Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01816/19.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/17/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:MULTA, CONTRATUAL, ATO ADMINISTRATIVO- IMPUGNAÇÃO.
Sumário:As decisões de aplicação de multas contratuais são atos administrativos nos termos do n.º2 do artigo 337.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), estando sujeitas ao regime de invalidade definido nos artigos 161.º e 163.º do CPA, e nos termos da al. b) do n.º2 do artigo 58.º do CPTA a sua impugnação contenciosa está sujeita ao prazo de três meses se os vícios que lhe forem assacados determinarem a mera anulabilidade do ato.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:G.
Recorrido 1:L., SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO

1.1 L., S.A. moveu a presente ação administrativa contra G. – URBANISMO E HABITAÇÃO, E.M., tendo em vista obter a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 53.461,32, pelo fornecimento de bens e serviços ao abrigo do contrato de empreitada celebrado entre ambas para a instalação de seis elevadores no empreendimento D. (…), e os respetivos juros moratórios que à data da instauração da ação se computavam em € 3.164,14.
Subsidiariamente, e “Para o caso da Ré invocar a compensação do crédito da Autora com o valor das multas” contratuais aplicadas na execução da referida empreitada, a Autora requer a declaração de nulidade ou anulabilidade desses pretensos atos, com a consequente declaração de ilegalidade da compensação.
Alega, para tanto, em síntese, que em sede de execução contratual, a Ré apenas pagou parte das 5 primeiras faturas por si emitidas, sendo que duas destas foram pagas em momento posterior ao seu vencimento, encontrando-se ainda em dívida a totalidade das restantes faturas, estando em falta o pagamento do valor total de € 53.459,32, acrescido de juros de mora, que até à data totaliza a quantia de € 3.164,14.
Com o não pagamento integral das faturas em causa a Ré operou uma compensação encapotada, entre os valores das faturas apresentadas e o montante de multas contratuais constantes de pretenso ato de aplicação de sanções contratuais, cuja existência impugna, atuando com pura má fé, além de ferir os atos sancionatórios em questão, de nulidade ou pelo menos de mera anulabilidade, pois a inexistência de ato administrativo que aplique tais valores como multas, impede a Ré de fazer operar a compensação.
1.2. A Ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Por exceção invocou a caducidade do direito de ação relativamente ao pedido subsidiário, uma vez que a Autora foi notificada do ato administrativo de aplicação de multa contratual em 15/03/2018, pelo que, estando a impugnação de atos anuláveis sujeita ao prazo de três meses, nos termos do art.º 58.º n.º 1 alínea b) do CPTA, e considerando que os vícios assacados pela Autora ao ato praticado não são geradores de nulidade, o prazo para apresentação de impugnação terminou em 15/06/2018, devendo a Ré ser absolvida do pedido subsidiário.
Por impugnação, sustenta que a Autora nada mais tem a receber pela execução do contrato de empreitada em causa, além do que já foi pago.
Deduziu pedido reconvencional, peticionando a condenação da Autora no pagamento da quantia de € 20.973,83, e respetivos juros de mora, contados desde 11/02/2019, data do último ato de medição, relativo à diferença apurada entre o valor de multas contratuais aplicadas à Autora, de € 71,532,68 e a quantia que a Ré deduziu ao valor global da obra, no pagamento das faturas, totalizando o montante de € 50.558,85, pretendendo operar uma compensação entre os valores em causa.
Conclui pugnando pela procedência da invocada exceção perentória, bem como, do pedido reconvencional de pagamento da quantia de € 20.973,83, acrescido de juros moratórios vencidos, no valor de € 929,17, e juros vincendos até efetivo e integral pagamento, e simultaneamente, pela improcedência da presente ação, por não provada, devendo a Ré ser absolvida dos pedidos, nos termos e com todas as legais consequências.
1.3. A Autora apresentou réplica, defendendo a improcedência da matéria excetiva. No que concerne o pedido reconvencional, reafirma que a inexistência do ato de aplicação de multa tem como consequência que a Ré seja devedora e não credora do valor reclamado de € 71.532, 68, o que impossibilita a compensação de créditos por esta efetuada.
1.4. Foi proferido despacho saneador, que além do mais, julgou improcedente a exceção de caducidade do direito de ação imputada ao pedido subsidiário apresentado pela Autora.
1.5. Inconformado com o despacho saneador a Ré interpôs a presente apelação, formulando as seguintes Conclusões:
«1. A Autora peticionou, a título subsidiário, que “para o caso de a R. estar a compensar o reclamado crédito da A. com o valor de multas, julgar nulo ou anulados e de nenhum efeito os pretensos atos e em consequência julgar ilegal a compensação”.
