Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01239/14.7BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/13/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Mário Rebelo
Descritores:TAXA DE SEGURANÇA ALIMENTAR MAIS
DIREITO DE AUDIÇÃO
Sumário:1 - O tributo foi liquidado com base nos dados de que dispunha a entidade liquidadora sem que tivesse sido concedido ao contribuinte o direito de audição em desconformidade com o art.º 60.º da Lei Geral Tributária.
2 - Apesar de poder ser censurável a omissão do contribuinte de declarar a área, o legislador não a sanciona com a retirada do seu direito de audição antes da liquidação, pelo que não pode a entidade liquidadora aplicar tal sanção por não se encontrar prevista na lei.
2 - É um dever legal liquidar o tributo a quem deva ser exigido, nos termos da lei, mas esse dever não se preenche sempre que se apura uma taxa, ele só se cumpre quando se liquida a taxa devida.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:B..., S.A.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Exmo. Representante da Fazenda Pública inconformado com a sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Braga que julgou procedente a impugnação deduzida por B..., SA contra a liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais do ano de 2013, titulada pela fatura n.º 475/F, dela interpôs recurso terminando as alegações com as seguintes conclusões:

1.º Nos termos da Portaria n.º 215/2012, a área tributável apura-se ou por recurso aos dados fornecidos pelo contribuinte ou, na sua ausência, àqueles de que disponha a entidade liquidadora;
2.º No caso, a Impugnante não comunicou esses dados, pelo que a DGAV lançou mão daqueles de que dispunha, as listagens da DGAE (n.º 4 e 5 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012);
3.º Este mecanismo substitutivo torna dispensável, para efeitos de determinação da área sujeita a tributação, a intervenção do contribuinte quando este não toma a iniciativa de comunicar à DGAV os dados referentes à área do estabelecimento;
4.º O procedimento de liquidação da TSAM é relativamente simples: na ausência de comunicação do contribuinte prevista no n.º 4 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012 (ou da comunicação prevista no n.º 3 do art.º 10.º) a DGAV procede ao apuramento da área socorrendo-se dos elementos que lhe foram comunicados nos ternos do n.º 2 do art.º 9.º pela DGAE;
5.º Aplicando depois às áreas assim comunicadas os coeficientes da Portaria n.º 200/2013, determinando a base tributária que multiplicada pelo valor da taxa para o ano de 2013 (art.º 4.º da Portaria n.º 215/2012), resulta no montante a cobrar, resultado que comunica ao contribuinte nos termos do n.º 3 do art.º 5.º;
6.º Ao contrário do que argumenta a decisão recorrida, o conhecimento privilegiado da área tributável por parte do sujeito passivo não é, para o caso, relevante em termos procedimentais pois só o seria se ele a tivesse comunicado à entidade liquidadora, despoletando um procedimento especificamente destinado ao apuramento da área, o que não ocorreu;
7.º O processo administrativo junto, pese embora possa incorrer em alguma deficiência de organização, demonstra o procedimento simplificado seguido pela entidade liquidadora na ausência da comunicação do contribuinte;
8.º Existiu, pois, ao invés do decidido pela sentença recorrida, um procedimento de liquidação da TSAM que seguiu com rigor as regras aplicáveis pelo que não ocorre qualquer omissão de formalidade, muito menos omissão de procedimento e, em consequência, a apontada nulidade da liquidação;
9.º Ao julgar em sentido contrário, declarando nula a liquidação por preterição de formalidades, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento tendo violado ainda o disposto nos artigos 5.º, 9.º e 10.º da Portaria n,º 215/2012 e no art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012.
Nestes termos e no mais que for doutamente suprido por Vossas Excelências, concedendo-se provimento a este recurso,
Deve revogar-se a sentença considerando-se improcedente a impugnação, com o que farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA.

