reposição das verbas.
IV. Ou seja, a decisão que foi notificada à Recorrente não foi a decisão final de revogação do apoio concedido, mas sim, a decisão em que já lhe é ordenada a reposição das quantias, ou seja, feita a liquidação.
V. E nem sequer nesse momento foi notificada à Recorrente pois, o ofício para reposição de verbas não continha cópia da referida decisão de revogação e que determinou a aplicação da medida administrativa de reposição das verbas.
VI. Inclusivamente, como alegado no articulado inicial, a Recorrente viu-se obrigada a intentar duas ações administrativas de intimação para prestação de informações, precisamente, pois não foi notificada da decisão final, nem das decisões anteriores, nem tinha acesso a quaisquer elementos.
VII. A Mma. Juiz a quo dá por certo que a Recorrente foi notificada da decisão de liquidação e que lhe foi conferida a faculdade de, querendo, apresentar impugnação judicial dessa decisão. Mas não foi isso que sucedeu.
VIII. Não foi a Recorrente notificada da decisão onde alegadamente emergiu a dívida exequenda, nem em momento prévio à notificação para reposição de verbas, nem com a referida notificação, uma vez que a mesma não vinha acompanhada de cópia da decisão de revogação.
IX. A Recorrente apenas teve acesso ao teor da decisão de revogação em momento posterior, após ter recorrido às ações administrativas de intimação, e se ter dirigido às instalações do PO Norte para proceder à consulta do processo administrativo.
X. E nesse momento, estavam já aquelas decisões “consolidadas”.
XI. Logo, não foi assegurado à aqui Recorrente meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação.
XII. Alegando-se, como se alegou, que o ato administrativo prévio – decisão final de revogação – não foi objeto de notificação à aqui Recorrente, salvo melhor e mais sábio entendimento, não poderia o Tribunal a quo rejeitar liminarmente a Oposição, sem mais, nem sequer diligenciando pela notificação ao Oponido para juntar aos autos o processo administrativo e fazer prova da referida notificação.
XIII. Dado que a Opoente, aqui Recorrente, não se limitou a suscitar a questão da ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, mas também, chamou à colação o contrato de prestação de serviços celebrado com a firma [SCom02...], Lda., tendo por objeto, precisamente, o acompanhamento e gestão do programa de investimento cujo alegado incumprimento deu origem à dívida exequenda, importa apreciar tal facticidade não apenas no âmbito da responsabilidade pela dívida exequenda, mas também, ex ante, no contexto da notificação decisão final de revogação e da decisão de liquidação.
XIV. Todavia, o Tribunal a quo não se pronunciou quanto a essa matéria, que se revela essencial na decisão a proferir.
XV. Resolvida tal controvérsia, afastaria a possibilidade de indeferimento liminar com o fundamento utilizado.
XVI. Nada obsta, antes até se impõe, que a legalidade da liquidação de onde pretensamente emergiu a dívida exequenda, seja apreciada em sede de oposição judicial.
XVII. A Opoente não tinha à sua disposição meio de impugnação judicial, e precisamente por isso, chamou a entidade responsável a intervir nos presentes autos.
XVIII. Não poderia a presente oposição ter sido rejeitada liminarmente, quando foi alegada a falta de notificação das decisões e a inexistência de outro meio judicial contra o ato de liquidação, sendo admissível que a presente oposição recaia no âmbito da alínea h) do nº1 do artigo 204º do CPPT, face ao que retro se expôs, sem que, pelo menos, assegurar à Recorrente o seu direito ao contraditório(artigo 3º, nº3 do CPC) e prosseguir com a instrução e discussão posterior, nomeadamente, notificando-se a entidade administrativa para juntar aos autos o procedimento administrativo e fazer-se prova da notificação das referidas decisões.
XIX. No presente caso, a existência de meio judicial de impugnação não é tão manifesta que justifique a prolação de um despacho de indeferimento liminar, como sucedeu.
XX. A douta sentença recorrida, ao rejeitar liminarmente a oposição judicial apresentada pela Recorrente, por alegada falta de verificação dos fundamentos tipificados, violou, entre outras, as disposições contidas nos artigos 204º, nº1, alínea h) e 209º, nº1, alínea b) do CPPT.
XXI. A decisão recorrida fez desadequada aplicação do direito, devendo, por isso, ser revogada e, baixados os autos à 1ª instância, ser proferido novo despacho liminar que admita a presente oposição à execução.
