Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01005/18.0BEPRT |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 11/08/2024 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | ANA PAULA ADÃO MARTINS |
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Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA-CONTRATUAL; PRESCRIÇÃO; INTERRUPÇÃO; ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA; |
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Sumário: | I - Em regra, tratando-se de interrupção do prazo prescricional resultante de citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo à acção. II - Mostram-se ressalvadas de tal regra, entre outras, as situações em que a acção venha a extinguir-se por absolvição da instância, caso em que o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO «AA», melhor identificada nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, acção administrativa contra «BB» e HOSPITAL ... DR. «CC», ambos com os demais sinais nos autos, pedindo a condenação dos Réus a pagar-lhe, solidariamente: a) a quantia de € 1.000.000,00, acrescida de juros legais, desde a citação e até integral pagamento, em virtude dos danos, irreparáveis e irreversíveis, de que a Autora padece, decorrentes da intervenção cirúrgica a que foi submetida; b) a quantia de € 16.950,00 de danos patrimoniais apurados até à presente data, na vertente dos lucros cessantes; e c) a quantia de € 175.000,00 de danos patrimoniais apurados até ao fim da sua vida activa da Autora. * Foi admitida a intervenção acessória das seguradoras [SCom01...], S.P.A e [SCom02...] – Companhia de Seguros, S.A. * Por sentença, de 30.12.2020, rectificada por despacho de 11.05.2021, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, após julgar improcedentes as excepções de incompetência absoluta e ilegitimidade passiva do 1º Réu, julgou totalmente procedente a excepção peremptória de prescrição do direito e absolveu os Réus do pedido. * A Autora, notificado da aludida decisão e não se conformando com a mesma na parte em que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição do direito, dela vem interpor recurso, concluindo assim as suas alegações: I. A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou totalmente procedente a excepção peremptoria de prescrição do direito, considerando prescrito o direito de indemnização invocado pela Autora e absolvendo os Réus do pedido. II. Foi, aliás, com absoluta surpresa que a Recorrente recebeu a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que, à luz dos artigos, 323, n.º 1, 326.º e 327.º do CC, considerou, por ter havido lugar à absolvição dos Réus da instância no ambito do Processo n.º 676/13.9TVPRT que correram termos na ... Secção Cível da Instancia Central do Porto – J..., considerou que o prazo prescricional interrompido se iniciou novamente após a citação dos Réus (19.03.2012) e não após, a data em que foi emitido pelo Tribunal de Conflitos acórdão que, para além de ter resolvido o conflito, especificando ser os tribunais administrativos os competentes para julgar a presente, determinou a invalidade da decisão pelo tribunal incompetente (21.04.2016). III. Entende, por isso, a Recorrente que decisão recorrida pôs termo aos presentes autos em clara violação das regras relativas aos efeitos das decisões proferidas em sede de jurisdição de conflitos. Acolhe-se que, IV. Em 09.03.2012, a Autora apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, petição inicial em que peticionava, a título de responsabilidade por acto médico, a condenação dos Réus ao pagamento de uma indemnização, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes da cirurgia de discectomia discal a que foi submetida em 25.03.2010. V. Petição, essa, que deu origem aos autos que correram termos na Unidade Orgânica 5 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob número de processo 676/13.9TVPRT. VI. Dela foram os Réus citados em 19.03.2012. VII. Em 29.04.2013, no âmbito do processo judicial referido em (v), foi proferida sentença através da qual se julgou procedente a excepção de incompetência material invocada e se declarou o tribunal administrativo materialmente incompetente para julgar a acção. VIII. Em 28.05.2013, a Autora