CONTRA ALEGAÇÕES.
A recorrida contra alegou e concluiu:
A - O Tribunal a quo, no que diz respeito à ilegalidade da Taxa de Segurança Alimentar Mais, para além de fazer uma correcta interpretação e aplicação das normas e princípios do procedimento tributário, aplicou imaculadamente as regras quanto às consequências previstas no caso de preterição de formalidades essenciais.
B - O entendimento da Fazenda Pública segundo o qual era dispensável a audiência prévia prévio à liquidação porque a Recorrida não forneceu os dados referentes à área do estabelecimento é, no mínimo, enviesada, por olvidar os princípios enformadores do procedimento tributário, designadamente os princípios do inquisitório e da participação, não sendo a liquidação dotada de certeza sobre a realidade tributária.
C - No entanto, ao contrário do que pretende fazer crer, a ausência de comunicação do contribuinte não torna dispensável a participação do sujeito passivo para se obter a certeza jurídica sobre a realidade tributária.
D - A actuação da Recorrente ofende cada um dos princípios contidos no artigo 55.º da Lei Geral Tributária e, em especial, o princípio do inquisitório, porquanto deveria aquela ter diligenciado no sentido de procurar saber qual a área tributável do estabelecimento comercial da Recorrida; e, mesmo que não tivesse diligenciado neste sentido, sempre poderia a Recorrente notificar a Recorrida para o exercício do direito de audição prévia contido no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, permitindo que esta demonstrasse qual a efectiva área tributável em sede de taxa de segurança alimentar mais.
E - É inadmissível que a DGAV, enquanto entidade pública, entenda como dispensável a participação e colaboração do sujeito passivo para se obter a certeza jurídica sobre uma realidade tributária que esta desconhece, preferindo, ao invés, calcular o valor da taxa estabelecendo uma presunção com base em factos desconhecidos, ou, quanto muito, indemonstrados, tendo inteira noção de que possivelmente está longe de corresponder à verdade, o que é mais grave quando é cristalino que os factos concretos estão ao alcance da Recorrida.
F - A DGAV ao recorrer à aplicação do critério de quantificação previsto na Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio, nos termos do artigo 5.º, n.º 5, da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, está a estabelecer uma presunção da área de comércio dos produtos alimentares, área essa sobre a qual incide o tributo em causa.
G - A participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes dizem respeito é uma exigência constitucional (artigo 267.º, n.º 5 da CRP), estando vertida, inclusivamente, no artigo 60.º da Lei Geral Tributária.
H – Aqui chegados, cumpre citar o lapidar Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-11-2011 (proc. n.º 0539/11), do qual resulta que “a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, pelo direito de audição antes da liquidação (artigos 267.º da CRP e 60.º da LGT). A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente.”
I - Ora, do exposto supra resulta que a decisão final do procedimento de liquidação teria sido diferente se à Recorrida for conferida a hipótese de se pronunciar claramente em momento prévio ao da liquidação.
J - De resto, tendo por base a análise doutrinal e jurisprudencial que se faz do direito de audição prévia, também se dirá que a audição prévia dos interessados se configura como obrigatória nos procedimentos em que se verifica a existência de diligências instrutórias capazes de alterar a posição da Administração Tributária.
K - In casu, o procedimento tributário tendente à liquidação é composto por um ofício de notificação e uma factura que consubstanciam a liquidação em sentido técnico.
L - Como indica, e bem a sentença recorrida, “a nulidade advém, assim, não da omissão de certas formalidades mas da preterição das formalidades (e actos) que, no seu conjunto, formam um certo procedimento administrativo”.
M - A taxa de segurança alimentar mais, de acordo com o artigo 54.º da Lei Geral Tributária, está dependente de um procedimento prévio, isto é, da sucessão de actos dirigidos à declaração de direitos tributários, sendo tal potenciado pela incerteza permanente que se vive quanto à sua natureza.
N - Seja como for, entende a sentença recorrida que se está perante uma contribuição especial e não perante uma mera taxa, pelo que se impõe um procedimento prévio à liquidação, de forma a serem respeitadas as garantias dos sujeitos passivos, levando ao procedimento as suas razões, que deverão necessariamente ponderadas pela Administração. Sucede que nada disto foi observado pela DGAV, que se limitou a fazer tábua rasa dos mais elementares direitos da Recorrida.
O - Assim, a taxa de segurança alimentar mais é composta pela área de venda de produtos alimentares, a qual é do conhecimento privilegiado do sujeito passivo, detendo este, em todo o momento, as ferramentas necessárias para conhecer da área de venda de produtos alimentares.
P - Tão ou mais importante é considerar que as isenções do artigo 9.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 119/2012, também obrigam à participação e colaboração do sujeito passivo para que se obtenha certeza jurídica sobre aquilo que deve – ou não - ser tributado.
Q - Mais importante que tudo será considerar que a liquidação não é o resultado aritmético de meros cálculos matemáticos, mas antes um regime complexo na determinação da base tributável, devendo ser considerada a existência de um procedimento administrativo que apele à participação dos contribuintes.
R – O direito de audição vem estabelecido e regulado no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, estando as situações de dispensa contidas no número 2, cabendo referir que:
- quanto à alínea a), a Recorrente efectuou a liquidação em causa sem ter por base qualquer declaração do contribuinte, não tendo existido qualquer decisão, em sede de procedimento;
- quanto à alínea b), tratou-se de uma liquidação oficiosa, sem que, contudo, esta tenha sido efectuada com base em em critérios e objectivos previstos na lei, nem tão pouco foi a Recorrida notificada para apresentar qualquer declaração ou dado em falta.
S - Ora, a liquidação impugnada assentou em elementos indemonstrados obtidos na sequência de colaboração entre a DGAV e as entidades competentes, nomeadamente a Direcção-Geral das Actividades Económicas, nos termos do artigo 9.º, n.º 2 da Portaria 215/2012, de 17 de Julho.
T - Na medida em que o exercício do direito de audiência prévia teria permitido à Recorrida, não só acompanhar e controlar a actuação da DGAV, mas acima de tudo, participar na formação da decisão de liquidação, contribuindo, com os seus conhecimentos, naturalmente, privilegiados sobre qual a sua área afecta à comercialização de produtos alimentares, isto é, qual a área deveria ter sido tomada em consideração para o cálculo do tributo em questão.
U - O que importa a nulidade do acto de liquidação, por omissão de uma formalidade essencial do procedimento, correspondente à falta de forma, ao abrigo da alínea g) do número 2 do artigo 161.º do Código de Procedimento Administrativo.
V - Pelo que se conclui conforme o disposto pela douta sentença do TAF de Braga que apreciou e julgou a presente impugnação judicial, “trata-se, pois, não da simples omissão de uma formalidade essencial, mas da falta total do procedimento que conduz ao acto de liquidação, o que corresponde, como vimos, a uma absoluta falta de forma, subsumível na alínea f) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA (actual artigo 161.º, n.º 2, alínea g)).”