Da possibilidade de convolação:
XXII. A questão discutida nos autos enquadra-se numa relação jurídica tributária, na medida em que, a cobrança dos créditos devidos ao IAPMEI está legalmente sujeita ao regime do processo de execução fiscal.
XXIII. A competência dos tribunais tributários resulta imediatamente do disposto no artigo 49º, nº1, alínea a), subpontos iii) e iv) do ETAF, em articulação com o disposto no artigo 151º do CPPT.
XXIV. Concluindo-se pela não verificação da hipótese prevista na alínea h) do artigo 204º do CPPT – o que não se concebe, nem concede, e apenas por mero dever de patrocínio se admite – tal significa que é a impugnação judicial meio próprio para reagir contra tal ilegalidade.
XXV. Tendo a aqui Recorrente deduzido oposição à execução fiscal, com fundamento na referida alínea h) do artigo 204º do CPPT, e perante a rejeição liminar por se entender que não foi invocado qualquer fundamento válido do elenco taxativo daquele preceito legal, importa, pois, aquilatar da possibilidade de convolação dos autos de oposição em impugnação judicial.
XXVI. A convolação é possível desde que a petição inicial apresentada seja idónea para o referido efeito e não seja manifesta a sua improcedência ou extemporaneidade (artigos 97º, nº3 da LGT, 98º, nº4 do CPPT e 193º, nº1 do CPC).
XXVII. O processo de impugnação judicial é idóneo para conhecer da fundamentação invocada e do pedido de declaração de ilegalidade da liquidação da dívida exequenda (artigo 99º do CPPT).
XXVIII. Tendo em conta a facticidade exposta no articulado de Oposição, releva para o efeito da aferição da (im)tempestividade do meio utilizado, o disposto na alínea a) do nº3 do artigo 58º do CPTA, o qual dispõe que: “ A impugnação é admitida, para além do prazo previsto na alínea b) do n.º 1: a) Nas situações em que ocorra justo impedimento, nos termos previstos na lei processual civil”.
XXIX. A Recorrente celebrou com contrato de prestação de serviços com a empresa “[SCom02...], Lda.”, junto com a oposição, o qual tinha por objecto, precisamente, o apoio e acompanhamento constante no âmbito da Operação de Financiamento vinda de referir e cujo pretenso incumprimento deu origem à dívida exequenda.
XXX. Era essa dita empresa que dispunha das chaves de acesso à plataforma eletrónica do “Balcão dos Fundos”, que abria e reencaminhava as notificações, dava resposta aos pedidos e tudo quanto fosse necessário para a boa execução do projeto de investimento.
XXXI. A Recorrente desconhecia por completo as referidas chaves de acesso, os quais foram solicitados por aquela empresa e apenas foram dadas a conhecer à Recorrente já após a notificação para reposição de verbas.
XXXII. Ocorre, assim, justo impedimento, não imputável à Recorrente, nos termos do artigo 153º do CPC.
XXXIII. Justo impedimento esse que, apenas cessou em 28/06/2024, data em que a Recorrente, após ter recorrido a duas ações administrativas de intimação para prestação de informações, teve acesso ao processo administrativo.
XXXIV. Tendo a presente oposição dado entrada em 12/09/2024, portanto, dentro do prazo de 3 meses para a dedução da impugnação respetiva, resta concluir-se pela sua tempestividade.
XXXV. A convolação da presente oposição em impugnação judicial justifica-se por razões de economia processual, devendo ser efetuada, uma vez que, não é manifestamente improcedente ou extemporânea, pelo contrário.
XXXVI. Tanto basta para os presentes autos serem convolados, o que, com os fundamentos acima expostos, à cautela se requer.
Termos em que, pelos fundamentos expostos e nos demais de direito, com douto suprimento de V.ªs Ex.ªs., deverá a douta sentença recorrida ser revogada e ser proferido douto Acórdão, por este Venerando e Ilustre Tribunal Central e Administrativo Norte, que ordene a baixa dos autos à 1ª Instância para aí ser proferido novo despacho liminar, que admita a Oposição à Execução Fiscal, nos termos referidos, ou, no caso de assim não se entender, serem os presentes autos convolados em impugnação judicial, o que se requer, com as legais consequências. Assim decidindo, farão V.ªs Ex.ªs sá e inteira Justiça!».