requereu a remessa do processo para as Varas Cíveis do Porto com aproveitamento de todos os articulados. IX. Em 05.11.2014, foi proferida sentença através da qual se julgou procedente a excepção de incompetência material novamente invocada, considerando-se competentes os tribunais administrativos para o efeito e se absolveu os Réus da instância. X. Em 21.04.2016, o Tribunal de Conflitos emitiu acórdão em que considerou competente para julgar a acção os tribunais administrativos. XI. Foi determinado o arquivamento de tais autos por despacho proferido em 31.05.2016. XII. A petição inicial dos presentes autos deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, no dia 18.04.2018. XIII. Afigura-se aplicável ao caso dos presentes autos o prazo prescricional de cinco anos previsto pelo art.º 498.º n.º 3 do CC, conjugado com o art.º 118.º, n.º 1 al. c) do CP. XIV. Beneficia a Autora da causa de interrupção do prazo de prescrição prevista no art.º 323.º, n.º 1 do CC; E por isso, XV. À luz dos preceitos legais subsumíveis nos artigos 323, n.º 1, do 326.º e do 327.º, todos do CC, conjugados que sejam com o preceituado no art.º 139.º do CPTA, do qual resulta que a decisão que resolva o conflito, além de especificar a autoridade ou tribunal competente, determina a invalidade da decisão da autoridade ou tribunal incompetente o Tribunal a quo não haveria de concluir como concluiu. XVI. Em bom rigor, concluiu o Tribunal a quo que tendo havido lugar, entre outros à absolvição da instancia, o prazo prescricional interrompido deve iniciar-se novamente logo após o acto interruptivo, ou seja logo após a citação dos Réus no ambito do processo n.º 641/12.3BEPRT, que correu junto do TAF do Porto (19.03.2016). XVII. Sendo precisamente aqui que reside o núcleo do presente recurso, interposto da respeitável sentença proferida nestes autos, concretamente na parte desfavorável à Recorrente, ou seja na parte em que julgou procedente a excepção peremptória da prescrição do direito invocado pela Autora, aqui Recorrente e, em consequência, julgou a acção improcedente, resultando, assim, a absolvição dos Réus do pedido. XVIII. Dito de outro modo, ao contrário do que entende a sentença recorrida, entente a Recorrente que a sentença proferida em 05.11.2004, que julgou procedente a excepção de incompetência material, considerando competentes os tribunais administrativos e, em consequência absolveu os Réus da instancia, não poderia justificar a aplicabilidade do n.º 2 do artigo 327.º, uma vez que em 21.04..2016 foi emitido pelo Tribunal de Conflitos acórdão que, para além de ter resolvido o conflito, especificando ser os tribunais administrativos os competentes para julgar a presente acção, determinou a invalidade daqueloutra decisão proferida pelo tribunal incompetente, facto que o Tribunal a quo olvidou. * A Chamada Generalis Seguros contra-alegou, tendo formulado as respectivas conclusões e pugnado pela improcedência do recurso. * Também a Chamada [SCom03...] Portugal contra-alegou, pugnado pela improcedência do recurso. * O Ministério Público junto deste Tribunal Central, notificado para os efeitos previstos no artigo 146º, nº 1 do CPTA, não emitiu parecer. * Sem vistos, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência. * II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, que delimitam o seu objecto, nos termos dos arts 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, importa saber se o Tribunal a quo errou ao julgar prescrito o direito da Autora. * III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com relevo para a decisão da procedência da excepção invocada, o Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: 1. Em 25.03.2010, a Autora foi submetida a uma cirurgia médica presidida pelo 1.º Réu. 2. Em 09.03.2012, a Autora apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto p.i. em que peticionava a indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que vem peticionada na presente ação (cfr. fls. 2 e 3 e ss do processo judicial junto aos autos). 3. Os Réus foram ambos citados para a ação referida no ponto anterior em 19.03.2012 (cfr. fls. 72 e 73 do processo judicial junto aos autos). 