Nestes Termos,
Deverão V. Exas. negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida que determinou a nulidade do acto de liquidação, por preterição das formalidades que no seu conjunto formariam o procedimento tributário legalmente exigido.


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar nula a liquidação por falta de procedimento.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. A Impugnante explora o hipermercado denominado E… sito em Barcelos.
2. Parte da área total do estabelecimento referido na alínea anterior está destinada à comercialização de produtos de origem animal e vegetal, frescos e congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, sendo que há outra parte reservada para produtos de origem não alimentar.
3. Em 26.12.2013, a DGAV – Direcção Geral de Alimentação e Veterinária enviou à Impugnante um ofício do qual se retira que: “[… ] Como é do conhecimento de V. Exas, o Decreto-Lei n.º 119/2002, de 15 de Junho, criou a Taxa de Segurança Alimentar Mais, a qual constitui uma contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar, para os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, conforme referido no nº 1 do artigo 9º do mencionado diploma.
Nos termos do nº 3 do artigo 5º da Portaria nº 215/2012, de 17 de Julho, cabe a esta Direcção Geral notificar o sujeito passivo, do montante da taxa a pagar.
Assim, fica V. Exa notificado (a) que, nos termos do nº 1 do artigo 2 da portaria supra citada, o montante devido é de € 6.549,38 (seis mil quinhentos e quarenta e nove euro(s) e trinta e oito cêntimo(s)), conforme factura nº 475/F em anexo, sendo este o resultado da aplicação da taxa fixada no nº 1 do artigo 4º da Portaria 215/2012, de 17 de Julho, à área de venda do estabelecimento (1.871,25m2), atento o previsto nas disposições conjugadas dos nºs 4 e 5 do artigo 5º da Portaria nº 215/2012, de 17 de Julho e do artigo 1º da Portaria 200/2013, de 31 de Maio.
O pagamento da taxa do corrente ano, em virtude de não se encontrarem ainda reunidas as condições previstas no artigo 6º, poderá ser efectuado, de acordo com o disposto no nº 4 do artigo 10º da Portaria 215/2012, de 17 de Julho, através de multibanco ou cheque, devendo o mesmo ser realizado no prazo de 60 dias úteis, a contar da presente notificação, conforme resulta das disposições conjugadas do nº 3 do artigo 5º e nº 2 do artigo 6º do mesmo diploma [… ]” (cf. doc. fls. 7 do processo administrativo apenso aos autos (PA) que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
4. Em anexo à notificação referida na alínea anterior, a DGAV enviou à Impugnante a factura n.º 475/F, emitida em 12-12-2013, no valor de € 6.549,38 (seis mil quinhentos e quarenta e nove euros e trinta e oito cêntimos) - (cf. doc. fls. 8 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
5. Em 11.03.2014, a Impugnante procedeu ao pagamento da factura referida na alínea anterior (cf. doc. a fls. 36 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Não há matéria de facto relevante para a discussão da causa, alegada pelas partes, que importe registar como não provada.
C) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, supra identificados.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante deduziu impugnação judicial contra a notificação para pagamento da quantia de € 6.549,38 relativo à Taxa de Segurança Alimentar Mais do ano de 2013, titulado pela fatura n.º 475/F do Ministério da Agricultura Mar, Ambiente e Ordenamento do Território – Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais alegando a inconstitucionalidade orgânica e Material das normas que aprovaram a Taxa de Segurança Alimentar Mais, a preterição de formalidades legais, preterição do direito de audição, falta de fundamentação e erro no cálculo do valor da taxa.