1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
1.3. O EPGA junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso.

*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento ao concluir pela rejeição liminar da oposição.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida não autonomizou qualquer factualidade, pelo que vamos proceder à respetiva transcrição, na parte agora relevante:
«Determina o art.º 209º, nº 1 do CPPT que uma vez recebido o processo “o juiz rejeitará logo a oposição por um dos seguintes fundamentos: a) Ter sido deduzida fora do prazo; b) Não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no nº 1 do artigo 204.º; c) Ser manifesta a improcedência.”
Nos termos do art.º 204º, nº 1 do CPPT, são fundamentos do processo de oposição à execução fiscal:
a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação;
b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;
c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;
d) Prescrição da dívida exequenda;
e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;
f) Pagamento ou anulação da dívida exequenda;
g) Duplicação de coleta;
h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação;
i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.”.
Na situação dos autos, a Oponente integra a sua pretensão na alínea h) do normativo supra transcrito, invocando a ilegalidade do ato de revogação do apoio financeiro concedido e que está na base da execução contra si intentada e da qual vem reagir.
Alega para o efeito, que o ato que suporta a dívida exequenda, ou seja, o ato de revogação da concessão do apoio, é ilegal, uma vez que não respeita os preceitos estipulados no Decreto-lei nº 159/2014, de 27 de outubro, os termos contratualizados e ainda é contrário à uma atuação balizada pelos princípios da proporcionalidade, justiça e razoabilidade e boa-fé.
Mais refere a Oponente, que este é o único meio judicial de reação contra a legalidade da decisão de revogação do apoio financeiro, uma vez que já não dispõe de qualquer meio de impugnação, dado que a empresa que contratou para prestar o apoio técnico ao programa de financiamento e que dispunha do acesso à plataforma “Balcão Fundos”, nunca lhe deu conhecimento da decisão de revogação da concessão de apoio, o que a impediu de reagir.
Do alegado pela Oponente, o que se retira é que esta pretende discutir a legalidade da decisão que determinou a revogação da concessão do apoio financeiro, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e vício de violação de lei, questões estas que têm como meio processual idóneo a Ação Administrativa, como tal previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Veja-se que, a oposição à execução é uma espécie processual que tem os seus fundamentos devidamente delimitados na lei (art.º 204º, nº 1 do CPPT), através de uma enumeração legal taxativa, dada pela expressão “(…) a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos”. E nos termos da al. h), do nº 1 do art.º 204º do CPPT, a discussão da legalidade da liquidação da dívida exequenda, como pretende o Oponente que aqui tenha lugar, depende sempre da inexistência legal de um outro meio de reação judicial de impugnação contra o ato de liquidação. Ou seja, tem de estar em causa uma situação em que a lei não previu um meio de discussão da legalidade da liquidação, não funcionando como um último reduto para as situações de preterição da oportunidade de reação.
Como reiteradamente vem afirmado o Supremo Tribunal Administrativo, “Só quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação é que a oposição à execução fiscal poderá ter por fundamento a concreta ilegalidade da liquidação da dívida exequenda – de harmonia com o disposto na alínea h) do artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.04.2018, proc. nº 281/14, disponível em www.dgsi.pt)
Tal como resulta da lei, a ilegalidade do ato de liquidação, com visita à anulação total ou parcial do mesmo, é discutida através de impugnação judicial, nos termos previstos 99º e seguintes do CPPT. Por sua vez, a sindicância de um ato administrativo é feita através da ação administrativa (art.º 37º do CPTA), tendente à anulação ou declaração de nulidade do ato ou à condenação à prática do ato administrativo legalmente devido. Neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.05.2015, proferido no processo nº 1658/13, que afirmou que, “A utilização do processo de impugnação judicial ou da ação administrativa especial depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial, se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável a ação administrativa especial”.
O que decorre da causa de pedir do Oponente, é o uso do meio processual de Oposição à Execução, para sindicar a decisão proferida pela Presidente do Conselho Diretivo da Agência, I.P. que determinou a recuperação das verbas concedidas no âmbito da Operação NORTE-02-....-FEDER.....-....-2020 (doc. nº 1 junto com o requerimento inicial), e que está subjacente à certidão de dívida notificada à Oponente.