4. Em 29.04.2013, no âmbito do processo judicial referido em 2, foi proferida sentença através da qual se julgou procedente a exceção de incompetência material e se declarou o tribunal administrativo materialmente incompetente para julgar a ação (cfr. fls. 441 e ss do processo judicial junto aos autos). 5. Em 28.05.2013, a Autora requereu a remessa do processo para as Varas Cíveis do Porto com aproveitamento de todos os articulados (cfr. fls. 457 do processo judicial junto aos autos). 6. Em 05.11.2014, foi proferida sentença através da qual se julgou procedente a exceção de incompetência material, considerando-se competentes os tribunais administrativos e absolvendo-se os Réus da instância (cfr. fls. 931 e ss do processo judicial junto aos autos). 7. Em 21.04.2016, o Tribunal dos Conflitos emitiu acórdão em que considerou competente para julgar a ação os tribunais administrativos (cfr. fls. 1007 e ss do processo judicial junto aos autos). 8. Nada tendo sido requerido, foi determinado o arquivamento dos autos por despacho proferido em 31.05.2016 (cfr. fls. 1040 e 1041 do processo judicial junto aos autos). 9. A p.i. dos presentes autos deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no dia 18.04.2018, via SITAF (cfr. fls. 1 do SITAF). * A matéria de facto foi assim motivada: “A decisão da matéria de facto constante do ponto 1 do probatório foi admitida por acordo das partes, tendo sido expressamente aceite pelo 1.º Réu no art. 6.º da sua contestação e pelo 2.º Réu no art. 1.º da sua contestação. A decisão da matéria de facto dos pontos 2 a 8 do probatório resultou da análise do processo judicial que correu termos junto do Tribunal da Comarca do Porto sob o n.º 676/13.9TVPRT, mais concretamente dos elementos constantes das folhas indicadas à frente de cada facto. A factualidade constante do ponto 9 do probatório resultou da consulta dos presentes autos, mais concretamente do comprovativo de entrega a fls. 1 do SITAF.” * IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Sobre a excepção de prescrição invocada pelos Réus e pelas Chamadas, decidiu o Tribunal a quo o seguinte: “(…) Nos termos do art. 498.º, n.º 1, do Código Civil (CC), aplicável por remissão do art. 5.º do RCEEE, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos contados da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos. Todavia, preceitua o n.º 3 do mesmo artigo que, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. Ora, os factos geradores dos danos invocados pela Autora, a terem sido praticados, constituem, em abstrato, uma ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelo art. 150.º, ns.° 1 e 2, do Código Penal (CP), de acordo com os quais um médico ou outra pessoa legalmente autorizada, com intenção de prevenir, diagnosticar, debelar ou minorar doença, sofrimento, lesão ou fadiga corporal, ou perturbação mental, que realize intervenções ou tratamentos violando as leges artis e crie, desse modo, um perigo para a vida ou perigo de grave ofensa para o corpo ou para a saúde é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. Prescreve o art. 118.º, n.º 1, al. c), do CP, que o procedimento criminal se extingue, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiver decorrido o prazo de “cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos.” Afigura-se, pois, aplicável ao caso dos autos o prazo prescricional de cinco anos previsto pelo art. 498.º, n.º 3, do CC, conjugado com o art. 118.º, n.º 1, al. c), do CP. Vejamos agora, descendo à factualidade apurada. Ora, a Autora vem pedir, mediante p.i. apresentada no dia 18.04.2018 (cfr. ponto 8 do probatório), uma indemnização pelos danos resultantes de uma intervenção cirúrgica realizada pelos Réus em 25.03.2010 (cfr. ponto 1 do probatório), alegando ter tomado conhecimento, apenas em 06.07.2011, de “que os males com os quais se deparava no seu dia-a-dia assumiram carácter de natureza irreparável e irreversível” (cfr. arts. 28.º e 29.º da réplica). Ou seja, aquando da apresentação da p.i. a juízo, há muito que havia decorrido o prazo de 5 anos da data da operação cirúrgica, bem como da data em que a Autora invoca ter tomado conhecimento do dano e da respetiva causa. A este respeito, invoca a Autora que beneficia da causa de interrupção do prazo de prescrição prevista no art. 323.º, n.