A MMª juiz julgou improcedentes as questões relativas à inconstitucionalidade mas deferiu o vício de preterição de formalidades legais, uma vez que “...a decisão de cobrar o montante de € 6.549,38 à Impugnante, a título de TSAM, consubstanciada na emissão da factura n.º 475/F de 12.12.2013, foi tomada sem que fosse previamente desencadeado o competente procedimento tributário.”

O Exmo. Representante da Fazenda Pública contesta a decisão concluindo que “O procedimento de liquidação da TSAM é relativamente simples: na ausência de comunicação do contribuinte prevista no n.º 4 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012 (ou da comunicação prevista no n.º 3 do art.º 10.º) a DGAV procede ao apuramento da área socorrendo-se dos elementos que lhe foram comunicados nos ternos do n.º 2 do art.º 9.º pela DGAE (Conclusão 4ª);
Aplicando depois às áreas assim comunicadas os coeficientes da Portaria n.º 200/2013, determinando a base tributária que multiplicada pelo valor da taxa para o ano de 2013 (art.º 4.º da Portaria n.º 215/2012), resulta no montante a cobrar, resultado que comunica ao contribuinte nos termos do n.º 3 do art.º 5.º (Conclusão 5ª);
O processo administrativo junto, pese embora possa incorrer em alguma deficiência de organização, demonstra o procedimento simplificado seguido pela entidade liquidadora na ausência da comunicação do contribuinte (Conclusão 7ª);
Existiu, pois, ao invés do decidido pela sentença recorrida, um procedimento de liquidação da TSAM que seguiu com rigor as regras aplicáveis pelo que não ocorre qualquer omissão de formalidade, muito menos omissão de procedimento e, em consequência, a apontada nulidade da liquidação (Conclusão 8ª);

Como muito bem referiu a sentença, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015, de 20/10/2015, proferido na sequência de recurso interposto pelo MP da sentença do TAF de Loulé que concluíra pela inconstitucionalidade orgânica do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, bem como das normas dos artigos 3º e 4º da Portaria 215/012 de 17 de julho, que definem o âmbito de isenção da TSAM e o valor da taxa aplicável, qualificou a obrigação não como taxa mas sim como contribuição financeira:

“No caso vertente, poderá afirmar-se que a "taxa de segurança alimentar mais" não constitui uma verdadeira taxa porque não incide sobre uma qualquer prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário, sendo antes tida como contrapartida de todo um conjunto de atividades levadas a cabo por diversas entidades públicas que visam garantir a segurança e qualidade alimentar. E também porque o facto gerador do tributo não é a prestação individualizada de um serviço público mas a mera titularidade de um estabelecimento de comércio alimentar, sendo o valor da taxa calculado, com base na área de venda do estabelecimento e não com base no custo ou encargo que a atividade de controlo da segurança e qualidade alimentar poderia gerar.