Pretendendo a Oponente reagir contra o ato administrativo que determinou a revogação do apoio concedido, teria de ter lançado mão de uma ação administrativa, nos termos dos artigos 51º e seguintes do CPTA. Não colhe, nesta sede, o argumento do Oponente relativo ao conhecimento posterior do ato, uma vez que o art.º 58º, nº 3 do CPTA, prevê a hipótese do uso da ação administrativa de impugnação de ato, para além do prazo previsto na al. b) do nº 1 do mesmo preceito. Daí que a alegação do desconhecimento do ato, ou conhecimento tardio do mesmo, não possa aqui ser relevada, dado que no meio processual idóneo, haveria lugar para a sua consideração.
Neste sentido, a jurisprudência tem vindo a entender que não se equipara à ausência de meio judicial de impugnação ou ação administrativa contra o ato, a falta de notificação/conhecimento oportuno do ato e para exercer o direito de impugnar. A falta de notificação apenas determinará a não abertura do prazo para exercer o direito de impugnação ou apresentação de ação administrativa e não a possibilidade de transferir a discussão da legalidade da liquidação do meio próprio para a oposição à execução fiscal. (neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18.06.2014, proferido no processo nº 1549/13, e de 19.01.2019, proferido no processo nº 011/16.4BEAVR, disponíveis em www.dgsi.pt)
Reitere-se que, as prestações em causa nos autos, não tem natureza de tributo, pelo que, na hipótese de, com base numa interpretação flexível do pedido e da causa de pedir, poder questionar-se a verificação do erro na forma do processo, a sanação da nulidade por convolação dos autos, nunca seria admissível atenta a incompetência do Tribunal Tributário para conhecer das questões suscitadas. (artigos 209º, 211º, nº 1 e 212º, nº 3 da CRP, artigos 1º, nº 1, 4º e 49º do ETAF e artigos 1º e 3º da LGT) Assim tem vindo a ser o entendimento reiterado do Supremo Tribunal Administrativo, não admitindo como possível a convolação em virtude da incompetência absoluta dos Tribunais Tributários. (neste sentido, Acórdãos de 10.07.2013, proc. nº 0683/11, de 14.10.1994, processo nº 18034, de 01.06.2011, processo nº 214/11 e de 23.02.2012, processo nº 97/12).
Perante o exposto, e não tendo a Oponente aduzido fundamentos que se enquadrem no elenco taxativo do art.º 204º do CPPT, mais concretamente, na al. h) do nº 1 do mesmo preceito, que permitam conduzir à procedência da oposição e consequente extinção da execução, impõe-se a rejeição da presente oposição nos termos previstos na al. b), do nº1 ,do art.º 209º do CPPT.
(…)».

3.2. DE DIREITO
O assim decidido não nos merece qualquer crítica porquanto a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo enunciou as normas relevantes para a decisão e aplicou-as adequadamente, com apoio na jurisprudência e doutrina pertinentes.
Sem embargo, reafirmamos que apenas é admissível deduzir oposição com fundamento na alínea h), do nº 1, do artigo 204º do CPPT, quando «a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação».
No caso, a lei assegura um meio processual de reação contra o ato constitutivo da dívida exequenda, que é a ação administrativa, como muito bem se refere na sentença recorrida, uma vez que não estamos no domínio de relações jurídico tributárias que, segundo expressa o nº 2 do artigo 1º da lei Geral Tributária (LGT), se estabelecem «entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares, coletivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas».
Na situação vertente, não obstante a cobrança da dívida ser efetuada através de execução fiscal, a relação substantiva é estabelecida entre a Recorrente e o Exequente (FEDER) e emerge de um contrato. Trata-se, por isso, de uma relação jurídica administrativa.
Sobre o conceito de relação jurídica administrativa, veja-se o Acórdão do STA, Secção do Contencioso Administrativo, de 21.04.2010, disponível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/tipo/32140-2010-4010785, de cujo sumário consta, para o que agora interessa, o seguinte:
«I - O conceito de relação jurídica administrativa pode ser tomado em diversos sentidos. Em sentido subjectivo, onde se inclui qualquer relação jurídica em que intervenha a Administração, designadamente uma pessoa colectiva, pelo que tenderia a privilegiar-se igualmente um critério orgânico como padrão substancial de delimitação. Já em sentido predominantemente objectivo, abrangeria as relações jurídicas em que intervenham entes públicos, mas desde que sejam reguladas pelo Direito Administrativo. E há ainda um outro sentido, que faz corresponder o carácter «administrativo» da relação ao âmbito substancial da própria função administrativa.