2. A decisão de aplicação das multas à Ré, em sede de contestação, alegou que praticou um ato administrativo, acompanhado da devida fundamentação e da qual resultou aplicação de multa contratual, corporizado no ofício de 09/03/2018, junto a fls. 306;
3. Mais alegou que a autora foi notificada de tal decisão em 12/03/2018, juntando para o efeito aos autos o aviso de receção assinado e comprovativo que o ofício de 09/03/2018 foi recebido na sede da autora naquela data.
4. O prazo para a autora impugnar o ato administrativo de aplicação de multa é de três meses;
5. O ato chegou ao conhecimento da autora em 12/03/2018;
6. A ação, com o pedido subsidiário cuja caducidade se invocou, foi instaurada em 03/07/2018, quando tal direito de ação havia já caducado.
7. Pese embora esteja alegada, provada e comprovada a data em que a autora recebeu o oficio da Ré – fls. 306 a 309;
8. O Tribunal “a quo” não valorou o registo dos CTT e o comprovativo de receção daquele ofício na sede da Autora;
9. Tendo julgado que a Ré não fez prova de que o teria comunicado;
10. Quando, na verdade, tal prova resulta inequívoca nos autos, desde logo porque o recibo de aceitação e o recibo de entrega da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n.ºs 2 e 4 do artigo 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada ao alcance do destinatário – sendo clamoroso o equívoco no julgamento desta questão.
11. O sobredito aviso de receção foi assinado pela A., que jamais pôs em causa a autenticidade da referida assinatura!
12. O artigo 374º n.º 1 do Código Civil determina: “A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado”.
13. O artigo 376º n.º 1 do CC, que alude à força probatória dos documentos particulares, é bem claro: “O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.”
14. O aviso de receção junto aos autos, assinado pela A., que não impugnou a assinatura, faz prova plena quanto à declaração atribuída ao seu A., in casu, a declaração de recebimento da dita notificação na data aposta no aviso de receção.
15. Pelo que, deve ser revogada a douta decisão do Tribunal “a quo” que julgou improcedente a exceção da caducidade do direito de ação imputada ao pedido subsidiário apresentado pela autora e substituída por outra que julgue tal exceção procedente, por provada, com todas as legais consequências.
16. A decisão ora em crise viola o disposto nos artºs 374º n.º 1 e 376º n.º 1, ambos do Código Civil.
Nestes termos e nos mais e melhores de Direito que serão tão douta quanto proficientemente supridos, deve a presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência ser revogada a douta decisão que julgou improcedente a exceção de caducidade do direito de ação imputada ao pedido subsidiário apresentado pela autora, substituindo-a por outra que julgue tal exceção procedente, por provada, a invocada exceção perentória de caducidade do direito de ação relativamente ao denominado pedido subsidiário formulado pela Autora, nos termos e com todas as legais consequências.
Ou, no limite e apenas por mera cautela de patrocínio e caso não seja esse o douto entendimento do Tribunal, deverá o conhecimento de tal matéria ser relegado para final.
Fazendo assim V/s. Exas., como sempre, inteira e sã
JUSTIÇA!»
1.6. A Autora contra-alegou, formulando as seguintes Conclusões:
«A. A Ré /Recorrente não praticou e não notificou a Autora/Recorrida de qualquer ato administrativo de aplicação de sanções contratuais, nem até à entrada em juízo da petição inicial, nem posteriormente;
B. Da carta que a R./Recorrente alega, como sendo através da qual notificou a A./Recorrida de tal decisão – carta datada de 09/03/2018 e recebida pela A. em 15/03/2018 (e não 12/03/2018 como a R. alega nas suas conclusões de recurso nº 3 e 5) não pode extrair-se, em absoluto, tal factualidade;
C. A referida carta – doc. 1 junto com a contestação da R./Recorrente – mais não é do que uma resposta da R./Recorrente ao pedido da A./Recorrida para prorrogação do prazo da empreitada, indeferindo-o;
D. Mas não é (nem, pode ser entendido ou confundido) com uma notificação de uma decisão de aplicação de sanções contratuais;
E. Decisão que, a ter ocorrido, a A./Recorrente desconhece-o em absoluto porque não lhe foi notificado;
F. Sendo-lhe inoponível;
G. Não tendo a R./Recorrente feito prova da produção do ato e da sua notificação à A./Recorrente, a exceção da caducidade deduzida teria necessariamente que improceder;
H. Pelo que bem andou o Mº Juiz “a quo” na decisão em crise que deverá manter-se.
Termos em que deve o recurso interposto ser julgado improcedente e em consequência manter-se a decisão recorrida. Assim julgando farão V.Exªs inteira
JUSTIÇA!»