º 1, do CC. É certo que o art. 323.º, n.º 1, do CC, prevê que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.” Mais adiante, prevê o art. 326.º do CC o seguinte, quanto aos efeitos da interrupção: “1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo seguinte. 2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º” A respeito da duração da interrupção, prevê o art. 327.º do CC o seguinte: “1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo. 2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o ato interruptivo. 3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.” À luz destes preceitos, quando haja lugar, entre outros, à absolvição da instância, o prazo prescricional interrompido deve iniciar-se novamente logo após o ato interruptivo e não a partir da decisão judicial em causa. Recorrendo às palavras dos autores Pires de Lima e Antunes Varela, “Ao lado da interrupção admite-se, nos casos enumerados no n.º 1, um prolongamento dos efeitos da interrupção até ao julgamento da causa; só neste momento é que começa a contar-se novo prazo. Exceptuam-se, porém, no n.º 2, quatro casos; o de o autor desistir da instância, o de o réu ser absolvido da instância, o de a instância ficar deserta e o de o compromisso arbitral ficar sem efeito. Nestes casos, o novo prazo de prescrição começará a contar-se desde a interrupção, nos termos do artigo anterior.” (cfr. PIRES DE LIMA, ANTUNES VARELA – Código Civil Anotado. 4ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, Volume I, pp. 293, em anotação ao art. 327.º). Ora, aplicando-se tais preceitos ao caso dos autos, constata-se que o prazo de prescrição se interrompeu aquando da citação dos Réus em 19.03.2012 (cfr. ponto 3 do probatório), resultando inutilizado o prazo decorrido até tal momento. Contudo, logo após tal ato interruptivo, não tendo a Autora requerido a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, nos termos previstos no art. 99.º, n.º 2, do CPC, assim dando lugar à continuação da instância, e tendo tido lugar a absolvição da instância, por força do art. 327.º, n.º 2, do CC, o prazo prescricional de 5 anos começou a correr novamente a partir do ato interruptivo inicial. Assim, quando foi intentada a presente ação, em 18.04.2018, há mais de um ano que havia decorrido o prazo de prescrição, contado desde tal ato interruptivo, ocorrido em 19.03.2012. (…)” A Recorrente não concorda com a decisão tomada pelo tribunal a quo quando conclui que, tendo havido lugar à absolvição da instância, o prazo prescricional interrompido deve iniciar-se novamente logo após o acto interruptivo, ou seja, logo após a citação dos Réus no âmbito do processo n.º 641/12.3BEPRT e não a partir da decisão proferida pelo Tribunal de Conflitos em causa (26.04.2016). Porém, sem razão. Com efeito, uma vez invocada a prescrição do direito, não podia ser outra a sorte da presente acçao. A prescrição é uma excepção peremptória que, a proceder, importa a absolvição total ou parcial do pedido, visto que o seu beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (cfr. o disposto nos artigos 576º, nºs 1 e 3 do CPC, e 304º, nº 1, do Cód. Civil), estando sujeitos a prescrição os direitos que, não sendo indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição, não sejam exercidos durante um período de tempo estabelecido na lei (art. 298º n° 1 do C. Civil). Nas palavras do STJ, o “fundamento último da prescrição situa-se na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado. Compreendendo-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar libero de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito.” (cfr. ac. de 04.03.2010, proc. 1472/04.OTVPRT-C.S1, publicado em www.dgsi.pt). Através da presente acção, veio a Autora invocar um direito de indemnização decorrente do instituto da responsabilidade civil extracontratual, por alegado erro médico. Mostra-se pacificado nos autos que a Autora beneficia de um prazo alargado de cinco anos (ao invés de três), nos termos do art. 498.º, n.º 3, do CC, conjugado com o art. 118.º, n.