II - A noção de relação jurídica administrativa para efeitos de delimitação do âmbito material da jurisdição administrativa, deve abranger a generalidade das relações jurídicas externas ou intersubjectivas de carácter administrativo, seja as que se estabeleçam entre os particulares e os entes administrativos, seja as que ocorram entre sujeitos administrativos.
III - Para efeito de inclusão no contencioso administrativo, devem considerar-se relações jurídicas administrativas externas ou interpessoais: a) as relações jurídicas entre a Administração e os particulares, incluindo: i) as relações entre as organizações administrativas e os cidadãos (ditas «relações gerais de direito administrativo»), mas também; ii) as relações entre as organizações administrativas e os membros, utentes ou pessoas funcionalmente ligados a essas organizações (as chamadas «relações fundamentais» no contexto das «relações especiais de direito administrativo») e; iii) as relações entre entes que actuem em substituição de órgãos da Administração (no contexto do exercício privado de poderes públicos, por exemplo, os tradicionais concessionários, capitães de navios ou de aeronaves, federações de utilidade pública desportiva, a que se juntam hoje múltiplas entidades credenciadas para o exercício de funções de autoridade) e os particulares; b) as relações jurídicas administrativas, incluindo: i) as relações entre entes públicos administrativos, mas também,; ii) as relações jurídicas entre entes administrativos e outros entes que actuem em substituição de órgãos da Administração, e ainda; iii) certas relações jurídicas entre órgãos de diferentes entes públicos (quando a circunstância de se tratar de órgãos de pessoas colectivas distintas puder ser considerada decisiva ou dominante para a caracterização da relação, como, por exemplo, no caso da delegação de atribuições). (…)».
Nesta conformidade, a Recorrente apenas podia discutir a legalidade da dívida exequenda em ação administrativa, nos termos do artigo 37º do CPTA e, já não, através do processo de impugnação judicial.
Nas conclusões XVIII e XIX, alega a Recorrente que «Não poderia a presente oposição ter sido rejeitada liminarmente, quando foi alegada a falta de notificação das decisões e a inexistência de outro meio judicial contra o ato de liquidação, (…)» e que «No presente caso, a existência de meio judicial de impugnação não é tão manifesta que justifique a prolação de um despacho de indeferimento liminar, como sucedeu».
Ora, analisada a p.i., constatamos que nos seus artigos 1º a 3º, é alegado que a dívida exequenda decorre «(…) da revogação da decisão de concessão do apoio concedido no âmbito da Operação NORTE-02-(…)», de que «(…) a Oponente apenas teve conhecimento em Março de 2024, aquando da receção da notificação de reposição de verbas (…)» e que, «No preterido dia 12/08/2024, foi a Oponente citada (…)».
Assim, não só a Recorrente jamais alegou a falta de notificação da decisão exequenda, como admitiu, expressamente, ter dela conhecido em março de 2024, antes da sua citação para esta execução fiscal.
Por outro lado, mesmo que fosse de reconhecer qualquer circunstância que obstasse ao conhecimento de tal ato, pela Recorrente, em momento anterior, sempre podia alegar e provar esse facto no âmbito do meio processual adequado à apreciação da legalidade da decisão de reposição do apoio que lhe foi concedido.
Por consequência, tendo presente que, como salientou o Tribunal a quo, não é possível a convolação desta oposição para ação administrativa, em virtude da incompetência material do Tribunal Tributário, mais não resta do que confirmar a sentença recorrida, nos seus precisos termos.
**
Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I- Não obstante as dívidas ao FEDER serem cobradas através de processo de execução fiscal, a relação subjacente é jurídico-administrativa, pelo que a legalidade do ato constitutivo da dívida só pode ser sindicada através de ação administrativa, intentada nos Tribunais Administrativos.
II – Não é possível a convolação de oposição à execução fiscal para ação administrativa da competência dos Tribunais administrativos.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC.

Porto, 27 de março de 2025
Maria do Rosário Pais – Relatora
Cláudia Almeida – 1ª Adjunta
Vítor Domingos de Oliveira Salazar Unas – 2º Adjunto