1.7. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público emitiu parecer, pugnando pelo não provimento do recurso.
1.8. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1 Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas enunciadas premissas, a questão que se encontra submetida pela apelante à apreciação deste TCAN resume-se a saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar como improcedente a exceção dilatória da caducidade do direito de ação suscitada pelo Réu, ora Apelante, com fundamento no facto de não se ter provado que a Autora tenha sido notificada de nenhum ato de aplicação de multas contratuais.
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III- FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos dão-se como provados os seguintes factos:
I- A Autora dedica-se ao desenvolvimento, produção, comercialização e manutenção de sistemas de comando de elevadores e escadas rolantes. Manutenção de elevadores e escadas rolantes. Sistemas de transportes vertical de pessoas. Conceção, fabrico e comercialização de sistemas de controlo e automação; sistemas de acionamento; sistemas de controlo de acessos; sistemas elétricos genéricos. Empreitadas de instalações elétricas e eletromecânicas. Atividades de construção- facto admitido por acordo das partes.
II- No exercício da sua atividade, a A. celebrou com a R., em 31/05/2017, um contrato de empreitada para a execução e instalação de seis ascensores no empreendimento D. (…), na sequência de um procedimento concursal em que a A. ficou colocada em primeiro lugar- cfr. doc. n.º1 junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
III- Na sequência desse contrato em 08/06/2017, foi elaborado Auto de Consignação dos Trabalhos, com início previsto para essa mesma data- cfr. doc.n.º2 junto com a p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
III- O prazo previsto para a execução da obra era de 6 meses (184 dias), posteriormente prorrogado por 32 dias.
IV- A Ré enviou à Autora o ofício com a Ref.ª 064/CA, datado de 09.03.2018, que constitui o documento n.º 1, junto com a contestação, do seguinte teor:
«Assunto: Empreitada de Instalação de Seis Elevadores no Empreendimento D. (…)- pedido de prorrogação do prazo de execução da empreitada.
V/Refª LT183149, de 02/03/2018
N/Ref.ª 1786/18/ATE, de 05/03/2018
Exmos. Senhores,
Comunico que, por deliberação do Conselho de Administração desta Empresa Municipal de 6 de Março do corrente ano, foi indeferido o pedido de prorrogação graciosa do prazo de execução da empreitada, apresentado por V. Exas através do requerimento V/Ref.ª 17LT9462, de 22/12/2017, uma vez que as alegações apresentadas por intermédio da exposição em epígrafe não constituem fundamento bastante que motivem a alteração do sentido da decisão.
Com efeito, para além das más condições climatéricas, todos os outros argumentos apresentados por V.Ex.ªs não podem proceder, dado que toda a informação relativa à empreitada foi levada ao procedimento concursal, sendo, por conseguinte, do conhecimento dos concorrentes. Por outro lado, não fosse a anterior prorrogação concedida e o consequente atraso na entrega da obra, a questão das variações climáticas porventura já não se colocaria.
Não obstante o comunicado, esta Administração aceita a calendarização apresentada por V. Exas no requerimento em epígrafe, sem prejuízo de aplicação das sanções contratuais estabelecidas na Cláusula 11ª do Contrato de Empreitada.».
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III.B.DE DIREITO
O presente recurso vem interposto do segmento do despacho saneador em que a 1.ª Instância julgou improcedente a exceção da caducidade do direito de ação invocada pela Ré, na contestação, relativamente ao pedido subsidiário formulado pela Autora, de declaração de nulidade ou anulação da decisão administrativa de aplicação de multa contratual, que a Ré invoca ter proferido e da qual a Autora terá sido notificada em 15/03/2018.
No despacho recorrido, o Tribunal a quo começou por considerar que sendo as decisões de aplicação de multas contratuais atos administrativos nos termos do n.º2 do artigo 337.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), estão sujeitos ao regime de invalidade definido nos artigos 161.º e 163.º do CPA, e nos termos da al. b) do n.º2 do artigo 58.º do CPTA a sua impugnação contenciosa está sujeita ao prazo de três meses se os vícios que lhe forem assacados determinarem a mera anulabilidade do ato. Seguidamente, o Tribunal a quo depois de precisar que a Autora rejeita a existência de um qualquer ato administrativo de aplicação de sanções contratuais e, bem assim, que alguma vez tenha sido notificada da aplicação de multas contratuais no âmbito da execução do contrato em causa nos autos, conclui que a Ré não logrou provar que tivesse proferido uma decisão de aplicação de sanções contratuais à Autora e que a mesma tivesse sido notificada de uma decisão dessa natureza. E decidiu assim, por entender que do teor do documento n.º1 junto com a contestação e no qual a Ré sustenta a prova em como proferiu uma decisão de aplicação de sanções contratuais à Autora e respetiva notificação, não se pode concluir senão que esse documento se apresenta como « uma comunicação da Ré dirigida à Autora, onde faz menção a eventual aplicação de sanções, ficando por demonstrar desde logo a efetiva notificação dessa decisão à Autora.».
Conforme se colhe da fundamentação enunciada no despacho recorrido, o Tribunal a quo julgou a exceção de caducidade do direito de ação quanto ao pedido subsidiário, como improcedente por ter considerado que o documento n.º1 junto com a contestação e invocado pela Ré como prova da prática do ato administrativo de aplicação de multas contratuais e respetiva notificação à Autora, « apresenta-se como uma comunicação da Ré dirigida à Autora, onde faz menção a eventual aplicação de sanções», ficando, ademais « por demonstrar desde logo a efetiva notificação dessa decisão à Autora», pelo que, sendo a notificação do ato de aplicação de multas contratuais « uma condição de eficácia do ato, a sua falta tem como consequência a inoponibilidade do ato, em particular para efeitos de impugnação contenciosa nos termos previstos no art. 60.º n.º 1 do CPTA.»
E não vemos razões para divergir deste julgamento, o qual, perante o teor da prova documental apresentada pela Ré/Apelante, como demonstrativa da prática de um ato administrativo de aplicação de multa contratual não podia concluir de outra forma que não fosse a de considerar que desse documento não resulta evidenciada a prática de uma decisão de aplicação de multas contratuais à Autora.
Vejamos.
Configurando a notificação do ofício datado de 09/03/2018, a que se alude no ponto IV do elenco dos factos provados, uma declaração negocial, importa proceder à sua interpretação, tendo presente que diversamente do que se verifica ocorrer no âmbito dos negócios jurídicos privados (cfr. artigos 236.º a 239.º do C.Civil) não existem normas jurídicas que especificamente disponham sobre os termos a que deve obedecer a interpretação do contrato administrativo, vulgo, das declarações negociais proferidas no seu âmbito.
Nesse sentido, veja-se o Acórdão do TCAS, de 07/03/2013, proferido no processo n.º 09093/12, em cujo sumário se expendeu a seguinte jurisprudência:
«I - O CCP não estabelece um regime de interpretação da declaração negocial no âmbito da contratação pública, como é feito no domínio dos negócios privados nos artigos 236.º e ss. do CC.
II - A interpretação das declarações negociais efetuadas no âmbito de um procedimento disciplinado pelo regime contratual público deve, por isso, ser feita por etapas sucessivas, em primeiro lugar sob a égide das normas do CCP, depois por recurso aos princípios gerais de direito administrativo e às restantes normas de direito administrativo, e em terceiro, na falta ou insuficiência das anteriores, nos termos dos artigos 236.º e seguintes do CC.
III - Na interpretação devem ser tidos em conta todos os elementos que contribuam para o esclarecimento gradual do objecto negocial, designadamente os textos contratuais, o comportamento contratual e pré-contratual, os elementos intrínsecos e extrínsecos à declaração, o contexto em que foi produzida e as finalidades que visa atingir, etc.;
IV - No domínio da interpretação dos contratos administrativos há paridade entre as posições do contraente público e do contraente privado, a quem aquele não pode impor unilateralmente nenhuma solução interpretativa.»

Conforme sustentam MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in “Contratos Públicos- Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 2.ª edição, D.Quixote, pág.132 e ss “a interpretação deve ser orientada por uma finalidade predominantemente objectiva: assim, deve entender-se que o sentido das declarações negociais é não o que as partes lhe quiseram dar, mas aquele que lhes seria atribuído por uma pessoa normal; contudo, o sentido subjectivo deve prevalecer sempre que a vontade real de uma das partes seja pela outra conhecida (…)”, sustentando aqueles autores que “os meios de interpretação do contrato administrativo são os argumentos gerais de interpretação jurídica”.
É seguro, contudo, que a interpretação de uma declaração negocial não pode alhear-se do respetivo teor literal, constituindo o argumento linguístico o ponto de partida e o limite da interpretação.
Assim, compulsada a comunicação enviada à Apelada a que se alude no ponto IV do elenco dos factos provados, o que dela se extrai, é que estamos perante uma resposta da Apelante ao pedido da Apelada para prorrogação do prazo da empreitada, indeferindo-o. Contudo, nessa mesma comunicação, pode ainda ler-se que: «Não obstante o comunicado, esta Administração aceita a calendarização apresentada por V. Exas no requerimento em epígrafe, sem prejuízo de aplicação das sanções contratuais estabelecidas na Cláusula 11ª do Contrato de Empreitada.». ( sublinhado nosso)
Destarte, deste trecho da referida comunicação não pode seguramente concluir-se, como pretende a Apelante, que nele se encontra prolatada uma decisão de aplicação de sanções contratuais. Diferentemente, o que dele claramente retiramos é uma declaração negocial no sentido de que a Apelante se dispõe a aceitar a calendarização apresentada pela Apelada, se a mesma assim pretender, mas nessa hipótese sujeitando-se à aplicação das sanções contratuais previstas na Cláusula 11.ª, para cuja consequência se avisa/adverte a apelada. Ou seja, a referida comunicação não incorpora a prática de nenhuma decisão de aplicação de sanções contratuais mas o mero aviso/advertência de que essas sanções contratuais serão aplicadas no caso de a Apelada pretender manter a calendarização que apresentou.
Neste sentido, também se pronunciou o Senhor Procurador Geral Adjunto no douto parecer que emitiu, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º1 do artigo 146.º do CPTA, no qual se lê que: «Efectivamente do documento nº 1 não se extrai a aplicação de sanções. Tal documento não tem conteúdo sancionatório, tem apenas conteúdo avisador de eventual aplicação de ulteriores sanções. O seu último parágrafo é decisivo para tal conclusão. Aí se anuncia, só se anuncia, a eventual aplicação de sanções. Assim: “não obstante o comunicado, esta Administração aceita a calendarização apresentada por V. Excias no requerimento em epígrafe, sem prejuízo de aplicação de sanções contratuais estabelecidas na cláusula 11ª do Contrato de Empreitada.”
E, se não há acto sancionatório, nunca o mesmo poderia ter sido notificado.
E não o foi seguramente pela carta registada junta com tal comunicação, porque, repita-se não traduz qualquer acto sancionatório.
Ademais, como é consabido, a acto sancionatório, exactamente por ser sancionatório, tem de ser explícito e claro, sob pena de o sancionado não saber do que foi sancionado e, nessa falta, não poder defender-se.
Como já se disse, a caducidade do direito de ação, configura-se como exceção dilatória de conhecimento oficioso, conducente à extinção do respetivo direito e que obsta ao prosseguimento do processo, impedindo, assim, o julgamento de fundo da pretensão deduzida em juízo (cfr. arts. 87.º, 88.º e 89º, n.º 4 al. k) do CPTA, 576.º e 577.º do CPC, e 333.º do CC).
Nesta medida, importa retirar a devida ilação da ausência de cumprimento do ónus probatório da notificação (cf. art 342º do Código Civil) e concluir que essa formalidade não se revela cumprida e, por conseguinte, sendo uma condição de eficácia do ato, a sua falta tem como consequência a inoponibilidade do ato, em particular para efeitos de impugnação contenciosa nos termos previstos no art. 60.º n.º 1 do CPTA.
Bem andou, pois, o despacho recorrido ao julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação imputada ao pedido subsidiário apresentado pela Autora
II-2- A sentença não merece censura.»

A interpretação preconizada pelo Apelante, de acordo com a qual aplicou multas contratuais à Apelada, e bem assim, que a notificou dessa decisão, o que tudo, entende resultar do conteúdo do documento n.º1 que juntou com a respetiva contestação, e cujo teor tivemos ensejo de inserir no elenco dos factos que demos como provados supra, no ponto IV) da fundamentação de facto, é inconsistente, não tendo qualquer alicerce sólido naquele documento, pelo que, perante a inexistência de qualquer outro fundamento probatório, bem andou o Tribunal a quo ao considerar improcedente a exceção da caducidade do direito de ação relativamente ao pedido deduzido subsidiariamente pela autora.
Termos em que, sem necessidade de outras considerações, se impõe julgar improcedente o recurso interposto contra o despacho sob sindicância, e manter a decisão recorrida.
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IV- DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
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Custas da apelação, pela apelante (artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

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Porto, 17 de dezembro de 2021.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Isabel Jovita