º 1, al. c), do CP. No que releva, foi apurado que: -Em 09.03.2012, a Autora intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, acção, que correu termos com o nº 641/12.3BEPRT, na qual demanda os Réus com os mesmos fundamentos invocados nesta acção; - Em 19.03.2012, foram os Réus citados; - Em 29.04.2013, foi proferida sentença através da qual se declarou o tribunal administrativo materialmente incompetente para julgar a acção; - Em 28.05.2013, a Autora requereu a remessa do processo para as Varas Cíveis do Porto com aproveitamento de todos os articulados; - Em 05.11.2014, no âmbito da aludida acção (a correr termos sob o nº 676/13.9TVPRT) foi proferida sentença através da qual se julgou procedente a excepção de incompetência material novamente invocada, considerando-se competentes para o efeito os tribunais administrativos, e se absolveu os Réus da instância; - Em 21.04.2016, o Tribunal de Conflitos emitiu acórdão em que considerou competente para julgar a acção os tribunais administrativos; - Em 31.05.2016, foi determinado o arquivamento dos autos. - No dia 18.04.2018, foi apesentada a petição inicial que deu origem aos presentes autos. Como afirmado pela Autora, no artigo 208º da petição inicial, referindo-se à acção nº 676/13 13.9TVPRT, “Não tendo a Autora lançado mão da faculdade conferida pelo Art.º 99.º n.º 2 do CPC no prazo que se impunha, foram aqueles autos arquivados por despacho proferido em 31 de Maio de 2016, transitado em julgado em 30 de Junho de 2016.” Em 18.04.2018, cerca de 22 meses depois, intentou a presente acção, que mais não é do que uma reprodução daquela, fruto da não continuidade da mesma. Note-se que, ao contrário do que parece resultar das alegações de recurso, não cabe aqui aquilatar do acerto ou desacerto do despacho de 31.05.2016, com o qual a Autora, de resto, se conformou. Nos termos do artigo 323º, nº 1 do CC, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. É indubitável e pacífico que o prazo inicial de prescrição se interrompeu pela citação levada a cabo na acção nº 641/23, sabendo-se que a “interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente” (cfr. artigo 326º, nº 1, 1ª parte, do CC). Situa-se a discórdia no momento a partir do qual começa a correr o novo prazo. Preceitua o artigo 326º, nº 1, 2ª parte que o novo prazo começa a correr “a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte”. A Recorrente sustenta a não prescrição do seu direito indemnizatório no n.º 1 do artigo 327º do C.C., nos termos do qual “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”. Uma leitura isolada serve a posição da Recorrente, presente que a interrupção resultou de acto de citação. Todavia, o n.º 1 do artigo 327º do CC tem que ser equacionado com os demais. Preceitua o nº 2, no que aqui releva, que, terminando por decisão de absolvição da instância a acção através da qual se pretende exercitar um direito, o novo prazo de prescrição “começa a correr logo após o ato interruptivo”. No nº 3, prevê o legislador que “Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.” Significa isto que, terminando a acção com uma decisão de absolvição da instância, o novo prazo de prescrição “começa a correr logo após o ato interruptivo”. Porém, se o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão (de absolvição da instância), o titular do direito beneficia de uma prorrogação do prazo por mais 2 meses, sempre e quando o “motivo processual” não lhe seja não imputável. No caso sub judice, uma vez que a decisão proferida foi de absolvição da instância, é imperativo concluir pela aplicação do nº 2 do artigo 327º do CC, começando o novo prazo prescricional a correr logo após o acto interruptivo, ou seja, logo após a citação dos Réus, que teve lugar a 19.03.2012. Donde, a prescrição operou a 19.03.2017. Interposta a presente acção a 18.04.2018, há muito terminara o prazo de prescrição, não havendo sequer que ponderar da eventual aplicação do nº 3 do artigo 327º do CC. Nestes termos, resta concluir, como fez o Tribunal a quo, pela prescrição do direito de indemnização que a Autora pretende fazer valer judicialmente, impondo-se a absolvição dos Réus dos pedidos contra eles dirigidos. Improcede, pois, o presente recurso. * V - DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida. * Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. * Registe e notifique. *** Porto, 08 de Novembro de 2024 Ana Paula Martins Alexandra Alendouro Conceição Silvestre |