Mas a "taxa de segurança alimentar mais" não pode também ser qualificada como um imposto porque a sua finalidade não é satisfazer os gastos gerais da comunidade, em cumprimento de um dever geral de cidadania, mas unicamente contribuir para o financiamento de uma atividade continuada de controlo e fiscalização da cadeia alimentar mediante a consignação das receitas a um Fundo que tem a missão específica de apoiar financeiramente projetos, iniciativas e ações a desenvolver nessa área.

Na verdade, como resulta do disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei 119/2012, de 15 de junho, a "taxa" de segurança alimentar mais" é precisamente uma contribuição para o financiamento da atividade de garantia de segurança e qualidade alimentar. É uma comparticipação nas receitas de um fundo destinado a financiar projetos, iniciativas e ações desenvolvidos pelas entidades que operam nesse mercado.

Não estamos, pois, no seu aspeto dominante, perante uma participação nos gastos gerais da comunidade, em cumprimento de um dever fundamental de cidadania, nem perante a retribuição de um serviço concretamente prestado por uma entidade pública ao sujeito passivo, pelo que a referida "taxa" não se pode qualificar nem como imposto, nem como uma verdadeira taxa, sendo tal tributo antes qualificável como contribuição financeira.

E não obsta a essa qualificação o facto de o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, a favor do qual reverte o produto da "taxa de segurança alimentar mais", não dispor de personalidade jurídica. A contribuição a que alude o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), é designada como uma contribuição financeira a favor de entidade pública e, enquanto categoria tributária autónoma, o que a distingue dos impostos é que se destina, não a financiar as despesas públicas em geral, mas a financiar despesas associadas a certos serviços públicos, por cuja execução são diretamente responsáveis determinadas entidades públicas. Trata-se, por isso, de contribuições que se destinam a retribuir serviços prestados por uma entidade pública e que não se inserem no objetivo estritamente financeiro do sistema fiscal, que se dirige antes à obtenção de receitas para cobrir despesas gerais do Estado e de outras pessoas coletivas territoriais (regiões autónomas e autarquias locais)“

A Taxa (chamemos-lhe assim por ser esta a designação legal) tem um modo preciso de liquidação que o artº 5º da Portaria n.º 215/2012 de 17 de Julho de 2012 enuncia assim:
1 - Para efeitos de aplicação da taxa, é considerada a situação dos estabelecimentos comerciais à data de 31 de dezembro do ano anterior ao que respeita a liquidação.
2 - A Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) elabora, até ao dia 31 de janeiro de cada ano, uma lista atualizada dos estabelecimentos abrangidos, e da qual constam, designadamente, os seguintes elementos:
a) Nome ou denominação social;
b) NIF;
c) Morada do estabelecimento;
d) Área de venda do estabelecimento.
3 - A liquidação da taxa é notificada ao sujeito passivo, por via eletrónica para a caixa postal eletrónica a que se refere o nº 9 do artigo 19º da lei geral tributária ou por carta registada, até ao final do mês de março de cada ano, com a indicação do montante da taxa a pagar.
4 - Os sujeitos passivos devem comunicar à DGAV, no prazo de 30 dias a contar do início da atividade ou de qualquer alteração, os elementos previstos no nº 2 relativos aos respetivos estabelecimentos comerciais.
5 - Em caso de omissão ou inexatidão dos elementos comunicados, a liquidação é efetuada com base na informação relevante de que a DGAV disponha nos termos do nº 2 do artigo 9º

Mas esta lista está, de certa forma, incompleta. Dela não consta, por exemplo, o cumprimento do dever de audição que o art. 60º LGT determinou aplicável na formação das decisões que disserem respeito aos contribuintes e sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, e que já o douto acórdão do STA proferido em 17/5/2017 no processo n.º 0216/17 Em que foi relatora a Exma. Conselheira Ana Paula Lobo.
decidiu ser necessário:

“A Taxa de segurança alimentar mais, encontra-se definida no art.º 9.º do DL Decreto-Lei 119/2012, como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar e, é devida pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre (euro) 5 e (euro) 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura». Estão isentos do pagamento dessa taxa os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas em certas situações para aqui sem relevo.
A fixação anual da taxa mostra-se regulamentada pela Portaria 215/2012 de 17 de Julho que no seu artigo 5.º define as regras de liquidação do seguinte modo:
«Artigo 5.º
(...)
A Portaria 200/2013 de 31 de Maio veio, como dela consta, esclarecer o critério de apuramento da área relevante e o modo da sua determinação.
Como decorre de todo o processo e, é mesmo confirmado pelas alegações de recurso, dúvidas não há de que o tributo aqui em discussão foi liquidado com base nos dados de que dispunha a entidade liquidadora sem que tivesse sido concedido ao contribuinte o direito de audição. Bem certo que o contribuinte tinha obrigação de comunicar à DGAV, no prazo de 30 dias a contar do início da atividade ou de qualquer alteração, os elementos previstos no n.º 2 relativos aos respetivos estabelecimentos comerciais. Não consta da matéria provada que haja omitido tal obrigação, como não consta que a haja cumprido, nem se esclarece que dados dispunha a entidade liquidadora sobra a área do estabelecimento com relevância para a determinação da taxa. A recorrente considera que:« (…) a Impugnante não comunicou esses dados, pelo que a DGAV lançou mão daqueles de que dispunha, as listagens da DGAE (n.º 4 e 5 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012);
Este mecanismo substitutivo torna dispensável, para efeitos de determinação da área sujeita a tributação, a intervenção do contribuinte quando este não toma a iniciativa de comunicar à DGAV os dados referentes à área do estabelecimento».
Este entendimento expresso pela recorrente considera que, havendo elementos que permitam a liquidação da taxa, certos ou errados, não importa, liquida-se a taxa, sem mais, e, exige-se o pagamento. Trata-se de uma visão estreita do cumprimento dos deveres públicos, mesmo tributários, quando se foca toda a energia e atenção em liquidar para cobrar, sem olhar a quê, e sem curar dos custos para o erário público que decorrem de liquidações ilegais. É um dever legal liquidar este tributo a quem deva ser exigido, nos termos da lei, mas esse dever não se preenche sempre que se apura uma taxa, ele só se cumpre quando se liquida a taxa devida, nem mais, nem menos, pelo que, mesmo que não existisse a obrigação legal de a administração chamar os contribuintes a participarem no procedimento de liquidação de tributos, sempre o dever público que impende sobre a entidade liquidadora é de liquidar apenas o que era devido, devendo, neste caso, assegurar-se de que estava a ter em conta a área correcta. Essa cautela quanto ao apuramento dos elementos que integram o cálculo para apuramento do tributo tem que atravessar de forma consistente todos os procedimentos para evitar o desperdício de recursos públicos com que aqui nos deparamos.
Para além disso, impõe o art.º 60.º da Lei Geral Tributária o direito de audição dos contribuintes antes da liquidação, salvo quando a lei estabelecer em sentido diverso, o que nesta situação não acontece, de resto como concretização do princípio do contraditório plasmado no art.º 5.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
Esta formalidade foi frontalmente preterida. Apesar de poder ser censurável a omissão do contribuinte de declarar a área, o legislador não a sanciona com a retirada do seu direito de audição antes da liquidação, pelo que não pode a entidade liquidadora aplicar tal sanção por não se encontrar prevista na lei.
Se cumprido o direito de audição o contribuinte nada tivesse dito quanto à área do estabelecimento, então teria que funcionar o «tal mecanismo substitutivo» a que se refere a recorrente de «a liquidação ser efetuada com base na informação relevante de que a DGAV disponha nos termos do n.º 2 do artigo 9.º». Se tal tivesse acontecido e a taxa tivesse sido erradamente liquidada, então a entidade liquidadora haveria dado cumprimento a todos os preceitos legais e só ao contribuinte poderia ser imputado qualquer erro que ainda pudesse estar contido na liquidação.
A entidade liquidadora tem que ter no procedimento uma conduta exemplar de rigoroso cumprimento da lei sejam os contribuintes cumpridores ou relapsos. Muitas, ou pelo menos algumas das omissões dos contribuintes devem-se a situações particulares de cada um que muitas vezes estão longe de condutas dolosas ou de evasão fiscal. Mas, em todo o caso, o poder sancionatório dessas condutas que num primeiro olhar parecem de incumprimento, reside no legislador e só ele pode definir sanções para cada incumprimento que, são diversos da liquidação dos tributos.
Estamos perante a preterição de uma formalidade essencial, porque prevista na lei e, tão essencial quanto pode determinar alterações no montante da taxa a liquidar, com a correspondente afectação do património do contribuinte, com consequências sobre a validade do acto subsequente de liquidação cuja conformação só foi possível com base em tal omissão de formalidade essencial do procedimento com violação de direitos fundamentais dos contribuintes, art.º 267.º da Constituição da República Portuguesa”.

Em face da doutrina exposta, não restam dúvidas de que a liquidação da taxa deveria ter sido precedida da audição do interessado. E nem o facto de a Impugnante não ter comunicado os dados relativos à área tributável torna dispensável a participação do contribuinte, ao contrário do que defende o Exmo. Representante da Fazenda Pública.

Para além disso, podemos mesmo acrescentar que em face dos autos não vislumbramos a mínima possibilidade de sanação do acto por (in)demonstração da absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento ser influenciada pela participação da requerente Ac. do STA n.º 01391/14 de 25-06-2015 Relator: FRANCISCO ROTHES
Sumário: I - Destinando-se a audiência dos interessados a permitir a sua participação nas decisões que lhes digam respeito, contribuindo para um cabal esclarecimento dos factos e uma mais adequada e justa decisão, a omissão dessa audição constitui preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão, a menos que seja inequívoco que esta só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto e que, por isso, se impunha aproveitá-la pela aplicação do princípio geral do aproveitamento do acto administrativo.
II - A possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do acto exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso, com vista a aferir se se está ou não perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento ser influenciada pela participação da requerente.
III - Para a formulação do juízo de prognose póstuma, no âmbito de aplicação do princípio do aproveitamento do acto tributário, é irrelevante a procedência ou improcedência dos vícios invocados na impugnação judicial.

Contudo, a MMª juiz não “chegou” sequer à questão do direito de audição. Antes considerou que “...os únicos elementos relevantes que integram processo administrativo resumem-se ao ofício de notificação e à factura remetidas à Impugnante para pagamento da TSAM do ano de 2013 (2.ª prestação) e respectivo aviso de recepção (fls. 7/9). Nada mais consta do processo administrativo, com respeito à liquidação impugnada”. Por isso, defende, estamos perante uma nulidade que carecer em absoluto de forma legal. Tal “nulidade advém, assim, não da omissão de certas formalidades mas da preterição das formalidades (e actos) que, no seu conjunto, formam um certo procedimento administrativo.”.

Sdr, não acompanhamos inteiramente o raciocínio da MMª juiz que nega a existência de procedimento só porque os elementos que integram o processo se resumem ao ofício de notificação e à fatura remetidas à impugnante.
Actos que carecem em absoluto de forma legal são os actos que não obedecem minimamente aos requisitos de forma exigidos por lei, como é o caso de uma pena disciplinar sem prévia instauração do respetivo processo, ou a prática de um ato por despacho quando a lei exige que a sua prática seja levada a cabo por portaria e os atos tributários praticados sem existência de procedimento Jorge Lopes de Sousa in "Código de Procedimento e de Processo Tributário", vol. II pp. 337..

Tomando por base a noção de procedimento tributário como o conjunto de actos concretizadores e exteriorizadores da vontade dos agentes administrativos tributários na sua globalidade designados como Administração tributária Joaquim Freitas Rocha in “Lições de Procedimento e Processo Tributário”, Coimbra Editora, 5ª ed. pp 92. , os documentos que a MMª juiz refere não constituem, certamente, toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários a que alude o art. 54º da LGT e 44º CPPT, mas constituem seguramente uma parte relevante deles. Falta-lhe, pelo menos, o cumprimento do direito ao contraditório que o integra (art. 45º CPPT e 60º LGT) como decidiu o STA, mas daí não podemos concluir que o procedimento esteja de todo ausente, inquinando com nulidade o acto de liquidação por falta absoluta de forma legal.

O acto não enferma de nulidade, mas deverá ser anulado nos termos que deixámos expostos Ac. do STA n.º 0210/12 de 21-11-2012 Relator: PEDRO DELGADO
Sumário: I - A falta de audição do interessado em procedimento administrativo não sancionatório, não implica nulidade, podendo apenas gerar mera anulabilidade da respectiva decisão..
Por conseguinte, a sentença não se pode manter na parte relativa à nulidade, que se degrada em anulação da liquidação, mantendo-se em tudo o mais a douta sentença recorrida.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em revogar a sentença recorrida apenas na parte em que determinou a nulidade do acto, declarando-se antes a sua anulação, mantendo-se em tudo o mais a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 13 de julho de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira